Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
4324/16.7T8VFX-B.L1-6
Relator: EDUARDO PETERSEN SILVA
Descritores: ARROLAMENTO
SIGILO BANCÁRIO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/30/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: INCIDENTE
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: -O arrolamento justifica-se pelo receio de extravio, dissipação ou ocultação de bens, receio cuja demonstração a lei dispensa no caso de arrolamento preliminar a acção de divórcio.
-Decretado o arrolamento, ele opera relativamente aos bens que vierem a ser encontrados.
-Extravasa assim o âmbito do arrolamento - e de resto mostra-se ausente o critério da instrumentalidade probatória necessária que é condição de levantamento de sigilo bancário - o pedido de informação sobre levantamentos ocorridos anteriormente nas contas bancárias cujos saldos foram arrolados, não se justificando o levantamento do sigilo.

(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Parcial: Acordam os Juízes, do Tribunal da Relação de Lisboa.


I.-Relatório:


J... veio intentar procedimento cautelar de arrolamento como preliminar da acção de divórcio que pretende intentar contra sua esposa E..., o qual foi julgado procedente e em consequência se determinou “que se proceda ao arrolamento das contas bancárias de que seja titular a requerida, individualmente ou em co-titularidade com o requerente, descritas no artigo 7º a) a c) do requerimento inicial, designando como depositário o respectivo detentor (artº 426º nº 2 do Código do Processo Civil).

Mais se determina que se proceda às notificações requeridas às entidades bancárias, referidas no requerimento inicial.”.

Das notificações que instruem o presente apenso, resulta que as entidades bancárias foram notificadas nos termos determinados e ainda para informarem o saldo no caso de existência de contas e “Para informar se houve levantamentos e, caso o mesmo se verifique, quem os realizou e em que montantes”.

Em face da invocação de sigilo bancário por parte do B... S.A., por requerimento de 30.12.2016, o requerente J... pediu a pronúncia do tribunal pela ilegitimidade da escusa de tal Banco. Mais requereu relativamente à C... e ao M ... que informassem se existiram levantamentos nas contas que indicaram e quem procedeu aos mesmos.

Deferido este requerimento, e conforme consta de despacho de 10.2.2017, os Bancos B... e M... recusaram-se a fornecer informações tendo o tribunal entendido que a recusa era legítima e tendo decidido suscitar junto desta Relação a apreciação do pedido de afastamento de sigilo.

II.-Direito.
       
Está pois portanto em causa saber se deve ser levantado o segredo profissional invocado pelo B... e pelo Banco M... ao abrigo do artigo 78º do DL 298/92 de 31.12 na redacção introduzida pelo DL 201/2002 de 26.9, por “não nos ter sido comunicado que o(a) titular (designada como depositária do respectivo valor) deu o seu consentimento à prestação daquela informação”.

III.-Matéria de facto. – a constante do relatório que antecede.

IV.-Apreciação.
Dispõe o artigo 78º do DL 298/92 de 31 de Dezembro, no seu nº 2, que: “Estão, designadamente, sujeitos a segredo os nomes dos clientes, as contas de depósito e seus movimentos e outras operações bancárias”.

Apesar das alterações resultantes do DL 31-A/2012 de 10 de Outubro, mantém-se a jurisprudência firme que estabelece que o dever de sigilo não é um dever absoluto, que deve ceder perante o dever de colaboração para a descoberta da verdade, instrumental do direito de acesso à justiça (artigos 411º e 417º do CPC e 20º da Constituição da República Portuguesa), segundo o princípio da proporcionalidade (artigo 18º da Constituição da República Portuguesa), ponderando-se o interesse preponderante e a instrumentalidade (artigo 417º nº 4 do CPC e 135º nº 3 do CPP), mais especificamente averiguando-se se, no caso concreto, o interesse preponderante é o do sigilo bancário, enquanto protecção da confiança que é essencial ao funcionamento das instituições bancárias e da reserva da vida privada dos clientes, ou pelo contrário se deve prevalecer justamente o dever de colaborar com a descoberta da verdade, de colaborar com a justiça, a que o cidadão tem constitucional direito de acesso. Intervém obviamente na ponderação a averiguação da estrita necessidade desta instrumentalidade, determinando-se que apenas situações em que de outro modo probatório se revelaria impossível a prova de facto alegado em fundamento de direito invocado em juízo, devem determinar a derrogação do sigilo.

Ora, passando ao caso concreto, o procedimento cautelar intentado, na sua especificidade – artigo 409º nº 1 do CPC – presume o receio do perigo de extravio, ocultação ou dissipação de bens, e a providência para tanto atribuída pela lei é justamente a acção que permite obstar a que tais extravio, ocultação ou dissipação se concretizem: - o arrolamento dos bens existentes.

A providência porém opera para o presente e o futuro – artigo 406º do CPC, determinando a descrição, avaliação e depósito dos bens existentes – mas não para o passado: se os bens já se extraviaram, foram ocultados ou dissipados, não encontramos preceituado, na disciplina deste procedimento cautelar especificado, a investigação sobre esse extravio, ocultação ou dissipação.

Trata-se, em todo o caso, de matéria que interessará possivelmente à futura acção de divórcio, mas que não só excede a finalidade do arrolamento como não se consegue aferir, neste momento, da pertinência da informação solicitada aos bancos em termos de instrumentalidade probatória essencial, isto é, não sabemos que factos virão em tal acção futura a ser alegados e por isso não sabemos se a prova por recurso ao levantamento do sigilo bancário é estritamente essencial.

Fenecendo este critério decisivo para o tribunal poder aquilatar do conflito entre os interesses que justificam o segredo e o interesse do requerente e para poder assim perceber a necessidade do levantamento do segredo, impõe-se não o conceder.
Custas do presente incidente pelo requerente – artigo 527º nº 1 e 2 do CPC.

V.-Decisão.

Nos termos supra expostos, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente o incidente, não ordenando o levantamento do sigilo bancário relativamente à informação sobre levantamentos e montantes de levantamento realizados nas contas bancárias arroladas anteriormente à data da notificação às entidades bancárias ordenada pela decisão que decretou o arrolamento.
Custas pelo requerente.
Registe e notifique.



Lisboa, 30 de Março de 2017



Eduardo Petersen Silva
Maria Manuela Gomes
Fátima Galante
Decisão Texto Integral: