Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1603/08.0TBTVD.L2-6
Relator: VÍTOR AMARAL
Descritores: PROTEÇÃO DE MENORES
ACOLHIMENTO EM INSTITUIÇÃO
CONFIANÇA PARA ADOPÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 07/02/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: Em sede de processos de promoção e proteção de menores em situação de acolhimento em instituição, tal como de confiança a instituição para adoção, a bitola a considerar é sempre, no essencial, a do interesse do menor, que tem o direito inalienável, que o Estado lhe deve garantir, a um ambiente e um projeto de vida que permitam e potenciem o seu desenvolvimento integral como pessoa.
- A permanência em instituição deve sempre ser vista como transitória, na busca do dito projeto de vida, que tem como local privilegiado de desenvolvimento o ambiente familiar, se possível na família biológica ou, se tal não for possível, em família adotiva.
- É gravemente omissiva a conduta da progenitora de menor que, alheada desse projeto de vida, não cria condições, apesar de ajudada para tal, no sentido de a menor poder voltar à casa materna e se opõe ao encaminhamento para a adoção, indiferente ao facto de a menor se encontrar institucionalizada desde os seus cinco anos e se estar a aproximar dos treze anos de idade, sem criar laços afectivos que permitam o seu harmonioso desenvolvimento integral como pessoa.
- É contraditória - se não mesmo abusiva - a conduta da mãe que afirma, primeiro, nada opor à solução adotiva se for essa a vontade da filha, para depois, afirmada já essa vontade pela menor, materializar a sua oposição em recurso contra a sentença que aponta para um caminho dirigido a futura possível adoção.
(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:

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I – Relatório:


O Exm.º Magistrado do Ministério Público (doravante M.º P.º) requereu a instauração ([1]) a favor da menor:
D..., nascida a 21 de Julho de 2002, filha de D... e de C..., com os demais sinais dos autos,
para além de decisão provisória de confirmação das providências tomadas para imediata proteção de criança e jovem em perigo,
a abertura de processo judicial de promoção e proteção de criança e jovem em perigo,
pedindo a tomada das medidas entendidas necessárias à situação da menor, designadamente a confirmação da decisão urgente de acolhimento da mesma no CAT (Centro de Acolhimento Temporário) de Torres Vedras, bem como a abertura da instrução, nos termos do disposto no n.º 1 do art.º 107.º da LPCJP
([2]).

Por despacho de fls. 218 e segs. (datado de 06/06/2008) foi decidido, a título provisório ([3]), confirmar a medida urgente de acolhimento daquela menor no CAT de Torres Vedras, declarando-se ainda aberta a instrução.

Por decisão de fls. 244 e segs. (datada de 24/06/08), foi homologado acordo de promoção e proteção relativo à menor D..., tendo-lhe sido aplicada a medida de promoção e proteção de acolhimento institucional, nos temos dos arts.º 35º, n.º 1, al.ª f), 49.º e 50.º, n.º 4, da LPCJP, a qual foi sucessivamente revista e mantida.

Por decisão de fls. 673 e segs. (datada de 25/09/2012), foi substituída a medida de promoção e proteção de acolhimento institucional de que a menor beneficiava pela medida de promoção e proteção de confiança a instituição com vista a futura adoção, nos termos previstos no art.º 62.º, n.º 3, al.ª b), da LPCJP.

Inconformada, recorreu a Requerida mãe da menor, vindo o Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão de fls. 822 e segs. (datado de 02/05/2013), a revogar aquela decisão (de 25/09/2012) e a determinar a manutenção da medida de promoção e proteção de acolhimento em instituição da menor D..., por mais seis meses.

Na sequência, foram juntos, na 1.ª instância, relatórios sociais acerca das condições de vida dos progenitores e da menor D..., a qual foi ouvida a 13/09/2013 (cfr. ata de fls. 895 e segs.), tendo então dito que gostava de ser adotada.

O M.º P.º emitiu, reiteradamente, pareceres no sentido de dever ser substituída a medida de promoção e proteção de acolhimento institucional aplicada à menor D... pela medida de promoção e proteção de confiança a instituição com vista a futura adoção, nos termos do disposto nos arts.º 35.º, n.º 1, al.ª g), 38.º, 38.º-A, al.ª b), 62.º, n.ºs 1 e 3, al.ª b), e 62.º-A, todos da LPCJP, e art.º 1978.º, n.º 1, al.ªs d) e e), este do Código Civil (doravante, CCiv.).

Cumprido o disposto nos arts.º 84.º e 85.º da LPCJP, a Requerida mãe da menor opôs-se à proposta de alteração da medida de promoção e proteção aplicada.

Foram ouvidas a menor – que referiu, por último, não ter dúvidas em querer ser adotada, ainda que tal demore algum tempo a ser concretizado – e duas técnicas da instituição onde aquela se encontra (cfr. ata de fls. 984 e segs.), sendo ainda solicitada à mesma instituição informação sobre contactos efetuados pelos pais à menor D....

Seguiu-se a sentença – proferida com data de 12/12/2014 (fls. 994 e segs.) –, pela qual foi decidido:

«A) Aplicar à menor D... a medida de promoção e protecção, a título definitivo, de confiança a instituição com vista a futura adopção, nos termos previstos nos arts.º 35º, nº 1, alínea g), 38º-A, alínea b) e 62º-A da LPCJP, em substituição da medida de acolhimento em instituição de que a menor beneficiava, confiando-a, para o efeito, ao Lar de Infância e Juventude “ Casa Mãe do Gradil “, com duração até ser decretada a adopção;
B) Nomear como curador provisório da menor o Exmº. Director Lar de Infância e Juventude “ Casa Mãe do Gradil “, até ser decretada a adopção;
C) Declarar inibidos do exercício das responsabilidades parentais da menor D... os seus pais, D... e C...R.
D) Proibir as visitas ao menor por parte dos seus pais, D... e C... e de quaisquer elementos da sua família biológica».

Inconformada, veio novamente a Requerida mãe interpor o presente recurso, apresentando as seguintes,
Conclusões:

“A) lmpugna-se o vertido no ponto 38. Da Fundamentação de Facto da douta decisão por não corresponder em parte à verdade. A progenitora da menor não recebe qualquer Rendimento Social de Inserção Social desde 2008, apenas tem recebido o apoio da instituição onde as menores estão acolhidas;
B) Quanto ao ponto 44. da Fundamentação de Facto da douta decisão, era dever do tribunal a quo diligenciar junto da 3.ª Delegação dos Serviços do Ministério Público de Torres Vedras, onde corre o processo de inquérito n.º 981/H-9TATVD, por alegado crime de maus-tratos praticado sobre o menor B... pela progenitora dos menores e pelo companheiro desta;
C) Também, quanto ao ponto 45 da Fundamentação de Facto da douta sentença, deveria o tribunal a quo ter tomado todas as diligências necessárias, no sentido de obter toda a informação quanto à decisão do processo-crime sob o n.º 415/12.1TATVD, a correr termo na 3.ª Delegação dos Serviços do Ministério Público de Torres Vedras, por alegado crime de abusos sexuais à menor D...;
D) Não podendo os pontos 38., 4. e 45., da Fundamentação de Facto da douta decisão serem dados como factos provados;
E) A progenitora tem evidenciado enormes progressos de autonomização financeira para que se torne possível a reintegração da menor no seio familiar;
F) A menor tem manifestado um enorme desejo em estar com a mãe, tal desejo tem sido expresso junto das técnicas da instituição onde se encontra acolhida e referido nos relatórios sociais junto aos autos e também no depoimento da menor;
G) A menor tem sentido grande tristeza pelo facto de estarem suspensas a idas a casa da progenitora, desde que foram relatados, pela sua irmã C..., a uma auxiliar de acção educativa da instituição, de possíveis abusos sexuais por parte do companheiro da mãe;
H) Sendo que, os possíveis abusos sexuais relatados pelas menores não se encontram provados terem existido e até à presente data desconhece-se das diligências efectuadas no âmbito do processo-crime, pelo que deverá ser solicitado ao Ministério Público de Torres Vedras se houve decisão e na afirmativa qual;
I) Na era das redes sociais, nomeadamente "Facebook", não vai ser possível proibir a menor D... de ter contactos com os pais ou
quaisquer outro membro da família biológica;

J) A adopção para crianças com a idade como a D... poderá vir a ser um processo que se arraste por longos anos criando na menor um sofrimento enorme. Ainda, para mais quando ela sabe que tem uma mãe que a ama e que tem evidenciado enormes esforços para a sua reintegração no seio familiar».

