Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
265/21.4YHLSB.L2-PICRS
Relator: PAULA POTT
Descritores: MODELO DE UTILIDADE
DESCRIÇÃO
REIVINDICAÇÕES
REGISTO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/07/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO DE APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: Modelo de utilidade nacional – Recusa do registo – Falta de clareza e concisão da descrição e das reivindicações – Falta de novidade e de actividade inventiva – Artigo 137.º n.º 1 – a), d e e) do Código da Propriedade Industrial
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam em conferência, na Secção da Propriedade Intelectual e da Concorrência, Regulação e Supervisão, do Tribunal da Relação de Lisboa

1. Os requerentes interpuseram, junto do Tribunal da Propriedade Industrial (Tribunal a quo, Tribunal recorrido ou Tribunal de primeira instância), recurso de impugnação judicial do despacho de recusa do registo do modelo de utilidade nacional n.º 11521, proferido pelo INPI em 11.2.2021, publicado no Boletim da Propriedade Industrial n.º 32/2021 de 16.2.2021.

2. O INPI remeteu aos autos o processo administrativo a que alude o artigo 42.º do Código da Propriedade Industrial (CPI) acompanhado de um anexo explicativo (cf. referência citius 92919 junta ao processo judicial electrónico em 15.10.2021/Doc. 1 a Doc. 47).

3. O Tribunal da Propriedade Industrial, por sentença de 21.12.2022, com a referência citius 457644, julgou improcedente a impugnação judicial e manteve o despacho recorrido que recusou o registo do modelo de utilidade nacional n.º 11521.

4. Inconformados com a decisão do Tribunal a quo, mencionada no parágrafo 3, os requerentes interpuseram o presente recurso para o Tribunal da Relação, pedindo que a decisão recorrida seja: 

“(...) revogada e substituída por Acórdão que, atentos os fundamentos invocados pelos Recorrentes, revogue também o despacho de recusa proferido pelo INPI, datado de 11 de Fevereiro de 2021, publicado no BPI n.º 32/2021, de 16 de Fevereiro, e o substitua por outro que reconheça que o Modelo de Utilidade Nacional n.º 11521 reúne os requisitos legais para ser concedido.

5. A discordância dos recorrentes, vertida nas conclusões de recurso, assenta, em síntese, nos argumentos seguintes:
§ O INPI invocou como motivos para recusar o registo do modelo de utilidade aqui em crise, a falta de clareza da descrição e a falta de novidade e de actividade inventiva;
§ Quanto à falta de clareza, por um lado, o INPI não identificou quais são as concretas reivindicações cuja descrição não é clara e, por outro lado, se o INPI conseguiu pronunciar-se sobre a novidade e actividade inventiva é porque não existe falta de clareza das reivindicações;
§ Com base na descrição e nas reivindicações, o objecto e características do modelo de utilidade em crise foram claramente identificados pelo INPI e pelo Tribunal a quo como:

“SISTEMA DIGITAL DE APRESENTAÇÃO DE EMPRESAS/MARCAS EM FOTOS FIXAS, ANIMADAS EM MODO SEQUENCIAL, EM VIDEO MULTIMÉDIA, EM LIGAÇÃO, EM JANELA FIXA/FLUTUANTE, EM MOTORES DE BUSCA, EM TEXTO, POR CORREIO ELECTRÓNICO, EM CÓDIGO QR, INSERIDO EM PÁGINA DA INTERNET/TELA PROGRAMÁVEL”;

§ Quanto à falta de novidade e de actividade inventiva, questão que a sentença recorrida não apreciou, por tê-la julgado prejudicada pela falta de clareza, a única semelhança identificada pelo INPI entre o modelo de utilidade em crise e o estado da técnica constante dos modelos pré-existentes, mencionados nos documentos D1 e D4, consiste no facto de todos usarem a rede world wide web;
§ A novidade e actividade inventiva do modelo de utilidade dos recorrentes existe e decorre das seguintes características descritas nas reivindicações:

