Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2115/17.7T8VFX.L1.7
Relator: LUÍS FILIPE PIRES DE SOUSA
Descritores: CONTRATO DE DEPÓSITO
INTERMEDIÁRIO FINANCEIRO
OBRIGAÇÃO
DEVER DE INFORMAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/08/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: I. Na pendência da execução de um contrato de depósito e registo de instrumentos financeiros, o intermediário financeiro e custodiante não pode alhear-se das vicissitudes atinentes à entidade emissora das obrigações bem como à alteração da maturidade dos produtos, fatores suscetíveis de se repercutirem negativamente nos resultados e solidez do produto adquirido, cabendo-lhe informar o investidor de modo a habilitá-lo a poder adotar, tempestivamente, condutas que minimizem ou previnam riscos não despiciendos e conhecidos, que ameacem a normal conservação e frutificação dos instrumentos financeiros.
Nesta medida, e atentas as soluções plausíveis da questão de direito substantiva, justifica-se que os autos prossigam na 1ª instância com a realização de audiência prévia tendo em vista a seleção dos temas da prova atinentes à conduta imputada pelos Autores ao Réu N… Banco, posteriormente à Medida de Resolução do Banco de Portugal.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:
RELATÓRIO
 Em 26.4.2018, o tribunal a quo proferiu a seguinte decisão:
«Face aos elementos constantes dos autos, à posição das partes assumida nos respetivos articulados e por entendermos que o estado do processo permite sem necessidade de mais provas a apreciação da pretensão apresentada, que no caso concreto se nos afigura ser meramente de direito, entendemos poder conhecer de imediato do mérito da presente ação.
Vêm os Autores CA…, e esposa, MM…, demandar o N… BANCO, S.A. (doravante NB), peticionando:
a. A declaração judicial de anulabilidade do negócio celebrado entre o Autor marido e o Banco ES… (doravante BES), por erro na base do negócio, condenando o aqui NB, na restituição àquele Autor marido, da quantia de € 32.000,00 (trinta e dois mil euros), acrescida dos juros vencidos e vincendos, e que computa em € 1.083,62, desde 26.07.2012 a 31.05.2017,
Ou, subsidiariamente,
b. A condenação do Réu NB, no pagamento aos Autores de uma indemnização correspondente à quantia de € 32.000,00 (trinta e dois mil euros), correspondente ao valor de capital abusivamente investido no BES, acrescido dos juros vencidos e vincendos e até efetiva pagamento, por violação de deveres legais e contratuais, previstos no Código dos Valores Mobiliários.
Citado, veio o Réu NB por articulado de Contestação de fls. 427 e ss., arguir além do mais, a (não) transmissão das alegadas responsabilidades do BES para o NB, cf. art.ºs 19º e ss. do seu articulado.
Os Autores pronunciaram-se sobre a matéria de exceção, a convite judicial, nos moldes constates de fls. 738 e ss., pugnando pela sua improcedência.
*
Cumpre decidir:
Em 13 de Julho de 2016, foi proferida decisão do Banco Central Europeu, que determinou a revogação da autorização do BES para o exercício da atividade de instituição de crédito, sem que tenha havido recurso, cujo prazo terminou em 19 de Outubro de 2016.
Nos termos do disposto no Dec. Lei n.º 199/2006, de 25 de Outubro, que regula a liquidação de instituições de crédito e sociedades financeiras com sede em Portugal e suas sucursais criadas noutro Estado membro:
“Artigo 8.º (Liquidação judicial)
1 - A liquidação judicial das instituições de crédito fundada na revogação de autorização pelo Banco de Portugal faz-se nos termos do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, com as especialidades constantes dos artigos seguintes.
2 - A decisão de revogação da autorização pelo Banco de Portugal produz os efeitos da declaração de insolvência.
3 - Cabe em exclusivo ao Banco de Portugal requerer, no tribunal competente, a liquidação da instituição de crédito, no prazo máximo de 10 dias úteis após a revogação da autorização, proferida nos termos do artigo 22.º do RGICSF.
4 - O requerimento deve ser instruído com cópia da decisão de revogação e com a proposta de liquidatário judicial ou comissão liquidatária a designar pelo juiz, nos termos e para os efeitos dos artigos seguintes.”
Na sequência, veio o BP requerer a liquidação do BES, cf. n.º 3, do artigo 8.º do mesmo diploma.
Por douta sentença de 21.07.2016, proferida no âmbito do processo n.º 18588/16.2T8LSB, foi determinado o prosseguimento da liquidação judicial do BES.
Alegam os Autores que se transmitiram as responsabilidades reclamadas nos autos, do BES para o NB por decisão do Banco de Portugal, ou seja, a causa de pedir assenta, segundo os Autores, na transferência de responsabilidades do BES para o NB, por via de deliberação do Banco de Portugal.
A deliberação do Banco de Portugal, de 3 de agosto de 2014, com as clarificações e ajustamentos introduzidos pela deliberação de 11 de agosto de 2014 (deliberação retificativa), e que determinou a constituição do N… Banco, S.A. (“N… Banco”), determinou igualmente a transferência de um conjunto de ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão do Banco ES…, S.A. (“Banco ES…” ou “BES”) para o N… Banco, descritos no Anexo 2 da mesma Deliberação de 3 de agosto.
O RGICSF estabelece, em conformidade com a legislação europeia na matéria, que os acionistas e credores da instituição objeto de resolução, devem assumir os prejuízos da referida instituição. Um dos princípios do RGICSF impõe que os recursos do fundo de resolução não sejam utilizados para assumir diretamente os prejuízos da instituição de crédito objeto de resolução. O Banco de Portugal dispõe de um poder legalmente conferido que pode ser exercido a todo o tempo antes da revogação da autorização do BES para o exercício da atividade ou da venda do N… Banco, para determinar transferências adicionais de ativos e passivos entre o N… Banco e o BES (o “Poder de Retransmissão”). O Poder de Retransmissão encontra-se previsto no Capítulo III (Resolução) do Título VIII do RGICSF, tendo ficado expressamente estabelecido no número 2 do Anexo 2 da Deliberação de 3 de agosto.
A versão original da Deliberação de 3 de agosto, publicada em 3 de agosto de 2014, dispunha o seguinte na alínea (b) do n.º 1 do Anexo 2:
“As responsabilidades do BES perante terceiros, que constituam passivos ou elementos extrapatrimoniais, serão integralmente transferidas para o N… Banco SA, com exceção das seguintes (Passivos Excluídos) ...
(v) Quaisquer responsabilidades ou contingências decorrentes de dolo, fraude e violação de disposições regulatórias, penais ou contraordenacionais.”
A  versão alterada  da Deliberação de 3 de agosto,  publicada  em 11 de agosto de 2014, dispunha o seguinte na alínea (b) do n.º 1 do Anexo 2:
“As responsabilidades do BES perante terceiros, que constituam passivos ou elementos extrapatrimoniais, serão integralmente transferidas para o N… Banco SA, com exceção das seguintes (Passivos Excluídos) ...
(v) Quaisquer responsabilidades ou contingências, nomeadamente as decorrentes de fraude ou violação de disposições ou determinações regulatórias, penais ou contraordenacionais.”
O Banco de Portugal considerou ser proporcional e de interesse público não transferir para o banco de transição as responsabilidades contingentes ou desconhecidas do BES (incluindo responsabilidades litigiosas relativas ao contencioso pendente e responsabilidades ou contingências decorrentes de fraude ou da violação de disposições ou determinações regulatórias, penais ou contraordenacionais), independentemente de se encontrarem ou não registadas na contabilidade do BES nos termos da subalínea (v) a (vii) da alínea (b) do n.º 1 do Anexo 2 da Deliberação de 3 de agosto, uma vez que a certeza relativamente às responsabilidades do banco de transição é essencial para garantir a continuidade das funções críticas desempenhadas pelo N… Banco e que anteriormente tinham sido desempenhadas pelo BES – neste sentido, Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, relatado pelo Exmo. Desembargador Luís Filipe Pires de Sousa, de 7.03.2017, disponível in www.dgsi.pt.
Ora, in casu, alegam os Autores haverem subscrito, através do Autor marido, em 13 de Julho de 2012, na então agência do BES em Vila Franca de Xira, 50 obrigações com a descrição “Obrigações PT Taxa Fixa 2012/2016”, sendo que em rateio foram-lhes atribuídas 32 obrigações com tal descrição no valor nominal de € 1.000,00, num total de € 32.000,00, sendo o débito em CO associada, em idêntico valor, efetuado pelo BES, em 26 de Julho de 2012.
Indubitavelmente, o BES atuou então como intermediário financeiro, sendo o Réu NB parte legítima na visão dos Autores, por para ele, estarem transferidas estas responsabilidades do BES. Diversa Jurisprudência se debruçou sobre esta temática, sendo entendimento maioritário e quase uniforme que, a criação do NB não teve como objetivo principal assegurar a continuação da atividade tout court do BES, em liquidação, isso resulta claro da deliberação do Banco de Portugal, que exclui determinadas responsabilidades, como as supra referidas, vide este sentido Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, relatado pela Exma. Conselheira Dra. Ana Paula Boularot, de 26.09.2017, disponível in www.dgsi.pt .
Assim, somos de concluir que também neste caso, não operou a almejada transferência de responsabilidades, não tendo o NB intermediado a referida subscrição de Obrigações e não estando para este transferidas tais responsabilidades do BES, razão porque necessariamente improcede a ação, contra este, por ilegitimidade substantiva.
Pelo exposto, declaro a ilegitimidade substantiva do Réu NB, com a consequente absolvição do pedido e extinção da instância, cf. artigos 277º e 595º, n.º 1, al. b) do Código do Processo Civil.»