Pugna pela revogação da decisão recorrida, determinando-se a manutenção da medida de promoção e proteção de acolhimento em instituição até ao conhecimento da decisão do inquérito crime a correr termos na delegação do Ministério Público de Torres Vedras sob o n.° 415/12.1TATVD, com as inerentes consequências.

O M.º P.º contra-alegou, pugnando pela confirmação da sentença recorrida.

Também a patrona nomeada à menor contra-alegou, pugnando igualmente pela confirmação da sentença recorrida.

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O recurso foi admitido como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo, tendo então sido efetuada a remessa dos autos a este Tribunal ad quem, onde foram mantidos o regime e o efeito fixados. 

Colhidos os vistos, e nada obstando ao conhecimento do mérito do recurso, cumpre apreciar e decidir.

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II – Âmbito do Recurso:

Perante o teor das conclusões formuladas pela parte recorrente – as quais (excetuando questões de conhecimento oficioso não obviado por ocorrido trânsito em julgado) definem o objeto e delimitam o âmbito do recurso, nos termos do disposto nos art.ºs 608.º, n.º 2, 609.º, 620.º, 635.º, n.ºs 2 a 4, 639.º, n.º 1, todos do Código de Processo Civil atualmente em vigor e aqui aplicável na fase recursória (doravante NCPCiv.), o aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26-06 ([4]) –, constata-se que o thema decidendum consiste em saber:

1. - Se deve proceder a impugnação da decisão de facto (pontos 38.-, 44.- e 45.- julgados provados na sentença, a deverem ser julgados não provados);
2. - Se ocorre erro de direito, por incorreta interpretação legal e inadequada apreciação do interesse da menor, quanto à medida aplicada, antes se devendo manter ainda a medida de promoção e proteção de acolhimento em instituição.

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III – Fundamentação:

           A) Matéria de facto:

Na 1.ª instância foi considerada a seguinte factualidade como provada:

«1) D... nasceu no dia 21 de Julho de 2002, é natural da freguesia de Ramada, concelho de Odivelas, e é filha de D... e de C...;

2) B..., nascido no dia 13 de Fevereiro de 1998, C..., nascida no dia 13 de Setembro de 1999, e A..., nascido no dia 25 de Julho de 2000, são irmãos germanos da menor D...

3) E..., nascida no dia 30 de Novembro de 2007, é irmã uterina da menor D... (filha de J..., actual companheiro da progenitora das menores).

4) Pelo menos desde Setembro de 2007, o agregado familiar da progenitora dos menores era constituído por esta, pelo companheiro (J...) e pelos menores B..., C..., A... e D...

5) Em Setembro de 2007, a CPCJ de Torres Vedras instaurou processo de promoção e protecção a favor da menor D... e seus irmãos, por ter existido notícia de eventuais maus-tratos por parte da progenitora e do companheiro desta (J...), que viviam na localidade do Barro, Torres Vedras.

6) A CPCJ de Torres Vedras apurou, no âmbito daquele processo, que o agregado familiar era caracterizado por desorganização doméstica, falta de higiene relativamente aos menores e habitação e desresponsabilização dos adultos para com os menores a nível de alimentação, higiene, saúde e educação.

7) Em 26 de Outubro de 2007, no âmbito do processo aludido em 5, foi celebrado acordo de promoção e protecção com a aplicação da medida de apoio junto da progenitora, o qual foi incumprido.

8) Em 2 de Abril de 2008, no âmbito do processo aludido em 5, foi celebrado acordo de promoção e protecção com a aplicação da medida de confiança a pessoa idónea, tendo a menor D... sido entregue aos seus padrinhos, L... e C..., a menor C... aos respectivos padrinhos, e os menores B... e A... a uma tia.

9) No dia 3 de Junho de 2008, a CPCJ de Torres Vedras recebeu informação de que a menor D... era vítima de maus-tratos por parte dos respectivos padrinhos.

10) Na sequência de averiguações efectuadas no âmbito do processo aludido em 5. e subsequente internamento da menor no Hospital de Torres Vedras, por apresentar lesões provenientes dos maus-tratos infringidos, a 6 de Junho de 2008, a CPCJ de Torres Vedras encaminhou a menor D... para a instituição "Centro de Acolhimento Temporário de Torres Vedras", onde permaneceu até ao dia 18 de Agosto de 2009.

11) Por decisão proferida nestes autos a 6 de Junho de 2008, foi ratificado o procedimento aludido em 10. e foi aplicada a favor da menor D..., a título provisório, a medida de promoção e protecção de acolhimento em instituição.

12) A 24 de Junho de 2008, em declarações prestadas no âmbito deste processo, os progenitores da menor afirmaram que não dispunham de condições para ter a D... a residir consigo, concordando que a mesma continuasse acolhida na instituição.

13) A 24 de Junho de 2008, foi aplicada à menor D..., por sentença homologatória de acordo, a medida de promoção e protecção de acolhimento em instituição.

14) Encontra-se a correr termos por apenso a estes autos (Apenso A), processo de promoção e protecção a favor da menor C..., intentado a 7 de Abril de 2008.

15) No âmbito do processo aludido em 14., foi aplicada a 15 de Abril de 2009, a título provisório, medida de promoção e protecção de acolhimento em instituição.

16) A menor C... foi acolhida na instituição "Casa Mãe do Gradil", sita no Gradil, Malveira, no dia 24 de Abril de 2009, onde permanece até hoje.

17) No âmbito do processo aludido em 14., a 5 de Fevereiro de 2010, foi aplicada, por sentença homologatória de acordo, a medida de promoção e protecção de acolhimento em instituição.

18) Correu termos por apenso a estes autos (Proc. N.º 1432/0S.3TCLRS-A), processo de promoção e protecção a favor dos menores B... e A..., intentado a 13 de Outubro de 2008.

19) No âmbito do processo aludido em 18., a 3 de Dezembro de 2008, foi aplicada, por sentença homologatória de acordo, medida de promoção e protecção de apoio junto da progenitora.

20) A medida aludida em 19., foi prorrogada até 3 de Junho de 2010.

21) O processo aludido em 18., foi arquivado a 28 de Setembro de 2010, por os menores não vivenciarem, naquela altura, situação de perigo.

22) Correu termos por apenso a estes autos (Proc. n° 1432/05.3TCLRS), processo de regulação das responsabilidades parentais, no âmbito do qual foi proferida, a 10 de Janeiro de 2011, decisão homologatória de acordo, pela qual os menores B... e A... ficaram confiados aos cuidados da progenitora.

23) Após o início do acolhimento institucional aludido em 10., a progenitora da menor D... contactou telefonicamente a instituição pela primeira vez no dia 24 de Junho de 2008 e realizou a primeira visita à D... no dia 3 de Julho de 2008, tendo ficado acordado com a instituição que as suas visitas seriam efectuadas às quartas-feiras.

24) No período compreendido, entre 3 de Julho e 29 de Agosto de 2008, a progenitora da menor visitou a D... nos dias 10 e 16 de Julho; faltou, sem avisar, à visita do dia 23 de Julho; no dia 30 de Julho faltou à visita, contactando a instituição, comunicando a sua impossibilidade de comparecer, uma hora após a hora marcada para a visita; e visitou a D... no dia 6 de Agosto.

