Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
7656/15.8TDLSB.L1-5
Relator: JOÃO CARROLA
Descritores: BURLA AGRAVADA
DOCUMENTO AUTÊNTICO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/16/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário: - A determinação do prejuízo decorrente de burla é feita pelo valor do dano, no momento do cometimento do facto, sendo irrelevante a restituição da coisa ou o ressarcimento posterior do prejuízo.
- O bem jurídico protegido pelo crime de burla é o património, globalmente considerado, «como o conjunto de todas as “situações” e “posições” com valor económico detidas por uma pessoa e protegidas pela ordem jurídica».
- Ao lado do património, a burla protege também os valores da lealdade, transparência e boa-fé das transacções, por um lado e por outro, a capacidade de cada pessoa se determinar de forma livre e correcta nas suas disposições de carácter patrimonial.
- O valor jurídico fundamentalmente protegido pela incriminação é o património do ofendido globalmente considerado e entendido, numa perspectiva jurídico-criminal, ou seja, onde caiba, não só, a soma de todos os valores económicos e juridicamente protegidos, mas que os mesmos mereçam a censura penal e por isso estejam abrangidos pela necessária incriminação.
- O reconhecimento de assinatura, efectuado por advogado, no exercício das suas funções, confere fé pública ao documento particular que titulou o mútuo com fiança celebrado.
- Face ao disposto no nº 3 do artº 363º do C.Civil esse documento é havido por autenticado – porque confirmado pelas partes, perante notário, nos termos prescritos nas leis notariais – e para os efeitos do disposto no nº 3 do artº 256º do C.Penal tem a mesma força do documento autêntico.
Decisão Texto Parcial:Acordam, em conferência, na 5.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa:

I.
No processo comum n.º 7656/15.8TDLSB do Juízo Central Criminal de Lisboa, Comarca de Lisboa, o arguido S. foi submetido a julgamento, após ter sido pronunciado da prática de um crime de burla qualificada, p. e p. pelos art.ºs 217º, n.º 1, 218º, n.º 2, al. a) do C. Penal, e de um crime de falsificação de documento autêntico, p. e p. pelos art.ºs 256º, n.º 1, alíneas a) e c) e n.º 3 do C.Penal.
        
