Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | TOMÉ GOMES | ||
Descritores: | ARRESTO JUSTO RECEIO DE PERDA DA GARANTIA PATRIMONIAL ÓNUS DA PROVA PROPORCIONALIDADE MATÉRIA DE FACTO | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 03/02/2010 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | AGRAVO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
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Sumário: | Arresto: O fundado receio de perda da garantia patrimonial: indícios objectivos e subjectivos. Ónus de prova. 1. O fundado receio da perda de garantia patrimonial traduz-se no chamado periculum in mora especifico do arresto, consistindo num conceito indeterminado a densificar com base em factos ou circunstâncias que revelem uma situação económica e patrimonial do devedor em termos de fazer presumir, à luz das regras da experiência comum, que o mesmo poderá vir a dissipar os seus bens, comprometendo a solvabilidade do crédito em causa. 2. Indícios objectivos dessa probabilidade serão, por exemplo, a elevada superioridade do passivo em relação ao activo patrimonial, a oneração dos bens existentes a favor de outros credores, ou a escassa liquidez dos rendimentos proporcionados pelos bens existentes; indícios de natureza mais subjectiva serão porventura os comportamentos do devedor na perante as solicitações de pagamento. 3. Ao credor arrestante incumbe provar o montante do crédito em causa e a aparente situação patrimonial deficitária do devedor, bem como os comportamentos deste que indiciem risco de delapidação ou dissipação do seu património; por sua vez, recai sobre o devedor o ónus de provar a existência de bens suficientes para solver a dívida. (Sumário do Relator) | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa : I – Relatório 1. C …, Ldª, requereu contra A…, Ldª, uma providência para arresto de vários imóveis da requerida como forma de assegurar a garantia patrimonial de créditos que a requente detém sobre ela no montante global de € 155.623,63. 2. Após produção da prova indicada pela requerente, foi proferido despacho inicial a ordenar o arresto requerido, na sequência do qual, veio a requerida deduzir oposição com fundamento na falta de verificação dos respectivos pressupostos, concluindo pelo levantamento do mesmo e pedindo, subsidiariamente, uma redução proporcional daquela medida. 3. Produzida a prova indicada pela requerida, foi proferido despacho final a julgar improcedente a oposição e a manter a medida decretada. 4. Inconformada com tal decisão, veio a requerido agravar dela, formulando as seguintes conclusões: 1a - A apelante é uma PME do ramo de actividade da construção civil, construindo imóveis para venda e a apelada exerce a actividade de comércio de materiais de construção civil, máquinas e ferramentas, entre outros. 2ª - No âmbito das respectivas actividades, apelante e apelada estabeleceram relações comerciais desde o ano de 2002 até meados do ano de 2007; 3ª - A ora apelante foi merecedora de crédito por parte da apelada até Julho de 2007, altura em que a apelada alterou a sua posição e, para cobrança de valores que diz ser credora, interpôs uma acção declarativa, uma acção executiva contra a apelante e requereu uma providência cautelar de arresto para garantia do valor total de € 155.623.63; 4a - Alegando um conjunto de falsos argumentos, a apelada criou no tribunal “a quo” a convicção de que, sendo provável o seu crédito, era justificado o seu receio de, a curto prazo, não existirem garantias patrimoniais por parte da apelante para a satisfação do seu crédito; 5ª - A apelada fez crer que a apelante, nomeadamente o seu sócio gerente L…, estaria a criar condições para esvaziar o património da empresa, "fugir" para Angola ou Cabo Verde e assim se furtar às suas obrigações para com os credores; 6a - Nos termos do art° 406.