Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
3546/10.9TBVFX.L1-7
Relator: ORLANDO NASCIMENTO
Descritores: DIVÓRCIO SEM CONSENTIMENTO DE UM DOS CÔNJUGES
CONVOLAÇÃO
RELAÇÃO DE BENS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 07/11/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ANULADA
Sumário: 1. O pressuposto de decretamento do divórcio previsto no art.º 1775.º, n.º 1, al. a), do C. Civil é a apresentação do documento relação especificada dos bens comuns e não a existência de acordo quanto aos bens comuns, nada obstando a que dessa relação sejam omitidos bens, que dela conste a declaração de inexistência de acordo quanto a determinados bens ou, até, que cada um dos cônjuges apresente a sua relação especificada de bens comuns, uma vez que os litígios sobre a mesma serão ulteriormente dirimidos no processo próprio.
2. Os poderes instrutórios e de decisão cometidos ao tribunal pelos n.ºs 3 e 4 do art.º 1778.º- A, depois de os n.ºs 1 e 2 se reportarem expressamente aos acordos previstos no n.º 1, do art.º 1775.º, são circunscritos às matérias “sobre que os cônjuges não tenham apresentado acordo”, o que o mesmo é dizer, sobre as matérias em que, devendo apresentar acordo, o não tenham feito.
3. Os n.ºs 3 a 5 do art.º 1778.º-A do C. Civil não criam uma tramitação processual especial para as matérias em causa, sendo as mesmas decididas “como se tratasse de um divórcio sem consentimento de um dos cônjuges”, ou seja, pelas formas processuais já existentes e por apenso ao processo de divórcio, como resulta da instrumentalidade de tais decisões em relação à decisão de decretamento do divórcio e como relativamente à atribuição da casa de morada da família dispõe o n.º 4 do art.º 1413.º do C. P. Civil.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes que constituem o Tribunal da Relação de Lisboa.

1. RELATÓRIO.
Nos autos de ação de divórcio sem consentimento de um dos cônjuges, proposta por Cláudia … contra José …, realizada tentativa de conciliação, na qual os cônjuges declararam pretenderem o divórcio, mas não estarem de acordo quanto à relação de bens, foi produzida prova e proferida decisão sobre as verbas em conflito.
Inconformado com essa decisão, o R dela interpôs recurso, recebido como apelação, pedindo a sua revogação e a exclusão da relação de bens das verbas n.ºs 49, 50 e 52, formulando conclusões nas quais suscita as seguintes questões:
a) As verbas n.ºs 49 e 50, relativas a contas bancárias de que é titular o apelante devem ser excluídas da relação de bens uma vez que não se fez prova de que o dinheiro depositado fazia parte do património comum do casal ou correspondia ao produto do trabalho dos cônjuges (conclusões a) a g e i);
b) Os documentos de fls. 10 e 52 e os depoimentos das testemunhas Manuel … e Maria … impunham decisão diversa da proferida pelo tribunal a quo, com exclusão das verbas n.ºs 49 e 50 (conclusão h);
c) À verba n.º 52, relativa a benfeitoria na casa de morada da família, que é um bem imóvel, não se aplica o disposto no art.º 1725.º do C. Civil, que rege apenas para os bens móveis (conclusões j) a l) e r));
d) A verba n.º 52 não pode ser incluída na relação de bens porque o respetivo prédio urbano é propriedade de José Maria …, encontrando-se registado a seu favor, como resulta dos documentos de fls. 71 e sgts., 75 e 85 dos autos, o que constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, (conclusões m) a q) e s) a t));
e) Da prova produzida, quer os documentos de fls. 71 e sgts., 75 e 85, quer os depoimentos das testemunhas Manuel …, Maria … e José Maria …, não é possível dar como assente o facto descrito no ponto 7 dos factos assentes (conclusão q)).
A apelada apresentou contra-alegações, pugnando pela confirmação da decisão recorrida.

2. FUNDAMENTAÇÃO.
A) OS FACTOS.
O Tribunal a quo julgou provados os seguintes factos:
1) A e R contraíram matrimónio sob o regime da comunhão de adquiridos, em 03 maio 1997 – cfr. assento de casamento a fls. 10.
2) - José … é o único titular das contas 0… e 0264… desde 1992-02-04 (fls. 52).