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Não se conformando com a decisão, dela apelaram os requerentes, formulando, no final das suas alegações, as seguintes conclusões, que se reproduzem:
«I. Os AA. demandam a R. atenta a dupla responsabilidade desta por factos praticados em dois distintos períodos temporais: de 04/08/2014 até à presente data, por factos praticados pelo intermediário financeiro N… BANCO, bem como de 07/2012 até 03/08/2014, por factos praticados pelo intermediário financeiro BANCO ES….
II. Ou seja, a presente ação sustenta-se numa responsabilidade da R. com diferentes origens: responsabilidade originária (factos POR SI praticados enquanto intermediário financeiro) e responsabilidade derivada (factos praticados pelo BES).
III. Ora, o juiz a quo julgou a R. parte ilegítima, por entender que não operou a almejada transferência de responsabilidades, não tendo o NB intermediado a referida subscrição de Obrigações e não estando para este transferidas tais responsabilidades do BES, razão porque necessariamente improcede a ação, contra este, por ilegitimidade substantiva.
IV. Ou seja, o juiz a quo, seguramente por lapso, partiu do pressuposto que todos os factos que sustentam o pedido e que constituem a causa de pedir haviam sido praticados pelo BES, o que não corresponde á verdade.
V. Decidindo da forma que decidiu, o juiz a quo declarou parte ilegítima a R., privando os AA. de demandar a R. por factos por esta praticados, na qualidade de intermediário financeiro custodiante das Notes desde 04/08/2014.
VI. Entendem, por isso, os AA. que a douta sentença recorrida enferma de uma nulidade, na medida em que deixou de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar, prevista no art. 615º, 1, d), CPC.
VII. E isto sem prejuízo de se entender que o juiz a quo, ao decidir da forma que fez, efetuou uma interpretação materialmente inconstitucional do art. 277º CPC, por violação do disposto nos arts. VIII e X da DUDH, 47º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia e 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, cuja dignidade constitucional é conferida pelo art. 8º CRP76, bem como do art. 20º CRP76, que se deixa invocado, com as legais consequências, por coartar o direito dos AA. de terem a sua causa – factos praticados pelo N… BANCO e não pelo BES - julgada por um tribunal.
VIII. Existe inúmera jurisprudência quanto à responsabilidade civil do intermediário financeiro, tendo-se os AA. arrogado a selecionar a jurisprudência mais relevante na motivação, nomeadamente quanto à extensão da responsabilidade do intermediário financeiro quanto ao reembolso do capital investido por violação de deveres, prescrição e transmissão/sucessão BES/N… Banco (e que se dá incorporado por remissão), claramente demonstrativos que a responsabilidade do intermediário financeiro é bastante extensa e nada simples de cercear.
IX. Ressalvado o devido respeito, os AA. entendem que a juiz a quo terá laborado num erro: que a totalidade dos factos que sustentam os pedidos e constituem a causa de pedir haviam sido praticados pelo BES e que a R. apenas era responsabilizada, pelos AA., a título de sucessão via decisão de resolução/cisão, o que não corresponde à verdade.
X. Os AA. imputam a prática de factos diretamente à R., defendendo que tais factos são subsumíveis a determinada qualificação jurídica e que, por força desta qualificação, constituem a R. em várias consequências jurídicas, nomeadamente na obrigação de indemnizar.
XI. Da leitura do douto saneador sentença recorrido, verifica-se que não existe qualquer matéria de facto selecionada e dada por provada que se repute de relevante para a presente causa.
XII. Isto porque, não sendo selecionada qualquer factologia (in casu, pelo menos, a existência e termos de um contrato de intermediação financeira) não poderia ter sido proferida qualquer decisão de direito sobre tal questão.
XIII. Deixa-se, por isso, desde já e ad cautelam, arguida a irregularidade da decisão reclamada, por violação do disposto nos arts. 615º nº 1 c) e d), 607º nº 4, 616º b), 662º nº 2 c) e 195º nº1 do CPC, irregularidade esta que influi na decisão da causa, sendo por isso geradora de nulidade, nos termos do referido art. 195º nº1 do CPC in fine.
XIV. É entendimento dos AA. que o Juiz a quo ter selecionado factos relevantes para o (re)conhecimento da exceção, nomeadamente: a) a existência e caracterização de um contrato de intermediação financeira entre o A. e a R.; b) a data em que se verificou o início da relação contratual entre A. e R.; c) se o contrato existente entre o A. e a R. decorre da Resolução do Banco de Portugal relativamente ao BES; d) se houve a prática de quaisquer atos de confirmação do contrato, por parte da R., nomeadamente envio de correspondência, contactos telefónicos, envio de documentação para o A., conforme documentos juntos aos autos que não foram objeto de impugnação; e) se a R. terá praticado praticou quaisquer atos de intermediação financeira, nomeadamente depósito, registo ou custódia dos valores patrimoniais a que os presentes autos se referem.
XV. Por outro lado, sempre se dirá que a exceção apenas existe se existir um direito que esta exceciona, seguindo, por isso, na esteira de WINDSCHEID e KIPP, que defendiam que a uma pretensão pode contrapor-se uma exceção.
XVI. Não tendo sido produzida, nem tão-pouco selecionada, factualidade relativa ao direito excecionado, somos do entendimento que o despacho recorrido enferma de nulidade por omissão de pronúncia sobre os pedidos dos AA. ao julgar procedente a exceção perentória, por violação do disposto no art. 615º nº1 CPC aplicável ao despacho recorrido ex vi do art. 613º nº3 do mesmo normativo, nulidade esta que deverá ser apreciada, primeiramente, pelo Juiz a quo, nos termos do disposto no art. 617º nº1 CPC, o que se deixa expressamente arguido e alegado, com as legais consequências.
XVII.  Por outro lado, verifica-se que: a) existe um contrato de intermediação financeira entre AA. e R. desde Agosto de 2014; b) ocorreram factos relevantes que, salvo melhor opinião, deveriam ter sido comunicados pela R. – enquanto intermediário financeiro contratado- aos AA. ao abrigo do disposto no art. 312º-B, nº4 CPC; c) caso venha a ser dada por provada a ilicitude referida na alínea b), presume-se a culpa da R., nos termos do disposto no art. 314º nº2 CVM; d) demonstrando-se, a final, a existência de ilicitude, culpa, causalidade e dano, a R. deverá/será condenada a indemnizar os AA.
XVIII. Pelo que, salvo melhor opinião, existe legitimidade substantiva da R. decorrente de atos ilícitos enquanto intermediário financeiro, nomeadamente de não haver informado os AA., enquanto entidade custodiante, da possibilidade de poder exercer o reembolso antecipado das Notes a um valor superior ao par.
XIX. Ao ignorar a prática destes factos que sustentam, juridicamente, uma obrigação de indemnizar por parte da R., o Juiz a quo proferiu um despacho saneador que enferma de nulidade por omissão de pronúncia sobre o pedido B) dos AA. ao julgar procedente a exceção perentória, por violação do disposto no art. 615º nº1 CPC aplicável ao despacho recorrido ex vi do art. 613º nº3 do mesmo normativo, nulidade esta que deverá ser apreciada, primeiramente, pelo Juiz a quo, nos termos do disposto no art. 617º nº1 CPC, o que se deixa expressamente arguido e alegado, com as legais consequências.
XX. Em face dos argumentos expostos supra, resulta clarividente que a decisão do juiz a quo não respeitou a própria deliberação do Banco de Portugal, na sua versão atual, pelo que se transmitiram as responsabilidades que são alegadas nos presentes autos do BES para o NB.
XXI. Por outro lado, em termos práticos, uma responsabilidade decorrente de dolo – como é o caso dos presentes autos - constituía, na deliberação de 03/08, passivo excluído, sendo que na deliberação de 11/08, não constaria do passivo excluído da transmissão do BES para a R..
XXII.  A resolução do Banco de Portugal mais não é que uma cisão societária.
XXIII. Entendemos, por isso, que a decisão de resolução que criou a instituição de transição viola o disposto no Código das Sociedades Comerciais quanto à responsabilidade solidária/conjunta pelas dívidas da sociedade cindida, até porque a disposição do art. 122º CSC é uma norma imperativa pelo que existe um conflito entre a decisão de resolução e uma norma imperativa, na qual aquela cede perante esta.
XXIV. A decisão recorrida viola, por isso, o disposto nos arts. VIII e X da DUDH, 47º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 8º e 20º CRP76, arts. 5º nº3, 195º nº1, 572º b), 607º nº4, 608º nº2, 615º nº 1 c) e d), 4, 616º b) e 662º nº 2 c) CPC; 7º nº1, 249º, 304º nº2, 304º-A nºs 1 e 2, 311º, 312º nº1, 312º-B nº4, 312º-E 314º nº2, 314º-D nº2, 323º e 328º CVM; 6º e 19º do Regulamento CMVM 2/2012; 19º da Diretiva dos Mercados de Instrumentos Financeiros (DMIF); 74º do Decreto-Lei 298/92; 405º, 437º e 799º CCiv.
Nestes termos, e nos melhores de direito que serão supridos por v. Exas., deverá o presente recurso ser julgado procedente por provado e, em consequência, ser proferido acórdão no qual se declare e reconheça a legitimidade substantiva da r., fazendo V. Exas. INTEIRA E SÃ JUSTIÇA!»
Contra-alegou o N… Banco, SA propugnando pela improcedência da apelação (fls. 778-799).
Em 11.10.2018, neste Tribunal da Relação, foi proferido despacho determinando a baixa dos autos a fim de a Mma. Juíza se pronunciar sobre as nulidades arguidas (fls. 807), o que foi feito (fls. 812-813).
