Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
13588/13.7T2SNT-A.L1-1
Relator: AFONSO HENRIQUE
Descritores: ALIMENTOS
EX-CÔNJUGE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/17/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDÊNCIA
Sumário: Face a ratio do novo regime de alimentos referente a cônjuges ou ex-cônjuges e aos critérios definidos no art.º 2016.ºA do CC não pode a requerente solicitar alimentos ao requerido, sendo certo que se provou que a requerente não fez qualquer esforço para conseguir um emprego e está agora legalmente previsto que, “o cônjuge credor não tem o direito de exigir a manutenção do padrão de vida de que beneficiou na constância do casamento” – n.º 3 do citado artº.2016ºA.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Parcial:ACORDAM NESTE TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA (1ª SECÇÃO)
MC, devidamente identificada nos autos, intentou a presente providência cautelar de alimentos provisórios, contra:
AS, também com os sinais completos nos autos.
Pedindo: - A fixação de alimentos provisórios no valor de €430,00 mensais.
Alega, para tanto, em síntese, que:
- É casada com o requerido:
- Não aufere nenhum rendimento, tendo deixado de trabalhar por opção do casal para cuidar dos filhos.
- O requerido tem capacidade económica para lhe prestar alimentos.
Designado dia para julgamento, procedeu-se à sua realização, em 20/06/2013, com observância do formalismo legal, conforme consta da acta, tendo o requerido oferecido a contestação na audiência de julgamento, no âmbito da qual pugnou pela improcedência do pedido de alimentos formulado, cujo teor dá-se aqui por reproduzido, alegando, em síntese, que não dispõe de capacidade económica para prestar alimentos à Requerente, sendo que a família desta já o faz e dispõe de capacidade económica para tal.
Saneada a causa foi proferida a seguinte sentença – parte decisória:
“-…-
Decisão.
- Pelo exposto, julgo a presente providência cautelar de alimentos provisórios parcialmente procedente, por parcialmente provada, e, em consequência, condeno o requerido AS, a entregar à Requerente MC, a título de alimentos provisórios, a quantia de €300,00 (trezentos euros) mensais, até ao dia 8 de cada mês.
Valor do Procedimento Cautelar: €5.160,00 (artº.313.°, nº3, al. a), do CPC).
Custas a cargo da Requerente e do Requerido na proporção do respectivo decaimento.
-…-”
Desta sentença veio o requerido recorrer, recurso esse que foi admitido como sendo de apelação, a subir em separado e com efeito meramente devolutivo.
E fundamentou o respectivo recurso, formulando as seguintes CONCLUSÕES:
(…)
Contra-alegou a recorrida, formulando as seguintes CONCLUSÕES:
(…)
#
Apuraram-se, indiciariamente, os seguintes FACTOS:
(…)
Não resultou provado:
(…)
Fundamentação de Facto:
(…)
#
- O DIREITO
O recorrente não questiona o direito a alimentos, em abstracto, da recorrida mas alega não lhe ser exigível por a sua situação económica não o permitir e a requerente não estar numa situação de carência absoluta de alimentos.
A atribuição dos alimentos à recorrida/requerente foi feita com estes fundamentos expressos na sentença objecto de recurso e que importa sindicar:
“-…-
A requerente e o requerido são casados um com o outro, uma vez que a sentença de divórcio ainda não transitou em julgado.
Nos termos do artº2009º, nº 1, al. a), do Código Civil, estão vinculados à prestação de alimentos, que compreende tudo o que é indispensável ao sustento, habitação e vestuário, entre outros, o cônjuge ou o ex-cônjuge (cfr. artº2003º, nº 1, do Código Civil).
Sendo a requerente casada com o requerido, é sobre este que recai, em primeira linha, o dever de prestar alimentos, só podendo a requerente exigir alimentos aos descendentes, ascendentes e irmãos, caso resulte demonstrado que o cônjuge ou o ex-cônjuge não tenha possibilidades de prestar alimentos - cfr. artº2009º, nºs. 1 e 3, do Código Civil.
O direito a alimentos pode ser pedido a qualquer momento, desde que se verifiquem os requisitos de que depende a sua fixação, isto é, a necessidade de alimentos do alimentando e a possibilidade do obrigado a alimentos em prestar alimentos.
A medida dos alimentos é estabelecida, conforme dispõe o artº2004º, nºs. 1 e 2 do Código Civil, em função dos meios daquele que houver de prestá-los e da necessidade daquele que houver de recebê-los e atender-se-á à possibilidade de o alimentando prover à sua subsistência.