25) No dia de aniversário da D... (21 de Julho de 2008), a progenitora da menor contactou telefonicamente a instituição para dar os parabéns à filha.

26) De Janeiro a Maio de 2009, a progenitora da menor apenas efectuou cinco das vinte visitas que podia ter efectuado à D... na instituição.

27) Desde 18 de Agosto de 2009 até hoje, a menor D... encontra-se acolhida na instituição "Casa Mãe do Gradil", sita no Gradil, Malveira.

28) Entre 18 de Agosto e 24 de Setembro de 2009, a progenitora da menor visitou a D... na instituição duas vezes.

29) Entre 25 de Setembro e 21 de Dezembro de 2009, a progenitora da menor visitou a D... na instituição de forma irregular.

30) Após avaliação efectuada pelas Exmas. Técnicas da Instituição, a menor D..., juntamente com a irmã C..., começaram a passar fins-de-semana, de quinze em quinze dias, e parte das férias escolares, com a progenitora e respectivo agregado familiar (constituído pelo companheiro daquela, J..., e pelos menores B..., A... e E...), tendo tais visitas tido início no fim-de-semana de 10 e 11 de Abril de 2010.

31) No dia 18/10/2011, a menor C... relatou a uma auxiliar de acção educativa da instituição que quer a C..., quer a D..., eram vítimas de abusos sexuais por parte do companheiro da mãe, quando iam passar os fins-de-semana a casa desta.

32) A menor D... foi ouvida pelas Exmas. Técnicas da instituição constando do relatório de fls. 453 a 459, com interesse para a presente decisão:

É-lhe perguntado se conhece o motivo do atendimento social, pelo que a D... espontaneamente pergunta se vai continuar a passar fins-de-semana no domicílio da progenitora, alegando que a C... lhe contou que "o "pai" apalpa-lhe a "coisita" e o rabo e por isso já não vamos de fim-de-semana". Apurou-se que a C... terá feito este comentário após a revelação da eventual situação de abuso sexual por parte do padrasto (a quem as jovens nomeiam de "pai'') à auxiliar de acção educativa e à psicóloga. Chora muito sem conseguir emitir qualquer palavra.

Quando questionada sobre as situações que a fazem sentir triste quando está no domicílio da progenitora, refere com muita dificuldade e após um grande momento de choro "o pai bate nos manos ... ele bate com muita força ... e eu tenho muita pena ... tenho muita pena dos meus manos ... ele a mim não me bate. "

Questionada se a irmã C... é também batida respondeu "que eu saiba não, eu nunca vi". É-lhe pedido que explique como é que o pai bate, ao que responde que o faz com a mão. Conta ainda que a mãe não bate nela, nem nos irmãos "é só o pai é que bate (. . .) porquê que os meus irmãos não vão para uma instituição? ... eu acho que era melhor para eles e a E... ficava com a mãe."

Interrogada se o padrasto tem por hábito ir ao quarto durante a noite (onde dormem ambas), responde "que eu saiba não ... eu não vejo.»

Conta que é com a C... que o padrasto mais gosta de brincar "ele não brinca muito comigo ... ele brinca mais é com a C...''. Questionada sobre que brincadeiras fazem, verbaliza "eles brincam à luta…”

Torna a questionar se vão continuar a ir passar fins-de-semana e férias a casa da progenitora, ao que lhe foi explicado que apenas poderão ir se estiverem protegidas e em segurança na própria casa, situação que parece que não está a acontecer, "eu acho que assim é melhor nós ficarmos cá ou então irmos com a madrinha da C... ... eu também não quero ficar cá para sempre!"

Passado uma semana deste relato, a D... solicita falar a sós com a assistente social, verbalizando de imediato "eu no outro dia falei-lhe daquele assunto, que quando ia a casa do "pai" ele batia nos manos ... mas não lhe disse que ele fazia coisas porcas ".

Questionada sobre o que são "coisas porcas", a criança referiu "o pai também me apalpava e mexia-me na coisita ... foi uma vez quando estava a tomar banho ... Ficou bastante incomoda ao relatar a situação, baixando o olhar, não querendo responder a mais questões. (…)

No dia 31/10/2011 a progenitora esteve em atendimento social com a assistente social e educador social da instituição. Após ter sido informada da suspeita de abuso sexual por parte do companheiro às filhas C... e D..., refere desconhecer esta situação; demonstrando grande desagrado face ao facto das filhas terem relatado aos técnicos e não a si própria. Fica bastante confusa, e recorda que eram poucos os momentos que J... ficava só com as menores e os restantes filhos, não compreendendo em que ocasião poderiam ocorrer essas situações.

Quando informada de que será enviado relatório para tribunal, mostra-se concordante e solicita que a situação seja avaliada o quanto antes, para poder decidir a sua vida "o que mais quero é poder ficar com as minhas filhas, e sempre que isso está perto de acontecer ... acontece sempre alguma coisa ... " (…)

V - APRECIAÇÃO GLOBAL DA SITUAÇÃO:

D... descreve de forma coerente e plausível uma situação que remete para uma elevada probabilidade de ocorrência de comportamentos de mau trato físico por parte do seu padrasto aos irmãos germanos. A criança evidencia um aumento de ansiedade ao abordar esta situação, o que se assume como um indicador de credibilidade.

A D... e C... apenas remetem a situação de abuso sexual e mau trato por parte do padrasto, havendo uma tendência premente nos seus discursos para desresponsabilizar a progenitora contudo, avalia-se que o sistema familiar é pouco contentor e protector (...) ".

33) Por despacho proferido a 15 de Novembro de 2011, foi decidido suspender as visitas das menores C... e D... à residência da progenitora.

34) A partir da data aludida em 33., as visitas da progenitora à menor D... são efectuadas na instituição.

35) A progenitora da menor D... não perspectiva deixar de coabitar com o companheiro aludido em 30., com quem continua a residir (juntamente com os filhos Bruno, André e E...) até hoje.

36) Nas últimas visitas que fez à menor na instituição, antes da decisão datada de 25/09/12, a progenitora da menor disse à D... que estava grávida

37) Nesta sequência, a menor D... verbalizou as suas preocupações quanto ao bebé que iria nascer, indagando se o mesmo teria comida e/ou se o companheiro da mãe não lhe faria mal.

38) Desde, pelo menos, 2006, o agregado familiar da progenitora da menor tem vindo a ser acompanhado e apoiado pela Segurança Social, através da acção social e rendimento social de inserção, pela CPCJ de Torres Vedras, pelo Centro de Saúde, pelas instituição onde as menores foram e estão acolhidas, não se verificando mudanças significativas na estrutura/organização do agregado familiar, nem na sua autonomização e aquisição de competências, sociais e parentais, tendo a progenitora, desde 13/10/2008, arranjado emprego na “Cash & Carry, S.A.”.

39) A progenitora da menor desde, pelo menos, 2006 até Outubro de 2008, data em que passou a ser colaboradora da empresa Cash & Carry, S.A., com a categoria profissional de Operadora, com contrato de trabalho sem termo e um vencimento mensal ilíquido no valor de €578,95, tem tido vários empregos, de curta duração e esporádicos.

40) Na instituição onde se encontra acolhida, a menor D... beneficia de apoio psicológico semanal.

41) Do relatório de avaliação emocional realizado a 20 de Julho de 2012 pela Exma. Psicóloga da instituição que tem acompanhado a D... naquela valência, resulta – com interesse para a presente decisão:

" (. . .) 3 - Informação relativa às sessões de acompanhamento psicológico:

Relativamente ao acompanhamento psicológico efectuado à menor, D..., podem-se destacar as seguintes considerações:

A D... frequenta as sessões de acompanhamento psicológico com uma periodicidade semanal, apresentando-se desde o início do acompanhamento, de uma forma cooperante, participativa, empenhada e motivada para a aquisição de estratégias potenciadoras de mudança.

A D... demonstra ser uma criança calma e cuidada, possuindo um bom grau de atenção e de concentração aquando da execução das tarefas propostas.