QUESTÕES A DECIDIR
Nos termos dos Artigos 635º, nº4 e 639º, nº1, do Código de Processo Civil, as conclusões delimitam a esfera de atuação do tribunal ad quem, exercendo um função semelhante à do pedido na petição inicial.[1] Esta limitação objetiva da atuação do Tribunal da Relação não ocorre em sede da qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cf. Artigo 5º, nº3, do Código de Processo Civil). Também não pode este Tribunal conhecer de questões novas que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas.[2]
Nestes termos, as questões a decidir são as seguintes:
i. Nulidade da sentença por não conter matéria de facto selecionada e provada (XIII e XVI);
ii. Nulidade da sentença por omissão de pronúncia na parte em que não conheceu da responsabilidade do N… Banco por factos praticados na qualidade de intermediário financeiro custodiante desde 4.8.2014 (VI, XIX);
iii. Responsabilidade do N… Banco por facto praticados na qualidade de intermediário financeiro (XVII, XVIII);
iv. Se a resolução do Banco de Portugal integra uma cisão societária (XXIII);
v. Da transmissão da responsabilidade do BES por dolo para o N… Banco (XXI).
Corridos que se mostram os vistos, cumpre decidir.
FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Além do que consta do relatório, estão provados por acordo e documento os seguintes factos (artigos 663º, nº2 e 607º, nº4 do Código de Processo Civil):
1- Os Autores tornaram-se clientes do BES no dia 16.2.1987 (documento de fls. 539 v);
2- Em 5.7.2011, os Autores e o BES subscreveram o acordo de fls. 541 -544, denominado a fls. 541v. “Contrato de registo e depósito de instrumentos financeiros”, cujo teor se dá por reproduzido;
3- Nos termos desse acordo, «1.1. (…) A prestação do serviço e registo e depósito de instrumentos financeiros e de receção, transmissão e execução de ordens por conta de outrem é regulada pelas leis e regulamentos aplicáveis, pelas presentes Condições Gerais e por quaisquer condições particulares ou especificamente acordadas entre as partes, que prevalecerão sobre aquelas condições.
1.2. Durante a vigência do contrato o Banco obriga-se a proceder ao registo e depósito de instrumentos financeiros em Conta de Registo e Depósito de instrumentos financeiros (Conta Ifs) bem como à sua entrega, transferência ou inscrição de ónus ou encargos sobre os mesmos, nos ermos do presente contrato e dentro dos limites da lei e dos regulamentos aplicáveis.
(…)
3.1. Salvo instrução contrária do cliente recebido atempadamente pelo Banco e por este aceite, o Banco apenas exercerá em representação do Cliente, relativamente aos instrumentos financeiros registados ou depositados na Conta de IFs e com as limitações previstas em 3.2.
(i) o direito ao recebimento dos respetivos rendimentos e remunerações de qualquer tipo (incluindo dividendos, juros, amortizações e reembolsos) que se encontrem a pagamento pelas entidades devedoras;
(ii) o direito à respetiva amortização, resgate ou reembolso, qualquer que seja a modalidade;
(iii) os direitos inerentes aos instrumentos financeiros em caso de aumentos de capital por incorporação de reservas;
(iv) o direito a receber instrumentos financeiros de qualquer espécie que sejam atribuídos gratuitamente em consequência da titularidade  de instrumentos financeiros  depositados ou registados na conta de IFs.»;
4- Por documento datado de 13.7.2012, os Autores subscreveram 50 obrigações com a descrição “Obrigações PT Taxa Fixa 2012/2016”;
5- O ato de assinatura ocorreu na agência do BES, sita em Vila Franca de Xira;
6- No rateio apenas lhe foram atribuídas 32 obrigações com o valor nominal de € 1.000 cada uma, no montante global de € 32.000;
7- As referidas obrigações foram debitadas na conta dos Autores em 26.7.2012;
8- Essas obrigações tinham como emitente, na data da subscrição, a Portugal Telecom SGPS, SA, sociedade aberta;
9- A ordem de subscrição foi executada na íntegra pelo BES;
10- Foi o BES que intermediou perante os Autores a subscrição dos indicados títulos;
11- No dia 3 de Agosto de 2014 o Banco de Portugal deliberou o seguinte:

Ponto Um
 Constituição do N… Banco, SA
É constituído o N… Banco, SA, ao abrigo do nº 5 do artigo 145º -G do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-lei n.º 298/92, de 31 de dezembro, cujos Estatutos constam do Anexo 1 à presente deliberação.
Ponto Dois
Transferência para o N… Banco, SA, de ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão do Banco ES…, SA
 São transferidos para o N… Banco, SA, nos termos e para os efeitos do disposto no nº 1 do artigo 145º - H do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de dezembro, conjugado com o artigo 17º - A da Lei Orgânica do Banco de Portugal, os ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão do Banco ES…, SA, que constam dos Anexos 2 e 2A à presente deliberação.
Ponto Três
Designação de uma entidade independente para avaliação dos ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão transferidos para o N… Banco, SA
Considerando o disposto no n.º 4 do artigo 145.º -H do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de dezembro, o Conselho de Administração designa a sociedade PricewaterhouseCoopers & Associados - Sociedade de Revisores de Contas, Lda. (PwC SROC), para, no prazo de 120 dias, proceder à avaliação dos ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão transferidos para o N… Banco, SA.”

4-Por deliberação do Banco de Portugal de 11 de Agosto de 2014, foi retificado o anexo 2 à deliberação de 3 de Agosto, considerando excluídos os seguintes:
“(v) Quaisquer responsabilidades ou contingências, nomeadamente as decorrentes de fraude ou da violação de disposições ou determinações regulatórias, penais ou contraordenacionais;
(vi) Quaisquer responsabilidades ou contingências do BES relativas a ações, instrumentos ou contratos de que resultem créditos subordinados perante o BES;
(vii) Quaisquer obrigações, garantias, responsabilidades ou contingências assumidas na comercialização, intermediação financeira e distribuição de instrumentos de dívida emitidos por entidades que integram o Grupo ES…, sem prejuízo de eventuais créditos não subordinados resultantes de estipulações contratuais anteriores a 30 de Junho de 2014, documentalmente comprovadas nos arquivos do BES, em termos que permitam o controlo e fiscalização das decisões tomadas.” 
 
12-No dia 29 de dezembro de 2015, em sessão ordinária do Conselho de Administração do Banco de Portugal, (…) foi adotada a seguinte deliberação (deliberação contingências) relativa ao ponto da agenda “Clarificação e retransmissão de responsabilidades e contingências definidas como passivos excluídos nas subalíneas (v) a (vii) da alínea (b) do n.º 1 do Anexo 2 à Deliberação do Banco de Portugal de 3 de agosto de 2014 (20 horas), na redação que lhe foi dada pela Deliberação do Banco de Portugal de 11 de agosto de 2014 (17 horas) ”:
DELIBERAÇÃO
Nos termos do n.º 1 do artigo 146.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de dezembro (RGICSF), a presente deliberação é considerada urgente, nos termos e para os efeitos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo do artigo 124.º do Código do Procedimento Administrativo, não havendo lugar a audiência prévia dos interessados.
Enquadramento
1. A deliberação do Banco de Portugal de 3 de agosto de 2014 (20:00 horas), com as clarificações e ajustamentos introduzidos pela deliberação de 11 de agosto de 2014 (17:00 horas) - doravante a “Deliberação de 3 de agosto”, para efeitos dos considerandos seguintes - que determinou a constituição do N… Banco, S.A. (“N… Banco”), determinou igualmente a transferência de um conjunto de ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão do Banco ES…, S.A. (“Banco ES…” ou “BES”) para o N… Banco, descritos no Anexo 2 da mesma Deliberação de 3 de agosto.
2. O RGICSF estabelece, em conformidade com a legislação europeia na matéria, que os acionistas e credores da instituição objeto de resolução devem assumir os prejuízos da referida instituição.
3. Um dos princípios do RGICSF impõe que os recursos do fundo de resolução não sejam utilizados para assumir diretamente os prejuízos da instituição de crédito objeto de resolução.
4. O Banco de Portugal dispõe de um poder legalmente conferido que pode ser exercido a todo o tempo antes da revogação da autorização do BES para o exercício da atividade ou da venda do N… Banco, para determinar transferências adicionais de ativos e passivos entre o N… Banco e o BES (o “Poder de Retransmissão”). O Poder de Retransmissão encontra-se previsto no Capítulo III (Resolução) do Título VIII do RGICSF, tendo ficado expressamente estabelecido no número 2 do Anexo 2 da Deliberação de 3 de agosto.
Fundamentos para a clarificação e para o exercício do Poder de Retransmissão
5. A versão original da Deliberação de 3 de agosto, publicada em 3 de agosto de 2014, dispunha o seguinte na alínea (b) do n.º 1 do Anexo 2:
“As responsabilidades do BES perante terceiros, que constituam passivos ou elementos extrapatrimoniais, serão integralmente transferidas para o N… Banco SA, com exceção das seguintes (Passivos Excluídos) …
(v) Quaisquer responsabilidades ou contingências decorrentes de dolo, fraude e violação de disposições regulatórias, penais ou contraordenacionais.”
6. A versão alterada da Deliberação de 3 de agosto, publicada em 11 de agosto de 2014, dispunha o seguinte na alínea (b) do n.º 1 do Anexo 2: “As responsabilidades do BES perante terceiros, que constituam passivos ou elementos extrapatrimoniais, serão integralmente transferidas para o N… Banco SA, com exceção das seguintes (Passivos Excluídos) …
(v) Quaisquer responsabilidades ou contingências, nomeadamente as decorrentes de fraude ou violação de disposições ou determinações regulatórias, penais ou contraordenacionais.”