Tratando-se de alimentos provisórios, como é o caso dos autos, tal medida será alcançada através do prudente arbítrio do Tribunal, devendo corresponder ao estritamente necessário para o sustento, habitação e vestuário da requerente, em conformidade com o estabelecido no artº399º, nº2, do CPC.
No caso dos autos e atenta a factualidade apurada, não se suscitam dúvidas quanto à necessidade objectiva da requerente de alimentos.
A requerente não tem emprego, nem rendimentos que lhe permitam assegurar as necessidades de alimentação, vestuário, higiene, telefone e gás.
Apuraram-se os montantes médios mensais despendidos pela requerente com o seu sustento, no montante total de €300,00 mensais - cfr. factos provados nºs. 22 e 23.
Importa atender ao facto de a requerente ter 50 anos de idade e de ser notório, face à sua idade e à conjuntura económica em que nos encontramos, da grande dificuldade que a requerente tem em conseguir trabalho e prover à sua subsistência (cfr. artº2004º, nº 2, do Código Civil).
Acresce que a medida/valor dos alimentos terá que se ajustar às possibilidades do obrigado a alimentos. Relativamente à situação económica do requerido, apurou-se que gere sozinho uma sociedade imobiliária que, em 2010, apresentou, a título de volume de negócios/facturação, a quantia de €339.286,28, em 2011, apresentou, a título de volume de negócios/facturação, a quantia de €205.731,27, e que, em 2012, apresentou, a título de volume de negócios/facturação, a quantia de €104.203,75. O valor declarado a título de custos não se nos afigura relevante nesta sede, uma vez que a sociedade em causa dedica-se à mediação imobiliária e, como tal, não será difícil reduzir custos a fim de aumentar a sua liquidez em prol dos alimentos.
Sendo o requerido quem gere de facto sozinho a sociedade AL, é fácil concluir que o valor declarado no recibo de vencimento não corresponde ao valor que aufere de facto pela actividade que desenvolve na mesma sociedade.
O volume de facturação registado pela sociedade nos anos de 2010, 2011 e 2012, sociedade essa gerida sozinho pelo requerido, faz concluir que o recibo de vencimento que juntou não traduza o efectivo montante pecuniário que o requerido retira por mês da gestão da sociedade.
Ponderando o volume de facturação da sociedade gerida sozinho pelo requerido nos anos de 2010, 2011 e 2012 nos valores supra descritos (cfr. facto provado nº34) e as despesas mensais do requerido inerentes ao seu sustento, e as despesas atinentes ao pagamento da pensão de alimentos aos seus três filhos, no valor total de €840,00, e ponderando as necessidades essenciais da requerente, a qual apresenta despesas essenciais no valor de €300,00 mensais, julgo adequado fixar a pensão de alimentos provisória no valor de €300,00 (trezentos euros) mensais, que o requerido deverá entregar à requerente até ao dia 8 de cada mês.
Com efeito, a requerente demonstrou que carece de alimentos e não resultou demonstrado que o requerido não tem possibilidade económica para prestar alimentos à requerente.
-…-”
- Quid juris?
Sabemos que, com a recente reforma introduzida pela Lei nº61/2008, de 31-10, houve uma profunda alteração da filosofia subjacente à obrigação de prestação de alimentos entre ex-cônjuges.
Hoje, a ideia prevalecente nesta matéria é a de “recíproca solidariedade pós-conjugal” - vide, Remédio Marques, in, “Algumas notas sobre Alimentos” versus o “O Dever de Assistência dos Pais para com os Filhos”, ano 2000, pags.12 e 162.
Os princípios de que está imbuído o novo regime dos alimentos entre ex-cônjuges, posteriormente ao divórcio ou à separação, estão presentemente plasmados nos artºs.2016º e 2016ºA, do CC.
Destes normativo, retira-se que o direito a alimentos entre ex-cônjuges ou cônjuges separados de facto tem carácter excepcional.
Daí que o artigo 2016º nº2, do CC, refira que, “qualquer dos cônjuges tem direito a alimentos, independentemente do tipo de divórcio” e o nº 3 do mesmo preceito legal estabelece que “por razões manifestas de equidade (…) pode ser negado”.
A regra é, portanto e nos termos do artº2016º nº1 do CC, a de que, “cada cônjuge deve prover à sua subsistência, depois do divórcio”.