Realizada a audiência, foi decidido:
-1. Condenar o arguido J. pela prática, em autoria material de um crime de burla agravada, de valor consideravelmente elevado, p. e p. pelo artº 217 e 218/2/ a), do C.P. na pena de 3 anos de prisão e por um crime de falsificação de documento agravada, p. e p. pelo artº 256, nº1, als. a) e  c) e nº 3 do C.  Penal na pena de 1 ano e 6 meses de prisão.
2. Em cúmulo condenar o arguido na pena única de 3 anos e 6 meses de prisão.
3. Nos termos do disposto no artº 50 do C. Penal suspender a execução desta pena por igual período.”
Inconformado com a decisão, veio o arguido interpor recurso da mesma, com os fundamentos constantes da respectiva motivação que aqui se dá por reproduzida e as seguintes conclusões:
 “I. A consumação do crime de burla depende da ocorrência de um efectivo prejuízo patrimonial.
II. O prejuízo patrimonial efectivo deverá ser determinado através da aplicação de critérios objectivos de natureza económica à concreta situação patrimonial da vítima, concluindo-se pela existência de um dano sempre que se observe uma diminuição do valor económico por referência à posição em que o lesado se encontraria se o agente não houvesse realizado a sua conduta.
III. A CEMG foi integralmente paga do capital mutuado, juros e encargos por um dos avalistas e a assistente não sofreu nenhuma diminuição patrimonial efectiva porque, tendo sido executada pela primeira, opôs-se mediante embargos com sucesso.
IV. A inexistência da garantia traduzida na fiança da assistente não representou nenhuma desvalorização económica patrimonial para a CEMG, porque esta última aceitava exonera-la do contrato de mútuo com fiança onde consta a assinatura suspeita.
V. O empréstimo nº ... foi integralmente utilizado no pagamento do empréstimo nº ....
VI. A assistente assinou o contrato de empréstimo nº ... de livre e espontânea vontade e com plena consciência do significado e do conteúdo das obrigações que estava a assumir enquanto fiadora.
VII. Com a celebração do contrato nº ..., a assistente deixou de estar obrigada pelo contrato nº ..., que se extinguiu, para passar a estar obrigada no primeiro, pelo mesmo montante e em termos mais favoráveis, pelo que a dita celebração não representou nenhum desvalor económico para si.
VIII. Não se encontra preenchido o elemento objectivo do tipo do crime de burla traduzido na ocorrência de prejuízo efectivo no património da CEMG ou da assistente.
IX. Não foi produzida prova directa de que foi o arguido que apôs a assinatura suspeita no contrato de Mútuo co Fiança, nem que encarregou outrem de a apor a seu mando.
X. A valoração da prova retirada por presunção exige a verificação de uma pluralidade de factos indiciários plenamente provados ou absolutamente credíveis, a relacionação com o facto a provar e a racionalidade da inferência, bem como a necessidade de expressar o iter da inferência e a de demonstrar o facto indiciário que é a base desta última, por prova directa.
XI. A fundamentação do facto, fixado por presunção, segundo o qual foi o arguido ora recorrente quem apôs a assinatura suspeita no contrato, ou encarregou outrem de a apor a seu mando, alicerçou-se unicamente nos factos periféricos, demonstrados de forma directa, de que o arguido possuía os dados de identificação e documentos assinados pela assistente e que foi ele que pediu à advogada que reconhecesse a assinatura da mesma.
XII. Para além destes factos, os demais fundamentos são conclusões retiradas das regras da experiência, através das quais se procurou explicar a relacionação daquele facto com o facto a provar, bem como a lógica e o iter da inferência.
XIII. A douta sentença recorrida não valorou o facto de o relatório pericial de exame à assinatura da assistente não ter chegado a resultados conclusivos quanto à probabilidade da autoria da assinatura suspeita ser do arguido ou da advogada Dra. DC.
XIV. A douta sentença recorrida não valorou o facto de que todos os intervenientes no contrato que contém a assinatura suspeita terem interesse na sua celebração, incluindo a assistente.
XV. A douta sentença recorrida não valorou o facto de a assistente ter recusado a assinatura no contrato como retaliação, no âmbito de um conflito familiar com o arguido por causa do filho mais velho de ambos.
XVI. A douta sentença recorrida não ponderou a hipótese de ter sido a assistente a mandar outrem apor a assinatura suspeita no contrato, tendo em conta a possibilidade de arguir a sua falsidade para se libertar das obrigações que assumiu no contrato de empréstimo nº ....
XVII. A douta sentença recorrida, ao não valorar nenhum destes factos, nem ponderar esta hipótese, violou o princípio in dubio pro reo, pois os mesmos instalam uma dúvida inultrapassável quanto à autoria material ou moral da assinatura suspeita.
XVIII. Não estando provados suficientes factos indiciários, periféricos ao facto a provar ou interrelacionados com este último, dos quais se possa deduzir, objectivamente e com o auxílio de uma regra da experiência, o facto a provar, forçoso é concluir que, também por aqui, o tribunal a quo violou o princípio in dubio pro reo.
XIX. A fundamentação da imputação ao arguido da autoria da assinatura suspeita, baseia-se em factos indiciários insuficientes, sendo que a sua relacionação, bem como a racionalidade e o iter da inferência com o facto a provar, resultam de meras conclusões retiradas de regras da experiência comum e não de nenhum outro facto indiciário relevante, apurado de forma directa.
XX. Pelo que não se pode considerar provado que o arguido praticou o crime de falsificação.
XXI. E também não se poderá considerar preenchido o elemento objectivo do tipo traduzido na verificação dum comportamento astucioso e/ou ardiloso por parte do agente que induziu o sujeito passivo em erro sobre a realidade fáctica, que é outro dos elementos objectivos do tipo do crime de burla.
XXII. As competências decorrentes do D.L. nº 76-A/2006, de 29/03, para os advogados, entre outras entidades privadas, não lhes confere a qualidade de autoridades públicas, uma vez que estas actuam sempre no exercício de prerrogativas de direito público.
XXIII. A presunção de que os actos dos advogados são verdadeiros, decorre dos deveres deontológicos que estão legalmente vinculados a cumprir pelo Estatuto da sua própria Ordem profissional e não de quaisquer prerrogativas de direito público.
XXIV. O reconhecimento por advogados das assinaturas dos intervenientes no contrato que contém a assinatura suspeita não lhe confere a mesma força que um documento autêntico, por falta do elemento de fé pública inerente aos actos praticados pelas autoridades no exercício das suas prerrogativas de direito público.
XXV. Não se encontra preenchido o elemento objectivo do tipo de falsificação na forma agravada, que exige que aquele incida sobre documento autêntico ou com igual força.
XXVI. A douta sentença recorrida violou, nomeadamente, as normas do artigo 32º, nº 4 da CRP e dos artigos 217º, nº 1 e 256º, nºs 1 e 3 do CP.
XXVII. A douta sentença condenatória deverá ser revogada e substituída por decisão que absolva o arguido ora recorrente dos crimes por via dos quais vem condenado.”
Termina no sentido da sua absolvição.

O Digno Magistrado do Ministério Público respondeu, concluindo:
“1 – Carece de razão o recorrente, nos fundamentos de facto e de direito aduzidos na sua douta motivação;
2 - E sendo que o Tribunal recorrido, não só não violou qualquer das diversas normas indicadas na douta motivação, como também fez uma criteriosa apreciação e valoração da prova produzida em audiência de discussão e julgamento, e uma judiciosa aplicação do Direito, e estando também suficientemente fundamentada a decisão sob recurso;
3 – Outrossim, se nos afigura ter sido feita uma salutar aplicação in casu do princípio processual basilar da livre apreciação da prova consagrado no artº 127º do C.P.Penal;
4 - Contrariamente ao sustentado pelo recorrente, da leitura do Acórdão recorrido ressalta a enorme clareza do texto e do sentido da decisão, não existindo a mais pequena obscuridade ou contradição, daí que o texto da decisão se mostre integralmente lógico, bem estruturado e devidamente fundamentado, sendo que o mesmo não enferma de qualquer vício, nomeadamente, dos previstos no n.º 2 do art. 410.º do Código de Processo Penal;
5 - O Acórdão recorrido fundamentou devidamente os factos que deu como assentes, nada resultando que tenha apreciado a prova produzida em julgamento de forma discricionária e subjetiva; nem está ferido de qualquer nulidade que o invalide, mormente a cominada no artº 379º nº 1 al. a) do C. P. Penal;
6 - Da leitura do Acórdão recorrido constata-se que no exame crítico levado a efeito se seguiu um processo lógico e racional na apreciação da prova e que esta foi apreciada segundo as regras da experiência e a livre apreciação do Tribunal, nos termos do disposto no art. 127.º do Código de Processo Penal;
7 - O Acórdão recorrido de forma alguma pode ser tido como uma decisão arbitrária e contrária às regras da experiência, sendo que a prova foi corretamente apreciada e não ocorreu qualquer erro de julgamento;
8 – De igual modo, não se mostra violado o princípio constitucional da presunção da inocência;
9 – Por conseguinte e de acordo com o plasmado no douto acórdão sob recurso, evidente se tornou a prática pelo recorrente de todos os crimes que lhe foram imputados;
10 - Consequentemente, entendemos que deve ser negado provimento ao recurso interposto pelo arguido.”