° e ss do CPC para ser decretado arresto devem ser alegados pelo requerente, e estar objectiva e cumulativamente verificados, dois requisitos: a provável existência do crédito e o fundado receio de perda de garantia patrimonial do credor; 7ª - No caso sub judice é provável a existência do crédito da apelada (esta foi fornecedora da apelante e juntou facturas vencidas e que alega não estarem pagas), mas com a oposição deduzida ficou demonstrado que não é fundado o receio de a apelada perder a garantia do seu provável crédito, porque: - a apelante continua a sua actividade e o seu sócio gerente não se prepara para "fugir" de Portugal; - a apelante tem mais património do que aquele foi indicou e que foi deliberadamente ocultado pela requerente do arresto; 8ª - Ainda que assim não se entendesse, o arresto decretado é completamente desproporcionado pois baseou-se na subavaliação do património dado para arresto; 9ª - Mais do que cobrar o seu pretenso crédito, a apelada pretende impedir que a apelante desenvolva a sua actividade, o que conseguiu com a decisão do tribunal “a quo” que, ao considerar improcedente toda a oposição nomeadamente no que se refere à requerida redução do arresto e à substituição de uns bens por outros, não permite que a apelante possa arranjar dinheiro, vendendo os imóveis, para pagar aos credores, incluindo a apelada. 10ª - A substituição do arresto sobre outros imóveis, que não foi impugnada pela apelada, foi indeferida sem qualquer fundamento por parte do tribunal a quo; 11ª - O tribunal a quo para além da errada e contraditória avaliação da matéria de facto (contradições entre factos provados e não provados) fez uma aplicação errada das normas do processo civil (art° 406.° e ss do CPC), ao decretar o arresto sem que um dos requisitos estivesse preenchido: o fundado o receio de a apelada perder a garantia patrimonial; 12ª - Mas, sobretudo tal qual como a havia proferido em 3 de Setembro de 2007, quase um ano depois e apesar da situação patrimonial da apelante ser já completamente diferente, o tribunal “a quo” não adequou a sua decisão às circunstâncias supervenientes do caso concreto; 13ª - O tribunal “a quo” decidiu em 3 de Julho de 2008 manter a decisão de arresto o tribunal “a quo” não promoveu a justiça material, ao considerar improcedente a redução do arresto e a substituição de 2 imóveis, mesmo sem qualquer oposição da apelada, violando, pela desproporcionalidade na decisão, o principio da igualdade das partes, quanto à aplicação da cominação ou sanção processual (art° 3.°-A do CPC, in fine); 14ª - O tribunal “a quo”, ao decidir como o fez, foi muito mais além do que a própria apelada o pretendeu, substituindo-se à vontade da parte interessada, a apelada/requerente de arresto, e extravasando a decisão estritamente jurídica, decidiu também com juízo moral: quem tem dívidas não pode gozar férias. Tal juízo configura dupla penalização/reprovação face à apelante, decorrente da confusão entre a apelante, pessoa colectiva, responsável pelas suas obrigações e o seu sócio gerente, pessoa singular, titular dos direitos individuais consagrados na Constituição, art° 59° da CRP (o direito a férias); 15ª - Ao decidir como o fez, o tribunal a quo não cumpriu a sua função soberana: administrar a justiça. A apelante remata pedindo que seja revogada a decisão recorrida e substituída por outra que: a) - ordene o levantamento do arresto efectuado sobre todos os imóveis indicados pela apelada; b) - ou reduza o arresto para a proporção adequada, atendendo à desproporção entre o valor dos imóveis arrestados e o provável crédito da apelada, tendo por objecto o levantamento do arresto existente sobre as fracções …, correspondentes, respectivamente, ao rés-do-chão e 1º andar esquerdo do prédio descrito …. da Conservatória do Registo Predial de …. c) - em caso de improcedência do assim solicitado, ordene o levantamento do arresto existente sobre as referidas fracções "E" e "F" e, em substituição, decrete o arresto sobre fracção autónoma designada pelas letras "AM", correspondente ao andar 11° esquerdo do prédio urbano sito …, descrito na Conservatória do Registo Predial de … e inscrito na matriz predial urbana sob o artº …. 5. Não foram produzidas contra-alegações. Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir. II – Delimitação do objecto do recurso Como é jurisprudência sedimentada, e em conformidade com o disposto nos artigos 684.º, nº 3, e 690.