Neste seguimento, são de referir bons níveis de auto-estima e de autoconfiança, associados a comportamentos de autonomia e de espírito de iniciativa, verificados no contexto terapêutico.

Verifica-se igualmente um bom nível de funcionamento intelectual e dos processos do pensamento, com congruência e coerência no desenvolvimento do seu raciocínio lógico-dedutivo.

Em relação à avaliação da dinâmica sócio-afectiva, podem-se destacar comportamentos assertivos reveladores de um estado emocional interno equilibrado, e uma reactividade emocional adequada, não existindo grandes lacunas ao nível das emoções latentes.

É igualmente de se referir, a presença de recursos internos ajustados, em situações passíveis de serem potenciadoras de conflito, e geradoras de tensão e ansiedade.

A este nível, é notória a internalização de estratégias assertivas, e a utilização de mecanismos facilitadores à resolução de problemas.
No contexto actual, a D... tem manifestado sentimentos de angústia de separação, vivências de abandono, de perda e de solidão, com manifestações de frustração em relação à figura materna.

Verificam-se igualmente sentimentos de tristeza, face à relação privilegiada da restante fratria em relação à progenitora. "O irmão foi mamar na maminha da mãe, e as manas ficaram com imensos ciúmes e tristes, porque a mãe não lhes deixava mamar (. . .) só deixou o irmão" (excerto de história contada pela D..., que se identificou como uma das manas).

Esta situação advém das grandes expectativas que a menor sustentava em relação ao possível retorno a casa, desde o início da sua Institucionalização" (...) olha que eu não vou poder estar muito tempo aqui nas sessões, porque daqui a nada vou voltar para casa. Se calhar é já para a semana" (Sic).

Neste sentido, e após os presumíveis episódios de abuso sexual por parte do companheiro da mãe, verifica-se um conflito constante por parte da criança, entre o desejo de estar próximo da progenitora, e por outro lado, a frustração associada à impossibilidade desta situação, reconhecida pela menor. "O que eu queria era estar com a minha mãe. De todas as vezes que ela vem às visitas eu digo-lhe para ela deixá-lo (...) já estou cansada de lhe dizer, mas ela não me ouve" (Sic).

Em relação aos presumíveis abusos sexuais por parte do companheiro da progenitora da D..., tem-se verificado alguma capacidade de resiliência por parte da menor, no processo de recuperação e superação desta situação "Ele não me deixava sair do quarto, e quando ele me tocava eu sentia-me mal e triste (...) mas ele não me mandava despir (...) olha que eu tive muita coragem (...) agora tenho de seguir com a minha vida" (Sic).

No contexto actual é visível a existência de uma precariedade ao nível dos suportes, denotando-se uma grande necessidade de procura de um objecto de apoio. Neste sentido, a criança tem efectuado algumas abordagens a adultos de referência para a menor, no sentido dos mesmos a acolherem nas suas residências "Imagina que estás na tua casa e eu ia para lá viver (…) era fixe" (Sic). Verificam-se igualmente algumas fragilidades e uma menor sustentabilidade em relação às bases estruturais de relacionamento da D... com a progenitora, denotando-se uma tendência por parte da criança para a sua aproximação a uma família que se assegure como um elemento de referência e de identificação, e promova o seu bem-estar físico e psicológico.

4- Considerações Finais:

Por tudo o que acima foi descrito, pode-se concluir que:

É fundamental para a estabilidade psico-emocional da D..., que a criança possua uma família que lhe proporcione um bem-estar físico e psicológico, num ambiente contentor e securizante, e que promova o seu desenvolvimento de uma forma saudável e equilibrada.

Embora o desejo da D... fosse "Ficar com a mãe e ser feliz" (Sic), A menor tem vindo a desinvestir progressivamente na possibilidade de retorno a casa, e na respectiva aproximação à progenitora, devido ao contexto actual que se afigura.

São factores de bom prognóstico, e facilitadores para uma possível aplicação de medida de confiança à instituição com vista à adopção, os recursos internos apresentados pela menor e a capacidade de resiliência que tem vindo a ser demonstrada pela D....".

42) A menor D... denota, em termos psicológicos, uma completa e intrínseca rejeição ao companheiro da mãe, figura que sente como ameaçadora (para si, para os irmãos e para a mãe), e perante a qual não se sente protegida, nem segura.

43) A menor D... está adaptada às regras da instituição e mantém uma boa relação com os pares e com os adultos.

44) Encontra-se a correr termos na 3.ª Delegação dos Serviços do Ministério Público de Torres Vedras, sob o n.º 981/11.9TATVD, inquérito crime, por alegado crime de maus-tratos praticado sobre o menor B... pela progenitora dos menores e pelo companheiro desta.

45) Os denunciados abusos sexuais referidos em 31. e 32., encontram-se a ser objecto de apreciação criminal no âmbito do processo sob o n.º 415/12.1TATVD (inquérito crime, 3.ª delegação do Ministério Público de Torres Vedras).

46) A menor D..., nas declarações prestadas em Tribunal, no dia 29/05/2012, referiu: “Preferia ficar a viver com a minha mãe. Também não me importa de ficar a viver na Instituição porque é como se fosse família”.

47) Por sentença datada de 25/09/2012, foi decidido:

a. Substituir a medida de acolhimento em instituição pela medida de promoção e protecção de confiança a instituição (nomeadamente a “Casa Mãe do Gradil”) com vista a futura adopção da menor D...;
b. Designar como curador provisório da menor D..., o Sr. Director da Instituição a que a menor está confiada;
c. Inibir os progenitores da menor D... do exercício das responsabilidades parentais;
d. Proibir as visitas por parte da família natural da D... a esta.

48) Por Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido a 2 de Maio de 2013, foi decidido revogar-se a decisão descrita, determinando-se a manutenção da medida de promoção e protecção de acolhimento em instituição, por mais seis meses.

49) Por carta junta aos autos em 2 de Maio de 2013 e escrita a 16 de Abril de 2013, a menor D... veio dizer o seguinte:

«Sr. Juiz,
Espero que esteja bem.
Eu quero ser adoptada, e mereço. É claro que sim, mas o mais rápido possível.
Eu não aguento mais sofrer, e se for adotada, fico melhor e mais contente, e poderei ser feliz.
Eu sinto-me bastante mal a sofrer.
Eu tenho tido muita coragem até agora, mas já me sinto um bocadinho cansada, por isso prefiro ser adotada, em vez de estar sempre com problemas.
Mais vale esquecer tudo.
Eu gostava de dizer ao senhor juiz que a mãe não se preocupa comigo, porque nem liga para saber como nós estamos. Sou sempre eu e a irmã que temos de ligar.
Não dá para seguir nenhum caminho com a minha família porque aparece sempre uma pedra para eu tropeçar.
Eu quero ser feliz em vez de sofrer pelos outros.
Gostava muito de lhe dizer isso pessoalmente.
Por favor, gostava muito que me ajudasse.
Cumprimentos da D....»

50) Ouvida em declarações no dia 13 de Setembro de 2013, perante a pergunta da Meritíssima Juiz sobre se sabia o que era a adopção, a menor D... respondeu o seguinte: «É para receber o amor que não tivemos antes».

51) Após o início do acolhimento institucional aludido em 10., o progenitor da menor contactou telefonicamente a instituição nos dias 4 e 28 de Julho de 2008 para saber como se encontrava a D..., referindo não ter possibilidades de marcar de imediato visita.

52) No dia 19 de Setembro de 2008, o progenitor da menor visitou a D... na instituição.

53) Desde 19 de Setembro de 2008 até Maio de 2013, o progenitor da menor não procedeu a nenhuma visita à D... nas instituições onde esteve e está acolhida, nem contactou, por qualquer forma, essas instituições para saber da filha.

54) A D... não faz habitualmente referências ao progenitor.

55) Desde que a menor D... foi acolhida na instituição, o seu progenitor nunca a contactou, apenas tendo iniciado as visitas em Maio de 2013, quando soube que a menor poderia ser adoptada.

56) Durante as visitas que o pai efectuou a menor D... nunca manifestou interesse em estar com o pai, não convivendo, falando ou brincando com este.

57) Por vezes, o progenitor telefona para a instituição, mas só fala com a C..., uma vez que a D... não quer falar consigo.

58) O pai da menor solicitou ao Tribunal autorização para que a sua filha C... pudesse ir passar fins-de-semana a sua casa, mas não o solicitou relativamente à D..., a qual não manifestou interesse em passar fins-de-semana com o pai.

59) Não existe qualquer relação afectiva entre a menor D... e o respectivo progenitor, nem a menor o vê, nem sente como uma figura de referência parental.

60) Recentemente o pai da D... deslocou-se à instituição onde a menor se encontra acolhida para ir buscar a filha C... e não dirigiu a palavra à D..., nem a levou a sair consigo.

61) Este episódio causou à D... grande tristeza e sofrimento.

62) Desde 6 de Setembro de 2014 que a progenitora não visita a menor D....

63) Durante o corrente ano a mãe visitou a D... na instituição nos dias 4/05/14, 9/08/14 e 6/09/14, por solicitação da D....

64) Quando confrontada com o pedido da D... em ser adoptada, a progenitora disse que se essa é a vontade da filha nada terá a opor.

65) Após ter sido proferida a decisão de confiança da D... a instituição com vista a futura adopção, a mãe da menor, apesar de autorizada a contactar a filha, não o fez.

66) Desde essa altura os contactos telefónicos existentes entre a D... e a mãe ocorreram por iniciativa da D..., sendo que muitas vezes a D... telefona para a mãe e esta não atende o telefone.

67) O facto de a mãe não telefonar para a D... ou não lhe atender o telefone causa angústia e sofrimento à menor.

68) Na quadra do Natal de 2012 a mãe visitou a D... apenas no dia 20 de Dezembro, não permaneceu todo o tempo da visita e esteve sempre centrada nas prendas que tinha que ir buscar à empresa onde trabalhava para dar aos outros filhos.

69) A menor D... não tem uma vinculação afectiva para com a progenitora e não a vê, nem sente, como uma figura de referência parental.

70) Desde 7 de Julho de 2008 até hoje, os padrinhos da menor aludidos em 8. e 9. nunca contactaram as instituições onde a menor esteve e está acolhida, nem procuraram saber da mesma, ou visitá-la.

71) Não existe qualquer relação afectiva entre a menor D... e os padrinhos aludidos em 8. e 9., nem a menor os vê, nem sente, como figuras de referência parental.

72) Entre a menor D... e a irmã C... existe vinculação afectiva iniciada após a data aludida em 27., que não se revela como uma relação fraternal forte e recíproca.

73) Não existe entre a menor D... e os irmãos B..., A... e E... relação fraternal forte e recíproca.

74) Não existem outros familiares que revelem disponibilidade e tenham condições para acolher a menor D....

75) A menor D... está integrada no projecto da Instituição designado de “Famílias de Apoio”, desde Maio de 2013.

76) Desde essa data que a D... passou fins-de-semana e vários períodos nas férias de Verão e Natal no seio dessa família de apoio, composta por um casal e duas filhas, de 9 e 7 anos, até Abril de 2014.

77) A D... estava bem integrada na família de apoio, tendo estabelecido uma boa relação com os elementos adultos e com as crianças.

78) Era desejo da menor ser adoptada por esta família, com a qual estabeleceu forte vinculação afectiva.

79) Desde Abril de 2014 que esta família de apoio não mantem qualquer contacto com a D....

80) A D... tem consciência de que não é possível voltar a viver nos agregados familiares dos seus progenitores.

81) A D... revela elevadas carências afectivas, causadoras de um profundo mal-estar físico e psicológico.

82) Após a quebra de contactos entre a D... e a referida família de apoio, a menor manifestou grande frustração e ansiedade, o que a levou a tentar vários contactos com a sua família biológica.

83) A D... manifesta muita vontade em ser adoptada e em ter uma outra família.

84) A D... neste momento tem outra família amiga, mas que logo à partida disse que não a queria adoptar.

85) Ouvida em Tribunal a 3/12/14, a menor declarou que:

“ (…) A mãe não vem vê-la desde Setembro porque nasceu outra menina, a G...;

Relembrada de que na adopção há necessariamente que quebrar os contactos com a família biológica e que essa situação já lhe aconteceu no passado e foi difícil, diz que foi um bocadinho difícil, mas que o que a preocupa mais é não ver o crescimento da E... e da G..., que quer acompanhar as irmãs ( começa a chorar);

Diz que o que mais lhe custa é deixar de falar com a mãe e os irmãos;

Questionada sobre o que pensa da sua adopção: não sabe, mas vê vantagens. Diz que ser adoptada é ir ser feliz, ter amor e carinho;

Questionada sobre se não se importa de deixar de contactar a mãe e o pai no decurso do processo da adopção, hesita, não responde, chora;

Diz que tem consciência de que uma vez iniciado o processo de adopção perde os laços com a sua família, com o pai e com a mãe;

Por último, refere que não tem dúvidas, que quer ser adoptada, mesmo que isso demore algum tempo a se concretizar.”

86) Desde que se encontra acolhida em instituição, para além dos pais, a menor não recebeu visitas de nenhum outro familiar.

87) Desde que se encontra em instituição nenhum elemento da família alargada da menor contactou a instituição a fim de saber notícias da menor.

88) Não se conhece qualquer membro da família alargada paterna e materna que possa e queira assumir a menor aos seus cuidados.».

***

B) Da impugnação da decisão da matéria de facto:

A Apelante, (novamente) inconformada com a sentença proferida, começa por impugnar a decisão de facto, quanto a alguns dos factos dados como provados na decisão, pretendendo que os mesmos sejam agora julgados como não provados.

Trata-se, assim, dos pontos 38.- (parte), 44.- e 45.- do quadro fáctico julgado provado na sentença.

1. - Quanto ao ponto 38.-

Foi julgado provado, no que agora importa, que “Desde, pelo menos, 2006, o agregado familiar da progenitora da menor tem vindo a ser acompanhado e apoiado pela Segurança Social, através da acção social e rendimento social de inserção, (...)”.

Contrapõe a Apelante que não recebe qualquer rendimento social de inserção social desde 2008, apenas recebendo apoio da instituição onde as menores estão acolhidas (conclusão A) da apelação), argumentação que já antes apresentara sob a conclusão B) da apelação originária.

Na sentença recorrida pode ler-se quanto à “Fundamentação de Facto”:

«O Tribunal fundou a sua convicção, quanto à factualidade dada como provada, com base na análise crítica e conjugada dos documentos juntos aos presentes autos e aos autos que constituem o apenso A, nomeadamente os relatórios de acompanhamento juntos pela Segurança Social, relatórios sociais e informações elaborados pelas instituições onde a menor tem estado acolhida, relatório de avaliação emocional realizado a 20 de Julho de 2012 pela Exma. Psicóloga da instituição que tem acompanhado a D... e a certidão do Assento de nascimento da menor junta a fls. 217, e das declarações prestadas nos autos pela menor D..., pelos seus progenitores, pelas técnicas da Segurança Social que têm vindo a acompanhar a execução das medidas de promoção e protecção aplicadas nos autos, pelas técnicas das instituições onde a menor tem estado acolhida, pela psicóloga que acompanha a menor e pela testemunha apresentada pela mãe da menor».

Nesta parte, em que a Recorrente repete a argumentação já expendida em sede de recurso originário, bastará citar o anterior acórdão desta Relação proferido nos autos, tanto mais que nenhuma prova a impugnante invoca ou apresenta em contrário.
Diz-se ali:

«A fundamentação dos factos apurados sob os n.ºs 38 [correspondente ao atual 38.-] e 39, Baseou-se nos documentos de fls. 7 a 217, e nos relatórios sociais de fls. 298 a 301, 329 a 337, 379 a 383, 428 a 431, 449 a 451, 475, 476/477, 487/488, 520 a 524, 547 a 555, 563 a 567, 576 a 580, 595 a 600, 615 a 617.

Do conjunto destes documentos extrai-se que a progenitora e o seu agregado familiar (primeiro composto pelo pai da menor e, posteriormente, pelo companheiro da progenitora), beneficiam, desde 2006, do Rendimento Social de Inserção, sendo apoiados pela Segurança Social, acompanhados pela CPCJ e ECJ, pelo Centro de Saúde e pelas instituições onde as menores se encontram acolhidas» (sic, fls. 848).

Daí que tenha sido esse acórdão – que a 1.ª instância agora se limitou a seguir – a dar como provado que “Desde, pelo menos, 2006, o agregado familiar da progenitora da menor tem vindo a ser acompanhado e apoiado pela Segurança Social, através da acção social e rendimento social de inserção (…)” (cfr. fls. 848 e seg.).

Donde, pois, a improcedência nesta parte da impugnação da decisão de facto.

2. - Quanto aos pontos 44.- e 45.-

Foi julgado provado no ponto 44.- da parte fáctica da sentença:
“Encontra-se a correr termos na 3.ª Delegação dos Serviços do Ministério Público de Torres Vedras, sob o n.º 981/11.9TATVD, inquérito crime, por alegado crime de maus-tratos praticado sobre o menor B... pela progenitora dos menores e pelo companheiro desta”.

E sob o seguinte ponto 45.- deu-se por provado que:
“Os denunciados abusos sexuais referidos em 31. e 32., encontram-se a ser objecto de apreciação criminal no âmbito do processo sob o n.º 415/12.1TATVD (inquérito crime, 3.ª delegação do Ministério Público de Torres Vedras)”.

Tais pontos correspondem, respetivamente, aos pontos 55.- e 56.- da sentença anteriormente proferida nos autos e que veio a ser revogada por esta Relação.

Também na primitiva apelação a Recorrente (progenitora da menor) impugnou a mesma matéria de facto, o que foi conhecido e decidido no anterior acórdão da Relação.

Tendo mesmo sido este Tribunal superior que, então, em reapreciação da decisão de facto, por força da impugnação empreendida pela Apelante, fixou ao ponto/facto n.º 56 (agora 45.-) a redação que foi vertida, em conformidade, na sentença ora recorrida.

Referido foi mesmo naquele anterior acórdão deste Tribunal superior:
“Apurado ficou (…) que existe um inquérito crime, sob o n.º 981/11.9TATVD, por alegado crime de maus-tratos relativamente ao menor B... pela sua progenitora e pelo companheiro desta.
De acordo com a informação prestada pelo Ministério Público existe um inquérito crime, sob o n.º 415/12.1TATVD, pela alegada prática do crime de abuso sexual de criança, em que são ofendidas a menor D... e sua irmã C... e suspeito o companheiro da progenitora – J...”.

Quer dizer, tratando-se de factualidade já impugnada na anterior apelação, a 1.ª instância limitou-se agora a seguir o já decidido, em sede fáctica, após impugnação recursória, no anterior acórdão da Relação.

Ao fazê-lo, adotou o entendimento veiculado pelo Tribunal superior com base no exame valorativo probatório quanto às provas existentes nos autos, sendo que a Apelante nenhum elemento de prova trouxe aos autos nessa matéria. E podia fazê-lo.

Em vez disso, escuda-se numa hipotética falta de obtenção de prova documental – que ela própria podia requerer ao Tribunal, se o achava importante, fosse solicitada nos presentes autos, e não o fez – sobre a evolução desses processos, quando os elementos juntos são bastantes relativamente aos factos dados como provados e outros não foram alegados, nem dados como provados, pelo que outras ilações também não foram retiradas quanto à sorte desses processos.

Muito menos em termos de causar prejuízo à Apelante, prejuízo esse que a mesma não evidencia de modo algum.

Antes mostrando um inconsequente inconformismo.

Donde que também nesta parte haja de improceder a apelação, subsistindo, por isso, intacto o quadro fáctico apurado e vertido na sentença em crise.

C) Da impugnação de direito:

Importa agora saber se ocorreu erro de direito, por incorreta interpretação legal e inadequada apreciação/valoração do interesse da menor– o critério a atender in casu–, quanto à medida aplicada.

Com efeito, pretende a Apelante, contrariamente ao decidido, que deve manter-se ainda a medida de promoção e proteção de acolhimento em instituição, afastando a perspetiva da futura possibilidade de adoção da menor.

Que dizer?

Desde logo, deve dizer-se que parece estranho – para não dizer incompreensível – que, passados cerca de sete anos de acolhimento da menor D... em instituição, a sua mãe continue a pugnar pela manutenção de tal permanência em instituição.

Com efeito, prova-se que a menor foi encaminhada para uma instituição em 2008, altura em que, aos cinco anos de idade, lhe foi aplicada, por deficiência/insuficiência do necessário suporte familiar (a começar pelos seus progenitores), a título provisório, a medida de promoção e proteção de acolhimento em instituição.

Em 2015, não só a menor continua em instituição, agora com 12 anos de idade (completará 13 anos no próximo dia 21 de julho), como a sua mãe continua a recorrer para que nessa situação permaneça.

Quer dizer, a Apelante, mãe da menor, ciente que está de não poder a sua filha regressar, por falta de condições objetivas e subjetivas da progenitora e seu agregado familiar ([5]), à casa materna, parece apostar – se bem vemos – na passagem do tempo, porventura até que a filha atinja uma idade tal que já não permita (ou inutilize) a adoção.

Para tanto, a estratégia – a existir – parece passar pela retenção da menor na instituição onde se encontra, se necessário até à sua maioridade.

Tal, porém, corresponde à total indiferença pelo superior interesse da menor – o a ter aqui essencialmente em conta, repete-se (cfr. art.º 1978.º, n.º 2, do CCiv., na redação da Lei n.º 31/2003, de 22-08) –, pois que equivale a privá-la daquilo a que toda e qualquer criança tem direito, um direito essencial e inalienável, o de poder crescer como pessoa no seio de uma família, uma comunidade de afetos, de compreensão e entreajuda, que, preparando o indivíduo para a vida em sociedade, o ajude no seu desenvolvimento integral, não só físico, como psíquico, afetivo e social ([6]).

Se a mãe não pode – ou não quer, por ter outras prioridades – dar à menor D... aquilo de que ela, como qualquer outra criança, mais necessita (uma vida familiar, onde possa crescer e desenvolver-se harmoniosamente), como compreender que procure obstaculizar a que a menor encontre esse ambiente de que carece num percurso alternativo, uma família adotiva?

Tal só pode compreender-se em situação em que a progenitora se alheia do interesse da filha, pois a única solução que para ela defende é a da negação à menor de um lar, uma família, uma comunidade de vida e de afetos onde possa crescer integralmente como pessoa.

Na verdade, não pode aceitar-se que uma criança permaneça institucionalizada, por falta de suporte da família biológica, dos cinco aos dezoito anos, apenas por a sua mãe não aceitar a solução da adoção, sem apresentar um projeto de vida credível e sustentável para a menor.

Não seria assim se a menor também recusasse tal solução e houvesse perspetivas sérias/razoáveis de retorno – querido pela criança – à família de origem, por claro empenho desta (no caso a progenitora) em fazer tudo o que estivesse ao seu alcance, com envolvimento sério e visível, para que tal se pudesse concretizar em termos satisfatórios para a menor, a qual o Estado Português tem o dever indeclinável de proteger.