Neste Tribunal, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta elaborou parecer em que remete para a resposta apresentada em primeira instância, propugnando a improcedência do recurso.
Foi dado cumprimento ao artigo 417.º n.º 2 do C.P.Penal, não tenho sido oferecida resposta.

II.
Colhidos os vistos legais, cumpre agora apreciar e decidir.
Da sentença recorrida consta a seguinte:
Factos provados
 1. O arguido J. foi casado com a assistente A. , até 14.11.2006, data em que se divorciaram por mútuo consentimento.
2. Não obstante o divórcio, o arguido e a assistente continuaram a viver maritalmente até Novembro de 2011 e a partilhar a mesma casa até Agosto de 2013.
3. O arguido possuía os dados de identificação e documentos assinados pela assistente.
4. Em 17.04.2012, em Leiria, foi celebrado entre a Caixa Económica Montepio Geral e a “S. , Lda”, um “Contrato de Mútuo e Fiança” com o nº …,, no qual era mutuado pela primeira à segunda a quantia de €130.000,00, pelo prazo de 36 meses.
5. Este contrato foi efectuado no âmbito de uma reestruturação de dívida da “S. ” ao Montepio Geral decorrente de anteriores contratos de mútuo celebrados entre as duas partes.
6. Nesse contrato, o arguido S. e a assistente A. figuravam como fiadores.
7. Sucede que o arguido S. , ou alguém a seu mando, veio a apor no contrato acima mencionado, em data não concretamente determinada, posterior a 17.04.2012 e anterior a 11.07.2012, no local destinado aos fiadores e terceiros contraentes, a assinatura de A. , como se da própria se tratasse.
8. Em 11.07.2012, às 10h.38m, DC, portadora da Cédula Profissional ..., que prestava serviços, na qualidade de advogada, ao arguido S. , registou online o reconhecimento presencial da assinatura de A.  no referido contrato, sob o n.º .../1055.
9. Atestando, nesse acto de reconhecimento com menções especiais presenciais: “Reconheço a assinatura aposta no Contrato de Mútuo e Fiança com a Caixa Económica Montepio Geral e com o n.º …, na qualidade de avalista da Sra. A. , portadora do cartão de cidadão n.º ..., válido até 24/01/2014, emitido em Lisboa, o que conferi pela exibição do respectivo cartão de cidadão e que posteriormente devolvi”.
10. O montante mutuado foi creditado pelo Montepio Geral, em 3.08.2012, na conta nº ...da “S. ” e, nesse mesmo dia, foi debitado o montante de 120.813,34€ pelo Montepio Geral, por conta do empréstimo ....
11. As prestações devidas à Caixa Económica Montepio Geral não foram pagas pela “S. ”.
12. Por esta razão, A.  veio a ser demandada, como executada, pela Caixa Económica Montepio Geral (CEMG), no processo n.º 3543/15.7TDLSB, da 2ª Secção de Execução – J1, da Instância Central de Pombal, Comarca de Leiria, pelo valor de €156.086,41.
13. O arguido J. agiu livre voluntária e conscientemente querendo, apor no Contrato de Mútuo e Fiança com o n.º ...a assinatura de A. , como se da própria se tratasse, apresentando o mesmo a DC que atestou o reconhecimento da assinatura de Ana Paula Salgado nesse contrato, bem sabendo que tal reconhecimento, emitido por advogado conferia fé pública aos documentos.
14. Por essa forma, o arguido logrou ludibriar e prejudicar a Caixa Económica Montepio Geral e A. .
15. O arguido estava ciente que colocava em causa a genuinidade da assinatura de A. , bem como dos reconhecimentos emitidos por advogados nas circunstâncias descritas.
16. O arguido criando a convicção da assinatura de A. , ofereceu uma garantia adicional no contrato de pagamento da fiança, que não lhe era devido e causou prejuízo à Caixa Económica Montepio Geral e a A. , que veio a ser executada judicialmente.
17. O arguido sabia que tal conduta não lhe era permitida e, ainda assim, agiu deliberada, livre e consciente em todos os actos descritos.
18. O arguido tem averbadas no CRC as seguintes condenações:
Em 23.06.2005 por um crime de injúria, praticado em 17.10.2002, na pena de 90 dias de multa. Esta pena foi declarada extinta em 17.11.2006.
Em 10.02.2011 por um crime de abuso de confiança fiscal, praticado em 14.07.2003, numa pena de 1 ano e 6 meses de prisão suspensa por 4 anos com condição de pagar à Administração Tributária o montante de 756.835,55€. Esta pena foi declarada extinta em 24.01.2017 (proc. nº 336/04.1IDPRT da antiga 4ª Vara Criminal do Porto).
19. Condições pessoais do arguido
Cresceu num ambiente familiar funcional e afectuoso. Licenciou-se em gestão na Universidade Internacional.
Parte do percurso académico do arguido foi realizado na qualidade de trabalhador- estudante.
Exerceu funções de assessoria, gestão de serviços de contabilidade e gestão financeira/contabilidade, tendo realizado vínculos contraturais por conta de outrem.
Foi TOC durante 30 anos e criou negócios no ramo da segurança.
Divorciou-se em 2006 mas manteve a coabitação com a ex-cônjuge até à data supramencionada.
Tem dois filhos com dezassete e doze anos de idade.
Depois da separação estabeleceu nova relação afectiva vivendo actualmente com a companheira, dois filhos menores desta e o filho mais velho do arguido.
A companheira é directora financeira numa das sociedades do arguido.