º, nº 1, do CPC, o objecto do recurso é delimitado em função do teor das conclusões do recorrente. Dentro destes parâmetros, as questões a decidir consistem em ajui-zar: a) - sobre as pretensas contradições da decisão de facto aludidas na 11ª conclusão acima sumariada e discriminadas sob a alínea b) do corpo das alegações de fls. 24; b) - sobre a verificação do fundado receio de diminuição da garan-tia patrimonial; c) - subsidiariamente, quanto : - à pretensa desproporcionalidade dos bens arrestados em re-lação ao crédito invocado; - à pretendida substituição dos bens arrestados. III – Fundamentação 1. Factualidade dada, inicialmente, como provada em 1ª Instân-cia: Vem dada como inicialmente indiciada a seguinte factualidade: 1.1. A requerente exerce a actividade de comércio de materiais de construção civil, máquinas e ferramentas, ferragens, mosaicos, ladrilhos, tintas e vernizes, mobiliário e todo o tipo utensílios para a moderna construção de habitações; 1.2. A requerida exerce a actividade de construção civil de moradias e de apartamentos para habitação e comércio, que vende depois de construídas em propriedade plena ou em propriedade horizontal; 1.3. Para a construção de várias moradias sitas em …, a requerida encomendou e a requerente forneceu à requerida materiais de construção, que foram entregues no local das obras; 1.4. Pelo menos desde 2002 que a requerida era cliente da requerente, a quem esta fornecia com regularidade o material de que aquele necessitava para as obras, sendo que a requerida começou a atrasar-se nos pagamentos e nesta data se encontra em débito o valor de € 155.623,63 euros; 1.5. A requerida aceitou uma letra no valor de € 34.932,26 e outra no valor de € 29.218,44, para serem reformadas trimestralmente, reformas que nunca pagou, nem os juros e encargos decorrentes das mesmas; 1.6. Mas a requerida continuou a fazer encomendas e a requerente a fornecer-lhe materiais, de boa fé, na convicção de que a requerida pagasse o que devia; 1.7. Encontram-se em dívida as seguintes facturas : Número da factura Data de emissão Valor em euros
no valor total, líquido de descontos, incluindo o IVA, de € 76.410,36 (doc 1 a 18); 1.8. Para pagamento do saldo de uma letra anterior, de que restava pagar o valor de € 13.895,00 euros mais as facturas n° 528 A e 985 A, tudo no valor de € 34.932,26, a requerida aceitou uma letra, em 19 de Julho de 2005, de igual valor, com vencimento em 18 de Outubro de 2005; 1.9. Tal letra nunca foi paga e viria a ser reformada várias vezes pela requerente, o que originou despesas bancárias com juros e encargos, que totalizaram € 5.787,40; 1.10. Em 2 de Dezembro de 2005, a requerida aceitou outra letra, no valor de € 29.218,44, para pagamento de parte do saldo em dívida naquela data, letra com vencimento em 28 de Fevereiro de 2006, a qual também nunca foi paga e originou despesas bancárias com juros e encargos no valor de € 4.964,96; 1.11. A requerida também comprou noutra loja da requerente, mas não pagou, a mercadoria constante da factura n° 552/07, de 5/7/2007, no valor de € 307,41; 1.12. A requerida também não pagou as notas de débito: n° 1 A, no valor de € 787,47; n° 2 A no valor de € 927,75; n° 3 A no valor de € 811,29; n° 4 A no valor de € 849,48 e nº 5 A no valor de € 934,22; 1.13. Tais notas de débito titulam despesas bancárias, juros e encargos relativas a outras letras do aceite da requerida, que foram pagas com atraso, mas cujas despesas nunca foram liquidadas, e se reportavam a facturas mais antigas; 1.14. A dívida titulada por facturas, notas de débito, letras, encargos bancários e os juros de mora somam nesta data a quantia de € 155.623,63, à qual acrescem juros de mora desde as datas dos seus vencimentos até efectivo pagamento; 1.15. Porém, a requerente deixou de fornecer à requerida novas encomendas, a partir de Junho de 2007, em virtude de o gerente desta, L …, ter deixado de responder às diversas solicitações, quer pessoais quer por telefone, do sócio gerente da requerente, para pagar o que devia ou dar alguma satisfação para o atraso no pagamento; 1.16. Soube entretanto a requerente que o mesmo procedimento da requerida era extensivo a outros credores e que lhe foram movidas providências cautelares de arresto para garantia dos seus créditos, designadamente a firma J …, Lda.; 1.17. A requerida cessou os pagamentos aos seus credores e optou pelo silêncio; 1.18. Sabe-se que o seu sócio gerente se tem deslocado a Cabo Verde e Angola, e considera a possibilidade de instalar a sua actividade de construção num daqueles países. 