Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1054/12.2YRLSB-1
Relator: EURICO REIS
Descritores: REVISÃO DE SENTENÇA ESTRANGEIRA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/01/2013
Votação: DECISÃO INDIVIDUAL
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: REVISÃO DE SENTENÇA ESTRANGEIRA
Decisão: PROCEDÊNCIA PARCIAL
Sumário: Não obstante em Portugal o exercício das responsabilidades parentais ser irrenunciável, face ao estatuído no n.º 1 do art.º 1915º do Código Civil - quando por inexperiência, …ausência ou outras razões, se não mostre (o pai ou a mãe, ou ambos) em condições de cumprir aqueles deveres -, a solução legal de Direito Estrangeiro que autoriza e justifica, nessas situações, o decreto judicial a rever e que assenta em norma pela qual se autoriza que a iniciativa da limitação, total ou parcial, das responsabilidades parentais possa partir dos próprios progenitores, que confessam a sua incapacidade para salvaguardar o supremo interesse da criança ou jovem seu filho, não provoca qualquer constrangimento nem ofende ou sequer perturba a consciência jurídica do declaratário normal colocado na posição do real declaratário, ou, o que é o mesmo, do diligente bom pai ou mãe de família (artºs 236º e 487º n.º 2 do CC português), que constituem o padrão aferidor dos comportamentos de todos os membros da Comunidade, ou, para se ser ainda mais preciso, corporizam ficcionadamente os Valores Éticos e Sociais que enformam e dão consistência ao tecido societário dessa organização social e estabelecem os modelos de conduta para todos os que, no seu seio, interagem no comércio jurídico, logo, tal solução legal não viola qualquer princípio de Ordem Pública Internacional do Estado Português, nem ofende qualquer princípio de direito privado nacional.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: LX-REVISÃO DE SENTENÇA ESTRANGEIRA 2013 4
1. No dia 13 de Fevereiro de 19…, nasceu, na freguesia de …, Concelho de .., Jo, filho de J.. e de E…, ambos solteiros e com os demais sinais que constam dos autos, os quais requereram em Tribunal a homologação da delegação voluntária do poder paternal relativo àquele seu filho a favor de A.. e JÁ.., casados uma com o outro e igualmente identificados no processo.
Essa pretensão mereceu provimento, tendo a sentença proferida em 7 de Maio de 2..pelo Tribunal Judicial da Comarca de .. – …º Juízo Cível, da …, cuja cópia certificada constitui fls 8 a 9 verso dos presentes autos de revisão e confirmação de sentença estrangeira, e que, como resulta narrativamente dessa certidão (fls 8) e do averbamento 1 ao assento de nascimento daquele menor (fls 5 verso), transitou em julgado nessa mesma data, homologado essa Delegação Voluntária do Poder Paternal relativo a esse filho daqueles primeiros Requeridos.
Pede agora o MINISTÉRIO PÚBLICO a revisão e confirmação dessa decisão judicial, para que a mesma produza efeitos em Portugal, tendo juntado para esse fim certidão na qual se encontra inscrita a decisão cuja confirmação é pedida e certidão dando conta dos registos de nascimento de J.., e de A.. e J…, realizados pelas competentes Autoridades …, os dois últimos dando fé do casamento celebrado entre si por estes Requeridos no dia 17 de Fevereiro …, na Conservatória dos Registos de ….
Atendendo a que “...a questão a decidir é simples...”, nos termos previstos nos artºs 1099º n.º 2, 700º n.º 1 c) e 705º do CPC (com a redacção subsequente à entrada em vigor do DL n.º 303/2007, de 24 de Agosto), e como já anunciado a fls 32 (ponto 2), o mérito do pleito irá ser apreciado e julgado mediante decisão singular do relator, a proferir de imediato.
2. Estando documentalmente comprovada a homologação da delegação voluntária do poder paternal, as condições em que a mesma foi formulada pelos progenitores biológicos do menor e a prolação da decisão homologatória, com trânsito em julgado da mesma, e sendo para tanto competente este Tribunal da Relação de Lisboa, importa apreciar e decidir, não se mostrando necessário proceder a quaisquer averiguações (art.º 1101º do C.P.C) e estando já cumprido o disposto no art.º 1099º n.º 1 do CPC.
3.1. Não se suscitam e nem sequer foi alegada a ocorrência de dúvidas sobre a autenticidade do documento de que consta a decisão a rever, nem quanto à inteligência desta, estando igualmente certificado o respectivo trânsito em julgado e que tal circunstância se verificou em conformidade com e segundo a legislação do país em que foi proferida.