FACTOS NÃO PROVADOS
Com relevância para a decisão da causa não se provaram outros factos e nomeadamente não se provou que:

Da contestação:
ü     o arguido não tivesse em seu poder (os) dados de identificação da assistente.
ü     em 10.07.2012 a assistente tivesse assinado o contrato de fiança referido no artº 3 ou tivesse mandado alguém assiná-lo por ela.
ü  na mesma data a assistente tivesse entregado o seu cartão de cidadão ao arguido  para que este tratasse do reconhecimento da sua assinatura no contrato;
ü    no dia 11.07.2012 o arguido tivesse devolvido o cartão de cidadão à assistente.

Não se incluíram no elenco dos factos provados os factos conclusivos, e com interesse para a decisão da causa não se provaram os factos alegados, contrários ou diversos dos que foram dados como provados.

 FUNDAMENTAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO

O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, sendo apenas as questões aí sumariadas as que o tribunal de recurso tem de apreciar, conforme jurisprudência uniforme do STJ (cfr. Ac. STJ de 28.04.99, CJ/STJ, ano de 1999, p. 196 e jurisprudência ali citada), sem prejuízo das de conhecimento oficioso, designadamente os vícios indicados no art.º 410º n.º 2 do C.P.P. (cfr. Ac. STJ para fixação de jurisprudência nº 7/95, de 19/10/95, publicado no DR, série I-A de 28/12/95).
Face às conclusões da motivação do recurso, as questões suscitadas são:
1. Se se verifica o preenchimento dos elementos do tipo de burla agravada;
2. Se existe prova suficiente do facto provado 7 (aposição da assinatura);
3. Se se verifica o preenchimento dos elementos do tipo de crime de falsificação agravada;
4. Se se mostra violado o principio in dubio pro reo.

A primeira das questões diz respeito a saber se se verifica o preenchimento dos elementos objectivos e subjectivo do tipo de burla, argumentando o recorrente a inexistência de prejuízo patrimonial efectivo, discorrendo que aparta a respectiva aferição entende ser “adequado seguir um conceito objectivo-individual do dano patrimonial, segundo o qual este deverá determinar-se através da aplicação de critérios objectivos de natureza económica à concreta situação patrimonial da vítima, concluindo-se pela existência de um dano sempre que se observe uma diminuição do valor económico por referência à posição em que o lesado se encontraria se o agente não houvesse realizado a sua conduta”.
Mais alega que a CEMG “foi integralmente paga de todo o capital mutuado, juros e encargos pelo avalista Dr. JG ” e que “Se a CEMG entendia que a fiança da assistente não era determinante para a conclusão do contrato, as regras da experiência e do normal acontecer (nomeadamente, na perspectiva do negócio bancário), permitem concluir que era porque não lhe atribuía valor económico significativo, de modo a considerar que ficaria numa posição mais fragilizada sem a dita garantia”, e que se “não se veio constituir assistente nos autos, nem deduzir nenhum pedido cível, nem intervir por qualquer outra forma no processo, o que por si só indicia que não se considera lesada com o comportamento imputado ao arguido”, conclui que “o comportamento imputado ao arguido não deu causa a nenhum prejuízo efectivo à CEMG”.
Por outro lado, “a assistente não teve nenhuma diminuição patrimonial de facto por via da dívida exequenda” pois, a própria, “veio justificar a desistência do pedido de indemnização civil com a declaração de que tinham sido julgados procedentes os embargos que deduziu contra a CEMG, no processo nº 3543/15.8T8PBL-B, que correu termos no Tribunal Judicial de Leiria (fls. 1004), que é o processo a que se refere o ponto 12 dos factos provados”.
Desenvolve ainda o recorrente argumentos acerca da finalidade de celebração do contrato em que pretensamente foi aposta a assinatura da assistente para chegar á conclusão que “a celebração do contrato que contém a sua assinatura suspeita não representou nenhum desvalor económico perante a posição que ocupava no contrato mais antigo e que se extinguiu, pelo que a assistente, ao contrário do que foi concluído na douta sentença, não sofreu nenhum prejuízo efectivo com a celebração do contrato nº ….”