1.19. A requerida tem vários imóveis quase concluídos por fora, mas inacabados por dentro, não paga a ninguém que lá trabalhou ou que forneceu os materiais e todos os bens conhecidos estão hipotecados, alguns penhorados e outros arrestados; 1.20. A requerida continua a alienar o seu património sem pagar ou dar nenhuma explicação à ora requerente, enquanto credora; 1.21. A requerida é titular de um prédio a que corresponde a ficha n° … da freguesia de …, descrito sob o n° …, da Conservatória do Registo Predial de …, com o valor tributável de 70.891 euros, que se encontra arrestado a favor da firma C… La, com sede em …, pelo valor de 41.469, 93 euros, desconhecendo-se se sobre o mesmo existe alguma hipoteca ou outros encargos; 1.22. A requerida é titular de um prédio rústico a que corresponde o artigo matricial rústico 56, da secção D, da freguesia de …, concelho de …, inscrito na matriz em nome da requerida, com o valor tributável de 1.060$00, porém, sem registo a seu favor na Conservatória do Registo Predial…, a que pertence; 1.23. A requerida é titular de um prédio urbano a que corresponde a ficha n° …, sito …, terreno para construção, com a área de 197 m2, com o valor tributável de 15.000 euros, o qual se encontra onerado com duas hipotecas a favor da C…, a primeira até ao valor de € 585.000,00 e a segunda até ao valor de € 943.600,00; 1.24. A requerida é titular de um prédio urbano a que corresponde a ficha n° …, sito em …, terreno para construção, com a área de 202 m2, com o valor tributável de 15.000 euros, o qual se encontra onerado com duas hipotecas a favor da C…, a primeira até ao valor de € 585.000,00 e a segunda até ao valor de € 943.600,00; 1.25. A requerida é titular de um prédio urbano a que corresponde a ficha n° …, sito em …, terreno para construção, com a área de 207 m2, com o valor tributável de 15.000 euros, o qual se encontra onerado com duas hipotecas a favor da C…, a primeira até ao valor de € 585.000,00 e a segunda até ao valor de € 943.600,00; 1.26. A requerida é titular de um prédio urbano a que corresponde a ficha n° …, sito em …, terreno para construção, com a área de 212 m2, com o valor tributável de 15.000 euros, o qual se encontra onerado com duas hipotecas a favor da C…, a primeira até ao valor de € 585.000,00 e a segunda até ao valor de € 943.600,00; 1.27. A requerida é titular de um prédio rústico denominado …, nos limites de …, a que corresponde a ficha n° …, onde se encontra construído um prédio urbano na Rua …, composto de cave para garagens, Rés do Chão e 1° andar para habitação e sótão para arrumos, com a área coberta de 645 m2 e logradouro de 1 505 m2, com o valor tributável de € 960.000,00 constituído em propriedade horizontal a que correspondem as fracções A, B, C, D, E, e F, inscrito sob o art° … urbano da mesma freguesia; 1.28. Sobre este prédio incidem uma hipoteca a favor do Banco …, S A, no valor de € 951.860,00 e está a ser vendido em fracções da propriedade horizontal, designadamente a fracção A já pertence a N…, cujo valor tributável é de € 160.000,00, a fracção B já pertence a S…, cujo valor tributável é de € 160.000,00, a fracção C já pertence a J…, cujo valor tributável é de € 160.000,00, a fracção D já pertence a P., cujo valor tributável é de € 160.000,00; 1.29. Restam apenas as fracções E e F, cada uma com o valor tributável de € 160.000,00, sobre as quais continua a incidir a hipoteca no valor de € 951.860,00; 1.30. A firma J…, La. requereu entretanto um arresto, que foi deferido, sobre diversos prédios, cujo crédito ascende a mais de € 150.000,00; 1.31. No Tribunal de …, foi decretado o arresto no processo com o n° …; 1.32. A requerida é titular do prédio com o n° …, correspondente ao lote 6, com averbamento 02, que consta de casa de três pisos para habitação com 93,55 m2 e logradouro de 212,45 m2, inscrito na matriz sob o art° … e do prédio com o n° …, com as descrições constantes das certidões prediais de fls. …; 1.33. À requerida não são conhecidos outros bens além dos aqui descritos. 