3) Está inscrito na matriz predial urbana distrito …, concelho …, freguesia de …, sob o artigo matricial … o prédio urbano, destinado a habitação, composto de r/c com 3 assoalhadas, cozinha, 1 casa de banho e 1 corredor, sito na Estrada da …, nº …, ….
4) Figura como titular, em propriedade plena, José Maria …, pai do Réu, sendo 1999 o ano de inscrição na matriz.
5) O prédio referido em 1) foi erigido em imóvel rústico, também propriedade de José Maria …, casado com Gracinda ….
6) O imóvel referido em 1) constituiu a casa de morada de família do casal.
7) O imóvel referido em 1) foi construído por A. e R., a expensas de ambos os cônjuges.
8) Para construção do imóvel referido, A. e R. contaram com o apoio económico dos pais do R.
9) O irmão do R. e pais da A. contribuíram com o seu trabalho para a construção do imóvel.

B) O DIREITO APLICÁVEL.
O conhecimento deste Tribunal de 2.ª instância, quanto à matéria dos autos e quanto ao objeto do recurso, é delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente como, aliás, dispõem os art.ºs 684.º, n.º 3 e 685.º-A, n.º 1 e 2 do C. P. Civil, sem prejuízo do disposto no art.º 660.º, n.º 2 do C. P. Civil (questões cujo conhecimento fique prejudicado pela solução dada a outras e questões de conhecimento oficioso).
As questões da apelação são as acima descritas, todas elas relativas aos bens que devem integrar a relação de bens do casal, ainda constituído, entre o apelante e a apelada.
Contudo, sendo este um processo de divórcio sem consentimento de um dos cônjuges em que, realizada tentativa de conciliação, os cônjuges declararam pretenderem o divórcio devendo, por isso, seguir-se: “…os termos do processo de divórcio por mutuo consentimento, com as necessárias adaptações”, como determina o art.º 1779.º, n.º 2, do C. Civil, o tribunal a quo não decidiu:
1) Se era necessário acordo relativo à relação especificada dos bens comuns de bens para decretar o divórcio por mútuo consentimento;
2) Se ele, tribunal, na ausência de acordo, poderia decidir as controvérsias sobre a relação especificada dos bens comuns;
3) E se o processo de divórcio é o meio processual próprio para decidir quais as verbas que devem integrar a relação especificada dos bens comuns.
O apelante e a apelada foram ouvidos sobre estas questões, nos termos do disposto no art.º 715.º, n.º 2, do C. P. Civil, tendo a apelada respondido positivamente às duas primeiras questões e tendo respondido à terceira apenas nos moldes da resposta à primeira questão, a saber, que para haver convolação para divorcio por mútuo consentimento teria de haver acordo sobre a composição da relação de bens; por sua vez o apelante respondeu negativamente a qualquer dessas questões concluindo que a partilha dos bens comuns do casal apenas se pode concretizar se o divórcio já tiver sido decretado.
Ora, estas questões constituem um pressuposto necessário das restantes questões suscitadas na apelação não podendo, por isso, deixar de ser apreciadas em primeiro lugar.
Este é, pois, o conteúdo da seguinte:
I. Questão prévia.
A decisão do tribunal a quo, ao abster-se de decretar o divórcio apesar do acordo de vontade dos cônjuges nesse sentido, da regulação das responsabilidade parentais, dos acordos relativos a alimentos entre os cônjuges e casa de morada da família, apesar de não abordar qualquer das questões que antes enunciámos, pressupõe uma resposta positiva a qualquer delas, como se a matéria colhesse uma clara resposta por parte dos respetivos comandos legais ou, pelo menos, como se a mesma tivesse sido identificada e tratada de forma pacifica, pela doutrina e pela jurisprudência, o que não acontece.
A uma tal pressuposta resposta positiva não podemos, pois, deixar de aplicar o brocardo latino quod erat demonstrandum.
A convolação da forma processual de divórcio sem consentimento de um dos cônjuges para divórcio por mutuo consentimento é determinada pelo n.º 2, do art.º 1779.º do C. Civil que manda seguir: “os termos do processo de divórcio por mutuo consentimento, com as necessárias adaptações”.
Ora, os termos do processo de divórcio por mutuo consentimento dos cônjuges são, afinal, não de apenas uma, mas de duas formas processuais diferentes.
Pela primeira, cumpridos os diversos itens estabelecidos pelo art.º 1775.º do C. Civil, o tribunal entende que se encontram devidamente acautelados os interesses dos cônjuges e de eventuais filhos menores e decreta o divórcio, homologando os acordos (ex vi do disposto no art.º 1776.º, n.º 2, in fine, do C. Civil, com as necessárias adaptações).