Os termos em que o recorrente desenvolve a questão posta, mormente através do recurso a depoimentos de testemunha e da própria assistente, citando-os, indica que verdadeiramente não pretende insurgir-se quanto à integração jurídica dos factos, na vertente do preenchimento do tipo, como eloquentemente anuncia na conclusão 1ª, mas, antes, impugnar a matéria de facto provada, mais especificamente o segmento final do indicado com o n.º 16.
Nesta última perspectiva, a da impugnação da matéria de facto, inexiste qualquer razão para criticar a opção do Colectivo na medida em que, contrariamente à forma simplista e linear como o recorrente pretende demonstrar a inexistência de qualquer prejuízo, seja para a CEMG seja para a assistente, a efectiva demonstração desse prejuízo para a CEMG assenta na necessidade que houve de interpelar judicialmente a assistente para obter o pagamento da quantia mutuada, sendo irrelevante para aqui a natureza substitutiva do segundo dos contratos, “falsificado na garantia”, ou a qualidade de “garante” que a assistente tinha no primeiro deles, o renegociado.
O facto de a CEMG ter vindo mais tarde a obter o pagamento da quantia mutuada, seja mediante o pagamento pela devedora seja por algum dos “garantes” (avalistas ou fiadores) não afasta que esse prejuízo se manifestou e ocorreu em momento anterior a esse pagamento (só assim se compreende a interpelação judicial com vista a obter o respectivo pagamento) e, por decorrência da celebração do contrato em questão, até porque a quantia mutuada no segundo (€130.000,00) era maior que no primeiro (120.813,34€), esta efectivamente paga para o resgatar. Assim e no mínimo, o prejuízo sempre teria de ser equivalente a esse diferencial.
A determinação do prejuízo é feita pelo valor do dano no momento do cometimento do facto sendo irrelevante a restituição da coisa ou o ressarcimento posterior do prejuízo.
Já por relação à própria assistente, o facto - a desistência do pedido de indemnização civil com a declaração de que tinham sido julgados procedentes os embargos que deduziu contra a CEMG - posto em relevo pelo recorrente como revelador da ausência de prejuízos, próprios daquela, decorrentes da imputada conduta do arguido também não pode merecer a nossa concordância nessa leitura.
Não pode ignorar o recorrente que a mera interpelação judicial da assistente para pagar, decorrente da pretensa qualidade de garante no contrato de mútuo da obrigação de pagamento, acarreta prejuízo, não apenas reputacional, mas também patrimonial, no mínimo, com as despesas inerentes à sua defesa.
Daqui extraímos que em termos de impugnação a matéria de facto provada, as provas postas em relevo pelo recorrente em abono da sua pretensão não impõem qualquer alteração quanto a esta aspecto factual concreto da existência de prejuízo causado à CEMG e à assistente.
Na perspectiva de integração jurídica dos factos, diremos que o bem jurídico protegido por tal crime é o património, globalmente considerado, «como o conjunto de todas as “situações” e “posições” com valor económico detidas por uma pessoa e protegidas pela ordem jurídica» [Almeida Costa, “Comentário Conimbricense do Código Penal - Parte Especial”, Tomo II, pág. 279.].
Trata-se de um crime de dano, pois só se consuma com a ocorrência de um prejuízo efectivo no património do sujeito passivo da infracção (o burlado) ou de um terceiro. Consuma-se o crime com a saída das coisas ou dos valores da esfera de “disponibilidade fáctica” do sujeito passivo ou da vítima, razão por que consubstancia um crime material ou de resultado [Idem, pág. 276].
Ora, o valor jurídico fundamentalmente protegido pela incriminação é o património do ofendido globalmente considerado e entendido, numa perspectiva jurídico-criminal, ou seja, onde caiba, não só, a soma de todos os valores económicos e juridicamente protegidos, mas que os mesmos mereçam a censura penal e por isso estejam abrangidos pela necessária incriminação.
Na verdade, ao lado das outras duas possibilidades de definição do valor património para efeitos de concretização do mesmo como bem jurídico fundador de uma norma penal, concretamente, as concepções meramente conjunto de direitos ou obrigações patrimoniais e a segunda, assumindo aquele pela mera massa de correspondentes valores que fossem economicamente computáveis, crê-se que a noção jurídico-criminal de património é a que melhor se adapta ao figurino legal.
Desta forma e na esteira dos ensinamentos colhidos no Comentário Conimbricense do C. Penal, Tomo II, pág. 275 e segs, importa ter em conta que a noção de património, tal como ela foi desenvolvida pelo pensamento civilístico, ainda que servindo necessariamente de referência para a hermenêutica penal, em caso algum a limita, pela necessidade de prever, em termos criminais, situações cujo tratamento meramente civil seria diverso.
Daí, a premência de ter uma noção de património para efeitos de subsunção legal ao tipo previsto no art.º 217 do C. Penal suficientemente ampla, isto é, uma concepção que assuma, em definitivo, essas duas vertentes do conceito: a definição civilística dos direitos subjectivos de carácter patrimonial, e a óptica penal, pela qual, o que importa é penalizar todo o comportamento de onde resulte uma diminuição de todo e qualquer direito, valor, bem, expectativa ou prestação patrimonial do ofendido.
Para além deste bem jurídico fundamental que preside à base da tutela penal, outros existem, ainda que subsidiariamente, ou, dito de outro forma, adjuvantemente, no sentido da cristalização da norma.
Com efeito, ao lado do património, a burla protege também os valores da lealdade, transparência e boa-fé das transacções, por um lado e por outro, a capacidade de cada pessoa se determinar de forma livre e correcta nas suas disposições de carácter patrimonial.
Dito de outra forma, em cada crime de burla, para além da ratio subjacente ao património, existe uma clara violação da confiança e da boa-fé de alguém, que na relação com o agente actuou de forma leal e transparente julgando estar a actuar de forma correcta de acordo com o cenário fáctico que lhe foi induzido; por outro lado, ou, se se quiser, analisando a mesma realidade objectiva que é o erro do burlado mas agora sob o foco subjectivista, em cada um de nós existe o direito à livre disponibilidade do nosso acervo patrimonial, necessariamente assumida após aquilo que julgamos ser uma correcta apreciação dos factos, assente numa vera informação dos mesmos.
Acresce ainda - mesmo que alguns autores, pretendam dizer que já não se está no domínio da acção típica mas do evento considerado em si mesmo e na dinâmica que este exige - o prejuízo patrimonial da vítima, como elemento imprescindível para o cometimento do crime e o nexo de causalidade, necessariamente duplo, entre o engano provocado pelo agente, os actos cometidos pela burlado e o prejuízo patrimonial deste.
Na sequência do que já acima afirmámos, independentemente da finalidade pretendida de reestruturação de divida já existente com a celebração do segundo contrato de mútuo, certo é que por consequência do contrato em questão nos factos houve transferência patrimonial da parte da CEMG para as contas da sociedade, o que não aconteceria se a assinatura em questão não fosse feita, como resulta da exigência manifestada pela testemunha José Magalhães chamada a esta discussão por parte do recorrente (fez questão de sublinhar que não dispensava a assinatura da assistente).
Argumenta ainda o recorrente por relação à CEMG que esta não se constituiu assistente nos autos, não deduziu pedido de indemnização civil nem interveio por qualquer outra forma no processo, o que por si só, conclui, indicia que não se considera lesada com o comportamento imputado ao arguido. Com o devido respeito pela interpretação que o recorrente pretende retirar do comportamento processual da CEMG, não poderá o mesmo desprezar o facto de muito dificilmente poder deduzir pedido de indemnização civil no presente procedimento na medida em que já havia intentado acção, mormente contra a assistente, na jurisdição civil para obter o pagamento do empréstimo e que veio a obter esse pagamento através do avalista Dr. JG , conforme o mesmo relatou em audiência e o recorrente fez notar na sua alegação de recurso.
Nenhuma razão asiste ao recorrente neste particular.
 