“O MU 11521 tem a característica técnica da possibilidade de envio das apresentações da empresa ou marca, através de correio electrónico, ou seja, o envio de uma determinada informação ou conteúdo direccionado de um endereço de correio electrónico para outro endereço de correio electrónico registado sempre dentro da rede de computadores e intrínseco.
Como características não técnicas, o MU 11521 contempla:
a) O registo prévio das empresas ou marcas e utilizadores;
b) A existência de fotos fixas ou animadas em modo sequencial com dimensões pré-definidas;
c) faixa publicitária com dimensões pré-definidas, horizontal ou vertical;
d) vídeo multimédia por ligação entre páginas em janela fixa ou flutuante;
e) Correio electrónico, código QR e aplicativo. f) O navegador de internet;
g) O envio de ficheiros para o servidor online através do painel de controlo ou por programação direta, para adicionar ou editar um conteúdo de apresentação;
h) A receção do pacote de dados (apresentações), enviado pelo servidor online para o computador local ou dispositivo móvel.
(...) bastaria o supra exposto (que consta das reivindicações) para demonstrar a diferença entre o MU 11521 e os documentos D1 e D4 que correspondem ao estado da técnica atual, sendo evidente que o MU 11521 apresenta soluções técnicas e vantagens práticas na publicidade via rede de computadores que funcionam intrinsecamente entre eles (...)”;

§ Tais vantagens não podem ser obtidas como consequência normal e lógica dos conhecimentos ou do estado da técnica mencionados nos documentos D1 e D4.

6. Os recorrentes juntaram às alegações de recurso um documento intitulado “Instruções para resposta ao relatório de exame” (cf. referência citius 108209 de 8.2.2023/Doc. 1) que alegam ter sido disponibilizado pelo INPI na fase organicamente administrativa do processo de registo.  À luz do disposto no artigo 425.º do Código de Processo Civil (CPC) afigura-se que é inadmissível a junção desse documento na fase do recurso para Tribunal da Relação uma vez que teria sido possível juntá-lo anteriormente. Pelo que este Tribunal não admite a junção do documento acima mencionado neste parágrafo, sem prejuízo de levar em conta as regras fixadas e publicadas pelo INPI ao abrigo do disposto no artigo 62.º n.º 2 do CPI (aplicável ex vi artigo 127.º do CPI).

7. O INPI, que não é parte contrária no presente recurso (cf. artigo 43.º n.º 5 do CPI), enviou a informação referida supra no parágrafo 2.

8. Nada obsta ao conhecimento do recurso.

Delimitação do âmbito do recurso

9.  As questões suscitadas nas alegações e vertidas nas conclusões, são as seguintes:

A. Clareza e concisão da descrição e das reivindicações

B. Novidade e actividade inventiva


Factos provados
Nota: a numeração dos factos constante da sentença recorrida será a seguir mantida entre parêntesis para facilitar a leitura e remissões.
10. (1) Em 10/08/2017, os recorrentes pediram o registo do pedido de modelo de utilidade nº 11521, que consiste num sistema digital de apresentação de empresas/marcas fixo/animado fotos em modo sequencial, em vídeo multimédia, em ligação, em janela fixa/flutuante, em motores de busca, em texto, por correio eletrónico, em código QR, inserido em página da internet.

11. (2) Em 10.04.2019, DISTRIBUIDORA INT. DE ALIMENTACION, S.A.- D.I.A., S.A deduziu reclamação, contra o pedido de Modelo de Utilidade nº 11.521.

12. (3) Em 5.08.2019, DISTRIBUIDORA INT. DE ALIMENTACION, S.A.- D.I.A., S.A apresentou exposição suplementar.

13. (4) Em 11.09.2019, foi lavrado relatório de exame, tendo sido levantadas as seguintes objeções: a. Falta de clareza das reivindicações; b. Limitações quanto ao objeto; c. Insuficiência descritiva; d. Falta de novidade.