E, em caso de haver necessidade de arbitrar alimentos a filhos, essa obrigação prevalece sobre qualquer concomitante direito a alimentos reivindicado por um dos cônjuges ou ex-cônjuges - artº2016ºA, nº2, do CC.
O cônjuge divorciado não tem o direito adquirido de exigir a manutenção do nível de vida existente ao tempo em que a comunidade do casal se mantinha.
Isto porque, o dever de assistência, enquanto existir a situação de comunhão decorrente do casamento, tem uma extensão muito maior do que o cumprimento do mero dever de alimentos – vide, Maria Nazareth Lobato Guimarães, in, “Alimentos/Reforma do Código Civil”, 1981, pag.190.
Da mais recente reforma em matéria de alimentos infere-se que vingou, em definitivo, a ideia de que não é concebível a manutenção de um status económico atinente a uma relação jurídica já extinta.
Lembremos a prova mais relevante para a boa decisão deste recurso:
“-…-
- A requerente, MC, e o requerido, AS, casaram um com o outro em 10 de Maio de ..., sem convenção antenupcial, tendo sido proferida sentença de divórcio em ..., não transitada em julgado, no Processo de Divórcio Sem Consentimento do Outro Cônjuge nº ..., da 2ª secção, deste Juízo de Família e Menores de S…, que deu como provado que o aqui requerido saiu de casa em Janeiro de 2009, não mais fazendo vida em comum com a aqui Requerente, desde então até à presente data.
- A requerente desde que se iniciou o casamento deixou de trabalhar para se dedicar em exclusivo à família.
- A requerente e o requerido têm em comum três filhos: MCS, nascida em 4 de Janeiro de 1999, JCS, nascido em 10 de Fevereiro de 2001, e MRCS, nascida em 23 de Junho de 2004.
- Foi fixada regulação das responsabilidades parentais nos autos nº ..., da 3ª Secção, deste Juízo de Família e Menores de …, por sentença homologatória, datada de 04/12/2012, nos termos da qual a residência dos menores foi fixada com a mãe e foi fixada a pensão de alimentos a cargo do pai no valor mensal de €280,00 para cada um dos três menores, no total de € 840,00 mensais.
- A requerente não tem qualquer rendimento ou forma de prover ao seu sustento.
- O requerido é co-titular de quotas na Sociedade “AL -, Lda.”, juntamente com o irmão, JS.
- A requerente vive com os filhos numa casa que pertence à mãe do requerido numa quinta, sendo que o requerido suporta as despesas de electricidade e de água.
- É a requerente quem, diariamente, transporta os filhos para a escola, indo levá-los às 8 horas, vai buscá-los entre as 12 horas e as 13 horas, volta a levá-los após o almoço e vai buscá-los ao final do dia escolar.
- Por vezes, esporádicas, o pai leva os filhos de manhã para a escola.
- É a requerente quem trata das refeições, da casa, do apoio escolar, da ida a médicos e demais necessidades dos menores.
- No início do casamento, foi acordado entre a requerente e o requerido que aquela se desempregaria para cuidar dos filhos.
- A requerente nasceu em 19 de Junho de 1963.
- A requerente está a viver de ajudas de familiares e amigos.
- O requerido vive numa casa arrendada no “…”, pagando de renda a quantia de, pelo menos, €600,00 (seiscentos euros) por mês.
- A requerente não paga renda de casa, nem água, nem luz (é a actual sogra, mãe do requerido, quem suporta estes custos).
- A requerente usa um veículo que carece de arranjos e de combustível para transportar diariamente os filhos.
- A requerente gasta em alimentação para si, por mês, pelo menos, a quantia de €250,00 (duzentos e cinquenta euros).
- A requerente carece ainda de prover às despesas com roupa, higiene, gás e telefone, no montante de, pelo menos, €50,00 (cinquenta euros) por mês.
- O requerido aufere um vencimento da sociedade “AL”, de que é sócio, conjuntamente com o seu irmão.
- No dia 31/10/2012, o requerido auferiu, por conta da sociedade mencionada no facto anterior, com a categoria de Gerente, e na qualidade de vencimento líquido, a quantia de €453,50.
- A sociedade financiou-se junto de diversas entidades bancárias.
- Até 2009, a sociedade “AL” gerava rendimentos que permitiam que o requerido disponibilizasse para a casa, filhos e todas as despesas inerentes, a quantia aproximada de €1.200,00.
