Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
691/2007-7
Relator: ORLANDO NASCIMENTO
Descritores: COMPETÊNCIA MATERIAL
VEÍCULO AUTOMÓVEL
TRIBUNAL DO TRABALHO
RELAÇÃO DE TRABALHO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/27/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário: O tribunal de trabalho é o competente me razão da matéria para conhecer de providência cautelar em que se reclama a entrega de veículo que foi cedido ao requerido, como instrumento de trabalho,  no âmbito de contrato de trabalho que se extinguiu, pois estamos face a questão emergente de relação de trabalho subordinado (artigo 85.º, alínea b) da Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro - Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais)

(SC)
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa.

1. RELATÓRIO

I. […] S. A propôs, nos Juízos Cíveis de Loures, contra,
P.[…], providência cautelar não especificada, pedindo que, sem a audição prévia do requerido, se ordene a entrega do veículo automóvel Citroen Xantia, com a matricula […] PM, de que é proprietária e que lhe entregou no âmbito de um contrato de trabalho entre ambos celebrado, com fundamento em que em 19/05/2006, o requerido fez cessar o contrato de trabalho que mantinha com a requerente, não lhe entregando, todavia, o veículo.

O requerido continua a utilizar o veículo nas suas actividades comerciais em visitas a farmácias, como se fosse seu, prejudicando a requerente na sua imagem comercial e desgastando e, consequentemente, diminuindo o valor do veículo.

O tribunal a quo proferiu despacho, declarando-se incompetente em razão da matéria aduzindo, em síntese, que tendo o veículo sido entregue ao requerido no âmbito de um contrato de trabalho, o tribunal competente para conhecer da providência, nos termos do disposto no art.º 85.º, al. B) da L.O.F.T.J. são os tribunais do trabalho.

Inconformada com essa decisão a requerente dela interpôs recurso, recebido como agravo, pedindo a sua revogação e que se declare competente o tribunal a quo, formulando conclusões nas quais suscita as seguintes questões:

1.ª O requerido, na vigência do contrato de trabalho, era mero detentor do veículo (conclusões I a IV).

2.ª Tendo feito cessar o contrato de trabalho por sua iniciativa estava obrigado a proceder à restituição do veículo (conclusões V e VI).

3.ª No pedido formulado não está em causa qualquer questão emergente de relação de trabalho subordinado, tanto mais que o direito de propriedade da requerente existia prévia e independentemente da relação de trabalho pelo que, nos termos do disposto nos art.ºs 77.º e 85.º, este a contrario, da L.O.F. T. J., o tribunal cível de competência genérica é o tribunal competente para conhecer da providência (conclusões VII a XII).

2. FUNDAMENTAÇÃO

A) OS FACTOS
Os factos a considerar são os acima descritos, sendo certo que a questão submetida ao conhecimento deste Tribunal se configura, essencialmente, como uma questão de direito.

B) O DIREITO APLICÁVEL

O conhecimento deste Tribunal de 2.ª instância, quanto à matéria dos autos e quanto ao objecto do recurso, é delimitado pelas conclusões das alegações da recorrente como, aliás, dispõem os art.ºs 684.º, n.º 3 e 690.º, n.º 1 e 2 do C. P. Civil, sem prejuízo do disposto no art.º 660.º, n.º 2 do C. P. Civil (questões cujo conhecimento fique prejudicado pela solução dada a outras e questões de conhecimento oficioso).

Atentas as conclusões do agravo, supra descritas, a questão submetida ao conhecimento deste Tribunal pelos agravantes consiste, tão só, em saber se o tribunal competente para esta providência são os Juízos Cíveis de Loures, mais especificamente, o 3.º Juízo a que foi distribuída a acção, como pretende a agravante, ou se é o Tribunal do Trabalho, como decidiu o Tribunal a quo.

Vejamos.

I. A competência do tribunal em razão da matéria, sendo um pressuposto processual, cuja inexistência se configura como excepção dilatória (art.º 494.º, al. a) e 288.º, n.º 1, al. a), do C. P. Civil), deve ser aferida pelo pedido e causa de pedir do autor ou requerente, em face das respectivas normas legais de atribuição.