7. O Banco de Portugal considerou ser proporcional e de interesse público não transferir para o banco de transição as responsabilidades contingentes ou desconhecidas do BES (incluindo responsabilidades litigiosas relativas ao contencioso pendente e responsabilidades ou contingências decorrentes de fraude ou da violação de disposições ou determinações regulatórias, penais ou contraordenacionais), independentemente de se encontrarem ou não registadas na contabilidade do BES nos termos da subalínea (v) a (vii) da alínea (b) do n.º 1 do Anexo 2 da Deliberação de 3 de agosto, uma vez que a certeza relativamente às responsabilidades do banco de transição é essencial para garantir a continuidade das funções críticas desempenhadas pelo N… Banco e que anteriormente tinham sido desempenhadas pelo BES.
8. A legitimidade processual do BES tem vindo a ser questionada ou enjeitada em processos judiciais em que este é parte, com base na alegada transferência para o N… Banco das responsabilidades que se discutem naqueles processos, em que o BES era réu a 3 de agosto de 2014 e que respeitam a factos anteriores à aplicação da medida de resolução ao BES e por efeito da aplicação desta.
9. Importa clarificar que o Banco de Portugal, enquanto autoridade pública de resolução, decidiu e considera que todas as responsabilidades contingentes e desconhecidas do BES (incluindo responsabilidades litigiosas relativas ao contencioso pendente e responsabilidades ou contingências decorrentes de fraude ou da violação de disposições ou determinações regulatórias, penais ou contraordenacionais), independentemente de se encontrarem ou não registadas na contabilidade do BES, estão abrangidas pelas subalíneas (v) a (vii) da alínea (b) do n.º 1 do Anexo 2 da Deliberação, não tendo sido, portanto, transferidas para o N… Banco.
10. Alguns tribunais solicitaram ao Banco de Portugal que este lhes comunicasse o seu entendimento, enquanto entidade de resolução, sobre a não transferência de responsabilidades e contingências do BES para o N… Banco, ao abrigo das subalíneas (v) a (vii) da alínea (b) do n.º 1 do Anexo 2 da deliberação de 3 de agosto.
11. Esses pedidos não foram efetuados na maior parte dos processos pendentes em tribunal, que se relacionam com responsabilidades ou contingências não transferidas para o N… Banco.
12. Se o número de processos pendentes nos tribunais judiciais e a diferente orientação nas decisões até hoje tomadas conduzirem a que, de modo significativo, não venha a ser reconhecida adequadamente a seleção efetuada pelo Banco de Portugal (enquanto autoridade pública de resolução) dos ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão transferidos do BES para o N… Banco (decisão sobre o «perímetro de transferência»), pode ficar comprometida a execução e a eficácia da medida de resolução aplicada ao BES, a qual, entre outros critérios, se baseou num critério de certeza quanto ao perímetro de transferência.
13. Foi esse critério de certeza que permitiu calcular as necessidades de capital da instituição de transição, o N… Banco, e foi com base nesse cálculo que o Fundo de Resolução realizou o capital da instituição de transição.
14. Caso viessem a materializar-se na esfera jurídica do N… Banco responsabilidades e contingências por força de sentenças judiciais, o N… Banco seria chamado a assumir obrigações que de modo algum lhe deveriam caber e cuja satisfação não foi pura e simplesmente tida em consideração no montante do capital com que aquele banco de transição foi inicialmente dotado.
15. Este risco pode materializar-se ainda antes do trânsito em julgado das decisões judiciais se, de acordo com as regras contabilísticas, for entendido que, não obstante a decisão do Banco de Portugal, aquela materialização é provável.
16. Nos termos da lei, a decisão do Banco de Portugal sobre o perímetro de transferência só pode ser alterada através dos meios processuais previstos na legislação do contencioso administrativo, de acordo com o artigo 145.º-AR do RGICSF (correspondente ao artigo 145.º-N do RGICSF, em vigor à data de aplicação da medida de resolução ao BES).
17. Questionar o referido perímetro de transferência fora do contencioso administrativo constitui um desvio à competência dos tribunais administrativos, legalmente estabelecida, e impede que o Banco de Portugal exerça a prerrogativa que a lei lhe confere de afastar, por motivo de interesse público, a execução de sentenças desfavoráveis, iniciando-se de imediato o procedimento tendente à fixação da indemnização de acordo com os trâmites definidos no Código do Processo nos Tribunais Administrativos.
18. Decisões de tribunais judiciais que, direta ou indiretamente, ponham em causa o perímetro de transferência neutralizam este mecanismo contencioso (e compensatório), legalmente previsto, de impugnação das decisões do Banco de Portugal, enquanto autoridade pública de resolução, e comprometem a execução e a eficácia da medida de resolução.
19. Tem a presente deliberação o seguinte objetivo:
a. Clarificar o tratamento das responsabilidades contingentes e desconhecidas do BES (incluindo responsabilidades litigiosas relativas ao contencioso pendente e responsabilidades ou contingências decorrentes de fraude ou da violação de disposições ou determinações regulatórias, penais ou contraordenacionais), independentemente da sua natureza (fiscal, laboral, civil ou outra) e de se encontrarem ou não registadas na contabilidade do BES, nos termos da subalínea (v) da alínea (b) do n.º 1 do Anexo 2 da Deliberação de 3 de agosto;
b. Se e na medida em que quaisquer responsabilidades contingentes e desconhecidas ou incertas do BES à data de 3 de agosto (incluindo responsabilidades litigiosas relativas ao contencioso pendente e responsabilidades ou contingências decorrentes de fraude ou da violação de disposições ou determinações regulatórias, penais ou contraordenacionais), independentemente de se encontrarem ou não registadas na contabilidade do BES e que devessem ter permanecido na sua esfera jurídica nos termos da Deliberação de 3 de agosto, sejam atribuídas ao N… Banco, proceder à sua retransmissão, mediante o exercício do Poder de Retransmissão, das referidas responsabilidades contingentes e desconhecidas (incluindo responsabilidades litigiosas relativas ao contencioso pendente e responsabilidades ou contingências decorrentes de fraude ou da violação de disposições ou determinações regulatórias, penais ou contraordenacionais) para o BES; e
c. Determinar que, de acordo com o disposto no n.º 7 do artigo 145.º-P e nos n.os 2, 3 e 4 do artigo 145.º-G do RGICSF, o BES e o N… Banco tomem as medidas previstas nesta deliberação por forma a conferir-lhe eficácia plena.
20. Face ao exposto e de forma a garantir a continuidade das funções essenciais desempenhadas pelo N… Banco, encontram-se reunidos os pressupostos para o exercício do Poder de Retransmissão, conforme previsto nesta deliberação, exercício que se afigura extremamente necessário, urgente e inadiável.
O Conselho de Administração do Banco de Portugal, ao abrigo da competência conferida pelo RGICSF para selecionar os ativos e passivos a transferir para o banco de transição, delibera o seguinte:
A) Clarificar que, nos termos da alínea (b) do número 1 do Anexo 2 da deliberação de 3 de agosto, não foram transferidos do BES para o N… Banco quaisquer passivos ou elementos extrapatrimoniais do BES que, às 20:00 horas do dia 3 de agosto de 2014, fossem contingentes ou desconhecidos (incluindo responsabilidades litigiosas relativas ao contencioso pendente e responsabilidades ou contingências decorrentes de fraude ou da violação de disposições ou determinações regulatórias, penais ou contraordenacionais), independentemente da sua natureza (fiscal, laboral, civil ou outra) e de se encontrarem ou não registadas na contabilidade do BES;
B) Em particular, desde já se clarifica não terem sido transferidos do BES para o N… Banco os seguintes passivos do BES:
(i) Todos os créditos relativos a ações preferenciais emitidas por sociedades-veículo estabelecidas pelo BES e vendidas pelo BES;
(ii) Todos os créditos, indemnizações e despesas relacionados com ativos imobiliários que foram transferidos para o N… Banco;
(iii) Todas as indemnizações relacionadas com o incumprimento de contratos (compra e venda de ativos imobiliários e outros), assinados e celebrados antes das 20h00 do dia 3 de agosto de 2014;
(iv) Todas as indemnizações relacionadas com contratos de seguro de vida, em que a seguradora era o BES – Companhia de Seguros de Vida, S.A.;
(v) Todos os créditos e indemnizações relacionados com a alegada anulação de determinadas cláusulas de contratos de mútuo, em que o BES era o mutuante;
(vi) Todas as indemnizações e créditos resultantes de anulação de operações realizadas pelo BES enquanto prestador de serviços financeiros e de investimento; e
(vii) Qualquer responsabilidade que seja objeto de qualquer dos processos descritos no Anexo I.
C) Na medida em que, não obstante as clarificações acima efetuadas, se verifique terem sido efetivamente transferidos para o N… Banco quaisquer passivos do BES que, nos termos de qualquer daquelas alíneas e da Deliberação de 3 de agosto, devessem ter permanecido na sua esfera jurídica, serão os referidos passivos retransmitidos do N… Banco para o BES, com efeitos às 20 horas do dia 3 de agosto de 2014;
D) O Conselho de Administração do BES e o Conselho de Administração do N… Banco praticarão todos os atos necessários à implementação e eficácia das clarificações e retransmissões previstos na presente deliberação. Em particular e de acordo com o disposto no n.º 7 do artigo 145.º-P e nos n.os 2, 3 e 4 do artigo 145.º-G do RGICSF, o N… Banco e o BES devem:
(a) Adotar as medidas de execução necessárias à adequada aplicação da medida de resolução aplicada pelo Banco de Portugal ao BES, bem como de todas as decisões do Banco de Portugal que a complementam, alteram ou clarificam, incluindo a presente deliberação;
(b) Praticar todos os atos, sejam estes de natureza procedimental ou processual, nos processos em que sejam parte de modo a dar adequada execução às decisões do Banco de Portugal referidas em (a), incluindo aqueles que sejam necessários para reverter atos anteriores que tenham praticado contrários aquelas decisões;
(c) Para efeito de cumprimento do disposto na alínea (b), requerer a imediata junção da presente deliberação aos autos em que sejam parte;
(d) Adequar os seus registos contabilísticos ao disposto nas decisões do Banco de Portugal referidas em (a); e
(e) Abster-se de qualquer conduta que possa por em causa as decisões do Banco de Portugal referidas em (a).
E) Aprovar a ata da presente deliberação em minuta, com vista à sua execução imediata, nos termos do nº 4 e para os efeitos do n.º 6 do artigo 34.º do Código do Procedimento Administrativo.”

13 -No dia 29 de dezembro de 2015, em sessão ordinária do Conselho de Administração do Banco de Portugal, foi adotada a seguinte deliberação (deliberação perímetro) relativa ao ponto da agenda “Transferências, retransmissões e alterações e clarificações ao Anexo 2 da deliberação de 3 de agosto de 2014 (20.00h)”:
DELIBERAÇÃO
Nos termos do n.º 1 do artigo 146.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de dezembro (RGICSF), a presente deliberação é considerada urgente, nos termos e para os efeitos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo do artigo 124.º do Código do Procedimento Administrativo, não havendo lugar a audiência prévia dos interessados. Esta dispensa é igualmente justificada à luz do disposto nas alíneas c) e d) do artigo 124.º do Código do Procedimento Administrativo.
Enquadramento
1. A deliberação do Banco de Portugal de 3 de agosto de 2014 (20:00h), com as clarificações e ajustamentos introduzidos pela deliberação de 11 de agosto de 2014 (17:00 horas) - doravante a “Deliberação de 3 de agosto” para efeitos dos considerandos seguintes – que determinou a constituição do N… Banco, S.A. (“N… Banco”), determinou igualmente a transferência de um conjunto de ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão do Banco ES…, S.A. (“Banco ES…” ou “BES”) para o N… Banco, descritos no Anexo 2 à mesma Deliberação de 3 de agosto.
2. Após 3 de agosto, e à medida que tem vindo a ser disponibilizada informação adicional, o Banco de Portugal, na qualidade de autoridade de resolução, tem vindo a aprofundar o conhecimento da situação financeira do conjunto de ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão do N… Banco.
3. O RGICSF estabelece, em conformidade com a legislação europeia na matéria, que os acionistas e credores de uma instituição objeto de medida de resolução devem suportar os prejuízos dessa mesma instituição.
4. Um dos princípios do RGICSF impõe que os recursos do fundo de resolução não sejam utilizados para assumir diretamente os prejuízos da instituição de crédito objeto de resolução.
5. O Banco de Portugal dispõe de um poder legalmente estabelecido que poderá ser exercido a todo o tempo antes da revogação da autorização do BES para exercício da atividade ou da venda do N… Banco, para determinar transferências adicionais de ativos e passivos entre o N… Banco e o BES (o “Poder de Retransmissão”). O Poder de Retransmissão encontra-se previsto no Capítulo III (Resolução) do Título VIII do RGICSF, tendo ficado expressamente previsto no número 2 do anexo 2 da Deliberação de 3 de agosto.
6. São necessárias clarificações adicionais quanto aos ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão transferidos do BES para o N… Banco e alterar o Anexo 2 da deliberação de 3 de agosto para refletir estas clarificações.
7. É desejável clarificar que quaisquer contingências fiscais passivas, quer presentes ou futuras, resultantes de dívidas fiscais, constituídas ou por constituir, relativas a factos tributários anteriores a 3 de agosto de 2014 deverão permanecer na esfera jurídica do BES.
8. Sem prejuízo das deliberações do Conselho de Administração do Banco de Portugal de 22 de dezembro de 2014, de 11 fevereiro de 2015 e de 15 de setembro de 2015, todas relativas à «Responsabilidade Oak Finance» (tal como definida na deliberação de 15 de setembro de 2015), o Banco de Portugal deve adicionalmente determinar que, por se tratar de uma responsabilidade de natureza equiparável a obrigações, dirigida a, e subscrita por, investidor(es) qualificado(s), tal responsabilidade (bem como todas as responsabilidades com esta conexas) deve permanecer na esfera jurídica do BES, pelo que na eventualidade de, por decisão transitada em julgado, se determinar que a Responsabilidade Oak Finance não se encontra abrangida pela subsubalínea (c) da subalínea (i) da alínea (b) do n.º 1 do Anexo 2 da Deliberação de 3 de agosto ou se determinar que essa responsabilidade pertence ao N… Banco, tal responsabilidade (bem como todas as responsabilidades com esta conexas) é retransmitida para o BES.
9. Na medida em que, e não obstante as clarificações e alterações constantes desta deliberação, um ativo ou passivo tenha sido transferido para o N… Banco que devesse ter permanecido na esfera jurídica do BES, ou tenha permanecido na esfera jurídica do BES, mas que devesse ter sido transferido para o N… Banco, o Poder de Retransmissão é exercido para conferir eficácia às clarificações e alterações constantes desta deliberação.
10. Considerando que, desde a aplicação da medida de resolução ao BES e também na presente data foram tomadas pelo Conselho de Administração do Banco de Portugal várias deliberações que produziram efeitos na seleção de ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão transferidos para o N… Banco, a qual estava originalmente expressa no Anexo 2 da Deliberação de 3 de agosto, revela-se oportuno e adequado proceder-se a um esforço de consolidação, atualizando o referido Anexo 2 às mencionadas deliberações.
O Conselho de Administração do Banco de Portugal, ao abrigo da competência conferida pelo RGICSF para selecionar os ativos e passivos a transferir para o banco de transição e do disposto no n.º 2 do Anexo 2 da Deliberação de 3 de agosto, delibera o seguinte:
A) A subalínea (vii) da alínea (b) do n.º 1 do Anexo 2 passa a ter a seguinte redação: “Quaisquer obrigações, garantias, responsabilidades ou contingências assumidas na comercialização, intermediação financeira, processo de contratação e distribuição de instrumentos financeiros emitidos por quaisquer entidades, sem prejuízo de eventuais créditos não subordinados, cuja posição devedora não seja excluída por alguma das subalíneas anteriores, designadamente as subalíneas (iii) e (v), que (a) fossem exigíveis à data da medida de resolução em virtude de o respetivo prazo já se ter vencido ou, sendo os créditos condicionais, em virtude de a condição (desde que apenas desta dependesse o respetivo vencimento) já se ter verificado, e cumulativamente (b) resultassem de estipulações contratuais (negócios jurídicos bilaterais) anteriores a 30 de junho de 2014, que tenham cumprido as regras para a expressão da vontade e vinculação contratual do BES e cuja existência se possa comprovar documentalmente nos arquivos do BES, em termos que permitam o controlo e fiscalização das decisões tomadas.”
B) A alínea (d) do n.º 1 do Anexo 2 passa a ter a seguinte redação:
“São transferidos na sua totalidade para o N… Banco SA todos os restantes elementos extrapatrimoniais do BES, com exceção dos relativos ao Banco ES… Angola SA, ao ES… Bank (Miami), ao A… Bank (Líbia) e dos relativos às entidades cujas responsabilidades perante o BES não foram transferidas nos termos da subalínea (v) da alínea (a) do n.º 1 e, com efeitos a partir de 29 de dezembro de 2015, ao BES Finance, Limited;”
C) É aditado um n.º 10, com a seguinte redação:
“Transferem-se ainda para o N… Banco quaisquer créditos já constituídos ou por constituir reportados a factos tributários anteriores a 3 de agosto de 2014, independentemente de estarem ou não registados na contabilidade do BES.”
D) A Administração do BES deve, para efeitos de cumprimento de quaisquer formalidades que se julguem necessárias, exercer as suas competências, praticar os atos e tomar as iniciativas adequadas para garantir as transferências de valores a receber e créditos para o N… Banco decorrentes das contingências fiscais ativas, atualmente identificadas ou futuras, resultantes de créditos fiscais já constituídos ou por constituir, reportados a factos tributários anteriores a 3 de agosto de 2014, independentemente de se encontrarem ou não registadas na contabilidade.
E) É aditado um novo n.º 11, com a seguinte redação:
“O disposto nas subalíneas (v) a (vii) da alínea (b) do n.º 1 do presente Anexo devem ser interpretadas à luz das clarificações constantes do Anexo 2C”.
F) É aditado um novo Anexo 2C à deliberação de 3 de agosto, com a redação constante da deliberação relativa à “Clarificação e retransmissão de responsabilidades e contingências definidas como passivos excluídos nas subalíneas (v) a (vii) da alínea (b) do n.º 1 do Anexo 2 à Deliberação do Banco de Portugal de 3 de agosto de 2014 (20 horas), na redação que lhe foi dada pela Deliberação do Banco de Portugal de 11 de agosto de 2014 (17 horas)”, adotada pelo Conselho de Administração do Banco de Portugal na presente data;
G) Sem prejuízo das deliberações do Conselho de Administração do Banco de Portugal de 22 de dezembro de 2014, de 11 fevereiro de 2015 e de 15 de setembro de 2015, todas relativas à «Responsabilidade Oak Finance» (tal como definida na deliberação de 15 de setembro de 2015), o Banco de Portugal determina adicionalmente que, por se tratar de uma responsabilidade de natureza equiparável a obrigações, dirigida a, e subscrita por, investidor(es) qualificado(s), tal responsabilidade (bem como todas as responsabilidades com esta conexas) deve permanecer na esfera jurídica do BES, pelo que na eventualidade de, por decisão transitada em julgado, se determinar que a Responsabilidade Oak Finance não se encontra abrangida pela subsubalínea (c) da subalínea (i) da alínea (b) do n.º 1 do Anexo 2 da Deliberação de 3 de agosto ou se determinar que essa responsabilidade pertence ao N… Banco, tal responsabilidade (bem como todas as responsabilidades com esta conexas) é retransmitida para o BES;
H) É aditada uma subalínea (ix) à alínea (b) ao n.º 1 do Anexo 2, com a seguinte redação: “A Responsabilidade Oak Finance”.
