Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
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| Relator: | OLINDO GERALDES | ||
| Descritores: | GARANTIA BANCÁRIA PROVIDÊNCIA CAUTELAR | ||
| Nº do Documento: | RL | ||
| Data do Acordão: | 10/25/2007 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Meio Processual: | AGRAVO | ||
| Decisão: | CONFIRMADA A DECISÃO | ||
| Sumário: | 1) A decisão sobre a matéria de facto deve ser de inteira compreensão, de modo que, clara e facilmente, se entendam os factos considerados provados ou não provados. 2) A motivação da decisão sobre a matéria de facto tanto pode ser especificada de forma individualizada como conjunta, desde que torne compreensível a razão justificativa da decisão proferida. 3) É ilícita a resolução do contrato, designadamente por ofensa do princípio da boa fé, quando a resolução não é realizada no contexto expressamente acordado pelas partes. 4) Comprovando o devedor, por procedimento cautelar, a falta do evento justificativo da execução da garantia bancária, pode obstar-se à sua imediata execução. 5) A verificação judicial da falta do evento para a execução da garantia bancária permite salvaguardar, em termos adequados ou razoáveis, o direito inerente à garantia autónoma. (O.G.) | ||
| Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa: I. RELATÓRIO A, S.A., instaurou, em 5 de Janeiro de 2006, na 12.ª Vara Cível da Comarca de Lisboa, contra Caixa, S.A., procedimento cautelar comum, pedindo que fosse ordenado à Requerida que se abstivesse de proceder à execução da garantia bancária n.º 125-02-0658897, emitida pelo Banco, no valor de € 457 008,30, e o referido Banco notificado para não proceder ao pagamento da mesma garantia até à decisão sobre a resolução ilícita do contrato de prestação de serviço e de licenciamento celebrado entre ambas, por força do qual fora prestada a garantia, a qual estava na iminência de ser executada. Sem audiência da Requerida, por despacho de 16 de Fevereiro de 2006, foi decretada a providência cautelar e ordenado que o Banco não procedesse ao pagamento da garantia até ser proferida decisão, com trânsito em julgado, na acção principal a instaurar pela Requerente. A Requerida deduziu então oposição, pedindo o levantamento da providência cautelar, por falta de verificação dos pressupostos, ou a sua redução até ser proferida a sentença em 1.ª instância, por desproporcionalidade. Procedeu-se à produção da respectiva prova, com gravação, respondendo-se à matéria de facto, nos termos do despacho de fls. 674 a 701 destes autos, não constando que tivesse havido qualquer reclamação. Seguiu-se, em 15 de Março de 2007, a decisão, que, julgando parcialmente procedente a oposição, manteve a providência cautelar, mas apenas até ser proferida sentença na acção principal. Não se conformando, a Requerida recorreu e, alegando, formulou, no essencial, as seguintes conclusões: a) A fórmula genérica “a demais matéria de facto alegada na oposição” vertida na alínea f) dos factos não provados não respeita as exigências a que alude o art. 653.º, n.º 2, aplicável ex vi do art. 304.º, n.º 5, ambos do CPC, devendo a Relação lançar ainda mão do disposto no art. 712.º, n.º 5, do CPC. b) A matéria constante dos n.º s 119 a 127, 130, 131 e 168 da oposição, incluída na referida fórmula genérica, deve ser considerada como provada. c) A interpretação que a Requerida efectuou do relatório da INDRA estava correcta, isto é, os defeitos de que padecia o NORMA eram inultrapassáveis em cinco dias. d) Não se pode concluir pela má fé ou abuso do direito relativamente a tal interpretação. e) Nem a Requerente nem o Banco tinham em seu poder, à altura em que foi enviada a carta a accionar a garantia, nenhuma prova documental concludente e inequívoca no sentido de demonstrar abuso evidente ou fraude manifesta por parte da Requerida. Pretende, com o seu provimento, a revogação do despacho recorrido e a sua substituição por outro que reponha a legalidade violada. Contra-alegou a Requerente, no sentido de ser negado provimento ao recurso. A decisão recorrida foi, tabelarmente, sustentada. Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir. Neste recurso, está em causa, essencialmente, para além da motivação e da impugnação da decisão sobre a matéria de facto, a execução imediata da garantia bancária, por alegado incumprimento contratual. II. FUNDAMENTAÇÃO 2.1. Foram dados como provados os seguintes factos: 1. L, S.A., e I, S.A., foram «incorporadas, por fusão», na Requerida. 2. Em 29 de Outubro de 2004, a Requerente e a Requerida subscreveram o intitulado “Contrato de prestação de serviços e de licenciamento”, do qual se encontra cópia a fls. 72 a 167 dos autos, donde consta, nomeadamente: “1. O presente contrato tem por objecto: a) A prestação pela E à L e à I de serviços de: Instalação e parametrização/personalização dos programas identificados no Anexo II ao presente contrato (“Programas”), de acordo com as especificações técnicas nele descritas, e apoio à sua entrada em produção, todos estes serviços adiante designados por “Tarefa” e cujo resultado se designa por “Solução Norma”; Reconfiguração de equipamento IBM RS6000H80, de acordo com as especificações constantes no Anexo V ou de qualquer actualização (upgrade) que seja julgada conveniente face às necessidades do negócio da L e da I; Formação, a prestar de acordo com os termos constantes da cláusula quarta e do Anexo VI; Manutenção dos Programas e da Solução Norma, de acordo com o Contrato de Manutenção que constitui o Anexo VII. b) A concessão pela E à L e à I da licença de utilização, de duração ilimitada, não exclusiva e não transferível, dos Programas, conforme disposto na cláusula sexta (…). 14.ª Incumprimento e Resolução: 1. A L e/ou a I poderão resolver o presente contrato por sua conveniência e em qualquer momento da vigência do mesmo, desde que efectuem os pagamentos devidos à E que se encontrem vencidos e não pagos (…). 