Pela segunda, na ausência de algum dos acordos previstos no n.º 1 do art.º 1775.º, do C. Civil (art.º 1778.º-A; do C. Civil), ou se o tribunal entende que os acordos apresentados não acautelam suficientemente os interesses dos cônjuges e de eventuais filhos menores, o tribunal aprecia os acordos, convidando os cônjuges a alterá-los (art.ºs 1778.º e n.º 2, do art.º 1778.º-A) e, na ausência de acordo, decide sobre as respetivas matérias, determinando a prática dos atos e a produção da prova eventualmente necessária (n.ºs 3 e 4 do art.º 1778.º-A, do C. Civil), decretando em seguida o divórcio (n.º 5, do art.º 1778.º-A).
No caso sub judice, tanto quanto podemos deduzir da tramitação processual seguida após a ata de fls. 19, datada de 24 de maio de 2011, na qual consta que: “Autora e Réu não acordam, porém, quanto à relação de bens Comuns ao casal” e que foi preferido despacho determinando: “Notifique a Autora e o Réu para, no prazo de 10 dias, apresentarem alegações e prova, tendo em vista decisão sobre a relação de bens”, o tribunal a quo seguiu esta segunda forma processual, propondo-se decidir sobre as verbas que devem integrar a relação de bens e não decretando o divórcio.
I. 1. Seguindo a ordem das sub-questões que acima enunciámos, começando pela primeira, importa agora analisar a questão de sabermos se era necessário o acordo dos cônjuges quanto à relação de bens para ser decretado o divórcio por mútuo consentimento.
Nos termos do disposto no art.º 1775.º, n.º 1, al. a), do C. Civil, um dos documentos que deve acompanhar o requerimento de divórcio por mutuo consentimento é uma “relação especificada dos bens comuns, com indicação dos respetivos valores…”.
Questão que de imediato se coloca é, não só, a de saber se esse documento deve corporizar um acordo sobre o seu conteúdo, caso em que os requerentes poderiam fazer constar da relação de bens comuns apenas aqueles bens sobre os quais estão de acordo, omitindo os restantes mas, essencialmente, saber se esse acordo estabelece, em termos definitivos, a composição da relação de bens.
Por contraposição com os acordos, expressamente determinados pelas als. b) a d) do mesmo preceito e por contraposição com o acordo sobre a partilha, a que se reporta a parte final da mesma al. a), do n.º 1, do art.º 1775.º, a expressão “relação especificada dos bens comuns, com indicação dos respetivos valores…” reporta-se, tão só, à relação de bens e não também ao acordo sobre o seu conteúdo.
De facto, neste caso, o processo de divórcio destina-se, tão só, a dissolver a comunhão conjugal, com o acautelamento dos interesses dos cônjuges e filhos menores, a que respeitam os acordos referidos sob a als. b) a d), e não também à partilha do património conjugal.
Para além das diferenças de texto legislativo quanto às matérias em que é necessário acordo, também não vislumbramos valor social a acautelar com um hipotético acordo sobre o conteúdo da relação de bens podendo, até, configurar-se de duvidosa constitucionalidade uma ponderação legislativa de valores que levasse a fazer depender a dissolução do casamento, de uma questão patrimonial, qual seja, o acordo sobre bens comuns.
A exigência de apresentação do documento “relação especificada dos bens comuns” pode entender-se, e percebe-se, como um apelo a um consenso, o mais alargado possível entre os cônjuges, no que respeita à dissolução do casamento por mútuo acordo, mas não é nem pode ser uma exigência de acordo quanto aos bens comuns.
Tendencialmente, o legislador pretende que os cônjuges acordem sobre a relação de bens, mas não o erige em obrigatoriedade, sob pena de uma inversão dos valores em causa, sobrevalorizando direitos patrimoniais em face de direitos pessoais.
Neste sentido, aliás, a doutrina[1] e a jurisprudência[2] portuguesa têm decidido que a relação especificada de bens comuns, junta ao processo de divórcio por mutuo consentimento, não é abrangida pelo efeito de caso julgado da sentença que decretou o divórcio.