I) Na medida em que qualquer ativo, passivo ou elemento extrapatrimonial que, nos termos de qualquer das alíneas anteriores, devesse ser transferido para o N… Banco, mas que, de facto, tenha permanecido na esfera jurídica no BES, são, pela presente, os referidos ativos, passivos ou elementos extrapatrimoniais transferidos do BES para o N… Banco, com efeitos a 3 de agosto de 2014 (20.00h);
J) Na medida em que qualquer ativo, passivo ou elemento extrapatrimonial que, nos termos de qualquer uma das alíneas anteriores, devesse ter permanecido na esfera jurídica do BES mas que foram, de facto, transferidos para o N… Banco, são, pela presente, os referidos ativos, passivos ou elementos extrapatrimoniais retransmitidos do N… Banco para o BES, com efeitos a 3 de agosto de 2014 (20.00h);
K) O Conselho de Administração do BES e o Conselho de Administração do N… Banco devem tomar todas as medidas necessárias à execução eficaz das clarificações, ajustamentos, transferências e retransmissões previstos na presente deliberação.
L) É anexada à presente deliberação uma versão revista e consolidada do Anexo 2 da Deliberação de 3 de agosto de 2014, a qual incorpora:
a. As clarificações e alterações constantes da presente deliberação;
b. As deliberações do Conselho de Administração do Banco de Portugal, adotadas na presente data, relativas à “Retransmissão de obrigações não subordinadas do N… Banco, S.A., para o Banco ES…, S.A.” e à “Retransmissão das ações representativas da totalidade do capital social do BES Finance, Limited do N… Banco, S.A., para o Banco ES…, S.A.”;
c. As deliberações do Conselho de Administração do Banco de Portugal de 22 de dezembro de 2014, de 11 fevereiro de 2015 e 15 de setembro de 2015, todas relativas à Responsabilidade Oak Finance, e de 13 de maio de 2015, relativa a eventuais obrigações contraídas e garantias prestadas perante terceiros pelo BES, relacionadas com a comercialização de instrumentos de dívida do GES;
d. O Anexo 2 da Deliberação de 3 de agosto será alterado e retificado de modo a revestir a forma estabelecida no anexo da presente deliberação, incluindo o aditamento dos Anexos 2B e 2C.
M) Aprovar a ata da presente deliberação em minuta, com vista à sua execução imediata, nos termos do nº 4 e para os efeitos do n.º 6 do artigo 34.º do Código do Procedimento Administrativo.”
FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
Nulidade da sentença por não conter matéria de facto selecionada e provada
Sustentam os apelantes que a sentença é nula nos termos do art. 195º, nº1, do Código de Processo Civil, por não conter a seleção da matéria de facto que se repute relevante para a apreciação de mérito.
De facto, na sentença impugnada a Mma. Juíza não enunciou os factos provados que justificam a decisão tomada, sendo que a omissão da enunciação dos factos provados integra nulidade nos termos dos arts. 615º, nº1, al. b) e 607º, nº4.
Este Tribunal da Relação já supriu tal nulidade, enunciando a matéria de facto provada, por acordo e documento – cf. artigos 663º, nº2, 607º, nº4 e 665º, nº1, do Código de Processo Civil.
Note-se que o tribunal a quo proferiu um saneador-sentença, conhecendo do  1º pedido formulado, conforme se verá infra. Conforme se refere em GERALDES, Abrantes/PIMENTA, Paulo/SOUSA, Luís Filipe, Código de Processo Civil Anotado, I Vol., 2018, Almedina, p. 696, «A antecipação do conhecimento de mérito pressupõe que, independentemente de estar em jogo matéria de direito ou de facto, o estado do processo possibilite tal decisão, sem necessidade de mais provas, e independentemente de a mesma favorecer uma ou outra das partes.» É o que sucede quando a matéria de facto relevante esteja provada por acordo ou documento, como sucede no caso em apreço, após o suprimento da nulidade feita por este Tribunal da Relação.
Nulidade da sentença por omissão de pronúncia na parte em que não conheceu da responsabilidade do N… Banco por factos praticados na qualidade de intermediário financeiro custodiante desde 4.8.2014.
Argumentam os apelantes que a sentença é nula, por omissão de pronúncia, porquanto o tribunal a quo não se pronunciou sobre a segunda causa de pedir invocada, qual seja a prática/omissão de factos  pelo N… Banco após 4.8.2014, enquanto intermediário financeiro custodiante.
E, de facto, nos artigos 152º e seguintes da petição inicial, os Autores alegam diversa factualidade ocorrida após a Medida de Resolução que, no seu entender, fez o N… Banco incorrer em responsabilidade perante os Autores, nos termos dos artigos 483º do CC e 304º-A, nº1, do CVM (art. 211º da petição), sendo essa factualidade que subjaz ao primeiro pedido subsidiário formulado.
A sentença impugnada não apreciou esta questão, quedando-se pela apreciação dos factos que ocorreram até à Medida de Resolução, razão pela qual ocorre a nulidade de omissão de pronúncia (Artigo 615º, nº1 al. d), do Código de Processo Civil). Em observância do Artigo 665º, nº1, do Código de Processo Civil, este Tribunal da Relação apreciará tal questão no ponto seguinte.
Responsabilidade do N… Banco por factos praticados na qualidade de intermediário financeiro.
Nos artigos 152º e seguintes da petição, os Autores alegaram diversa factualidade que imputam ao Réu N… Banco, nomeadamente que:
a. O Réu teve conhecimento da alteração do emitente para PT Portugal e que esta tinha uma fortíssima probabilidade de não recuperar o investimento em papel comercial Rio Forte, o que geraria, como gerou, perdas de cerca de 900 milhões de euros (152);
b. Factos excecionais que originaram uma alteração significativa do risco do produto (153º);
c. O N… Banco, enquanto intermediário financeiro, sabia que tinha ocorrido uma alteração do emitente bem como sabia que tinha sido antecipada a maturidade do produtos para quem pretendesse exercer esse direito, de 27.7.2016 para 30.6.2015, bem como estava a par da degradação económico-financeira da OI e suas subsidiárias, inclusive da, PTIF (173º);
d. O Réu também sabia que o autor para usufruir desse direito de antecipação do reembolso do capital teria de manifestar a sua vontade até às 12 h do dia 30.6.2015 (174º);
e. O Réu não informou o autor do referido em 173º e 174º (179º);
f. Ao omitir tal informação, o Réu impediu o Autor de tomar decisões a que tinha direito, de forma esclarecida e livre (art. 183º).
Resulta da matéria de facto acima provada que as partes celebraram, em 5.7.2011, um contrato de registo e depósito de instrumentos financeiros, consoante resulta da nomenclatura adotada e, sobretudo, do teor do seu clausulado.
Conforme refere Pedro Costa, Investidores e Intermediários: Diferentes Contratos de Intermediação Financeira, Diferentes Deveres?, Porto , 2014, pp. 30-31,
«Quando se fala de contratos para registo e depósito no âmbito da intermediação financeira, referimo-nos a contratos celebrados entre os já muito falados intermediários financeiros e os titulares de determinados instrumentos financeiros. Como acontece em inúmeros contratos de intermediação, os sujeitos repetem-se mas o objeto do contrato vai variando sendo que neste caso específico, o contrato versa sobre a obrigação do intermediário em registar e/ou manter em depósito os instrumentos financeiros que o seu cliente seja titular, assim como prestar todos os serviços relativos a estes mesmos instrumentos.
O contrato para registo e depósito encontra-se regulado pelo art. 291º, al. a) e art. 343º do CVM, está sujeito à forma escrita quando os titulares dos instrumentos financeiros são investidores não qualificados e não deve ser confundido com outros tipos de contratos como por exemplo, o contrato de depósito bancário.
No que concerne ao seu conteúdo podemos encontrar duas modalidades distintas: depósito de simples custódia e depósito de administração. O primeiro consiste na simples guarda dos instrumentos financeiros depositados e na cobrança dos respetivos rendimentos – art. 405º CCom. e art. 1187º, al. c) do CC. Existe assim uma obrigatoriedade do intermediário em manter o registo e depósito dos instrumentos e valores por conta do titular até este último, exigir a sua restituição. O intermediário está ainda obrigado a prestar um conjunto de serviços com vista à conservação e frutificação dos instrumentos financeiros. Quanto ao segundo, o depósito de administração, o intermediário vincula-se a uma obrigação de administração dos valores depositados ou seja, para além do depósito, o intermediário pode por exemplo, subscrever e adquirir novos instrumentos financeiros, gerir a tesouraria e garantias, entre outros. Parece-nos que esta última modalidade é uma mistura entre o contrato para registo e depósito e o contrato de gestão de carteira.
Quanto aos deveres associados a este tipo contratual, o intermediário está sujeito às obrigações de caráter geral bem como a obrigações de carater especial presentes no art. 306º-A, nº 1 do CVM.»