2. Em caso de incumprimento ou de cumprimento defeituoso do presente contrato por qualquer das partes, a outra parte enviará uma comunicação à parte faltosa, por carta registada com aviso de recepção, especificando e fundamentando a causa de incumprimento, com a indicação de que pretende resolver o contrato, conferindo-lhe um prazo não inferior a 8 (oito) dias para pôr termo à situação de incumprimento ou de cumprimento defeituoso. 3. Caso a parte faltosa não ponha termo à situação de incumprimento ou de cumprimento defeituoso no prazo que para o efeito lhe tenha sido concedido nos termos do número 2, a outra parte poderá resolver o contrato por carta registada com aviso de recepção. 4. A resolução do contrato opera automaticamente na data de recepção da comunicação prevista no número anterior. 5. Em caso de resolução do presente contrato por incumprimento da E das obrigações para a mesma emergentes do contrato, nada mais será devido à E a partir da data em que se verificou o incumprimento, podendo a L e/ou a I: a) Accionar a Garantia Bancária nos termos do disposto na cláusula décima quinta (…). 15.ª Garantia Bancária 1. A E garante o cumprimento de toda a e qualquer obrigação para a mesma e emergente do presente contrato, através da entrega de uma Garantia Bancária autónoma, irrevogável e à primeira solicitação, a favor da Locapor e da I, no montante de 457.008,30 €, emitida por uma instituição de crédito aceite por estas. 2. A L e a I poderão accionar a Garantia Bancária sempre que se verifique o incumprimento de qualquer das obrigações assumidas pela E, devendo o banco garante obrigar-se a pagar à L e/ou à I, desde que estas façam acompanhar o seu pedido escrito de pagamento por cópia da notificação do incumprimento remetido à E, nos termos previstos no número 2 da cláusula décima quarta (…)”. 3. A Requerente entregou à Requerida a garantia bancária n.º 125-02-0658897, emitida pelo Banco, S.A., no valor de € 457 008,30, válida até à assinatura do auto de aceitação da Solução Norma. 4. Durante a execução do contrato, Requerente e Requerida mantiveram-se em permanente contacto. 5. Foram realizadas vinte e nove reuniões “de progresso”, tendo a Requerente elaborado, relativamente às mesmas, os relatórios que constam. 6. A Requerente realizou grande parte do seu trabalho via modem. 7. No dia 8 de Março de 2005, numa das reuniões “de progresso”, a Requerente entregou à Requerida o documento denominado “Projecto Norma - Replaneamento do Projecto”, do qual se encontra cópia a fls. 169 a 173. 8. A Requerida remeteu à Requerente, datada de 31 de Março de 2005, a carta cuja cópia consta de fls. 175, donde consta, nomeadamente: “(…) 1. Por falta de cumprimento dos prazos fixados no Cronograma constante do Anexo VIII do Contrato de Prestação de Serviços e de Licenciamento, celebrado em 29 de Outubro de 2004 entre V. Exas. e as então I e L, designadamente por faltas de cumprimento da obrigação de instalação da versão final da Solução Norma até 28 de Fevereiro de 2005, não se encontram reunidos os pressuposto necessários à: (i) Efectivação dos testes e certificação até 27 de Março de 2005, (ii) Início da formação prática em 4 de Abril de 2005, (iii) Encomenda definitiva do equipamento em 1 de Abril de 2005. 2. Constatamos, também, o incumprimento das previsões estabelecidas na cláusula 6ª, número 16 do referido contrato e no ponto 2. do seu Anexo XI. 3. Sem prejuízo do exposto, vimos formular o nosso acordo expresso ao conteúdo do documento intitulado Projecto Norma – Replaneamento, apresentado por V. Exas. em 8 de Março de 2005, à excepção da data fixada para a encomenda definitiva do equipamento, a qual será posteriormente acordada com V. Exas. 4. Manifestamos, no entanto, desde já a nossa determinação em accionar os mecanismos previstos na cláusula 14ª do contrato celebrado, se os novos prazos firmados não forem cumpridos por V. Exas (…)”. 9. Por carta de 2 de Agosto de 2005, da qual se encontra cópia a fls. 190/192, a Requerente informou a Requerida, nomeadamente: “(…) Assunto: Projecto Norma – Entrega da solução Norma com as especificações técnicas descritas na “Análise de Gap” e no documento “Desenvolvimentos Adicionais”, que constituem, respectivamente, os Anexos III e IV do Contrato de Prestação de Serviços e de Licenciamento (…). De acordo com o solicitado por V. Exas., e em virtude de não nos ter sido possível entregar a Solução na data estabelecida para o arranque do projecto, 20/06/05, o que lamentamos, em virtude das razões que já oportunamente apresentámos a V. Exas., vimos pela presente reafirmar o compromisso assumido, durante a reunião de progresso do referido projecto, que ontem teve lugar nas Vossas instalações. Não queremos, no entanto, deixar de tecer as seguintes considerações relativamente ao processo que agora estamos prestes a concluir. Assim: 1. A incorporação da funcionalidade prevista na Análise de Gap, bem como dos Desenvolvimentos Adicionais no produto Norma, que teve por objectivo fazer face às especificidades da operativa da CLF, originaram situações sucessivas de instabilidade no Produto. Esta situação, não só não nos permitiu concluir a etapa de formação como não nos proporcionou um ambiente estável para a consecução dos testes de certificação, tendo assim contribuído para o adiamento, a nosso pedido, da data de entrada em produção acima referida; 2. Posteriormente, solicitámos a V. Exas. a participação de elementos das Vossas áreas operacionais, com especial destaque para a área de Tesouraria, dado ter sido nesta que incidiram as mais críticas intervenções. Com o contributo dos Vossos colaboradores, pretendíamos aferir da correcta resolução das questões que se encontravam pendentes. Durante este processo foram identificadas deficiências, quer de funcionamento quer de entendimento sobre as opções tomadas para resolução de alguns aspectos funcionais. Ambas as situações eram expectáveis, já que era este o objectivo a que nos propusemos com esta intervenção. 3. De acrescer que esta participação ocorreu nas nossas instalações, nas quais dispomos de recursos e meios técnicos habilitados a intervir de forma mais efectiva. Estávamos cientes de que, ao fazê-lo, exporíamos a V. Exas. o estado real dos trabalhos e as eventuais instabilidades inerentes a qualquer ambiente de desenvolvimento. Ainda assim, fizemo-lo de boa fé, sem preocupações de esconder o que quer que fosse, num espírito de parceria que sempre entendemos como sendo o sentimento mútuo. 4. Independentemente das apreciações que possam ser agora feitas ao estado da Solução e ao formato de trabalho por nós seguido, não nos parece estar em consonância com a nossa postura de abertura e de franqueza, a atitude pouco construtiva, revelada pela não disponibilização formal, da lista de deficiências eventualmente detectadas pelos Vossos colaboradores e da qual apenas temos conhecimento verbal e genérico. 5. Assim, só será possível validar/certificar aquilo que, no nosso entendimento, é identificável no âmbito do nosso próprio conhecimento. 6. No que se refere às apreciações feitas ao Norma enquanto produto, não nos parece que as questões objecto dos referidos comentários verbais constituam impedimento à utilização da Solução Norma na CLF, devendo sim ser encaradas como melhorias que, eventualmente, possam vir a ser oportunamente implementadas em novas versões do Produto. Por último, reafirmamos a nossa firme intenção de entregar, na semana que se inicia a 8/08/05 p.f., para Aceitação Provisória por parte das áreas operacionais da CLF, a Solução tal como referida em epígrafe. Ficará fora desta entrega, um conjunto de Relatórios cuja especificação carece de esclarecimentos adicionais, que serão oportunamente colocados à CLF, bem como a definição de “permissões” a incluir na parametrização definitiva a qual foi já solicitada à CLF na última reunião de progresso e cujo contributo é decisivo para o correcto funcionamento da Solução”. 10. Em 8 de Agosto de 2005, a Requerente recebeu uma carta da Requerida, datada de 5 de Agosto de 2005, da qual se encontra cópia a fls. 194/195, nela se comunicando, designadamente: “(…) 1. Acusamos a recepção da vossa carta de 2 de Agosto de 2005, (…) 2. Independentemente das considerações nela apresentadas, V. Exas. nunca respeitaram os termos do licenciamento e prestação de serviços a que se haviam vinculado em 29 de Outubro de 2004 com a celebração do Contrato de Prestação de Serviços e Licenciamento. 3. Nesse sentido, mostrando-se já em Março de 2005 manifestamente insustentável a manutenção daquele contrato, vimo-nos forçados a remeter a V. Exas. uma carta em 31 de Março de 2005, dando conta da “falta de cumprimento da obrigação de instalação da versão final da Solução Norma até 28 de Fevereiro de 2005”, o que, naturalmente, consubstanciava o incumprimento gravíssimo das obrigações constantes do referido contrato e que impossibilitava, por falta da entrega do objecto do mesmo, todo o desenvolvimento da Solução Norma. 4. Em 8 de Março de 2005, aceitámos, a pedido de V. Exas., o replaneamento do Projecto Norma, assumindo os prazos fixados neste replaneamento, tal como referimos na nossa carta de 31 de Março de 2005, já o estatuto de um improrrogável termo para a sanação dos incumprimentos verificados. 5. No entanto, verifica-se que, mais uma vez, o replaneamento do Cronograma constante do Anexo VIII do Contrato de Prestação de Serviços e Licenciamento não foi cumprido por parte de V. Exas., nomeadamente nos seguintes pontos: 5.1. – Certificação de Documentos e Mapas, até 29 de Abril de 2005; 5.2. – Certificação dos processos de Migração, até 12 de Maio de 2005; 5.3. – Parametrização de Tabelas e Validações, até 15 de Abril de 2005; 5.4. – Pré Certificação, até 6 de Maio de 2005; 5.5. – Implementação na Caixa e F, até 13 de Maio de 2005; 5.6. – Formação prática e certificação, até 17 de Junho de 2005; 5.7. – Migração Real, em 19 de Junho de 2005; 5.8. – Entrada em Produção, a 20 de Junho de 2005; 5.9. – Apoio à entrada em produção, até 22 de Julho de 2005; 6. O incumprimento das obrigações referidas no ponto anterior e nos prazos ali constantes constitui incumprimento das seguintes cláusulas do contrato: 6.1. Alínea e) dos considerandos iniciais; 6.2. Cláusula 1ª - Objecto do Contrato, nos seus números 1, 2, 3 e 4; 6.3. Cláusula 2ª - Serviços de Parametrização / Personalização, nos seus números 1 e 4 e, consequentemente, dos números 5 e 6; E, também em consequência, de: 6.4. Cláusula 4ª - Formação; 6.5. Cláusula 5ª - Documentação, no seu número 1; 6.6. Cláusula 6ª - Licenciamento e Direitos de Propriedade Intelectual, no seu número 16; 6.7. Anexo XI – Norma – Posicionamento Estratégico. 7. O incumprimento reiterado, sucessivo, prolongado e continuado das obrigações e dos prazos de execução definidos, mesmo após a nossa interpelação de 31 de Março de 2005, e concretamente a falta de entrega de qualquer versão minimamente operacional e, muito menos, estável da Solução Norma, constitui um incumprimento grave e definitivo das obrigações assumidas pela E no Contrato de Serviços e Licenciamento celebrado em 29 de Outubro de 2004. Pelo que comunicamos a V. Exas., para todos os efeitos, a resolução imediata do referido contrato, nos termos da cláusula 14ª, números 3 e 4, e da Lei, reservando-se a CAIXA o direito de accionar todos os mecanismos possíveis para a salvaguarda dos nossos interesses (…)”. 11. Em 11 de Agosto de 2005, a Requerente entregou um DVD, como relativo à solução Norma, à Requerida. 12. Em 12 de Agosto de 2005, a Requerente enviou a carta, da qual se encontra cópia a fls. 197/198, à Requerida, comunicando a sua discordância relativamente ao conteúdo da carta de 8 de Agosto de 2005. 13. Em 16 de Agosto de 2005, a Requerida respondeu nos termos da carta cuja cópia se encontra a fls. 200, à carta da Requerente de 12 de Agosto de 2005, reiterando o conteúdo da carta de 5 de Agosto de 2005. 14. Em 19 de Agosto de 2005, a Requerente respondeu nos termos da carta cuja cópia se encontra a fls. 202/203, à carta da Requerida de 16 de Agosto de 2005. 15. A Requerente intentou um procedimento cautelar comum, no qual requereu que fosse ordenado à Requerida que se abstivesse de proceder à execução da garantia e à entidade bancária que não efectuasse o respectivo pagamento, que correu termos, sob o n.º 4248/05.3TVLSB, da 3ª Secção da 13.ª Vara Cível de Lisboa. 16. Em 27 de Setembro de 2005, foi decretada a providência. 17. Em 10 de Outubro de 2005, como forma de resolverem extrajudicialmente o litígio, a Requerente e a Requerida celebraram um acordo escrito, do qual se encontra cópia a fls. 230 a 235, dele constando, nomeadamente: “O presente Acordo tem por objecto regular a relação entre as partes até à conclusão dos relatórios de certificação prévia (“Certificação Prévia”) a realizar pelas entidades externas ao projecto. 2. Obrigações das Partes 2.1. Nomeação das entidades certificadoras: As partes acordam em submeter à avaliação e certificação de entidades independentes: A Solução Norma quanto à correcta utilização dos recursos de operating system que utiliza (“Informix” e “Aix”) relativamente à configuração proposta (Certificação Tecnológica); A Solução Norma ter as condições necessárias para poder ser submetida à apreciação dos utilizadores da CLF – que são utilizadores normais, sem qualificações ou conhecimentos especiais em matéria de informática – e ao bom funcionamento do mesmo, tendo em conta o fim a que se destina (Certificação Funcional). As partes nomeiam como entidades auditantes: A IBM, para a Certificação Tecnológica; A IN, para a Certificação Funcional (…) 3. Declaração 3.1. Declaração da A A A desde já declara desistir, na presente data por requerimento a apresentar junto da 13ª Vara Cível da Comarca de Lisboa, do procedimento cautelar intentado contra a CFL e que corre termos sob o n.º 4280/05.3TVLSB (…). 4.2. Relatórios desfavoráveis No caso de qualquer um dos relatórios reconhecer não se encontrarem verificados todos os requisitos referidos no primeiro parágrafo da cláusula 2.1., as Partes dispõem o seguinte: (a) Se do relatório à Solução Norma resultar que esta padece de defeitos supríveis no prazo de 5 dias úteis, é conferido à A aquele prazo para corrigir os erros em causa; (b) Se a A apresentar no prazo previsto na alínea (a) uma versão corrigida da Solução Norma, a entidade auditante efectuará, no prazo de 5 dias úteis, uma segunda verificação ao produto, no sentido de determinar se esta já preenche os requisitos definidos na cláusula 2.1.; (c) Se: (i) Findo o prazo previsto na alínea (a), a A não apresentar uma versão corrigida da Solução Norma ou; (ii) Tendo-a apresentado, da verificação prevista na alínea (b) supra resultar que a Solução Norma continua a não preencher os requisitos previstos na cláusula 2.1. ou; (iii) O relatório da Certificação Tecnológica a efectuar ao hardware determinar a necessidade de aquisição de equipamento diverso do anteriormente referido pela A e que importe um acréscimo de custos, para a CLF, superior a 20% ou; (iv) Qualquer um dos relatórios demonstrar que a Solução Norma auditada padece de inadequabilidade para o fim a que se destina ou de defeitos não supríveis no prazo de 5 dias úteis, a A expressamente reconhece a legítima perda definitiva do interesse da CLF no fornecimento daquela Solução Norma e, como tal, susceptível de confirmar a resolução do Contrato, devendo a mesma ser comunicada à A por carta registada com aviso de recepção (…)”. 18. Em 28 de Novembro de 2005, a IBM enviou às partes o relatório da certificação tecnológica, concluindo no sentido favorável. 19. Em 20 de Dezembro de 2005, a IN enviou às partes o relatório da certificação funcional, de que se encontra cópia a fls. 237 a 286, constando a seguinte conclusão: “No seguimento da proposta de certificação técnica da Solução Norma, aceite pelas “Partes”, de acordo com o nível de exigência técnica requerido e evidenciado pelo presente relatório e respectivos anexos, face à abordagem definida e à necessidade de garantir um sistema de total credibilidade técnica e funcional para os utilizadores da CLF, entendemos emitir a seguinte conclusão sobre o sistema Norma: O sistema Norma verificado não possui condições para a “Certificação CLF” devido a não estarem garantidos todos os requisitos de certificação definidos no documento “Projecto Norma – Certificação Prévia”. 20. Em 22 de Dezembro de 2005, às 11:20 horas, a IN enviou à Requerente e à Requerida o e-mail de que se encontra cópia a fls. 288, donde consta: “Caros V e S, Face ao facto de ter a equipa em espera para arrancar com a fase 2 do projecto preciso, com urgência, da vossa confirmação sobre a data de arranque da fase 2 até ao final do dia de hoje (de acordo com o plano essa data seria 26 de Dezembro se considerarmos cinco dias de calendário, ou 28 de Dezembro se considerarmos cinco dias úteis. Aguardo a vossa resposta (…)”. 21. No mesmo dia, às 12:43 horas, a IN enviou novo e-mail, de que se encontra cópia a fls. 290, aos mesmos destinatários, donde consta: “Caros V e S: Após análise mais detalhada ao e-mail anterior (que anexo abaixo) entendo que o mesmo pode induzir uma conclusão indirecta e incorrecta sobre a resposta à seguinte directriz presente no documento “Projecto Norma – Certificação Prévia”, nomeadamente, “No caso de o resultado da certificação prévia determinar que a solução NORMA padece de erros supríveis no prazo de 5 dias, se a A entregar neste prazo, uma versão corrigida da mesma, a entidade auditante deverá apurar da correcção desses erros, mas deverá efectuar uma verificação global à solução, no sentido de apurar que a correcção dos mesmos não tenha determinado a existência de outros erros relevantes induzidos na solução em causa”. Relativamente à directriz em causa e de acordo com as competências que são atribuídas pelas partes à In (definidas na proposta de serviços da In…), a In entende que a totalidade das não conformidades presentes no relatório enviado a 20 de Dezembro não são supríveis em cinco dias. No entanto e mesmo considerando esse facto a In está disponível para arrancar a segunda fase, sendo que esta deve ser a única conclusão que deve ser atribuída ao email abaixo anexado. Agradeço uma resposta vossa sobre este assunto ainda hoje. Cumprimentos, Miguel Ribeiro”. 22. Ainda no dia 22 de Dezembro de 2005, pelas 17:56 horas, a Requerente enviou à Requerida o e-mail, de que se encontra cópia a fls. 296/297, donde consta: «Caros Vítor e Miguel, No sentido de proceder à instalação das correcções à anomalias verificadas durante o Processo de Certificação Funcional Prévia, informamos que, a partir de amanhã 23-12-2005 e até ao próximo dia 27-12-2005, as nossas equipas técnicas deslocar-se-ão às instalações da CLF para executar, sobre o Sistema, as necessárias intervenções (…)”: 23. A Requerida enviou à Requerente, no dia 23 de Dezembro de 2005, pelas 9:17 horas, o e-mail, de que se encontra cópia a fls. 299, donde consta: “Caro J, Não tenho indicações no sentido da iniciativa proposta. Vou colocar a questão internamente, e depois comunico-lhe. Até lá vamos aguardar a decisão. Cumprimentos, V”. 24. A Requerida enviou à Requerente, no dia 23 de Dezembro de 2005, pelas 11:12 horas, o e-mail, de que se encontra cópia a fls. 300, donde consta: “Caro José Saldanha Santos, Junto informo a posição da Caixa Leasing e Factoring, acerca do solicitado no e-mail abaixo. Face ao teor do relatório final elaborado pela In em 20 de Dezembro de 2005, ficou confirmado que a solução Norma não reunia os requisitos essenciais para a sua certificação por parte da Caixa e Factoring, Sa., assim, por carta de 21 de Dezembro a Caixa comunicou a A a perda definitiva do seu interesse na solução, considerando o contrato automaticamente resolvido. Aquela conclusão do relatório está aliás reafirmada no e-mail de ontem dia 22 de Dezembro de 2005 do Dr. Miguel Ribeiro, onde é reafirmado, não só, a não conformidade do Norma para passagem à certificação da CLF, bem como, a confirmação de que os problemas existentes não são supríveis em cinco dias, como previsto no acordo celebrado. Face ao exposto, fica sem sentido a realização da 2.ª fase da Certificação Prévia prevista na proposta da Indra, designadamente, a instalação de correcções e posterior certificação, pelo que, não pode a mesma realizar-se (…). Vítor ”. 25. Por carta datada de 21 de Dezembro de 2005, da qual se encontra cópia a fls. 292 a 294, a Requerida comunicou à Requerente, nomeadamente: “(…) Do relatório da auditoria funcional apresentado pela In resulta, pois, que os erros, de que a Solução Norma padece, revelam uma definitiva inadequabilidade para o fim a que se destina, com defeitos não supríveis no prazo de 5 dias úteis (…); Tendo em conta o exposto, por esta carta comunicamos a V. Exas., para todos os efeitos, a perda de interesse da CLF na manutenção do contrato e a consequente resolução, com efeitos imediatos, do Contrato (…). A CLF reserva-se, ainda, o direito de accionar todos os mecanismos possíveis para a salvaguarda dos seus interesses”. 26. Por carta datada de 21 de Dezembro de 2005, da qual se encontra cópia a fls. 395/396, a Requerida comunicou ao Banco, S.A., que a recebeu, nomeadamente: “(…) Accionamento da Garantia Bancária n.º 125-02-0658897. (…) Fazemos referência à garantia bancária à primeira solicitação n.º 125-02-06558897 emitida por V. Ex.as, no dia 28 de Setembro de 2004, prestada a pedido da sociedade E – Software e Sistemas, S.A., actualmente denominada A – Software e Sistemas, S.A. (…), a favor das sociedades L – Companhia Portuguesa de Locação Financeira Imobiliária, S.A. e I – Sociedade de Locação Financeira Imobiliária, S.A., entretanto fundidas por incorporação vertical na Caixa, S.G.P.S., S.A., por sua vez transformada em Caixa – Instituição Financeira de Crédito, S.A. (…) (a “Beneficiária”), relativa ao Contrato de Prestação de Serviços e de Licenciamento prestado em 29 de Outubro de 2004 (“O Contrato”), garantia bancária essa emitida com o montante máximo de EUR. 457.008,30 (…) Considerando que a A – Software e Sistemas, S.A.: (a) Incumpriu o Contrato, não tendo procedido ao fornecimento da Solução Norma; (c) O contrato foi resolvido com efeitos a contar de hoje, dia 21 de Dezembro de 2005, Tudo conforme carta de resolução remetida à A – Software e Sistemas, S.A., cuja cópia se junta (…), onde expressamente se indicam as obrigações do Contrato que se consideram incumpridas e que se dá por integralmente reproduzida na presente comunicação, vem a Caixa – Instituição Financeira de Crédito, S.A., na qualidade de Beneficiária (…) accionar a Garantia Bancária, requerendo a V. Exas. o pagamento do referido montante de EUR. 457.008,30 (…). Mais declaramos que não foi assinado o Auto de Aceitação da Solução Norma (…)”. 27. Uma versão da solução Norma funciona em produção no BLeasing. 28. A Requerida tem intenção de accionar a garantia bancária prestada pela Requerente. 29. A Requerente é uma empresa nacional prestigiada no sector da criação e desenvolvimento de software. 30. O nome da Requerente está associado à criação e desenvolvimento de software e serviços de implementação de programas e sistemas informáticos. 31. Existe no mercado a convicção de que a Requerente cumpre pontualmente as suas obrigações para com os clientes. 32. O prestígio da Requerente facilita-lhe a concessão de crédito pelas instituições bancárias. 33. A Requerente obteve a referida garantia bancária sem contra-garantias. 34. A requerente exerce há 17 anos a sua actividade industrial e comercial. 35. O valor da garantia bancária referida representa 8% da facturação anual da Requerente. 36. A Requerente tem como clientes 80% das leasings, SFACs, bancos de crédito ao consumo e empresas de renting. 37. A execução da garantia afectará as relações da Requerente com a banca, nomeadamente, para obtenção de crédito e a nível de clientes. 38. A Requerente estava a negociar a implementação da Solução Norma com o Banco, o C, o S e o Banco P. 39. O Banco N e o C interromperam as negociações após conhecerem a situação com a Requerida. 40. O S comunicou à Requerente que iria aguardar pelo desenvolvimento da situação com a Requerida antes de voltar às negociações. 