- A requerida não procura trabalho, nem meios de subsistência.
- A família da requerente tem possibilidades financeiras de lhe prestar ajudas financeiras regulares, o que ocorre com frequência, e tem ocorrido ao longo dos últimos três anos.
- A requerente não paga renda de casa, nem água, nem electricidade, nem seguro, nem telemóvel, nem automóvel, sendo estes encargos suportados pelo requerido, empresa ou família do requerido.
- Os gastos com a habitação do requerido (renda de casa, no valor de €600,00) são suportados pela empresa.
- Dá-se aqui por reproduzido o teor de todas as declarações de rendimentos, IRS, Informação Empresarial Simplicada e IRC juntos pelo Requerido e que constam de fls. 120 a 265, nos termos dos quais consta que a sociedade mencionada no facto provado nº 6: Em 2010, registou os seguintes valores (cfr. IRS respeitante ao ano de 2010, de fls. 152 a 205); a título de volume de negócios/facturação (Item A500l, p.4 de 54), a quantia de €339.286,28; a título de dinheiro em caixa (Item A5l25, p.5), a quantia de € 3.667,33; a título de custos, a quantia de €262.027,59 (Item A5007, p.4 de 54), a que acrescem várias parcelas, sendo a indicada a quantia de maior valor; a título de dívida à Banca (Item A5l43, p.5), a quantia de €89.500,01; em 2011, registou os seguintes valores (cfr. IRS respeitante ao ano de 2011, de fls.206 a 260); a título de volume de negócios/facturação (Item A500l, p.4), a quantia de €205.731,27; a título de dinheiro em caixa (Item A5l25, p.5), a quantia de € 2.539,97; a título de custos (Item A5007, p.4), a quantia de € 141.266,07, a que acrescem várias parcelas, sendo a indicada a quantia de maior valor; a título de dívida à Banca (Item A5l43, p.5), a quantia de €122.341,52; a título de remunerações dos órgãos sociais (Item A6025, p. 39 de 55), a quantia de 13.489,10; em 2012, registou o seguinte valor (cfr. Declaração de IRC, respeitante ao ano de 2012, de fls. 261 a 265); a título de volume de negócios/facturação (Item 411, p.5), a quantia de €104.203,75.
-…-”
Valorando a factualidade assente à luz dos normativos e princípios supra enunciados e analisados, pensamos que deixou de ser exigível ao recorrente/requerido prestar alimentos à ainda cônjuge de quem está separado desde 2009.
Senão vejamos.
Como a própria sentença recorrida reconhece os alimentos em causa têm a ver com a alimentação, vestuário, higiene, telefone e gás, necessidades estas relativas à própria requerente de alimentos.
A par disto provou-se que a mesma requerente não tem quaisquer despesas com habitação e com os filhos que são asseguradas pelo requerido e pela família de ambos.
Embora se saiba que hoje há uma situação de desemprego generalizada apurou-se que a requerente não fez qualquer esforço para conseguir um emprego, nomeadamente, na sua área (educadora de infância).
Ora, face a ratio do novo regime de alimentos referente a cônjuges ou ex-cônjuges e aos critérios definidos no artº2016ºA do CC não pode a requerente solicitar alimentos ao requerido, sendo certo que, como já se frisou e está agora legalmente previsto, “o cônjuge credor não tem o direito de exigir a manutenção do padrão de vida de que beneficiou na constância do casamento” – nº3 do citado artº.2016ºA.
Finalmente, há que convir que só extrapolando os factos efectivamente provados podemos atribuir ao requerente rendimentos suficientes para, para além das pensões devidas aos seus filhos menores, se estipular uma pensão de alimentos, mesmo que a título provisório, a favor do cônjuge de que está separado desde 2009 e cujo divórcio já foi decretado aguardando-se apenas o trânsito em julgado da respectiva sentença.
DECISÃO
- Assim e pelos fundamentos expostos, os Juízes desta Relação acordam em julgar procedente o recurso e revogam a decisão recorrida, por ser inexigível ao recorrente o pagamento duma pensão de alimentos, mesmo a título provisório, a favor da recorrida.
Custas pela apelada.
Lisboa, 17-9-2013
Relator: Afonso Henrique Cabral Ferreira
1º Adjunto: Rui Manuel Torres Vouga
2º Adjunto: Maria do Rosário Barbosa
Decisão Texto Integral: