Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
6175/08.3TBCSC-B.L1
Relator: MARIA ALEXANDRINA BRANQUINHO
Descritores: SIGILO BANCÁRIO
QUEBRA DE SIGILO PROFISSIONAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/20/2009
Votação: DECISÃO INDIVIDUAL
Texto Integral: S
Meio Processual: QUEBRA DE SIGILO
Decisão: DEFERIDO
Sumário: I - De acordo do o art.º 78.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo D.L. n.º 298/92 de 31 de Dezembro, os membros dos órgãos de administração ou de fiscalização das instituições de crédito, os seus empregados, mandatários, comitidos e outras pessoas que lhes prestem serviços a titulo permanente ou ocasional não poderem revelar ou utilizar informações sobre factos ou elementos respeitantes à vida da instituição ou às relações desta com os seus clientes cujo conhecimento lhes advenha exclusivamente do exercício das suas funções ou da prestação dos seus serviços. 2. Estão, designadamente, sujeitos a segredo os nomes dos clientes as contas de depósito e seus movimentos e outras operações bancárias.
II – Atento o art.º 79.º daquele diploma podem ser revelados elementos cobertos por aquele dever, nos termos previstos na lei penal e de processo penal, devendo o incidente correr no Tribunal superior àquele onde o incidente tiver sido suscitado (art. 135.º, n.º 3 do CPP).
III - A garantia constitucional do acesso aos tribunais constitui a concretização do princípio estruturante do Estado de direito, e o particular tem o direito fundamental de recorrer aos tribunais para assegurar a defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos.
IV - Se com o levantamento do sigilo se pretende saber quem é o titular de determinada conta onde foi depositada determinada quantia auferida com a venda e resgate de produtos associados à conta cujo arrolamento foi requerido, a informação pedida à entidade bancária é necessária para que se averigúe o destino dado a valores da conta cujo arrolamento foi pedido.
V - Não existindo outra forma de se conhecer a identidade do titular da conta de destino daqueles valores, o interesse da requerente em obter tutela jurisdicional, que é também um interesse do Estado na defesa do Estado de direito, prepondera sobre o interesse do titular da conta.
(F.G.)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Na providência cautelar de arrolamento de bens comuns do casal requerida por A contra J foi proferido despacho julgando legítima a recusa da Caixa em prestar informação respeitante a uma conta bancária ali sediada. No mesmo despacho foi suscitado o presente incidente de quebra do sigilo bancário.
A recusa daquele banco surge na sequência de uma solicitação da 1.ª instância feita após deferimento de um pedido formulado nos autos de arrolamento, pela requerente, e que é do seguinte teor: «No mês de Julho de 2008 o requerido procedeu ao resgate e à venda de parte significativa dos produtos associados à conta cujo arrolamento foi requerido, conforme documento que se junta e se dá por integralmente reproduzido para os devidos e legais efeitos sob o doc. 1. A quantia de Є 650.000,00 (seiscentos e cinquenta mil euros) auferida com a venda e resgate desses produtos, foi posteriormente transferida, através de dois cheques ao portador, para uma conta de que a requerente não é titular, com o n.°.. subscrita na Caixa, conforme documentos que se juntam e se dão por integralmente reproduzidos para os devidos e legais efeitos sob os docs. 2 e 3. A Autora desconhece quem seja o titular ou titulares da referida conta, admitindo no entanto que a mesma tenha sido subscrita exclusivamente pelo requerido. Sabe contudo que a referida quantia, movimentada pelo requerido, não se destinou ao pagamento de qualquer divida comum do casal, ou até da exclusiva responsabilidade do requerido, nem à aquisição e respectivo pagamento de qualquer bem».
A requerente termina pedindo que se ordene «a notificação da Caixa para indicar nos autos o titular da conta com o n.º … subscrita nos seus balcões (…)».
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Estabelece o art.º 78.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo D.L. n.º 298/92 de 31 de Dezembro: 1. Os membros dos órgãos de administração ou de fiscalização das instituições de crédito, os seus empregados, mandatários, comitidos e outras pessoas que lhes prestem serviços a titulo permanente ou ocasional não poderem revelar ou utilizar informações sobre factos ou elementos respeitantes à vida da instituição ou às relações desta com os seus clientes cujo conhecimento lhes advenha exclusivamente do exercício das suas funções ou da prestação dos seus serviços. 2. Estão, designadamente, sujeitos a segredo os nomes dos clientes as contas de depósito e seus movimentos e outras operações bancárias.
Perante aquele quadro legal, impunha-se que a 1.ª instância julgasse legítima a recusa da Caixa, tal como o fez.
Todavia, o art.º 79.º daquele citado diploma, que trata das excepções ao dever de segredo, prevê no seu n.º 2 al. d) que os factos e elementos cobertos por aquele dever podem ser revelados Nos termos previstos na lei penal e de processo penal.
Ora, o que a lei processual penal prevê no seu art.º 135.º, n.º 3 é que O Tribunal superior àquele onde o incidente tiver sido suscitado (…) pode decidir da prestação de testemunho com quebra do segredo profissional sempre que esta se mostre justificada, segundo o princípio da prevalência do interesse preponderante, nomeadamente tendo em conta a imprescindibilidade do depoimento para a descoberta da verdade (…).
Orientando-se o dever de sigilo consagrado no Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, no sentido da protecção do sentimento de confiança necessária ao estabelecimento e manutenção de relações com as instituições financeiras, o titular da conta porá, eventualmente, em causa aquela protecção.
Todavia, conforme ensina Gomes Canotilho em Direito Constitucional e Teoria da Constituição a garantia constitucional do acesso aos tribunais constitui a «concretização do princípio estruturante do Estado de direito».
Ainda segundo Gomes Canotilho «Uma primeira e ineliminável dimensão do direito à protecção judiciária é a protecção jurídica individual. O particular tem o direito fundamental de recorrer aos tribunais para assegurar a defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos».
A propósito do direito à tutela jurisdicional ensina o mesmo Professor que «a ideia de due process jurisdicional que (…) esteve na origem da sedimentação da justiça processual e procedimental, é hoje agitada a propósito da conformação justa e adequada do direito à tutela jurisdicional (…). Uma definição abrangente de tutela jurisdicional efectiva encontra-se agora no Código de Processo dos Tribunais Administrativos e Fiscais (…) “direito de obter, em prazo razoável, uma decisão judicial que aprecie, com força de caso julgado, cada pretensão regularmente deduzida em juízo, bem como a possibilidade de a fazer executar e de obter as providências cautelares antecipatórias ou conservatórias destinadas a assegurar o efeito útil da decisão”».
Com o levantamento do sigilo pretende-se saber quem é o titular da conta com o n.° , subscrita na Caixa, onde foi depositada a quantia de Є 650.000,00 (seiscentos e cinquenta mil euros) auferida com a venda e resgate de produtos associados à conta cujo arrolamento foi requerido.
A requerente tem, como já se analisou, direito à tutela jurisdicional. A informação pedida à Caixa é necessária para que se averigúe que destino foi dado a valores da conta cujo arrolamento foi pedido e não existe outra forma de se conhecer a identidade do titular da conta de destino daqueles valores.
Afigura-se-nos que o interesse da requerente em obter tutela jurisdicional, que é também um interesse do Estado na defesa do Estado de direito, prepondera sobre o interesse do titular da conta.
Deste modo, dispensa-se a Caixa S.A. do dever de sigilo bancário e, em consequência, determina-se que aquela instituição forneça as informações que lhe foram solicitadas pela 1.ª instância e que foram objecto de recusa.
Sem custas.

Lisboa, 20.2.2009
Maria Alexandrina Branquinho