Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
19815/16.1T8LSB-A.L1-7
Relator: CRISTINA COELHO
Descritores: NOTIFICAÇÃO JUDICIAL AVULSA
REGULAMENTO EUROPEU
COMPETÊNCIA INTERNACIONAL DO TRIBUNAL PORTUGUÊS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 12/20/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: 1.Nos termos do nº 2 do art. 8º da CRP, as normas constantes da Convenção de Haia de 1965 vinculam o Estado Português.
2. Nos termos do nº 4 do mesmo artigo, as normas constantes do Regulamento 1393/2007 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de Novembro de 2007, também, vinculam os Estado português, tendo primazia relativamente às leis internas.
3.O referido em 1. e 2. significa que podem ser requeridas citações ou notificações à luz dos referidos instrumentos legais, inserindo-se a notificação judicial avulsa no âmbito das mencionadas notificações.
4.Justificando-se a notificação judicial avulsa à luz do direito nacional e permitindo-a a Convenção e o Regulamento, o reconhecimento da competência dos tribunais portugueses para a realizar implica que, em sede de competência territorial, se
recorram aos critérios supletivos do artigo 80º do CPC.

(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juizes, do Tribunal da Relação de Lisboa.

                                                                      
RELATÓRIO:


Grupo S…. Actividades C… SL e outros vieram requerer a notificação judicial avulsa de 1º - BES, SA, 2º - Novo Banco, SA, ambos com sede em Lisboa, 3º - Alberto Alves de Oliveira Pinto, residente em Lisboa, 4º -  Bruno …., residente em França, 5º - António …… 6º -  Manuel ……., 7º - José …….., 8º - Rui ……. Silveira, 9º - Joaquim …….., 10º - Ricardo ……., 11º - Amílcar ……, 12º - Nuno Maria Monteiro Godinho de Matos, 13º - João Eduardo Moura da Silva Freixa, 14º - Pedro Mosqueira do Amaral, todos residentes em Lisboa, 15º - Marc ….., 16º -  Stanislas …… ….., ambos residentes em França, 17º - Pedro João Reis de Matos Silva, residente em Lisboa, 18º - Xavier …., residente em França, 19º - Horácio Vilela, residente em Lisboa, e 20º- Escom ……. INC., com sede em British Virgin Islands, para que estes fiquem cientes da intenção dos requerentes de contra eles proporem acção judicial destinada à declaração de responsabilidade civil por danos emergentes da violação das normas e dos deveres de intermediação financeira, pretendendo, com a requerida notificação, interromper, à cautela, eventuais prazos de prescrição que se apliquem.

A final requerem, para além do mais, que os requeridos com sede no estrangeiro sejam notificados nos termos do Regulamento 1393/2007 do Parlamento Europeu e do Conselho de 13 de Novembro de 2007 e da Convenção de Haia, nos termos aplicáveis dos respectivos diplomas.