A segunda das questões incide sobre a (in)existência de prova suficiente do facto provado 7 (aposição da assinatura), manifestando o recorrente a não suficiência do relatório pericial feito à assinatura do documento (que apresentou apenas um resultado de “muito provável”) e especulando acerca dos motivos indicados pela assistente relativos à sua não autoria de tal assinatura que veio a culminar numa pretensa retaliação por conflito relacionado com o filho mais velho de ambos.
Com o devido respeito pela leitura pessoal da prova que o recorrente faz, a formação a convicção do colectivo neste aspecto particular mostra-se isento de críticas ou reparos.
Na realidade, se o exame pericial à letra/assinatura se ficou pelo “muito provável” o que só por si não seria suficiente para a afirmação da não autoria da assinatura pela assistente, a versão apresentada por esta em que negou essa autoria e as razões que adiantou [em Novembro de 2011 lhe penhoraram o salário, altura em que perdeu totalmente a confiança no ex-marido] para a recusa de assinaturas, não apenas desta mas todas após esta data, mostram-se conferidoras de credibilidade desse depoimento, o qual, dentro dos poderes de livre apreciação da prova a que alude o art.º 127º CPP, se mostra plausível com essas mesmas provas.
Mesmo o enfoque dado pelo recorrente ao uso de presunções pelo tribunal no sentido de que “apesar de a prova pericial ao exame da assinatura da assistente ter concluído que é muito provável que não tenha sido esta última a autora da mesma, também concluiu que “a quantidade e qualidade das semelhanças e diferenças registadas no confronto da escrita suspeita da assinatura (doc. 1) com os autógrafos de J. e com os de DANIELA PATRÍCIA SOUSA CARNEIRO, bem como as limitações mencionadas na Nota, não permitem obter resultados conclusivos” (fls 288), pelo que tem que ficar afastada a presunção de que tenha sido o arguido ou a advogada os autores da assinatura suspeita” não pode merecer a concordância deste tribunal.
Como se refere no ac. Relação de Évora de 03/03/2015, in www.gde.mj.pt/jtre: “Antes de mais, importará tecer algumas considerações gerais sobre a relação entre prova directa e prova indirecta, em processo penal.
Neste ramo do direito processual, os meios de prova estão sujeitos a um princípio de legalidade, definido pelo art. 125º do CPP, segundo o qual são admissíveis as provas que não forem proibidas por lei.
Trata-se de um princípio de legalidade de dimensão puramente negativa que se não desdobra num princípio de tipicidade, o que equivale a dizer que pode servir de prova tudo aquilo que a lei não proíbe e não apenas aquilo que a lei permite.
A prova indirecta é também designada por prova por presunção judicial e ocorre quando o Tribunal inferir um facto conhecido de um facto desconhecido (art. 349º do CC).
Tal meio de prova não deve ser confundido com a presunção legal de prova que se verifica quando a lei impõe que, reunidos determinados requisitos, se dê como assente certo facto, independentemente da sua prova material.
Em processo penal, pelo menos no que se refere aos factos desfavoráveis ao arguido, as presunções legais de prova são manifestamente incompatíveis com o princípio constitucional da presunção da inocência, consagrado no nº 2 do art. 32º da CRP, e a regra «in dubio pro reo» que dele emerge.
Diferentemente sucede com as presunções judiciais.
Este último tipo de prova assume frequentemente relevância decisiva para demonstração de factos de natureza subjectiva, o que invariavelmente sucede quando faltem declarações confessórias do arguido.
A problemática das presunções situa-se no espaço de articulação entre aquilo a que podemos chamar a verdade processual e a verdade material dos factos.
Nas categorias de processos diferentes do processo penal, mormente, no processo civil, são frequentes situações em que se impõe uma determinada verdade processual, independentemente da averiguação da verdade material.
Pelo contrário, no processo penal, o princípio constitucional da presunção da inocência obriga a que, na prova dos factos constitutivos e agravantes da responsabilidade criminal do arguido, a verdade processual coincida com a verdade material, tanto quanto for humanamente possível garanti-lo.
Por essa razão, mesmo a confissão integral e sem reservas dos factos da acusação pelo arguido (por muitos considerada a «regina probationem») deve ser rejeitada pelo Tribunal, quando este tenha razões para duvidar se foi prestada livremente ou se os factos confessados são verídicos, como dispõe o art. 344º nº 3 al. b) do CPP.
Ora, a prova por meio de presunção judicial não implica a imposição de uma verdade processual, independentemente e, se necessário, em detrimento da verdade material, mas antes constitui um meio de chegar à verdade material, diferente da prova directa.
Nesta conformidade, o uso desse meio de prova em processo penal, mesmo para demonstrar factos desfavoráveis ao arguido, não é irreconciliável com postulado da presunção de inocência e, de um modo mais geral, com o ordenamento jurídico próprio de um Estado de direito.

Na verdade, a prova por presunção judicial de fatos desfavoráveis ao arguido (mais precisamente, factos constitutivos ou agravantes da sua responsabilidade criminal) não deve ser vista como uma derrogação ou sequer um afrouxamento da regra «in dubio pro reo», mas antes se encontra integralmente subordinada a esta.
Como tal, o Tribunal só deve dar como provado um facto desconhecido com base num facto conhecido, através de um raciocínio lógico que lhe permita deixar de lado qualquer hipótese factual alternativa que não seja de rejeitar por contrária aos critérios que devem orientar a apreciação probatória, mormente, a experiência comum, a lógica geralmente aceite e o normal acontecer das coisas.
Por conseguinte, nada obsta, à luz dos princípios que regem a prova em processo penal, designadamente, o da presunção de inocência do arguido e o postulado «in dubio pro reo», que lhe está associado, a que o Tribunal «a quo» tivesse lançado mão de prova indirecta para dar como demonstrado que o arguido incorreu nas condutas objectivas descritas nos pontos 2 e 3 da matéria de facto exposta na sentença recorrida.”
Ora, voltando ao caso concreto, temos como facto provado, de resto não contestado, que O arguido possuía os dados de identificação e documentos assinados pela assistente.(facto 3), a confissão (embora num pressuposto diferente da autoria da assinatura por parte da assistente) feita por este que entregou o contrato  no escritório à advogada e para o reconhecimento facultou as cópias dos documentos de identificação da assistente (cfr. fundamentação a pág.10), o resultado, apesar de não completamente conclusivo, acerca da não autoria pela assistente da controversa assinatura, revelado no exame pericial e que o Colectivo valorou em termos finais [ “Conjugando as conclusões do exame pericial, que apontam para o “muito provável” que a assinatura aposta no contrato não seja da autoria da Ana Paula Salgado, com as declarações da assistente que negou, com lógica, que tivesse assinado o contrato – contextualizou os factos, localizou-os no tempo e explicou, com coerência, as razões porque, nesse período, em concreto, não podia ter assinado o documento - com a versão contraditória e pouco credível do arguido e com as regras da experiência comum, ficámos plenamente convencidos de que só o arguido, ou alguém a seu mando, podia assinar o contrato em nome da assistente, sendo, além do mais, inquestionável que o arguido tinha interesse nessa assinatura.”] demonstra uma criteriosa aplicação de presunção judicial para a afirmação do facto 7 como provado quanto à atribuição da autoria da assinatura ao arguido ou a alguém a seu mando.
Manifesta ainda o recorrente a sua discordância quanto ao preenchimento dos elementos do tipo de crime de falsificação agravada, mediante a consideração que “O artigo 38º do D.L. nº 76-A/2006, de 29 de Março, ao adoptar medidas de simplificação e eliminação de actos e procedimentos notariais e registrais, atribuiu competência aos advogados e a outras entidades privadas (nomeadamente, solicitadores, correios e câmaras de comércio e indústria) para fazer reconhecimentos simples e com menções especiais, presenciais ou por semelhança, entre outros actos.
No entanto, esta competência não confere aos seus titulares a qualidade de autoridades públicas, uma vez que estas actuam sempre no âmbito de um regime de direito público, mediante o exercício das respectivas prerrogativas.
Estes atributos não se enquadram nas funções do advogado, sendo que a presunção de que os actos são verdadeiros decorre dos deveres deontológicos estabelecidos no Estatuto da sua própria Ordem profissional (artigos 83.º, n.º 2, e 85.º, n.º 2, al. a), do Lei nº 145/2015, de 9 de Setembro).
Pelo que, no caso, o reconhecimento por advogada das assinaturas dos intervenientes no contrato que contém a assinatura suspeita não lhe confere a força de documento autêntico, por falta do elemento de fé pública inerente aos actos praticados pelas autoridades no exercício das suas prerrogativas de direito público.”

A questão relativa ao preenchimento da circunstância agravativa/ qualificativa prevista no n.º 3 do art.º 256 do C.P. foi feita com base na seguinte argumentação no acórdão recorrido: “Como vimos vem imputada ao arguido a qualificação prevista no nº 3 do artº 256 do C.P.
Resulta deste preceito legal que se os factos acima referidos disserem respeito a documento autêntico ou com igual força (…) o agente é punido com pena de prisão de seis meses a cinco anos ou com pena de multa de 60 a 600 dias.
No caso em apreço a “falsificação” recai sobre um documento particular – contrato de mútuo com fiança – com assinaturas dos respectivos intervenientes, reconhecidas por advogados.

Sobre a definição de documento autêntico ou com igual força, dispõe-se no artº 363 do Código Civil:
1. Os documentos escritos podem ser autênticos ou particulares.
2. Autênticos são os documentos exarados, com as formalidades legais, pelas autoridades públicas nos limites da sua competência ou, dentro do círculo de actividade que lhe é atribuído, pelo notário ou outro oficial público provido de fé pública.
3. Os documentos particulares são havidos por autenticados, quando confirmados pelas partes, perante notário, nos termos prescritos nas leis notariais.