Os Tribunais Judiciais têm uma competência material residual, sendo da sua competência todas as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional e, dentro dessa ordem a competência em razão da matéria distribui-se entre tribunais de competência genérica e tribunais de competência especializada segundo o mesmo critério de competência material residual, para os primeiros, em tudo o que, não seja atribuído por lei, aos segundos (art.ºs 66.º e 67.º do C. P. Civil e art.º 18.º da Lei n.º 3/99 de 13 de Janeiro - LOFTJ).

A competência dos tribunais do trabalho, como tribunais de competência especializada (art.º 78.º da Lei n.º 3/99 de 03/01), é a estabelecida nos art.º 85.º a 87.º dessa lei de que destacamos, em matéria cível, a al. b) do art.º 85.º, invocada perlo tribunal a quo como fundamento para se declarar incompetente em razão da matéria.

Os Juízos Cíveis são tribunais de competência específica (art.º 96.º da mesma Lei), na área cível, com competência cível residual relativamente a outros tribunais, também de competência específica, que são as Varas Cíveis e os Juízos de Pequena Instância Cível (art.º 99.º da Lei n.º 3/99, cit.).

A questão que a agravante coloca ao tribunal, na formulação do pedido e sua causa de pedir, tem intrinsecamente natureza cível, pois consiste num pedido de restituição de uma coisa que, sendo sua propriedade, é retida indevidamente pelo requerido.

Atenta essa natureza, o tribunal competente para dela conhecer será o tribunal a quo (competência residual) se a mesma não couber na competência especializada dos tribunais do trabalho.

Ora, como a requerida alega, entregou o veículo ao requerido no âmbito de um contrato de trabalho entre eles subsistente até 19/05/2006, data em que este o terá feito cessar.

Assim sendo, o veículo terá assumido a natureza de instrumento de trabalho – se foi entregue ao requerido para uso estrito no exercício da sua actividade profissional – ou de instrumento de trabalho e retribuição (1) – se foi entregue ao requerido também para seu uso pessoal, ou para seu uso sem distinção (2).

De qualquer modo, foi a existência do contrato de trabalho que legitimou o uso do veículo, pertencente à requerente, por parte do requerido, e é também a extinção da relação de trabalho que legitima o pedido de restituição por parte da requerente.

Em qualquer das situações de uso referidas como hipotéticas, a detenção abusiva do veículo e a correspondente restituição serão sempre “…questões emergentes de relações de trabalho subordinado…”, pressupondo a apreciação da constituição do vínculo e a sua dissolução e não meras questões cíveis laterais.

De resto, no âmbito da cessação de um contrato de trabalho a questão da entrega de um veículo, pertença da entidade empregadora e utilizado pelo trabalhador, será, apenas mais uma questão a decidir, entre outras prováveis.
 
A questão sub judice contém-se, pois, plenamente na previsão do disposto no art.º 85.º, al. b) da L.O. F.T.J, sendo da competência dos Tribunais do Trabalho.
Improcedem, pois, as conclusões do agravo.
 
3. DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em negar provimento ao agravo, mantendo o despacho recorrido.

Custas pela agravante.


Lisboa, 27 de Fevereiro de 2007

(Orlando Nascimento)
(Ana Resende)
(Dina Monteiro)



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1.-E, note-se que, neste caso, determinará que sobre o valor de uso, elemento componente da retribuição, incidirão os competentes descontos para a segurança social e IRS.

2.-Não tendo a requerente dado cumprimento ao disposto nos art.ºs 139.º e 140.º do C. P. Civil português, juntando, entre outros documentos, um denominado “CONTRATO DE TRABAJO”, em castelhano, não obstante o trabalhar a prestar se situar em Portugal, impossibilitou – não obstante a conhecida aptidão linguística e tolerância dos portugueses, extensiva aos tribunais portugueses – o tribunal de perceber a inserção do uso do veículo no âmbito do contrato de trabalho.