2. Factualidade dada como provada em 1ª Instância, em sede de oposição: Da prova produzida no âmbito da oposição deduzida pela requerida, foi dada como provada a seguinte matéria de facto com relevância para a decisão da causa: 2.1. Até à altura em que cessaram, as relações comerciais desenvolvidas entre requerente e requerida tiveram por base um bom relacionamento dos seus legais representantes; 2.2. A requerente efectuou, relativamente à requerida, as vendas a dinheiro documentadas a fls. 236 a 238-A dos autos; 2.3. A requerente fez vendas de bens seus a terceiros com a indicação de que se destinavam a empregar em obras da ora requerida, o que sucedeu há não mais de ano e meio a esta data; 2.4. A requerida recorreu ao crédito bancário para construir vivendas; 2.5. A oponente prestou caução no âmbito de Execução n° …, do Tribunal …, caução que foi julgada validamente prestada; 2.6. No âmbito do processo n° … (procedimento cautelar de arresto), a correr termos no Tribunal …, movido por "C…, Lda." contra a aqui requerida A…, esta efectuou um depósito autónomo no valor de € 42.500,00, na sequência do que, por despacho judicial proferido nesses autos, foi determinado o levantamento do arresto sobre a fracção autónoma designada pelas letras "AM", do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de …, sob a ficha …, e sobre o prédio urbano, descrito na Conservatória do Registo Predial … sob a ficha …; 2.7. O objecto social da requerida é a construção de imóveis para venda; 2.8. Em Dezembro de 2007/Janeiro de 2008, a requerida publicitou a venda de imóveis por si construídos, via prospecto publicitário e por publicação no jornal …; 2.9. O legal representante da requerida também promove as vendas das vivendas e mostra-as aos interessados que se lhe apresentem; 2.10. O número de telefone constante da aludida publicidade …- pertence ao sócio gerente da requerida; 2.11. O sócio gerente da requerida vive em Portugal e é pai de dois filhos: J… e G…, nascidos, respectivamente, em … e …; 2.12. O sócio-gerente da requerida é possuidor de Certificado de Aptidão Profissional, nos termos do qual, possui, desde 4-5-2006, as competências necessárias ao exercício da profissão de "Técnico de Obra/ Condutor de Obra"; 2.13. O sócio-gerente da requerida frequentou o Curso de Formação para a preparação da prova de admissibilidade ao Ensino Superior, na Escola Superior de Actividades Imobiliárias; 2.14. A requerida erigiu obra que fica a não mais de 1 Km. do estabelecimento da requerente; 2.15. Frequentemente, o sócio-gerente da requerida não atende o telefone, pelo menos, porque é do seu modo de ser, não se fazer acompanhar do telemóvel, para o atender, quando o contactam; 2.16. No início do ano de 2007, J.G…, do ramo imobiliário, acompanhado de uma familiar do sócio gerente da requerente, foi ver vivendas da requerida para tentar arranjar compradores para estas; sendo que, quem lhas mostrou, foi o sócio-gerente da requerida; 2.17. Os prédios indicados pela requerente nos arts. 24 a 27°, da sua p.i. correspondem a 4 lotes (lotes 2, 3, 4 e 5); 2.18. O Banco… recebeu de A…", para expurgação das fracções A, B, C e D, de prédio não identificado e em data desconhecida, respectivamente, as quantias de € 127.954,29, € 140.147,08, € 134.743,54 e € 134.743,54. 2.19. V… e M…, este, no início do ano de 2007, tendo adquirido imóveis à ora requerida e, por indicação do seu sócio-gerente, adquiriram materiais, para si, junto da ora requerente. 3. Da oposição não resultou indiciariamente provada a seguinte matéria de facto que: O tribunal “a quo” considerou como não provado que: - a requerida tivesse junto da requerente uma conta corrente na qual eram lançados os movimentos efectuados entre ambas: as compras e os respectivos pagamentos. - quando o representante legal da oponente fazia pagamentos, o fizesse sempre para lançamento numa conta corrente não fazendo a designação das facturas a que respeitava e deixando sempre ao critério do representante legal da requerente, a que facturas imputar tais pagamentos; - as letras aceites pela oponente respeitem a fornecimento de materiais facturados pela requerente e, muito menos, que respeitem a fornecimento de materiais objecto das letras juntas, pela requerente, a estes autos; - o legal representante da ora requerida nunca se tenha deslocado a Cabo Verde ou Angola, nem