Conclusos os autos, foi proferido o seguinte despacho: “Os Requerentes apresentaram a presente Notificação Judicial Avulsa relativa a vinte Requeridos, alguns dos quais com sede fora do território nacional, requerendo, quanto a estes, a sua notificação nos termos do Regulamento 1393/2007 do Parlamento Europeu e do Conselho de 13 de Novembro de 2007 e da Convenção de Haia, nos termos aplicáveis. * A notificação judicial avulsa é um procedimento integrado por uma sucessão de actos jurídicos praticados em juízo, como referido no Assento nº 3/98 do Supremo Tribunal de Justiça de 26.3.1998, Diário da República, I Série A, de 12.5.1998, e consiste numa interpelação com força probatória de documento autêntico, para obtenção de diversos efeitos jurídicos. A notificação judicial avulsa destina-se, em regra, à comunicação a outrem de determinado facto, por via judicial, podendo também destinar-se a revogar mandato ou procuração – artigo 258º do Código de Processo Civil. São situações em que se justifica a notificação judicial avulsa a notificação para interrupção do prazo de prescrição extintiva ou aquisitiva (artigo 323º, nº 4 do Código Civil), para exercício extrajudicial do direito de preferência (artigo 416º do Código Civil), interpelação do devedor (artigo 805º, nº 1 do Código Civil), anatocismo de juros (artigo 560º, nº 1 do Código Civil), notificação da cessão de créditos (artigo 583º, nº 1 do Código Civil), interpelação admonitória (artigo 808º do Código Civil), notificação do arrendatário nos termos do disposto no artigo 9º, nº 7, alínea a) do NRAU), notificação especial para revogação de mandato ou procuração (artigo 258º do Código de Processo Civil) (vd. António Santos Abrantes Geraldes, Temas Judiciários, I Volume, Almedina, 1998, páginas 151-152). Nos termos do artigo 256º do Código de Processo Civil, as notificações avulsas dependem de despacho prévio que as ordene. As notificações avulsas não admitem oposição, devendo os direitos respectivos ser exercidos nas acções próprias, conforme determina o artigo 257º, nº 1 do Código de Processo Civil. Dispõe o artigo 79º do Código de Processo Civil que as notificações avulsas são requeridas no tribunal em cuja área resida a pessoa a notificar. A notificação judicial avulsa caracteriza-se pelo contacto pessoal do agente de execução, designado pelo requerente ou pela secretaria, ou por oficial de justiça, com a própria pessoa a notificar, pelo que lhe subjaz o pressuposto da proximidade geográfica do Requerido, sendo esse o critério determinante da competência, sob pena aliás da inviabilidade da realização da diligência de notificação. Assim, o Tribunal competente para a tramitação da notificação judicial avulsa é o tribunal da residência do Requerido. A circunstância de existir uma pluralidade de Requeridos não permite afastar a norma especial do artigo 79º do Código de Processo Civil, cabendo não esquecer que a notificação judicial avulsa é um acto judicial que não se inscreve em qualquer processo pendente e não configura uma acção declarativa, em que existam partes ou pedido. Assim, ainda que se pretenda a notificação judicial avulsa para o mesmo fim de várias pessoas residentes em circunscrições diversas, a notificação deve ser requerida separada e autonomamente em cada uma dessas circunscrições (por todos, vd. Prof. Alberto dos Reis, Comentário do Código de Processo Civil, volume I, 2ª edição, Coimbra Editora, 1960, página 240 – anotação ao artigo 84º). Do exposto resulta que não pode ser requerida neste Tribunal a notificação judicial avulsa de Requeridos que não tenham sede/residência na circunscrição deste Tribunal. Pela mesma ordem de razões, inexiste competência do Tribunal Português para a notificação dos Requeridos com sede no estrangeiro, uma vez que a própria norma de competência interna territorial a afasta (artigo 79º do Código de Processo Civil), cabendo reiterar que não estamos no âmbito de uma acção judicial. Não há, assim, lugar à notificação nos termos previstos no Regulamento 1393/2007 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de Novembro de 2007, e da Convenção de Haia. Assim, uma vez que é inadmissível a notificação judicial avulsa dos Requeridos que não têm sede em território nacional por este Tribunal ser internacionalmente incompetente, cabe indeferir a mesma nesta parte, determinando-se por força do princípio do aproveitamento dos actos, a notificação judicial avulsa dos Requeridos com domicilio ou sede em Lisboa. * Nestes termos e pelo exposto, defiro parcialmente o requerido e determino que se proceda à notificação judicial dos Requeridos residentes em Lisboa, por Agente de Execução, nos termos do disposto nos artigos 79º e 256º do Código de Processo Civil. …”.

Inconformados com a decisão, apelaram os requerentes, apresentando, no final das alegações, as seguintes conclusões, que se reproduzem:

I.Os Recorrentes apresentaram uma notificação judicial avulsa no Tribunal a quo para transmitir expressamente aos Recorridos que pretendiam promover uma ação judicial contra os mesmos com base na responsabilidade por intermediação financeira e desconformidade de prospeto (art.º 323.º e 149.º CVM) com intuito de interromper os prazos de prescrição que estivessem a correr;
II.No entanto, o Tribunal a quo indeferiu a notificação dos Recorridos que tivessem domicílio fora do território português por considerar que o Regulamento (CE) n.º 1393/2007, de 13 de Novembro, e a Convenção da Haia de 1965 não são aplicáveis quando estejam em causa notificações judiciais avulsas;
III.Isto porque, nas suas palavras, a aplicabilidade desses diplomas não se encontra prevista para as notificações judiciais avulsas, as quais pressupõem um contacto pessoal com o notificando;
IV.Todavia, os Recorrentes não podem admitir tal decisão, na medida em que, por um lado, ambos esses diplomas, relativos à citação e à notificação no estrangeiro de atos judiciais em matéria civil e comercial, vinculam o Estado Português e os restantes Estados partes;
V.Ora, decorre do art.º 8.º da Constituição da República Portuguesa o princípio do primado do Direito Europeu e a receção automática das normas do direito internacional particular em que participe o Estado português, as quais são diretamente aplicáveis pelos Tribunais apenas condicionando a sua eficácia interna à publicação oficial no seguimento de ratificação ou aprovação;
VI.Mais, as normas de fonte interna deverão sempre ceder perante o que se estabeleça em normas de fonte supraestadual;
VII.Assim, em matéria de citação e notificação dos atos judiciais e extrajudiciais em matéria civil e comercial nos Estados-Membros aplicar-se-á com primazia o Regulamento (CE) n.º 1393/2007, de 13 de Novembro de 2007, no que se refere aos Estados-Membros da União Europeia, com exceção da Dinamarca, sendo aplicável a Convenção de Haia de 1965 a Portugal e aos Estados signatários da referida Convenção;
VIII.Dos n.ºs 1 e 2 do art.º 1.º do Regulamento (CE) n.º 1393/2007, de 13 de Novembro de 2007, não resulta, de todo, que a notificação judicial avulsa esteja excluída do âmbito de aplicação do Regulamento (CE) n.º 1393/2007, de 13 de Novembro de 2007, nem da Convenção de Haia de 1965, bem pelo contrário;
IX.Em primeiro lugar porque a notificação judicial avulsa é um ato judicial,
X.E, também, porque servindo a notificação para chamar alguém a juízo ou dar conhecimento de um facto, é evidente que a notificação judicial avulsa se encontra abrangida naquele conceito.
XI.Este é, alias, o entendimento da jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia;
XII.Assim, não tendo o legislador excluído do âmbito de aplicação do mencionado Regulamento e da Convenção de Haia de 1965 a notificação judicial avulsa, não deverá o interprete excluí-las do seu âmbito de aplicação;
XIII.Também o entendimento doutrinal que se pronuncia acerca do âmbito de aplicação do Regulamento (CE) n.º 1393/2007, de 13 de Novembro de 2007 entende que a notificação judicial avulsa se enquadra no âmbito de aplicação do mencionado diploma legal,
XIV.A título de exemplo, o Autor José Fernando Salazar de Casanova considera que não é pelo facto de a notificação judicial avulsa ser prévia a um ato judicial que se encontra excluída “do âmbito do Regulamento sob pena de privação de direitos que só podem fazer valer nas acções competentes”.
XV.Também não pode valer o fundamento, utilizado pelo Tribunal a quo, de que tais diplomais não poderão ser aplicáveis pois não permitirão que a notificação seja pessoalmente realizada na pessoa dos notificandos,
XVI.Na medida em que para a transmissão da citação ou notificação dos atos entre Estados-Membros, deverão ser utilizados os formulários constantes dos anexos do referido Regulamento;
XVII. Constando nesses formulários a indicação expressa de que a forma de notificação será através de contacto pessoal, o mesmo se verificando no preenchimento dos formulários relativos à Convenção de Haia;
XVIII.Assim, o recurso à notificação judicial avulsa deverá ser aceite nos termos dos instrumentos legais internacionais pertinentes por tudo quanto foi exposto, o que tem sido, aliás, esse o entendimento jurisprudencial seguido noutros tribunais, que aplicaram, naturalmente, os referidos diplomas para a remessa da notificação judicial avulsa aos requeridos com domicílio no estrangeiro;
XIX.Perante o exposto deve entender-se aplicável ao caso os diplomas legais internacionais e por esse motivo efetuar-se a notificação judicial avulsa nos devidos termos;
Terminam requerendo a revogação do despacho recorrido na parte objeto do presente recurso, procedendo-se à notificação judicial avulsa dos Requeridos residentes fora do território português.
           
QUESTÕES A DECIDIR.
Sendo o objecto do recurso balizado pelas conclusões dos recorrentes (arts. 635º, nº 4 e 639º, nº 1 do CPC), a única questão a decidir é se o tribunal português, e, concretamente, a comarca de Lisboa, é competente para ordenar a notificação avulsa de requeridos residentes ou com sede no estrangeiro.
Cumpre decidir, corridos que se mostram os vistos.

FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.
Os factos relevantes são os supra referidos no relatório.

FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.

Não está em causa a natureza da notificação avulsa, nem a admissibilidade da requerida, remetendo-se para o que a este propósito é escrito no despacho recorrido.

O que está em causa é, apenas, aquilatar se o tribunal português, e, concretamente, a comarca de Lisboa, é internacionalmente competente para ordenar a notificação avulsa de requeridos residentes, ou com sede, no estrangeiro.

O tribunal recorrido, louvando-se no disposto nos arts. 79º e 256º do CPC [1], entendeu que era internacionalmente incompetente para o efeito, uma vez que o primeiro dos referidos preceitos (norma de competência interna territorial) afasta tal competência, a que acrescia o facto de, por não se estar no âmbito de uma acção judicial, e a notificação avulsa se caracterizar pelo contacto pessoal do agente de execução, não haver lugar à notificação nos termos previstos no Regulamento 1393/2007 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de Novembro de 2007, e da Convenção de Haia.

Insurgem-se os apelantes contra o decidido, sustentando que quer o Regulamento 1393/2007 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de Novembro de 2007, quer a Convenção de Haia de 1965 vinculam o Estado Português, são de aplicação imediata, e prevalecem sobre as normas de fonte interna, sendo aqueles instrumentos aplicáveis à notificação avulsa, nos mesmos se prevendo a possibilidade de realização da notificação de acordo com a lei da entidade de origem.

Vejamos, começando por referir que, a partilhar-se o entendimento do tribunal recorrido, ficam os requerentes/apelantes privados da possibilidade de exercer um direito que a lei lhes reconhece, como o próprio tribunal recorrido entendeu, ao referir as situações em que se poderá lançar mão da notificação avulsa.

Pretendendo os requerentes propor acção judicial contra os requeridos para serem ressarcidos de alegados danos sofridos por força de responsabilidade contratual ou extra-contratual destes, lançaram mão da presente notificação avulsa com vista a interromper quaisquer prazos de prescrição eventualmente aplicáveis.

Residindo algumas das pessoas a notificar no estrangeiro, como se faz essa notificação e qual o tribunal em que se há-de requerer a notificação avulsa?

Tal como sustentam os apelantes, na resposta a dar a tal questão hão-de ser, necessariamente, ponderadas as normas concretamente aplicáveis, nomeadamente o referido Regulamento e Convenção, e o disposto na Constituição da República Portuguesa, concretamente o seu art. 8º.

Nos termos do nº 2 do referido artigo [2], as normas constantes da Convenção de Haia de 1965 [3]  vinculam o Estado Português.

E nos termos do nº 4 do mesmo artigo [4], as normas constantes do Regulamento 1393/2007 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de Novembro de 2007, também, vinculam os Estado português [5].

E para além de vincular o Estado Português, o Regulamento tem primazia relativamente às leis internas.