No seguimento desta jurisprudência não podemos, pois, deixar de concluir que o pressuposto de decretamento do divórcio é a apresentação do documento “relação especificada dos bens comuns” e não a existência de acordo quanto aos bens comuns, nada obstando a que dessa relação sejam omitidos bens, que dela conste a declaração de inexistência de acordo quanto a determinados bens ou até que, como nestes autos aconteceu, cada um dos cônjuges apresente a sua relação especificada de bens comuns, uma vez que os litígios sobre a mesma serão ulteriormente dirimidos no processo próprio.
I. 2. Passando agora à segunda das identificadas sub-questões, a saber, se o tribunal, na ausência de acordo, poderia decidir as divergências entre os cônjuges sobre os bens que deviam constar da relação especificada de bens comuns.
Nestes autos, constatada em ata a ausência de acordo entre os cônjuges quanto ao conteúdo da relação especificada dos bens comuns, como consta a fls. 31 e 37, cada um dos cônjuges apresentou a sua relação especificada dos bens comuns, com conteúdo parcialmente divergente, a que se seguiu a produção de prova e a decisão agora em recurso.
Referimos, anteriormente, que o pressuposto de decretamento do divórcio é a apresentação do documento “relação especificada dos bens comuns” e não a existência de acordo quanto aos bens comuns nela, ou nelas, relacionados.
Poderia, todavia, acontecer que fosse cometida ao tribunal a quo a tarefa processual de dirimir, no próprio processo de divórcio ou na dependência dele (por apenso), eventual conflito sobre o seu conteúdo.
Ora, tal também não acontece.
Os poderes instrutórios e de decisão cometidos ao tribunal pelos n.ºs 3 e 4 do art.º 1778.º-A, depois de os n.ºs 1 e 2 se reportarem expressamente aos acordos previstos no n.º 1, do art.º 1775.º, são circunscritos às matérias “sobre que os cônjuges não tenham apresentado acordo”, o que o mesmo é dizer, sobre as matérias em que devendo apresentar acordo o não tenham feito, e nestas se não inclui o acordo quanto ao conteúdo da relação de bens. 
Neste contexto relacional se deve interpretar a expressão: “O juiz fixa as consequências do divórcio nas questões referidas no n.º 1, do artigo 1775.º” a qual, em si, comportaria alguma equivocidade se interpretada como remetendo para a totalidade do n.º 1 (do art.º 1775.º) e não apenas para as matérias em que o acordo é pressuposto do próprio decretamento do divórcio.
Em vez de “consequências” do divórcio com mais propriedade constaria “efeitos” do divórcio, pois é essa terminologia original do Código Civil, mas a questão permanece a mesma.
Do que, afinal, se trata é de o tribunal proferir decisão sobre as matérias em que, devendo haver acordo como pressuposto para o decretamento do divórcio e não existindo, esse acordo é suprido por decisão do tribunal.
Os efeitos do divórcio nessa matéria são fixados: “como se tratasse de um divórcio sem consentimento de um dos cônjuges”, ou seja, pela forma processual própria de cada um das matérias (não a esmo, no próprio processo[3]) e como preliminar do decretamento do próprio divórcio, de que são efeito ou consequência (n.º 5 do art.º 1778.º-A).
Temos, assim, forçosamente que concluir que o tribunal a quo não podia decidir o conflito entre os cônjuges sobre os bens que deviam constar da relação especificada de bens comuns.
I. 3. A resposta à terceira das sub-questões que nos vêm ocupando, consistente em saber se o processo de divórcio é o meio processual próprio para decidir quais as verbas que devem integrar a relação especificada dos bens comuns, encontra-se contida na apreciação das questões anteriores.
Importa, todavia, referir que os n.ºs 3 a 5 do art.º 1778.º-A do C. Civil não criam uma tramitação processual especial para as matérias em causa[4].
Tais matérias são decididas “como se tratasse de um divórcio sem consentimento de um dos cônjuges”, ou seja, pelas formas processuais já existentes e por apenso ao processo de divórcio, como resulta da instrumentalidade de tais decisões em relação à decisão de decretamento do divórcio e como relativamente à atribuição da casa de morada da família dispõe o n.º 4 do art.º 1413.º do C. P. Civil.
Inexistindo forma processual própria para dirimir conflitos sobre as verbas que devem integrar a relação especificada dos bens comuns, o tribunal a quo conheceu da questão no próprio processo de divórcio que, tendo começado como processo de divórcio sem consentimento de um dos cônjuges, passou, com as necessárias adaptações, a processo de divórcio por mutuo consentimento, como que criando uma forma processual nova, um tertium genus, o que, tal como o conhecimento da matéria substantiva, também lhe estava vedado.
1. 4. Terminando a apreciação desta questão prévia, não podemos deixar de concluir que o tribunal a quo conheceu de questão cujo conhecimento lhe estava vedado, incorrendo na nulidade prevista no art.º 668.º, n.º 1, al. d), in fine, do C. P. Civil e, não obstante ser este um processo de jurisdição voluntária, deixou de decretar o divórcio dos cônjuges estando reunidos os respetivos pressupostos, o que integra a mesma nulidade, agora sob a forma de omissão de pronuncia.
Não poderemos, pois, deixar de anular a decisão recorrida e os atos subsequentes à apresentação das relações especificadas de bens comuns, com inicio na ata de fls. 64, ordenando a baixa dos autos para que neles seja proferida a decisão determinada pelo n.º 5 do art.º 1778.º-A, do C. P. Civil.
II. As restantes questões da apelação.
Prejudicado fica o conhecimento das restantes questões da apelação, relativas à decisão sobre as verbas que devem fazer parte da relação especificada de bens comuns.
C) EM CONCLUSÃO.
1. O pressuposto de decretamento do divórcio previsto no art.º 1775.º, n.º 1, al. a), do C. Civil é a apresentação do documento relação especificada dos bens comuns e não a existência de acordo quanto aos bens comuns, nada obstando a que dessa relação sejam omitidos bens, que dela conste a declaração de inexistência de acordo quanto a determinados bens ou, até, que cada um dos cônjuges apresente a sua relação especificada de bens comuns, uma vez que os litígios sobre a mesma serão ulteriormente dirimidos no processo próprio.
2. Os poderes instrutórios e de decisão cometidos ao tribunal pelos n.ºs 3 e 4 do art.º 1778.º- A, depois de os n.ºs 1 e 2 se reportarem expressamente aos acordos previstos no n.º 1, do art.º 1775.º, são circunscritos às matérias “sobre que os cônjuges não tenham apresentado acordo”, o que o mesmo é dizer, sobre as matérias em que, devendo apresentar acordo, o não tenham feito.
3. Os n.ºs 3 a 5 do art.º 1778.º-A do C. Civil não criam uma tramitação processual especial para as matérias em causa, sendo as mesmas decididas “como se tratasse de um divórcio sem consentimento de um dos cônjuges”, ou seja, pelas formas processuais já existentes e por apenso ao processo de divórcio, como resulta da instrumentalidade de tais decisões em relação à decisão de decretamento do divórcio e como relativamente à atribuição da casa de morada da família dispõe o n.º 4 do art.º 1413.º do C. P. Civil.
3. DECISÃO.
Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em anular a decisão recorrida e os atos subsequentes à apresentação das relações especificadas de bens comuns, com inicio na ata de fls. 64, ordenando a baixa dos autos para que neles seja proferida a decisão determinada pelo n.º 5 do art.º 1778.º-A, do C. P. Civil.
Custas em partes iguais, sem prejuízo do apoio judiciário.

Lisboa, 11 de julho de 2013.
(Orlando Nascimento)
(Ana Resende)
(Dina Monteiro)
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Texto escrito conforme o Acordo Ortográfico, convertido pelo Lince;
[1] Cfr. Lopes Cardoso, Partilhas Judiciais, vol. III, 4.ª ed. pág 365.
[2] Entre outros, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 18/2/2008, in BMJ n.º 374, pág. 472 e das Relações de Lisboa, de 6/10/2009 (relator: Rui Vouga) e 3/3/2011 (relator: Ezaguy Martins); Coimbra, de 14/2/2006 (relator: Coelho de Matos) e de 13/3/2007 (relator: Regina Rosa); Évora, de 8/7/2008 (relator Bernardo Domingos); Guimarães, de 17/6/2004 (relator: Manso Raínho) e de 28/6/2007 (relator: Espinheira Baltar); Porto, de 19/4/2007 (relator: Mário Fernandes), todos in dgsi.pt
[3] Neste sentido o acórdão da Relação de Évora de 10/11/2010 (relator: Mário Serrano), in dgsi.pt.
[4] Sobre esta problemática, desde logo as reticências de Rita Lobo Xavier, in Recentes Alterações ao regime Jurídico do Divórcio e das Responsabilidades Parentais, Almedina, 2009, págs. 19 a 22.