sequer, em férias; - o legal representante da requerida nunca tenha considerado a possibilidade de instalar a sua actividade num desses países; - seja o sócio gerente da Requerida, como Encarregado de Educação, que mantém os contactos com o estabelecimento de ensino dos filhos; - seja o sócio gerente da requerida quem assegura o pagamento e contacto com o Instituto de Línguas onde os filhos estudam; - o sócio-gerente da Requerida nunca tenha tido a intenção de sair de Portugal; - o sócio-gerente da requerida passe à porta das instalações da Requerente com frequência e que seja visto, concretamente, pelos trabalhadores, desta: Sr… , Sr… e Sr… ; - em cada um dos lotes indicados acima, em 18 de "Factos Provados" esteja construída uma vivenda quase acabada; - a requerente tenha fornecido materiais para todas essas vivendas; - estas vivendas tenham um valor comercial situado entre os € 190.000,00 e os € 230.000,00; - a hipoteca no valor de € 585.000,00 se mostre já liquidada; - relativamente à hipoteca concedida como garantia de um empréstimo no valor de € 700.000,00, a ora oponente esteja a cumprir pontualmente; designação das facturas a que respeitava e deixando sempre ao critério do representante legal da Requerente, a que facturas imputar tais pagamentos; - ao lado das vivendas cujos lotes foram indicados para arresto, estejam construídas mais sete vivendas. 4. Do mérito do recurso 4.1. Das invocadas contradições da decisão de facto A apelante arguiu as seguintes contradições da decisão de facto: a) - entre o facto aceite por ambas as partes de que as suas relações foram sempre e só comerciais - compra e venda de materiais de construção civil para as vivendas a construir pela apelante - e o segmento decisório de que “não resultou indiciariamente provado que as letras aceites respeitem a fornecimentos de materiais facturados”; b) - entre o facto alegado no artigo 3º do requerimento inicial, segundo o qual “o pretenso crédito se refere ao fornecimento de materiais de construção para várias moradias” e a decisão de que não resultou provado que “a apelada tenha fornecido materiais para todas essas vivendas”; c) - entre o facto de que “o sócio-gerente não era contactável e o facto dado como provado em 2.26 de que “J.G…, acompanhado por um familiar do sócio-gerente da apelada, e a mando desta, foi visitar vivendas construídas pela apelante”; d) - entre a afirmação de M… de que “tinha almoçado com o sócio-gerente da apelante e da apelada em Abril ou Maio de 2007 (sem poder precisar o mês), o que nem sequer foi tido em conta pelo tribunal, e que desmente a impossibilidade de contacto com o sócio-gerente da apelante durante o ano de 2007; e) - entre o facto dado como provado em 1.14 de que “a requerida erigiu uma obra que fica a não mais de um quilómetro do estabelecimento da requerente” e a decisão de que “não resultou provado que “o sócio-gerente da apelante passe com frequência à porta das instalações daquela”, o que é fisicamente impossível. Vejamos: Antes de mais, convém ter presente que o vício formal de contradição entre os diversos pontos ou segmentos da decisão de facto, para efeitos do preceituado no nº 4 do artigo 712.º do CPC, terá de traduzir-se numa relação de recíproca exclusão dos juízos afirmativos e negativos constantes dos enunciados da matéria de facto em confronto, em termos de não permitir sequer qualquer apreciação de mérito sobre os mesmos, não compreendendo assim as eventuais incoerências ou fragilidades dos juízos probatórios subjacentes, o que se projecta já do domínio do erro de julgamento. No que se refere ao vício indicado na alínea a), mesmo a admitir que as relações entre a requerente e a requerida tenham sido sempre e só de natureza comercial, no âmbito da compra e venda de materiais de construção civil para as vivendas a construir pela apelante, não se vislumbra que tal facto esteja, por si só, em contradição com o dar como não provado que as letras aceites respeitem a fornecimentos de materiais facturados, já que bem poderão compreender, por exemplo, valores de outros materiais não facturados ou até de outras despesas respeitantes a essas transacções. Aliás, na motivação da decisão de facto, em sede de oposição, ficou consignado que “a requerente