41. Os referidos negócios têm um volume de € 1 248 800,00 de facturação. 42. A solução Norma constitui a principal novidade da Requerente. 43. O acordo referido, celebrado com a Requerente, constitui um grande projecto da Requerente, dada a dimensão económica do grupo em que ela se insere. 44. Com data de 12 de Julho de 2005, a Requerida elaborou os documentos cujas cópias constam de fls. 496 a 576. 2.2. Descrita a matéria de facto dado como provada, importa agora conhecer do objecto do recurso, delimitado pelas respectivas conclusões, e cujas questões jurídicas emergentes foram já oportunamente destacadas. Relativamente à matéria de facto não provada, consignou-se na respectiva decisão, depois da enumeração de alguns factos, que “não se provou a demais matéria de facto alegada na oposição”. Entende a recorrente, neste âmbito, que se deve proceder à indicação concreta dos factos e, bem assim, das razões que levaram a que tal juízo fosse tomado, nomeadamente ao abrigo do disposto no art. 712.º do Código de Processo Civil (CPC). De harmonia com o disposto no art. 653.º, n.º 2, do CPC, aplicável por força dos arts. 384.º, n.º 3, e 304.º, n.º 5, ambos do CPC, a matéria de facto é decidida declarando quais os factos julgados provados e quais os julgados não provados, com a especificação dos fundamentos decisivos para a convicção do julgador. Estabelece-se, na actualidade, uma maior exigência do dever de motivação da decisão sobre a matéria de facto, nomeadamente através do dever de especificação dos fundamentos que contribuíram, de forma determinante, para a convicção do juiz. Deste modo, possibilita-se às partes um melhor controlo sobre a decisão judicial e, em caso de impugnação, facilita-se a sua apreciação pelo respectivo tribunal de recurso. Normalmente, a decisão é discriminada facto por facto, no caso de ter sido organizada a base instrutória. Inexistindo esta, como sucede designadamente nos procedimentos cautelares, pode a decisão ser discriminada através da descrição do próprio facto ou da remissão concreta ou genérica, desde que compreensível, para o respectivo articulado. A lei, a este propósito, não fixa qualquer forma específica. O essencial é a salvaguarda, sempre, da inteira compreensão da decisão, de modo entender-se, clara e facilmente, quais os factos considerados provados ou, então, não provados. No caso vertente, o Juiz discriminou, por descrição dos próprios factos, os julgados provados e os não provados, referindo no último segmento destes “a demais matéria de facto alegada na oposição”. A recorrente, porém, apesar da utilização dessa forma genérica, não alegou, em concreto, qualquer incompreensão sobre a matéria de facto a que a mesma respeita, não tendo formulado sequer qualquer reclamação, por deficiência, nem constituído obstáculo para a sua impugnação, nomeadamente quanto a matéria não provada. Isso permite concluir que a recorrente compreendeu bem a matéria de facto, por si alegada, declarada como não estando provada. Por outro lado, a motivação da decisão sobre a matéria de facto tanto pode ser especificada de forma individualizada como conjunta, dependendo das circunstâncias do caso, designadamente da conexão dos factos ou da fundamentação baseada nos mesmos meios de prova (J. LEBRE DE FREITAS, Código de Processo Civil Anotado, Volume 2.º, pág. 629). Independentemente do meio utilizado, o que importa é que se compreenda a razão justificativa da decisão proferida. Relativamente aos factos não provados alegados na oposição, consignou-se no respectivo despacho que os “os meios de prova – testemunhal e documental – produzidos” não foram “suficientes para formar convicção diversa”, motivação que depois se reiterou. Embora genérica, a motivação explanada (difícil, por vezes, de concretizar quanto aos factos julgados como não provados), torna compreensível que os depoimentos das testemunhas ouvidas, arroladas pela recorrente, ou os documentos apresentados, também pela mesma, não foram suficientemente convincentes, no momento da análise crítica da prova, para lograr obter a convicção do julgador, nos termos do n.º 1 do art. 655.º do CPC. A parte interessada, conhecedora da insuficiência da prova produzida, está em condições de poder impugnar a respectiva decisão e alegar as razões por que entende que a mesma devia ser diversa, como aliás, aconteceu com a recorrente. Nestas condições, não se afigura como deficiente, por insuficiência de motivação, a decisão sobre a matéria de facto, sendo injustificável, também pela omissão da alegação da respectiva essencialidade, a invocação do disposto no n.º 5 do art. 712.º do CPC. 2.3. Entrando na impugnação da decisão sobre a matéria de facto, alega a recorrente que a matéria dos artigos 119.º a 127.º, 130.º, 131.º e 168.º da oposição merece ser dada como provada, indicando, para o efeito, os meios de prova constantes dos autos. Assim, e nos termos do art. 712.º, n.º 2, do CPC, impõe-se a reapreciação das provas produzidas, para concluir se há justificação para modificar, nos termos pretendidos, a decisão proferida sobre a matéria de facto. Desde logo, importa referir que a matéria dos artigos 122.º a 126.º, respeitante ao relatório da INDRA, é inteiramente conclusiva, não sendo susceptível de resposta, como resulta do disposto no n.º 4 do art. 646.º do CPC. Por outro lado, a matéria do artigo 127.º, sendo irrelevante para a decisão da causa, não justifica o julgamento acerca da sua eventual alteração. Já, porém, a matéria dos artigos 119.º a 121.º, referente ao conteúdo do relatório da INDRA, está compreendida no descrito facto n.º 19., o qual revela a existência do relatório, com todo o seu conteúdo, cuja cópia nestes autos está junta a fls. 336 a 385, tornando assim redundante qualquer descrição do conteúdo contemplada naqueles artigos. Nesta conformidade, resta somente apreciar a matéria constante dos artigos 130.º, 131.º e 168.º da oposição, porquanto a sua relevância é inquestionável, atendendo à susceptibilidade de influenciar a decisão do procedimento cautelar. Na sua essência, esses factos correspondem à seguinte matéria: - 130.º - Os erros detectados na solução Norma não eram passíveis de correcção em cinco dias? - 131.º - Foi asseverado à Requerida, pela IN, que esse era o sentido do relatório? - 168.º - Os problemas auditados pela IN estavam detectados, desde há muitos meses, sem que a Requerente conseguisse resolvê-los? (…) Face à procedência parcial da impugnação da decisão sobre a matéria de facto, aditam-se aos factos descritos os seguintes: 45. Foi asseverado à Requerida, pela IN…, de que as não conformidades detectadas na solução Norma não eram passíveis de correcção em cinco dias. 46. Muitos problemas auditados pela IN… estavam detectados há muito tempo. 2.4. Delimitada a matéria de facto apurada nos autos, interessa agora apreciar a questão substantiva suscitada pelo recurso. Neste âmbito, entende a agravante que, face ao acordo de 10 de Outubro de 2005, lhe assistia a faculdade de resolver o contrato celebrado com a agravada, por incumprimento desta, face ao conteúdo do relatório da IN, que concluíra no sentido de que a “solução Norma” não possuía as condições de certificação, podendo, por isso, accionar a garantia bancária. Efectivamente, a decisão impugnada considerou ilegítima a resolução do contrato, por abusiva ou desconforme a boa fé, tornando-se também ilegítimo o accionamento da garantia bancária. Desde já, convém começar por referir que a alteração da matéria de facto, a que se procedeu nos termos do art. 712.º, n.º 1, alínea a), do CPC, não é suficiente para infirmar a conclusão obtida na instância recorrida. Na verdade, não ficou provado que os defeitos da “solução Norma” não fossem “supríveis no prazo de cinco dias úteis”, como decorre da resposta negativa ao artigo 130.º da oposição, mantida também nesta instância. Por outro lado, a circunstância de, posteriormente à resolução do contrato, ter sido asseverado à recorrente, pela IN, de que as não conformidades detectadas na “solução Norma” não eram passíveis de correcção em cinco dias (facto n.º 45.), também não é susceptível de modificar a situação. Com efeito, tal circunstância, como a própria recorrente reconhece, ocorreu depois da resolução do contrato, declarada no dia 21 de Dezembro de 2005. Para além disso, nos termos do contrato celebrado em 10 de Outubro de 2005, era indispensável o relatório da IN “demonstrar que a Solução Norma auditada padece de inadequabilidade para o fim a que se destina ou de defeitos não supríveis no prazo de 5 dias úteis” (facto n.º 17.). Ora, para além de não ser questionada que a “solução Norma” fosse inadequada para o fim a que se destinava, é igualmente patente que o relatório da IN não concluiu, expressamente, que a “solução Norma” padecia de defeitos não supríveis no prazo de cinco dias. Essa conclusão, na economia do contrato celebrado em 10 de Outubro de 2005, destinado a solucionar extrajudicialmente o litígio que vinha envolvendo as partes acerca do cumprimento do contrato de prestação de serviço, entre as mesmas celebrado em 29 de Outubro de 2004, tinha de se revelar clara e evidente. Doutro modo, frustrar-se-iam os objectivos pretendidos salvaguardar pelos contraentes, designadamente a objectividade do relatório, cuja importância é redundante realçar, dadas as consequências gravosas que o relatório, com o sentido antes especificado, podia provocar na esfera jurídica das partes. Neste contexto, subjacente à vontade contratual das partes, tornou-se irrelevante o entendimento da IN (de que as não conformidades detectadas na “solução Norma” não eram passíveis de correcção em cinco dias) transmitido à recorrente, depois da entrega do respectivo relatório e da mesma, nessa sequência, já ter resolvido o contrato com a recorrida. Num contexto distinto do apresentado nos autos, tal entendimento, confirmando a conclusão antes retirada pela recorrente, poderia até excluir a situação de má fé. Mas no caso vertente, ela está presente, pois a recorrente não podia ignorar que, nos termos do acordado com a recorrida, apenas podia resolver o contrato, por incumprimento da última, se, especificamente, o relatório da IN demonstrasse que a “solução Norma” padecia de defeitos não supríveis no prazo de cinco dias, o que, como se referiu, não sucedeu. Nos termos do contrato, e observando o princípio da boa fé, que deve orientar o seu cumprimento (art. 762.º, n.º 2, do Código Civil), a recorrente devia ter esperado pelo decurso do referido prazo, de modo a dar oportunidade à recorrida para efectuar a correspondente correcção e, a verificar-se esta, devia ainda ter aguardado a sua certificação. Só depois, não sendo apresentada a correcção ou não obtendo a certificação, estaria a recorrente em condições legais de resolver o contrato, por incumprimento definitivo do outro contraente. Nestes termos, portanto, a resolução do contrato, pela recorrente, foi ilícita, e, nessa medida, revela-se, manifestamente, abusiva a sua pretensão de executar a garantia bancária, prestada a seu favor, para o caso de incumprimento contratual da recorrida. A garantia bancária, assim chamada por ser prestada por um banco, tem grande interesse prático, pela segurança e confiança que inspira. Como modalidade do contrato de garantia, caracteriza-se a garantia bancária pela sua autonomia relativamente à obrigação garantida. Com efeito, aquela é independente (abstracta) da última, não podendo o garante prevalecer-se das excepções admitidas ao garantido, e o garante, assegurando ao beneficiário determinado resultado, cumpre uma obrigação própria (A. FERRER CORREIA, Revista de Direito e Economia, Ano VIII, n.º 2, pág. 251, I. GALVÃO TELLES, Manual dos Contratos em Geral, 4.