Dispõe, por seu turno, o artº 38 do DL 76-A/2006 de 29.03, diploma que veio designadamente adoptar medidas de simplificação e eliminação de actos e procedimentos notariais e registrais, que:
1. Sem prejuízo da competência atribuída a outras entidades, as câmaras de comércio e indústria, reconhecidas nos termos do Decreto-lei nº 244/92, de 29.10, os conservadores, os oficiais de registo, os advogados e os solicitadores podem fazer reconhecimentos simples e com menções especiais, presenciais e por semelhança, autenticar documentos particulares, certificar, ou fazer certificar, traduções e documentos nos termos previstos na lei notarial, bem como certificar a conformidade das fotocópias com os documentos originais e tirar fotocópias dos originais que lhes sejam presentes para certificação, nos termos do Decreto- Lei nº 28/2000, de 13 de Março.
2. Os reconhecimentos, as autenticações e as certificações efectuadas pelas entidades previstas nos números anteriores conferem ao documento a mesma força probatória que teria se tais actos tivessem sido realizados com intervenção notarial.
3. Os actos referidos no nº 1 apenas podem ser validamente praticados pelas câmaras de comércio e indústria, advogados e solicitadores mediante registo em sistema informático, cujo funcionamento, respectivos termos e custos associados são definidos por portaria do Ministro da Justiça (…) ”.

Por último, o Código de Notariado, aprovado pelo DL 207/95, de 14 de Agosto, determina, no artº 3, al. d), que excepcionalmente, desempenham funções notariais as entidades a quem a lei atribua, em relação a certos actos, a competência dos notários.
Afigura-se-nos pois que, face aos citados dispositivos legais, o reconhecimento da assinatura da assistente, efectuado nas circunstâncias acima referidas, por advogada, no exercício das suas funções, confere fé pública ao documento particular que titulou o mútuo com fiança celebrado entre a CEMG e a “S. ” e face ao disposto no nº 3 do artº 363 do C.Civil esse documento é havido por autenticado – porque confirmado pelas partes, perante notário, nos termos prescritos nas leis notariais – e para os efeitos do disposto no nº 3 do artº 256 do C.Penal tem a mesma força do documento autêntico.”

O argumento legal essencial para a solução da questão reside, não na interpretação ou aplicação dos preceitos extraídos do Estatuto da Ordem dos Advogados e na atribuição ou não da qualidade de oficial público ao advogado que procedeu ao reconhecimento, mas no estipulado no n.º 2 do art.º 38º do DL 76-A/2006 de 29.03 em que a decisão recorrida se fundamenta para a equiparação do documento em questão a documento com a mesma força probatória que o autêntico, ou seja, “com igual força” como menciona o n.º 3 do art.º 256º CP.
Somos, por esta via de concordar com a solução legal desenvolvida na decisão recorrida.

Manifesta ainda o recorrente que se mostra violado o principio in dubio pro reo focando essa violação na indicação na decisão recorrida do que acima afirmámos acerca da autoria da “falsificação” da assinatura, com a alternatividade na atribuição da respectiva autoria ao arguidos ou a alguém a pedido deste.  
O princípio in dubio pro reo, não significa dar relevância às dúvidas que as partes encontram na decisão ou na sua interpretação da factualidade descrita e revelada nos autos. É, antes, uma imposição dirigida ao juiz, no sentido de este se pronunciar de forma favorável ao réu, quando não houver certeza sobre os factos decisivos para a solução da causa. Mas daqui não resulta que, tendo havido versões díspares e até contraditórias sobre factos relevantes, o arguido deva ser absolvido em obediência a tal princípio. A violação deste princípio pressupõe um estado de dúvida no espírito do julgador, só podendo ser afirmada, quando, do texto da decisão recorrida, decorrer, por forma evidente, que o tribunal, na dúvida, optou por decidir contra o arguido.
Pelo que acima já dissemos acerca da conclusão que se impõe retirar, via análise crítica das provas consubstanciadas nas declarações da assistente, no facto provado de que o arguido mantinha em seu poder cópias dos documentos de identificação da assistente e o resultado do exame pericial à assinatura, é que o Colectivo não teve dúvida na atribuição dessa autoria nos moldes exarados no facto provado 7.
O princípio in dubio pro reo, não significa dar relevância às dúvidas que as partes encontram na decisão ou na sua interpretação da factualidade descrita e revelada nos autos. É, antes, uma imposição dirigida ao juiz, no sentido de este se pronunciar de forma favorável ao réu, quando não houver certeza sobre os factos decisivos para a solução da causa. Mas daqui não resulta que, tendo havido versões díspares e até contraditórias sobre factos relevantes, o arguido deva ser absolvido em obediência a tal princípio.
A violação deste princípio pressupõe um estado de dúvida no espírito do julgador, só podendo ser afirmada, quando, do texto da decisão recorrida, decorrer, por forma evidente, que o tribunal, na dúvida, optou por decidir contra o arguido, o que claramente não se extrai do teor da fundamentação desenvolvida pelo Colectivo acerca da formação da respectiva convicção.
Decai, assim e na íntegra, o recurso.

III.
Pelo exposto, acordam os Juízes desta Secção Criminal em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido José Ribeiro da Costa, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas a cargo do recorrente, fixando a taxa de justiça individual em 5 UC.
Elaborado e revisto pelo 1º signatário.     
Lisboa, 16 de Outubro de 2018.
Decisão Texto Integral: