Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1436/15.8T9AMD.L1-9
Relator: MARGARIDA VIEIRA DE ALMEIDA
Descritores: DESPACHO DE ARQUIVAMENTO NO INQUÉRITO
NULIDADE ABSOLUTA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/17/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: Um despacho de arquivamento proferido contra juízo pericial contido em relatório, logo, com força de prova vinculada, sem que a divergência desse juízo técnico se encontre devidamente fundamentada do ponto de vista técnico, enferma de nulidade absoluta nos termos do disposto no artº 118º, nº 1 do CPP.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 9ª Secção Criminal da Relação de Lisboa:

Condomínio do Prédio R……………., nº 261 veio interpor o presente recurso da decisão do Mmo JIC que entendeu indeferir o pedido de abertura de instrução por inadmissibilidade legal.
Entende que o MºPº deveria ter concluído pela acusação, e não pelo arquivamento, uma vez que foram reunidos indícios nos autos de que o arguido incorreu na prática de um crime de abuso de confiança p.p. pelo artº205º do Código Penal, e de vários outros crimes em relação à prática dos quais ficaram diligências por fazer.
Indica os elementos recolhidos no inquérito e, bem assim, os que ainda deveriam ser recolhidos para que se concluísse pela existência dos restantes ilícitos que imputa ao arguido.
O MºPº pugna pela manutenção da decisão recorrida.

Cumpre apreciar, após vistos e conferência:
A única questão objecto do recurso é a de saber se a decisão de rejeitar o pedido de instrução formulado pelo recorrente se deve manter, já que, no mais, o inquérito enferma de nulidade absoluta.
Não assim em relação à prática do crime de abuso de confiança p.p. pelo disposto no artº 205º do Código Penal.
É certo que o recorrente não formulou uma acusação, mas não é menos certo que o despacho de arquivamento foi proferido contra peritagem do Núcleo de Assessoria Técnica existente nos autos, a fls. 5518 e seguintes, peritagem essa efectuada a pedido do Procurador titular dos autos.
Dessa peritagem consta que as actas das reuniões de condóminos foram alteradas, designadamente, a acta que se refere à movimentação da conta bancária do condomínio que passaria a ser efectuada apenas com a assinatura do legal representante da D……., o ora arguido.
Essa deliberação nunca foi tomada pelos condóminos, já que a acta a que se refere o docº nº 4 _ ponto 211 de fls 5519) nunca foi assinada pelos condóminos.
Os denunciados utilizaram as assinaturas constantes da folha de presenças na Assembleia de Condomínio como se ela traduzisse uma manifestação de concordância com essa deliberação, quando a acta para ser válida a referida deliberação tinha de conter a assinatura dos condóminos que nesse sentido tivessem votado, que tivessem votado contra e que se tivessem eventualmente abstido.
A folha de presenças só serve para se concluir se a Assembleia estava constituída com o quórum necessário para poder funcionar.
As deliberações nela tomadas têm de reunir um determinado número de votos para serem válidas, e esses votos têm de corresponder às assinaturas constantes da acta, e respectiva identificação de quem votou.
O mesmo sucedeu com as actas discriminadas a fls. 5519 verso.
No ponto 8.5 do mesmo relatório consta a descrição dos normais procedimentos bancários quanto às autorizações para movimentação de contas dos condomínios.
Nas conclusões apresentadas, a fls. 5529 e verso, e 5530, verifica-se que foi o expediente de proceder à junção da folha de presenças como se de autorização do condomínio se tratasse que permitiu ao arguido movimentar as contas e efectuar os movimentos bancários ali discriminados.
Aqui chegados, verifica-se que
a) O inquérito enferma de omissão de diligências essenciais para a descoberta da verdade material em relação a alguns dos crimes denunciados/ cuja descoberta foi evidenciada pela descoberta da forma como foi praticado o de abuso de confiança;
b) O despacho de arquivamento produzido pelo MºPº e que deu origem ao pedido de abertura de instrução enferma de nulidade absoluta por existência de contradição nos seus fundamentos, entre a fundamentação e a conclusão nela contida.
c) Com efeito, após acolher o relatório pericial que constitui prova vinculada, de acordo com o disposto no artº 127º do CPP, 1ª parte, e 163º do mesmo diploma legal, afasta-se do juízo técnico nele formulado para concluir pela ausência de indícios, sem fundamentar a divergência.

Explicando:
Na lógica do CPP, concluído o inquérito, dispõe o artº 277º, nº 1 que…” o MºPº procede por despacho, ao arquivamento do inquérito, logo que tiver recolhido prova bastante de não se ter verificado o crime …ou nº 2 se não tiver sido possível ao MºPº obter indícios suficientes da verificação do crime ou de quem foram os seus agentes.
Não está prevista no artº a possibilidade de existir prova pericial cujo resultado técnico é imperativo, a menos que a divergência seja fundamentada, o que não foi aqui o caso- cfr artº 163º, nº 2 do CPP que, porque contido na parte geral do Código é aplicável aos casos omissos em sede de inquérito por força do disposto no artº 4º do mesmo diploma, já que não existem normas do processo civil que se harmonizem com esta situação do processo penal e que na falta delas se aplicam os princípios gerais do processo penal.
Assim, há que lançar mão das disposições legais aplicáveis às decisões judiciais, que espelham os princípios gerais do processo penal, para concluir que um despacho de arquivamento proferido contra juízo pericial contido em relatório, logo, com força de prova vinculada, sem que a divergência desse juízo técnico se encontre devidamente fundamentada do ponto de vista técnico, enferma de nulidade absoluta nos termos do disposto no artº 118º, nº 1 do CPP.
E nem se diga que essa nulidade não foi arguida uma vez que o recorrente, em sede de requerimento de abertura de instrução, se insurge exactamente contra a decisão de arquivar, embora com fundamentação legal diferente.
Em nosso entender, e porque viola directamente o direito de acesso ao direito por banda dos ofendidos/assistentes em processo penal, nada dizendo expressamente o legislador, por força dos princípios gerais do processo penal aplicáveis nos termos do artº 4º do CPP, há que cominar o despacho de arquivamento proferido contra juízo técnico sem fundamentar a divergência, igualmente do ponto de vista técnico, como manda a lei, com a nulidade absoluta que decorre da alínea b) o artº 119º, -falta de promoção do inquérito, com as consequências previstas no artº 122º - invalidade da acusação proferida, aproveitando-se todos os actos praticados, designadamente o relatório pericial junto aos autos, da autoria do núcleo de acessória técnica, nos termos do artº 163º do CPP, para produzir acusação em conformidade com a lei.

Fica assim prejudicado o conhecimento da questão suscitada no presente recurso, por existir nulidade de conhecimento oficioso, que determina a invalidade da acusação e de todos os actos subsequentes, e a remessa dos autos ao MºPº para que repita a prática do referido acto em conformidade com o disposto no artº 163º, nº 1 do CPP referente ao valor da prova pericial.
Decisão:
Termos em que acordam, após vistos e conferência, em tomar conhecimento da existência de nulidade absoluta decorrente da violação do disposto no artº 163º do CPP, que determina a invalidade do despacho de arquivamento proferido, e de todos os actos subsequentes, nulidade cuja existência se declara, e cujo conhecimento prejudica o conhecimento do recurso interposto por Condomínio do Prédio R---------------------------.
Não é devida taxa de justiça.

Registe e notifique, nos termos legais.
Lisboa, 17 Janeiro 2019

Margarida Vieira de Almeida
Maria da Luz Batista