Como escreve Fausto de Quadros, na ob. cit., págs. 402 e 403, a propósito do primado do direito da União sobre o Direito Estadual, criado e elaborado pela jurisprudência do TJ,“…, o primado do Direito da União tem de ser absoluto ou, se se preferir, integral. Esta afirmação tem uma dupla vertente: ela quer significar que todoo Direito Comunitário prevalece sobre todoo Direito estadual. Antes de mais, o primado conferido a todo o Direito Comunitário quer dizer que ele envolve todas as suas fontes que obrigam, portanto, para além do Direito originário, os regulamentos, …. E, depois, o primado afirmado como referido a todo o Direito interno quer dizer que ele é oponível a todo o Direito estadual no seu conjunto, incluindo de grau constitucional. Isto pretende significar que o primado não existe se não for supraconstitucional.” [6].

Isto a significar que podem ser requeridas citações ou notificações à luz dos referidos instrumentos legais.

No âmbito das mencionadas notificações insere-se a notificação judicial avulsa.

Como escreveu o Cons. Salazar Casanova, no artigo “Regulamento (CE) nº 1348/2000 do Conselho, de 29 de Maio de 2000. Princípios e Aproximação à Realidade Judiciária”, publicado na ROA, Ano 62, Dezembro de 2002, pág. 777 e ss., com manifesta aplicação ao Regulamento 1393/2007 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de Novembro de 2007, que revogou aquele [7], “O presente Regulamento abrange matéria civil e comercial, incide sobre actos judiciais e extrajudiciais que devam ser transmitidos de Estado-Membro para Estado-Membro tendo em vista a citação ou a notificação. … O Regulamento não nos dá nenhuma noção de acto judicial ou extrajudicial. Acto judicial é seguramente aquele que está associado a um procedimento judicial. No entanto, o facto do acto pretendido ser prévio ou de alguma forma independente da efectiva instauração de um procedimento (v.g. notificação judicial avulsa requerida pelo senhorio visando a denúncia do contrato de arrendamento de duração limitada: artigo 101º do RAU) não exclui do âmbito do Regulamento sob pena de privação de direitos que só se podem fazer valer nas acções competentes (…). É claro que se suscita, neste domínio, um problema prévio que é o de saber em que termos um interessado pode pedir, no Estado em que se proponha instaurar a acção, a notificação judicial avulsa de quem deixou de residir nesse Estado (ver artigo 84º do CPC[8]) mas não parece que se lhe deva impor a realização de um acto no território de outro Estado-Membro que pode mesmo não prever para o caso esta figura processual. Esta figura não deverá merecer tratamento diferente do caso em que a parte, requerendo a notificação judicial avulsa pressupondo a residência do arrendatário no local arrendado (ou seja, nos termos do artigo 84º do CPC), ao verificar, face à certidão negativa, que o inquilino se ausentou para o estrangeiro, solicite então ao tribunal a notificação nos termos do Regulamento”.

E em nota de rodapé acrescenta que “Justificando-se a notificação judicial avulsa à luz do direito nacional e permitindo-a o Regulamento, o reconhecimento da competência dos tribunais portugueses para a realizar implica que, em sede de competência territorial, se recorram aos critérios supletivos do artigo 85º do CPC [9]”.

Não obstante no referido artigo se exemplifique com a notificação judicial avulsa requerida pelo senhorio, tal não significa que não seja aplicável a outras situações, nomeadamente a do caso sub judice, em que, privar os requerentes da notificação judicial avulsa para interromper eventuais prazos de prescrição aplicáveis, seria privá-los, em última análise, do próprio direito de acção que pretendem vir a exercer.

As notificações requeridas justificam-se à luz do direito português, como referiu o tribunal recorrido, e são admissíveis à luz do Regulamento e da Convenção [10].

E nenhum dos referidos instrumentos inviabiliza a realização das notificações por contacto pessoal.

De facto, dispõe o art. 5º da Convenção de Haia de 1965 que “A Autoridade central do Estado requerido procederá ou mandará proceder à citação do destinatário ou à notificação do acto: a) Quer segundo a forma prescrita pela legislação do Estado requerido para as citações ou notificações internas dirigidas às pessoas que se encontram no seu território; b) Quer segundo a forma própria pedida pelo requerente, a menos que a mesma seja incompatível com a lei do Estado requerido”.

E o nº 1 do art. 7º do Regulamento 1393/2007 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de Novembro de 2007, prevê que “A entidade requerida procede ou manda proceder à citação ou notificação do acto, quer segundo a lei do Estado-Membro requerido, quer segundo a forma específica pedida pela entidade de origem, a menos que essa forma seja incompatível com a lei daquele Estado-Membro” [11].


Em face de tudo quanto se deixa escrito, ponderados os instrumentos referidos, o disposto no art. 80º do CPC, e perfilhando o entendimento do Cons. Salazar Casanova, conclui-se ser o tribunal português, e, no caso, o tribunal da comarca de Lisboa, competente para ordenar a notificação requerida, também relativamente aos requeridos com residência/sede no estrangeiro, procedendo, assim, a apelação, devendo, em consequência, revogar-se o despacho recorrido que deverá ser substituído por outro a ordenar as notificações requeridas, nos termos requeridos.

DECISÃO:

Pelo exposto, acorda-se em julgar procedente a apelação, e, em consequência, revoga-se o despacho recorrido, determinando-se a sua substituição por outro a ordenar as notificações avulsas  requeridas.
Sem custas.
*


Lisboa, 2016.12.20

                                                         
(Cristina Coelho)                                                          
(Luís Filipe Pires de Sousa)
(Carla Câmara)


[1]Diploma de que serão todos os artigos citados sem menção expressa a outro diploma legal.
[2]Que dispõe que “As normas constantes de convenções internacionais regularmente ratificadas ou aprovadas vigoram na ordem interna após a sua publicação oficial e enquanto vincularem internacionalmente o Estado Português”.
[3]Aprovada para ratificação pelo Decreto-Lei n.º 210/71, de 18 de Maio, e ratificada em 27.12.1973, conforme Aviso publicado no Diário do Governo de 24.01.1974.
[4]Que dispõe que “As disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respectivas competências, são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do estado de direito democrático”.
[5]Como refere Fausto de Quadros, em Direito da União Europeia, pág. 354, da definição de regulamento constante do Tratado da CE, podem extrair-se “as seguintes características do regulamento: a) ele tem carácter geral; b) ele é obrigatório para os seus destinatários em todos os seus elementos, isto é, quanto ao seu resultado, quanto aos meios de o alcançar e quanto à forma de o fazer; c) ele goza de aplicabilidade directa na ordem interna dos Estados”.
[6]Embora o carácter absoluto do primado apareça relativizado por 2 vias, como a seguir explica.
[7]“A fim de garantir um acesso mais fácil e uma maior legibilidade das presentes disposições”, conforme considerando (27).
[8]De 1991.
[9]Que corresponde ao actual art. 80º.
[10]Dispõe o art. 1º da Convenção de Haia de 1965 que “A presente Convenção é aplicável, em matéria civil ou comercial, a todos os casos em que um acto judicial ou extrajudicial deva ser transmitido a país estrangeiro para aí ser objecto de citação ou notificação. A Convenção não se aplicará quando a morada do destinatário for desconhecida”. E o art. 1º do Regulamento 1393/2007 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de Novembro de 2007 dispõe que “1. O presente regulamento é aplicável, em matéria civil ou comercial, quando um acto judicial ou extrajudicial deva ser transmitido de um Estado-Membro para outro Estado-Membro para aí ser objecto de citação ou notificação. O presente regulamento não abrange, nomeadamente, matéria fiscal, aduaneira ou administrativa, nem a responsabilidade do Estado por actos e omissões no exercício do poder público («acta iure imperii»). 2. O presente regulamento não se aplica quando o endereço do destinatário for desconhecido. …”.
[11]Prevendo, ainda, o Regulamento, outros meios de transmissão e de citação ou notificação de actos judiciais, tais como a transmissão por via diplomática ou consular, a citação ou notificação por agentes diplomáticos ou consulares, ou pelos serviços postais (arts. 12º a 14º), o que, aliás, também sucede com a Convenção de Haia de 1965, que prevê a utilização da via
consular ou diplomática (art. 9º).