não juntou nem produziu qualquer prova de que, por via das letras ou das facturas objecto dos autos sejam reclamadas as mesmas quantias”. Quanto à alínea b), também aqui não se verifica qualquer contradição relevante, já que o facto de o pretenso crédito se referir ao fornecimento de materiais de construção para várias moradias não significa que se reporte a todas elas. No respeitante ao vício mencionado na alínea c), o facto de J.G…, no início de 2007, ter ido ver vivendas da requerida com um familiar do sócio-gerente desta e de ter sido este sócio-gerente quem lhas mostrou não significa que este sócio-gerente tenha estado contactável a partir de Junho de 2007, aquando das solicitações para pagar, feitas pela requerente, a que se refere o ponto 1.15 da factualidade dada como provada. Relativamente ao vício referido na aliena d), não ocorre qualquer contradição formal relevante, já que nem tão pouco a apelante a situa entre segmentos decisórios, mas entre a afirmação de uma testemunha, que de resto o tribunal “a quo” não teria tomado em consideração, e a resposta negativa em foco. Poderia quando muito suscitar-se uma questão de erro de julgamento, mas que a apelante nem sequer suscita como tal nem com a observância devida dos requisitos de impugnação exigidos pelo artigo 690.º-A, nº 1, alínea a), do CPC. Acresce que esse facto instrumental ocor-rido em Abril/Maio de 2007, não colide com o facto dado como provado em 1.25, se porventura é este o que a apelante pretende impugnar. De igual modo não se descortina a contradição indicada na aliena e), pelo simples facto de que a construção da obra a que se refere o ponto 2.14 não implica, necessariamente e por si só, que o sócio-gerente da apelante passe com frequência pelas instalações da requerente. 4.2. Quanto à verificação do fundado receio de perda da garantia patrimonial Conclui a apelante que, embora provável a existência do crédito invocado pela apelada, não se verifica o requisito do justo receio de perda da garantia patrimonial por parte da requerente, uma vez que a devedor continua a sua actividade e o seu sócio-gerente não se prepara para “fugir” de Portugal, sendo que a apelante tem mais património do que aquele que foi indicado pela requerente e por esta deliberadamente ocultado. Como é sabido, nos termos conjugados do artigo 619.º, nº 1, do CC e dos artigos 406.º, nº 1, e 407.º, nº 1, do CPC, incumbe ao requerente da providência de arresto alegar e provar factos de que resulte o fundado receio de perda da garantia patrimonial do crédito invocado pelo arrestante. Ora, o fundado receio da perda de garantia patrimonial traduz-se no chamado periculum in mora especifico do arresto, consistindo num conceito indeterminado a densificar com base em factos ou circunstâncias que revelem uma situação económica e patrimonial do devedor em termos de fazer presumir, à luz das regras da experiência comum, que o mesmo pode-rá vir a dissipar os seus bens, comprometendo a solvabilidade do crédito em causa. Indícios objectivos dessa probabilidade serão, por exemplo, a elevada superioridade do passivo em relação ao activo patrimonial, a oneração dos bens existentes a favor de outros credores, ou a escassa liquidez dos rendimentos proporcionados pelos bens existentes. Indícios de natureza mais subjectiva serão porventura os comportamentos do devedor na perante as solicitações de pagamento. Assim, ao credor incumbe provar o montante do crédito em causa e a aparente situação patrimonial deficitária do devedor ou os comportamentos deste que indiciem risco de delapidação ou dissipação do seu património. Por sua vez, ao devedor cabe provar a existência de bens suficientes para solver a dívida. No caso vertente, está provado que a requerida cessou os pagamentos aos seus credores e que, desde Junho de 2007, não responde às solicitações de pagamento que lhe são feitas, nomeadamente por parte da requerente, como se colhe claramente dos pontos 1.15, 1.17 da factualidade dada inicialmente como provada, não infirmada, no essencial, em sede de oposição, bem como do ponto 2.15. Perante isso, incumbia pois à requerida alegar e provar a existência de bens na sua esfera patrimonial que permita a satisfação do crédito da requerente. Quanto à existência