Por outro lado, essa decisão foi proferida por Entidade estrangeira que, segundo a legislação do país em causa, é a competente, não versando a mesma sobre matéria da exclusiva competência dos Tribunais portugueses, não se verificando caso julgado ou litispendência com qualquer processo a correr termos nestes últimos (Tribunais nacionais), mais tendo a parte ora requerida sido devidamente citada para a acção de acordo com o prescrito na legislação daquele país estrangeiro, tendo no processo em que foi proferida a decisão a rever sido observados os princípios do contraditório e da igualdade das partes na litigância; acresce que, no que se reporta ao exacto conteúdo do decreto contido na decisão a rever, tal como acontece com os resultados dela decorrentes na sequência do seu reconhecimento, os mesmos não são contrários aos Princípio de Ordem Pública Internacional do Estado Português, nem ofendem qualquer princípio de direito privado nacional.
3.2. Efectivamente, não estando em causa uma situação enquadrável no instituto jurídico da adopção – logo, sendo totalmente inaplicável a disposição contida no art.º 26ºA da Lei n.º 31/2003, de 22 de Agosto – mas antes no da inibição das responsabilidades parentais (em particular o n.º 1 do art.º 1915º do Código Civil – quando por inexperiência, …ausência ou outras razões, se não mostre (o pai ou a mãe, ou ambos) em condições de cumprir aqueles deveres - e o seu n.º 2), não obstante em Portugal serem esses deveres irrenunciáveis (idem, art.º 1882º), a verdade é que o referido art.º 1915º do Código Civil prevê a possibilidade, na sequência de uma decisão judicial, determinar uma limitação total ou parcial do exercício das responsabilidades parentais dos progenitores e o que a Legislação da República de Cabo Verde tem de diverso é tão só o permitir que a iniciativa de uma tal determinação decorra também da vontade dos progenitores que confessam e reconhecem a sua incapacidade em exercer, de modo pleno e em benefício do seu filho menor, os deveres inerentes a essas responsabilidades parentais.
É esse o conteúdo do art.º 1864º do Código Civil da República de Cabo Verde (a menção ao art.º 1861º poderá constituir um mero lapso de escrita ou ser o resultado de uma qualquer alteração legislativa, porquanto no texto legal oficiosamente analisado por este Tribunal é no texto do art.º 1864º que se encontram as referências transcritas na sentença que aqui se revê; o art.º 1861º respeita à decisão de inibição do poder paternal decretada judicialmente a requerimento do Ministério Público, de qualquer parente do menor ou de pessoa ou instituição a cuja guarda ele esteja confiado, ou seja, em termos em tudo semelhantes ao estatuído no n.º 1 do art.º 1915º do Código Civil português).
Ou seja e em síntese, a solução legal que autoriza e justifica o decreto judicial a rever não provoca qualquer constrangimento nem ofende ou sequer perturba a consciência jurídica do declaratário normal colocado na posição do real declaratário, ou, o que é o mesmo, do diligente bom pai ou mãe de família (artºs 236º e 487º n.º 2 do CC português), que constituem o padrão aferidor dos comportamentos de todos os membros da Comunidade, ou, para se ser ainda mais preciso, corporizam ficcionadamente os Valores Éticos e Sociais que enformam e dão consistência ao tecido societário dessa organização social e estabelecem os modelos de conduta para todos os que, no seu seio, interagem no comércio jurídico.
3.3. Assim sendo, estão verificados todos os requisitos necessários para a confirmação da decisão em causa que se encontram enunciados nas várias alíneas do art.º 1096º do C.P.C.
4. Pelo exposto, decide-se nesta Relação de Lisboa, julgando-se procedente esta acção, confirmar, para que esse decreto judicial produza efeitos em Portugal, a sentença homologatória proferida em 7 de Maio de 2012 pelo Tribunal Judicial da Comarca de Classe de – Juízo Cível, da República Cabo Verde, cuja cópia certificada constitui fls 8 a 9 verso dos presentes autos, e que transitou em julgado nessa mesma data, pela qual se decretou o seguinte:
“Com efeito, delegamos o poder paternal sobre o menor José aos Srs A e JA, no que tange à sua guarda, cuidados, sustento, educação, determinação do domicílio e representação do mesmo (artigo 1815º do Código Civil), até o menor atingir a maioridade”.
Sem custas por o Requerente MINISTÉRIO PÚBLICO estar isento do pagamento das mesmas.
Lisboa, 01-03-2013
(Eurico José Marques dos Reis)