Ora, é certo que a menor foi crescendo com os anos de vivência em instituição, tendo passado a aperceber-se dolorosamente – e interiormente dividida – que a sua família de origem não era solução válida/efetiva para a sua vida, pois que a progenitora mostrava ter prioridades diversas, que deixavam a menor relegada para o lugar afastado onde tem passado a maior parte da sua vida (como dito, desde os seus cinco anos de idade até hoje, quando se aproxima dos 13 anos), como bem transpira da factualidade provada (é notório o desinteresse pela menor, não só perante a ausência de visitas/contactos, inexistentes na esmagadora maior parte destes anos de vida em instituição, como pela ausência que um qualquer projeto sério de futuro para a filha, que lhe assegurasse aquilo de que essencialmente necessita para crescer e se desenvolver como pessoa).

Tal perceção, por muito dolorosa, foi apenas gradual, ao ponto de, como referido no anterior acórdão desta Relação, a menor ter “… afirmado e demonstrado, ao longo do tempo, não querer viver para nenhuma família e se não puder, ir viver com a mãe, prefere ficar a viver na instituição que considera como família” (cfr. fls. 858-859).

Porém, como é consabido, seguro é que nunca a instituição, por melhor que seja, é um substituto duradouro à altura da família, para o efeito do desenvolvimento integral da criança, mormente no aspeto afetivo, termos em que só deve permanecer, no âmbito da promoção e proteção de menores, em instituição quem não puder ingressar em ambiente familiar saudável.

E a menor D..., com o tempo, por muito que sinta – e sente ainda – a falta da figura materna e dos seus irmãos, foi-se apercebendo da irrealidade do seu regresso à casa materna, pois que a sua mãe não mudaria a postura de desinvestimento na pessoa desta sua filha (qual a mãe que quer/aceita/defende uma filha em instituição por anos e anos, sem um qualquer projeto de futuro para esta?).

Assim se compreende que atualmente a menor, neste seu doloroso percurso gradual, privada dos afetos e investimento da família biológica (cfr., por exemplo, os factos 63), 65) a 69) e 80) da sentença), já aceite a possibilidade da adoção, mais ou menos tardia, mais ou menos difícil, visto o tempo entretanto perdido e os anos já passados, com a idade a dificultar qualquer projeto adotivo.

Neste sentido de abertura à adoção – com experiências neste domínio – militam os factos provados na sentença em crise, mormente os factos 75) a 78), 83), 84) e 85), especialmente a parte final deste, onde a menor afirma não ter dúvidas de querer ser adotada, mesmo que isso demore …

Também o M.º P.º e a própria patrona da menor pugnam pela confirmação da sentença, entendendo que o caminho de uma futura adoção é o mais indicado para esta menor, que já esperou demasiado tempo, em seu prejuízo.

Assim é salientado na decisão recorrida (com o que se concorda):
«Nos termos previstos no art.º 38º-A da LPCJP, a medida de confiança a instituição com vista a futura adopção só pode ser aplicada quando se verifique alguma das situações previstas no art.º 1978º do Cód. Civil.

Prevê-se no art.º 1978º, nº 1 do Cód. Civil que, com vista a futura adopção, o Tribunal poderá confiar o menor a casal, a pessoa singular ou a instituição quando não existam ou se encontrem seriamente comprometidos os vínculos afectivos próprios da filiação, pela verificação objectiva de uma das seguintes situações:
(…)
d) se os pais, por acção ou omissão, mesmo que por manifesta incapacidade devida a razões de doença mental, puserem em perigo grave a segurança, a saúde, a formação, a educação ou o desenvolvimento do menor;
e) se os pais do menor acolhido por um particular ou por uma instituição tiverem manifestado desinteresse pelo filho, em termos de comprometer seriamente a qualidade e a continuidade daqueles vínculos, durante, pelo menos, os três meses que precederam o pedido de confiança.

Nos termos do nº 2 desta norma, prevê-se que o Tribunal, na verificação das situações descritas no nº 1 deve atender prioritariamente aos direitos e interesses do menor.
(…)
De acordo com a actual redacção do nº 1 do art.º 1978º do Cód. Civil, é condição para o decretamento da confiança judicial que se demonstre que “não existem ou que se encontram seriamente comprometidos os vínculos afectivos próprios da filiação” através da verificação objectiva de qualquer uma das situações aí tipificadas, ou seja, independentemente de culpa na actuação dos pais.
(…)
Como resulta do preâmbulo do D.L. nº 185/93, de 22/05, que aprovou o novo regime jurídico da adopção, a confiança judicial do menor tem, como primeira finalidade, a defesa deste, evitando que se prolonguem situações em que a criança sofre as carências derivadas da ausência de uma relação familiar com um mínimo de qualidade e em que os seus pais ou não existem ou, não se mostrando dispostos a dar o consentimento para uma adopção, mantêm de facto uma ausência, um desinteresse e uma distância que não permitem prever a viabilidade de proporcionarem ao filho em tempo útil a relação de que ele precisa para se desenvolver harmoniosamente.

No caso dos presentes autos, relativamente a ambos os progenitores da menor, resultou provado que os mesmos puseram a sua vida, a sua saúde e o seu são desenvolvimento em grave perigo, na medida em que não tinham condições económicas e habitacionais para poderem ter a menor a viver consigo e a puseram a viver aos cuidados de uns “padrinhos” que lhe infligiram maus-tratos físicos e psicológicos que conduziram ao seu internamento hospitalar e posterior acolhimento institucional.

O pai da menor D... desde 19 de Setembro de 2008 até hoje não demonstra qualquer interesse sério pela vida e destino da filha, só a tendo passado a visitar em Maio de 2013, quando soube que a menor poderia ser adoptada.

Apurou-se que a menor não tem qualquer relação afectiva com o seu pai, nem o sente como figura de referência, não querendo passar com o mesmo períodos de férias ou fins-de-semana.

Provou-se também que o pai da menor não revela qualquer afectividade por esta filha, na medida em que se deslocou recentemente à instituição onde a menor se encontra acolhida para ir buscar a filha C... e nem sequer dirigiu a palavra à D..., nem a levou a sair consigo.

Relativamente à mãe da D..., verifica-se que a mesma pelo menos desde Abril de 2008, não reúne condições para ter a menor a viver consigo, tendo transferido os cuidados da menor primeiro para uns “padrinhos” e depois para instituições de acolhimento, facto que a mãe da menor reconheceu ao dar o seu consentimento em Tribunal para o acolhimento institucional da filha.

Face a esta factualidade pode-se concluir que ambos os progenitores da menor não lhe prestaram os necessários cuidados de alimentação, higiene, segurança, educação, saúde e bem estar de que a menor necessitava, o que levou a que a única forma de proteger esta menor fosse o seu acolhimento institucional.

Ao entregarem a menor aos cuidados de uma instituição, ambos os seus progenitores adoptaram uma atitude de desresponsabilização face à saúde, educação e bem estar da filha, atitude essa enquadrável na previsão do art.º 1978º, nº 1, alíneas c) e d) do Cód. Civil, pois os pais não só abandonaram a menor aos cuidados da instituição, limitando-se a visitá-la algumas vezes, como não prestaram à criança verdadeira atenção, não vigiando, nem participando, na educação da filha.
(…)
Face ao comportamento dos pais, a menor não sente saudades deles e não tem os pais como adultos de referência, cuidadores e securizantes, não se mostrando os pais capazes de exercer as suas responsabilidades parentais, nem mostrando vontade de o fazer.

A mãe da menor durante todo o período de tempo em que a D... tem estado acolhida, não se conseguiu organizar, em termos económicos e habitacionais, para assumir esta filha aos seus cuidados, tendo dado prioridade à sua relação com o seu companheiro face ao acompanhamento da filha, mesmo depois de o mesmo estar a ser objecto de investigação criminal por abusos sexuais perpetrados na pessoa da menor D... e da sua irmã C... e de a sua relação com este companheiro impedir as menores C... e D... de voltarem ao agregado familiar materno, até mesmo em períodos de férias e fins-de-semana.