Do clausulado contratual (cf. supra) resulta que os Autores e o então BES adotaram a modalidade de depósito de simples custódia, não tendo o banco sido incumbido de  adotar condutas subsumíveis, parcialmente, ao contrato de gestão de carteira.
Nos termos do Artigo 291º, al a), do CVM, são serviços auxiliares dos serviços e atividades de investimento o registo e o depósito de instrumentos financeiros, bem como os serviços relacionados com a sua guarda, como a gestão de tesouraria ou de garantias. O Artigo 343º, nº1, do CVM dispõe que contrato deve determinar o regime relativo ao exercício de direitos inerentes aos instrumentos financeiros registados ou depositados. Finalmente, o art. 306º-A, nº1, al. a), do CVM, dispõe que: «1 - O intermediário financeiro que pretenda registar ou depositar instrumentos financeiros de clientes, numa ou mais contas abertas junto de um terceiro deve: a) Observar deveres de cuidado e empregar elevados padrões de diligência profissional na seleção, na nomeação e na avaliação periódica do terceiro, considerando a sua capacidade técnica e a sua reputação no mercado.». Esta norma não tem aplicação ao caso porquanto as obrigações estavam depositadas junto de conta aberta no próprio Réu, N… Banco.
No que tange ao dever de informação do intermediário financeiro, há que não confundir a informação com o conselho nem com as recomendações, devendo a informação ser autonomizada da consultoria – Gonçalo Castilho dos Santos, A Responsabilidade Civil do Intermediário Financeiro Perante o Cliente, Almedina, p. 138.
Nesta sede, há que separar a informação pré-contratual da informação contratual ou pós-contratual, também designada de informação sucessiva. Refere Gonçalo Castilho dos Santos, Op. Cit., p. 140, que:
«Encontramos um conjunto de informações que devem ser disponibilizadas pelo intermediário financeiro no âmbito da execução contratual – portanto, informação sucessiva. Trata-se se deveres acessórios de informação que, pela sua natureza visam permitir a satisfação do interesse do credor (cliente) e assegurar a inexistência de dano. Especificamente, reconduz-se a informação de índole operacional, no sentido que traduzem vicissitudes decorrentes do funcionamento dos sistemas e mercados. A esse propósito, atente-se nos exemplos do intermediário financeiro registador de valores mobiliários escriturais que deve prestar as informações que lhe sejam solicitadas pelos titulares dos valores mobiliários, bem como, independentemente dessa solicitação, extratos das contas e elementos necessário para o atempado cumprimento das obrigações fiscais; ou do intermediário financeiro que deve informar o cliente com quem tenha celebra um contrato de intermediação financeira acerca da execução dos resultados das operações que efetue por conta deste.»
Por sua vez, José Engrácia Antunes, “Deveres e Responsabilidade do Intermediário Financeiro, - Alguns Aspetos”, in Cadernos do Mercado de Valores Mobiliários, nº 56, 2017, p. 39, afirma que:
«Já relativamente aos últimos (informação contratual e pós-contratual), incluem-se os já citados deveres informativos mínimos relativos aos serviços de intermediação efetivamente prestados (arts. 312.º-C e segs. do CVM), ao conteúdo mínimo obrigatório dos contratos de intermediação financeira, seja em geral (arts. 321.º-A e 322.º do CVM), seja relativo aos vários tipos contratuais em particular (arts. 323.º e 323.º-A do CVM), bem assim como os deveres informativos durante a fase de execução do contrato, incluindo a prestação de informações solicitadas pelos clientes (art. 85.º, nº 1, a) e nº 4 do CVM), de posições de risco não cobertas (art. 323.º-B do CVM), e de envio de extratos periódicos e demais informação relevante relativa ao património financeiro do cliente (art. 323.º-C do CVM, arts. 12.º e 28.º do Regulamento CMVM nº 2/2007, de 5 de novembro).
De forma algo diversa, encontramo-nos aqui, em regra, diante de deveres acessórios de conduta do serviço ou contrato de intermediação financeira celebrado entre intermediário e cliente, destinados a assegurar o regular desenvolvimento da relação negocial e a plena satisfação dos interesses do cliente, não sendo de excluir, todavia, que alguns desses deveres informativos pós-contratuais possam corresponder a autónomos deveres secundários de prestação cuja violação seja igualmente fonte autónoma de responsabilidade civil para o intermediário (sobretudo, aqueles que visam informar o cliente das vicissitudes e dos resultados das suas operações de investimento, por forma a permitir-lhe tomar atempadamente eventuais decisões de desinvestimento)» (sublinhado nosso).
Este dever colhe também fundamento no disposto no Artigo 304º, segundo o qual:
«1 - Os intermediários financeiros devem orientar a sua atividade no sentido da proteção dos legítimos interesses dos seus clientes e da eficiência do mercado.
2 - Nas relações com todos os intervenientes no mercado, os intermediários financeiros devem observar os ditames da boa fé, de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência.
3 - Na medida do necessário para o cumprimento dos seus deveres na prestação do serviço, o intermediário financeiro deve informar-se junto do cliente sobre os seus conhecimentos e experiência no que respeita ao tipo específico de instrumento financeiro ou serviço oferecido ou procurado, bem como, se aplicável, sobre a situação financeira e os objetivos de investimento do cliente.»
Os emitentes de valores que se encontram admitidos à negociação em mercado estão também obrigados ao dever de informação sobre factos relevantes – cf. Artigo 248º-A, nº1, do CVM e Marta Alexandra Fialho Portas, O Insider Trading nos Mercados Financeiros, FDUL, 2016, p. 59.
Deste acervo de normas e contributos doutrinários infere-se que, na pendência da execução de um contrato de depósito e registo de instrumentos financeiros (como é o caso), o intermediário financeiro e custodiante não pode alhear-se das vicissitudes atinentes à entidade emissora das obrigações bem como à alteração da maturidade dos produtos, fatores suscetíveis de se repercutirem negativamente nos resultados e solidez do produto adquirido (no caso, obrigações), cabendo-lhe informar o investidor de modo a habilitá-lo a poder adotar, tempestivamente, condutas que minimizem ou previnam riscos não despiciendos e conhecidos, que ameacem a normal conservação e frutificação dos instrumentos financeiros.
 Os factos alegados pelos Autores, acima elencados e resumidos, a provarem-se, são idóneos a sedimentar uma construção jurídica como a que ora se enunciou( com nexo de causalidade único ou concorrente), dando razão suficiente para o prosseguimento do processo tendo em vista o seu apuramento probatório e subsequente subsunção jurídico-material. Ou seja, sem que isto implique um julgamento antecipado de mérito, tais factos não são inócuos, pelo contrário, são relevantes de acordo com as soluções plausíveis de direito que poderão ser convocadas a final.
Assim sendo, devem os autos prosseguir para apreciação e julgamento dos mesmos, sendo que tal factualidade subjaz ao primeiro pedido subsidiário.
Se a medida de resolução do Banco de Portugal integra uma cisão societária
Alegam os apelantes que a medida de resolução adotada pelo Banco de Portugal integra uma cisão societária, razão pela qual o N… Banco continua a responder pela conduta pretérita do BES.
A cisão de sociedade «constitui um instrumento jurídico de reorganização e reestruturação societária que opera uma divisão da sociedade em duas ou mais sociedades, sendo nesse medida uma forma de desconcentração da empresa social originária. (…) Constituem elementos definidores do conceito (amplo) de cisão a divisão e transmissão de parte (cisão parcial) ou da totalidade (cisão total) do património de uma sociedade (cindida) a uma ou várias sociedades beneficiárias, incorporantes ou constituídas em resultado da própria operação, e a integração dos sócios da sociedade cindida nas sociedades beneficiárias, mediante a atribuição de participações sociais correspondentes à transmissão patrimoniais efetuada.» - AA.VV., Código das Sociedades Comerciais em Comentário, II Vol., Almedina, 2011, p. 406. 
Pelo contrário, a medida de resolução bancária consiste na reestruturação de uma instituição de modo a garantir a continuidade das suas funções essenciais, preservar a estabilidade financeira e repor a viabilidade da totalidade ou de parte dessa mesma instituição, podendo as medidas de resolução ser de dois tipos: alienação (total ou parcial) da atividade de uma instituição que se encontrem em dificuldades a outra instituição autorizada a desenvolver a atividade transferida; constituição de um (ou mais) banco e transferência (total ou parcial) do património da instituição que se encontre em dificuldades para esse banco de transição – cf. Pedro Lobo Xavier, “Das Medidas de Resolução de Instituição de Crédito em Portugal – Análise do Regime dos Bancos de Transição”, in Revista da Concorrência e Regulação, Ano V, nº 18, abril-junho 2014, pp. 164-165.
Como se vê, a cisão societária do direito comercial e a medida de resolução não são sobreponíveis, tratando-se de realidades distintas. Sendo o capital do N… Banco detido pelo Fundo de Resolução (cf. Artigo 4º dos Estatutos do N… Banco, anexos à Deliberação de 3.8.2014), não ocorre um requisito essencial da cisão, qual seja o da integração dos anteriores acionistas na nova sociedade. Tanto basta para demonstrar que a figura bancária da resolução adotada pelo Banco de Portugal nada tem a ver com a cisão societária do Código das Sociedades Comerciais.
Da transmissão da responsabilidade do BES por dolo para o N… Banco
Através da Deliberação de 3 de agosto de 2014, cujo teor está provado supra, o Banco de Portugal aplicou a medida de resolução ao BES. Consoante refere Joana Rócio, A Medida de Resolução no Caso BES, Universidade Católica Portuguesa, 2015, pp. 39-40,
«No que concerne à medida de resolução aplicada ao BES, o BP optou, no caso em apreço, pelo instrumento de criação de uma instituição de transição (ou banco de transição).