de bens no património da requerida que assegurem o pagamento da dívida da requerente, o que se verifica é que a quase totalidade dos imóveis que possui, e que se encontram arrestados conforme auto de fls. 201 a 204, estão onerados com hipotecas dadas em garantia do crédito bancário a que vem recorrendo na sua actividade de construção. E da factualidade assente nem sequer se descortinam os limites exactos de alguns dos montantes ainda em dívida a satisfazer a custa dessas hipotecas, além dos montantes máximos ali garantidos, ou melhor dizendo, quais os bens que estariam disponíveis, e em que montante, para satisfazer o crédito da requerente. Por outro lado, o facto de a requerida se dedicar ao comércio imobiliário permite-lhe facilmente alienar os imóveis a terceiros e dispor dos respectivos fluxos monetários sem honrar os seus compromissos para com a requerente, como, aliás, se prova indiciariamente que tem vindo a suceder. De resto, a requerida não provou sequer nenhum comportamento indiciador de um propósito sério no sentido de pagar o crédito à requerente. Acresce que a prova produzida pela requerida em oposição não chegou para lançar dúvida séria sobre os indícios de que o sócio-gerente tivesse considerado a possibilidade de instalar a sua actividade de construção em Angola e Cabo Verde. Neste quadro, só o arresto dos bens a favor da requerente lhe podem proporcionar a garantia de poder obter a satisfação do seu crédito pelo remanescente do que tiver de ser pago, prioritariamente, aos credores hipotecários. 4.3. Quanto à alegada desproporcionalidade dos bens arrestados Incumbia, como foi dito, à apelante provar que dispõe de património suficiente para solver o crédito da requerente. O certo é que nem a apelante se dispõe a efectuar tal pagamento, nem provou que disponha de bens desonerados suficientes para tal efeito, como já foi referido. Nem tão pouco provou a invocada subavaliação dos bens arrestados, como se alcança da menção discriminada feita aos factos dados como não provados. Como não provou também quais as importâncias ainda em dívida cobertas pelas refe-ridas hipotecas. Acresce que o objecto do recurso não compreende a apreciação de eventual erro de julgamento sobre tais pontos de facto nem tal poderia sequer ser apreciado apenas com base no exame dos documentos juntos aos autos. Neste quadro, não se mostra desproporcionado o arresto decretado nem que seja suficiente o arresto apenas das fracções E e F, já que ainda sobre estas fracções subsiste formalmente uma hipoteca para garantia do valor máximo de € 951.860,00, desconhecendo-se qual o exacto montante ainda em dívida, não obstante os pagamentos identificados no ponto 2.18, admitindo-se, na melhor das hipóteses, que possa ser na ordem dos € 200.00,00. 4.4. Quanto à pretendida substituição dos bens arrestados Pretende a apelante, subsidiariamente, a substituição dos bens arrestados E e F pelo arresto da fracção autónoma AM correspondente ao andar 11° esquerdo do prédio urbano sito em …, descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob a ficha … e inscrito na matriz predial urbana sob o art° …, prédio sobre o qual não existiria qualquer ónus ou encargo. Alega a apelante que a apelada não se opôs a tal substituição. Todavia, importa sublinhar que a requerida não pediu aquela substituição no respectivo articulado de oposição, o que terá deduzido já em sede de audiência final De qualquer modo, embora tenha ficado provado (ponto 2.6) que foi levantado um arresto impendente sobre o imóvel AM, nada foi alegado nem se apurou quanto ao valor do referido prédio, como expressamente se consignou da fundamentação da decisão recorrida a fls. 17. Assim sendo, a carência de tais factos, cujo ónus de alegação e prova incumbia à requerida/oponente, inviabilizaram, como por ora inviabilizam, a ponderação pelo tribunal “a quo” da pretendida substituição dos bens arrestados, pelo que não merece censura, nesse particular, a decisão recorrida. IV – Decisão Pelo exposto, acordam os juízes neste Tribunal da Relação em negar provimento ao recurso, mantendo a decisão recorrida. Custas pela recorrente. Lisboa, 2 de Março de 2010 Manuel Tomé Soares Gomes Maria do Rosário Oliveira Morgado Rosa Maria Ribeiro Coelho |