A mãe da D... também prioriza os cuidados a prestar às suas filhas mais novas, sobretudo à recém-nascida, face à D..., e já chegou a verbalizar que aceitará a confiança da D... para a adopção se for esta a vontade da filha.
(…)
A atitude dos pais da menor revela antes um sentimento de passividade e conformismo face à situação de institucionalização da filha, que não pretendem alterar.
(…)
Provou-se nos autos que a menor não tem um adulto de referência fora da instituição, não manifesta sentir saudades nem do pai, nem da mãe, mas necessita de adultos competentes e de uma figura de referência, que lhe dê afecto, segurança, controle e disciplina, sendo indiscutível o direito da menor a ter uma família que dela cuide, a proteja, lhe dê educação e segurança e a ajude a crescer.
A menor encontra-se institucionalizada há demasiado tempo, não oferecendo os pais, nem nenhum elemento da sua família biológica, uma alternativa aceitável à institucionalização, pelo que se entende que a futura adopção da menor é a melhor forma de salvaguardar a qualidade da vivência e do crescimento da D....

Nos termos previstos no art.º 167º da OTM, por remissão do art.º 62-Aº, nº 2 da LPCJP, impõe-se nomear curador provisório à menor e declarar os progenitores da menor inibidos do exercício das responsabilidades parentais, nos termos previstos no art.º 1978º-A do Cód. Civil.».

Perante este quadro certeiro, pouco mais importa acrescentar, a não ser que improcedem, como é forçoso – salvo o devido respeito –, todas as conclusões em contrário da Apelante ([7]), devendo a sentença ser confirmada.

Com efeito, é patente, neste âmbito, o desinvestimento da Apelante e seu agregado familiar – como provado, desde, pelo menos, o ano de 2006, o agregado familiar daquela tem vindo a ser acompanhado e apoiado por diversas entidades (Segurança Social, através da ação social e rendimento social de inserção, CPCJ de Torres Vedras, Centro de Saúde, instituição onde as menores foram e estão acolhidas), não se verificando, porém, mudanças significativas na estrutura/organização do agregado familiar, nem na sua autonomização e aquisição de competências, sociais e parentais (facto 38) da matéria provada).

Por outro lado – cfr. facto provado 64) –, quando confrontada com o pedido da D... em ser adotada, a Apelante disse que se essa é a vontade da filha nada terá a opor.

Ora, parece contraditória – se não mesmo abusiva, ante o quadro descrito – a conduta da mãe que afirma, primeiro, nada opor à solução adotiva se for essa a vontade da filha, para depois, afirmada já essa vontade pela menor, materializar a sua oposição em recurso contra a sentença que decide em conformidade com um caminho dirigido para uma futura possível adoção.

Patenteando, ao mesmo tempo, a Apelante desinteresse – reiterado – pela filha, pois que após ter sido proferida a decisão de confiança da D... a instituição com vista a futura adoção, a mãe da menor, apesar de autorizada a contactar a filha, não o fez (facto 65) da matéria provada), com os contactos telefónicos entre mãe e filha a ocorrerem por iniciativa da menor, que muitas vezes telefona para a mãe e esta não atende o telefone (facto 66)), situação geradora, como bem se compreende, de angústia e sofrimento à menor (facto 67)).

E se até em quadra natalícia (de 2012) a mãe apenas visitou a menor no dia 20 de dezembro, não permanecendo sequer todo o tempo da visita e mostrando-se sempre centrada nas prendas para dar aos outros filhos (facto 68)), também é compreensível que a menor D... não mantenha já, depois de tudo o que lhe aconteceu, numa história de vida marcada pela falta dos pais, uma vinculação afetiva para com a progenitora, não a vendo, nem sentindo, como uma figura de referência parental (facto 69).

***

IV – Sumariando (art.º 663.º, n.º 7, do NCPCiv.):

1. - Em sede de processos de promoção e proteção de menores em situação de acolhimento em instituição, tal como de confiança a instituição para adoção, a bitola a considerar é sempre, no essencial, a do interesse do menor, que tem o direito inalienável, que o Estado lhe deve garantir, a um ambiente e um projeto de vida que permitam e potenciem o seu desenvolvimento integral como pessoa.

2. - A permanência em instituição deve sempre ser vista como transitória, na busca do dito projeto de vida, que tem como local privilegiado de desenvolvimento o ambiente familiar, se possível na família biológica ou, se tal não for possível, em família adotiva.

3. - É gravemente omissiva a conduta da progenitora de menor que, alheada desse projeto de vida, não cria condições, apesar de ajudada para tal, no sentido de a menor poder voltar à casa materna e se opõe ao encaminhamento para a adoção, indiferente ao facto de a menor se encontrar institucionalizada desde os seus cinco anos e se estar a aproximar dos treze anos de idade, sem criar laços afetivos que permitam o seu harmonioso desenvolvimento integral como pessoa.

4. - É contraditória – se não mesmo abusiva – a conduta da mãe que afirma, primeiro, nada opor à solução adotiva se for essa a vontade da filha, para depois, afirmada já essa vontade pela menor, materializar a sua oposição em recurso contra a sentença que aponta para um caminho dirigido a futura possível adoção.

***

V – Decisão:

Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação e, em consequência, manter a decisão recorrida.
Sem custas, por delas estar isenta a Recorrente – art.º 4.º, n.º 1, al.ª i), do RCProc..



Lisboa, 02/07/2015


José Vítor dos Santos Amaral (Relator)           
Regina Almeida (1.ª Adjunta)                                             
Maria Manuela Gomes (2.ª Adjunta)


[1] ( ) Em petição entrada em juízo em 06/06/2008.
[2] ( ) Aprovada pela Lei n.º 147/99, de 01-09, na redação da Lei n.º 30/03, de 22-08. 
[3] ( ) Ao abrigo do disposto nos art.ºs 35.º, n.º 1, al.ª f), 37.º, 49.º e 92.º, n.ºs 1 e 2, da Lei n.º 147/99, de 01-09. 
[4] ( ) Processo instaurado após 01/01/2008, mas antes de 01/09/2013 e decisão recorrida posterior a esta data (cfr. decisão aludida de 12/12/2014, a fls. 994 e segs. dos autos, bem como art.ºs 5.º, n.º 1, 7.º, n.º 1, este por argumento de maioria de razão, e 8.º, todos daquela Lei n.º 41/2013, e Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, Coimbra, 2013, ps. 14-16, Autor que refere que, tratando-se de decisões proferidas a partir de 01/09/2013, portanto, após a entrada em vigor do NCPCiv., em processos instaurados anteriormente, mas não anteriores a 01/01/2008, se segue integralmente, em matéria recursória, o regime do NCPCiv.).
[5] ( ) Os obstáculos não se prendem apenas com a pendência de processo-crime, pelo que o futuro da menor não depende somente do conhecimento da decisão do inquérito crime a correr termos na delegação do Ministério Público de Torres Vedras sob o n.° 415/12.1TATVD, ao contrário do que parece defender a Apelante.
[6]( ) Como referido na decisão recorrida, de acordo com o “art.º 36.º, n.ºs 5 e 6, da Constituição da República Portuguesa, os pais têm o direito e o dever de educação e manutenção dos filhos e estes não podem ser separados dos pais, salvo quando os pais não cumpram os seus deveres fundamentais para com eles e sempre mediante decisão judicial”, mas “as crianças têm direito à protecção da sociedade e do Estado, com vista ao seu desenvolvimento integral, sendo dever do Estado assegurar especial protecção às crianças órfãs, abandonadas ou por qualquer forma privadas de um ambiente familiar normal, nos termos previstos no art.º 69º da C.R.P.”.
[7]( ) Não podendo o futuro da menor ficar indefinidamente à espera da resposta definitiva da justiça penal, com a problemática objeto do processo-crime a constituir apenas um dos vértices da situação, não dependendo a decisão quanto ao dito futuro da menor do desfecho, eventualmente longínquo, daqueloutro processo.