ª edição, pág. 511, ALMEIDA COSTA e A. PINTO MONTEIRO, Garantias Bancárias – O Contrato de Garantia à Primeira Solicitação, Colectânea de Jurisprudência, Ano XI, t. 5, pág. 19, e A. MENEZES CORDEIRO, Manual de Direito Bancário, 1998, pág. 605). No mesmo sentido, tem seguido a jurisprudência, referindo-se, entre outros, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 23 de Março de 1995 e de 1 de Junho de 2000, publicados, respectivamente, na Colectânea de Jurisprudência (STJ), Ano III, t.1, pág. 137, e Ano VIII, t.2, pág. 85. A autonomia da garantia bancária, todavia, pode compreender graus distintos. Existe, em primeiro lugar, a garantia bancária simples, que tem por objecto a cobertura de certo risco (incumprimento contratual). Neste caso, verificado o incumprimento da obrigação contratual, o garante está vinculado ao pagamento do respectivo valor. Tal pressuposto, como facto constitutivo do direito, cabe ser demonstrado pelo beneficiário, de harmonia com a regra da distribuição do ónus da prova contemplada no n.º 1 do art. 342.º do Código Civil (CC). Há, em segundo lugar, a garantia bancária à primeira solicitação (gurantee upon first demand ou garantie à première demande), nos termos da qual o beneficiário está dispensado da prova do incumprimento contratual, bastando, para que o garante lhe pague, comunicar a ocorrência do respectivo evento. A garantia bancária, como garantia pessoal autónoma, remonta ao século XIX, assistindo-se, internacionalmente, a um movimento de uniformização contratual (I. GALVÃO TELLES, O Direito, Ano 120.º, 1988, III-IV, págs. 281 e 282). Tal garantia, para além de ter permitido incrementar a rapidez e o dinamismo do comércio, designadamente a nível internacional, trouxe ainda o reforço da confiança aos agentes económicos. O contrato de garantia é admitido, geralmente, nas diversas ordens jurídicas, como um contrato atípico e não sinalagmático, legitimado pelo princípio da liberdade contratual ou da autonomia privada (J. SIMÕES PATRÍCIO, Preliminares sobre a Garantia on First Demand, R.O.A., 1983, pág. 684 e segs.). No caso vertente, estamos em presença de uma garantia bancária à primeira solicitação ou on first demand, qualificação que não vem questionada pelas partes. Dado o seu grau de autonomia, bastava à beneficiária manifestar ao garante a intenção de receber o valor da garantia bancária, para que sobre aquele se constituísse a obrigação de pagar, sem possibilidade de discutir o incumprimento contratual. Neste caso, porém, é o mandante que impugna o incumprimento contratual, contestando o direito de crédito da beneficiária. Assiste ao mandante, com efeito, tal direito, sem prejuízo da autonomia própria da garantia bancária. Já seria diferente se na acção estivesse apenas presente o garante. A este, no entanto, sempre seria permitida a oposição baseada na excepção da fraude manifesta ou no abuso do direito. Contudo, não tendo o garante sido demandado, é irrelevante a análise dessa situação, pois tudo o que a propósito se decidisse extravasaria o objecto da acção, o que não é consentido nos termos da lei aplicável. Assim, para a decisão da causa, pouco ou nada releva a natureza autónoma da garantia bancária prestada, pois o que importa é saber se à beneficiária não assiste o direito de crédito, decorrente da resolução do contrato prestação de serviço, por alegado incumprimento da recorrida, e, na afirmativa, concluir pela ilegitimidade (substantiva) da execução da garantia bancária. Por isso, e ao contrário do que alega a recorrente, tal discussão não faz perder a utilidade prática da garantia bancária prestada, mantendo esta as virtualidades inerentes, designadamente perante o respectivo garante. Como anteriormente se concluiu, a recorrente resolveu o contrato, por alegado incumprimento da outra parte, quando o mesmo, face aos termos do acordado pelas mesmas, ainda não era passível de ser imputado. Os autos também não revelam que a recorrida tivesse cumprido pontualmente a sua prestação, mas isso apenas serve para afastar a alegação de fundamento à exclusão do direito de accionar a garantia. Ao agir da forma descrita, contrariando explicitamente os ditames da boa fé, a recorrente agiu ilicitamente, e, nesse contexto, não lhe assistia o direito de executar, com o motivo especificamente invocado, a garantia bancária. Comprovando o devedor, designadamente através de procedimento cautelar, a falta do evento justificativo da execução da garantia bancária, pode obstar-se à sua imediata execução pelo beneficiário. A verificação judicial, ainda que sumária, como é próprio dos procedimentos cautelares, permitindo a discussão célere e a observância do princípio do contraditório, permite salvaguardar, em termos adequados ou razoáveis, o direito inerente à garantia autónoma. 2.5. Face ao descrito, pode extrair-se como mais relevante: 1) A decisão sobre a matéria de facto deve ser de inteira compreensão, de modo que, clara e facilmente, se entendam os factos considerados provados ou não provados. 2) A motivação da decisão sobre a matéria de facto tanto pode ser especificada de forma individualizada como conjunta, desde que torne compreensível a razão justificativa da decisão proferida. 3) É ilícita a resolução do contrato, designadamente por ofensa do princípio da boa fé, quando a resolução não é realizada no contexto expressamente acordado pelas partes. 4) Comprovando o devedor, por procedimento cautelar, a falta do evento justificativo da execução da garantia bancária, pode obstar-se à sua imediata execução. 5) A verificação judicial da falta do evento para a execução da garantia bancária permite salvaguardar, em termos adequados ou razoáveis, o direito inerente à garantia autónoma. Nestes termos, não relevando no essencial as conclusões do recurso, justifica-se a manutenção da decisão recorrida, por estar em conformidade com o direito aplicável. 2.6. A recorrente, ao ficar vencida por decaimento, é responsável pelo pagamento das custas, em conformidade com a regrada causalidade consagrada no art. 446.º, n.º s 1 e 2, do CPC. III. DECISÃO Pelo exposto, decide-se: 1) Negar provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida. 2) Condenar a recorrente no pagamento das custas. Lisboa, 25 de Outubro de 2007 (Olindo dos Santos Geraldes) (Fátima Galante) (Ferreira Lopes) |