Com o BES, considerado um banco com impacto sistémico na economia, temia-se que o seu colapso financeiro originaria um efeito too big to fail (este efeito nefasto no sistema financeiro como um todo é reconhecido a bancos que, pela sua extensão e interligação com outros, se encontrem em uma situação de insolvência). Foram estes fatores que levaram o BP a dar como preenchidos os pressupostos de aplicação das medidas de resolução, que exigem que a IC esteja em risco ou que já não esteja de todo a cumprir as suas obrigações no âmbito da sua atividade.
Assim, a 3 de Agosto de 2014, foi ordenada, pelo BP, a aplicação de uma medida de resolução ao BES, sob a modalidade de criação de um banco de transição. Consequentemente, o capital do BES, bem como a sua atividade, foram transferidos para uma entidade criada para o efeito, o N… Banco (banco de transição), que assumirá natureza jurídica de uma IC, apta a praticar as funções bancárias, de acordo com o elenco do Art.4º do RGICSF. Esta operação foi feita com base na divisão entre dois bancos: o antigo BES, considerado o “banco mau”, que suportará o passivo e os ativos tóxicos, cujas perdas serão suportadas pelos seus acionistas e credores; e o “banco bom”, o chamado N… Banco, expurgado dos ativos tóxicos, e financiado pelo Fundo de Resolução.»
Nos termos da Deliberação do Banco de Portugal de 11 de agosto de 2014, foi retificado o anexo 2 à deliberação de 3 de agosto de 2014, considerando excluídos da transmissão para o N… Banco:
“(v) Quaisquer responsabilidades ou contingências, nomeadamente as decorrentes de fraude ou da violação de disposições ou determinações regulatórias, penais ou contraordenacionais;
(vi) Quaisquer responsabilidades ou contingências do BES relativas a ações, instrumentos ou contratos de que resultem créditos subordinados perante o BES;
(vii) Quaisquer obrigações, garantias, responsabilidades ou contingências assumidas na comercialização, intermediação financeira e distribuição de instrumentos de dívida emitidos por entidades que integram o Grupo Eírito Santo, sem prejuízo de eventuais créditos não subordinados resultantes de estipulações contratuais anteriores a 30 de Junho de 2014, documentalmente comprovadas nos arquivos do BES, em termos que permitam o controlo e fiscalização das decisões tomadas.”
Posteriormente, em 29 de dezembro de 2015, o Banco de Portugal adotou a denominada Deliberação Contingências, nos termos da qual «ao abrigo da competência conferida pelo RGICSF para selecionar os ativos e passivos a transferir para o banco de transição, delibera o seguinte:
A) Clarificar que, nos termos da alínea (b) do número 1 do Anexo 2 da deliberação de 3 de agosto, não foram transferidos do BES para o N… Banco quaisquer passivos ou elementos extrapatrimoniais do BES que, às 20:00 horas do dia 3 de agosto de 2014, fossem contingentes ou desconhecidos (incluindo responsabilidades litigiosas relativas ao contencioso pendente e responsabilidades ou contingências decorrentes de fraude ou da violação de disposições ou determinações regulatórias, penais ou contraordenacionais), independentemente da sua natureza (fiscal, laboral, civil ou outra) e de se encontrarem ou não registadas na contabilidade do BES;
B) Em particular, desde já se clarifica não terem sido transferidos do BES para o N… Banco os seguintes passivos do BES:
(i) Todos os créditos relativos a ações preferenciais emitidas por sociedades-veículo estabelecidas pelo BES e vendidas pelo BES;
(ii) Todos os créditos, indemnizações e despesas relacionados com ativos imobiliários que foram transferidos para o N… Banco;
(iii) Todas as indemnizações relacionadas com o incumprimento de contratos (compra e venda de ativos imobiliários e outros), assinados e celebrados antes das 20h00 do dia 3 de agosto de 2014;
(…)
 (vi) Todas as indemnizações e créditos resultantes de anulação de operações realizadas pelo BES enquanto prestador de serviços financeiros e de investimento; e
(…)
C) Na medida em que, não obstante as clarificações acima efetuadas, se verifique terem sido efetivamente transferidos para o N… Banco quaisquer passivos do BES que, nos termos de qualquer daquelas alíneas e da Deliberação de 3 de agosto, devessem ter permanecido na sua esfera jurídica, serão os referidos passivos retransmitidos do N… Banco para o BES, com efeitos às 20 horas do dia 3 de agosto de 2014
Esta deliberação integra um ato regulamentar do Banco de Portugal, o qual não está abrangido pelo numerus clausus que é imposto pelo Artigo 112º, nº5, da Constituição aos atos legislativos (cf. Teixeira de Sousa, Introdução ao Direito, 2013, p. 148), podendo Banco de Portugal interpretar, com eficácia externa, as suas anteriores deliberações.
No que tange ao segmento C) da deliberação supra, a admissibilidade do mesmo decorre do Artigo 145º-H, nº5, do RGICSF nos termos do qual : «5 - Após a transferência prevista no n.º 1, o Banco de Portugal pode, a todo o tempo:
 (…)
b) Transferir ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão do banco de transição para a instituição de crédito originária.»
Atento o teor da Deliberação do Banco de Portugal de 3 de agosto de 2004 e o Anexo 2 retificado nos termos da deliberação de 11 de agosto de 2014, clarificados pela Deliberação Contingências de 29 de dezembro de 2015, infere-se que o crédito a que os Autores se arrogam nesta ação, decorrente de atuação que classificam de dolosa pelo BES, não se transferiu para o N… Banco porquanto o crédito alegado pelas Autores emerge alegadamente do incumprimento de disposições regulatórias atinentes aos deveres negociais do BES, atuando enquanto banqueiro e intermediário financeiro. O caso em apreço subsume-se, em pleno, aos segmentos referidos sob B) (i), (iii) e (vi).
Mafalda Barbosa, “A Relevância da Natureza do Crédito Detido pelo Cliente de uma Instituição Bancária Objeto de uma Medida de Resolução”, in Boletim de Ciências Económicas, Coimbra, V. 59 (2016), sustenta que nada na disciplina legal de resolução obsta a que sejam convocados os regimes privatísticos no quadro de atuação de uma instituição bancária objeto de uma medida de resolução, designadamente o regime dos vícios da vontade (dolo ilícito e/ou erro – vício) e a violação dos deveres de informação por parte da instituição bancária (pp. 104, 115, 124 e 129).[3] Note-se – desde logo - que esta posição foi expressa sem se considerar o teor das deliberações do Banco de Portugal de 29.12.2015. Esta brecha encontrada por esta Autora – admissível em tese – fica precludida,  definitivamente, a partir do momento em que, na Deliberação Contingências de 29.12.2015, o Banco de Portugal estipulou que: «Na medida em que, não obstante as clarificações acima efetuadas, se verifique terem sido efetivamente transferidos para o N… Banco quaisquer passivos do BES que, nos termos de qualquer daquelas alíneas e da Deliberação de 3 de agosto, devessem ter permanecido na sua esfera jurídica, serão os referidos passivos retransmitidos do N… Banco para o BES, com efeitos às 20 horas do dia 3 de agosto de 2014.». Ou seja, mesmo a autonomizar-se os fundamentos da pretensão dos autores para o regime dos vícios da vontade, a indemnização pelos mesmos peticionada sempre se subsumiria a este segmento da deliberação do Banco de Portugal (poder de retransmissão), constituindo um passivo do BES e não do N… Banco.
No sentido de que a responsabilidade do BES por violação dos deveres de informação e esclarecimento não foi transferida pelo Banco de Portugal para o N… Banco, cf. ainda os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 26.9.2017, Ana Paula Boularot, 3499/16, de 13.3.2018, Cabral Tavares, 725/14, de 22.3.2018, Rosário Morgado, 220/16, de 25.10.2018, Cabral Tavares, 19138/16.
DECISÃO
Pelo exposto, acorda-se em julgar:
a) Parcialmente procedente a apelação, ordenando-se que os autos prossigam na 1ª instância com realização de audiência prévia tendo em vista a seleção dos temas da prova atinentes à conduta imputada pelos Autores ao Réu N… Banco, posteriormente à Medida de Resolução do Banco de Portugal, com tramitação dos termos normais subsequentes;
b) No mais, julga-se improcedente a apelação.
Custas pela apelante e pela apelada, na proporção de 50%, na vertente de custas de parte (Artigos 527º, nºs 1 e 2, 607º, nº6 e 663º, nº2, do Código de Processo Civil).

8.1.19
Luís Filipe Sousa
Carla Câmara
Higina Castelo

[1] Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, pp. 84-85.
[2] Abrantes Geraldes, Op. Cit., p. 87.
Conforme se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7.7.2016, Gonçalves Rocha, 156/12, «Efetivamente, e como é entendimento pacífico e consolidado na doutrina e na Jurisprudência, não é lícito invocar nos recursos questões que não tenham sido objeto de apreciação da decisão recorrida, pois os recursos são meros meios de impugnação das decisões judiciais pelos quais se visa a sua reapreciação e consequente alteração e/ou revogação». No mesmo sentido, cf. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 4.10.2007, Simas Santos, 07P2433, de 9.4.2015, Silva Miguel, 353/13.
[3] Afirma esta autora, p. 89:« É que responder pelos prejuízos, libertando o sistema financeiro e o erário público dos riscos envolventes, só corresponde a uma solução justa se o crédito que detêm tiver emergido de um contrato que se possa reputar como válido. Na verdade, o contrato cria um risco para o investidor, mas esse risco só é por ele titulado se o contrato não padecer de qualquer vício que o perturbe ab initio