14. (5) Os requerentes foram notificados do parecer através de cartas expedidas em 11. 09.2019.

15. (6) Em 13.10.2019 os requerentes deram entrada [ao] requerimento de resposta às ditas
notificações, tendo sido juntas versões emendadas das peças de reivindicações e de descrição e ainda dos desenhos, do resumo e da figura para publicação.

16. (7) Em 2020.03.09, os requerentes apresentaram novo requerimento ao qual fizeram constar novas versões de todas as referidas peças.

17. (8) Em 7 de maio de 2020, foi elaborado novo relatório técnico, tendo sido levantadas as seguintes objeções: a. Falta de clareza e de concisão das reivindicações; b. Falta de novidade.

18. (9) Os requerentes foram notificados do parecer através de cartas expedidas em 07.05.2020, de teor idêntico entre si.

19. (10) Em 13.05.2020 os Recorrentes apresentaram resposta às notificações, juntando versões emendadas das peças de reivindicações e de descrição e ainda dos desenhos, do resumo e da figura para publicação.

20. (11) Ainda em 19.05.2020 os requerentes apresentaram novo requerimento junto ao qual fizeram constar novas versões dos desenhos e da figura para publicação.

21. (12) Em 25 de setembro de 2020, foi elaborado novo relatório técnico, tendo sido mantidas as objeções do relatório anterior.

22. (13) Em 9 de novembro de 2020, os requerentes apresentaram uma última versão do resumo, descrição e reivindicações nos termos que constam do processo do INPI, cujo teor se dá por reproduzido.

23. (14) Em 11 de fevereiro de 2021, foi elaborado novo relatório técnico, no qual se sustentou que “há objeções à concessão do pedido por: carecer de novidade; carecer de atividade inventiva; carecer de aplicação industrial.

24. (15) Em 11.02.2021, foi elaborado Parecer de recusa do Pedido de Modelo de Utilidade, nos termos que constam do referido documento junto ao processo do INPI em 11.02.2021, cujo teor se dá por reproduzido.

25. (16) Por despacho de 11.02.2021 foi recusado o registo do modelo de utilidade.

26. (17) Na avaliação do estado da técnica, o INPI considerou os documentos denominados D1 e D4 melhor identificados nos relatórios supra referenciados em 4.º, 8.º e 12.º.
Factos não provados
27. Não foram indicados nenhuns.
Quadro legal relevante
28. É o seguinte o quadro legal relevante para a decisão:

Código da propriedade Industrial ou CPI

Artigo 62.º
Documentos a apresentar
1 - Ao requerimento devem juntar-se, redigidos em língua portuguesa, os seguintes elementos:
a) Reivindicações do que é considerado novo e que caracteriza a invenção;
b) Descrição do objeto da invenção;
c) Desenhos necessários à perfeita compreensão da descrição;
d) Resumo da invenção.
2 - Os elementos referidos no número anterior devem respeitar os requisitos formais fixados por despacho do presidente do conselho diretivo do INPI, I. P.
3 - As reivindicações definem o objeto da proteção requerida, devendo ser claras, concisas, corretamente redigidas, baseando-se na descrição e contendo, quando apropriado:
a) Um preâmbulo que mencione o objeto da invenção e as características técnicas necessárias à definição dos elementos reivindicados, mas que, combinados entre si, fazem parte do estado da técnica;
b) Uma parte caracterizante, precedida da expressão «caracterizado por» e expondo as características técnicas que, em ligação com as características indicadas na alínea anterior, definem o âmbito da proteção solicitada.
4 - A descrição deve indicar, de maneira clara, sem reservas nem omissões, tudo o que constitui o objeto da invenção, contendo uma explicação pormenorizada de, pelo menos, um modo de realização da invenção, de maneira que um perito na especialidade a possa executar.
5 - Os desenhos devem ser constituídos por figuras em número estritamente necessário à compreensão da invenção.
6 - O resumo da invenção, a publicar no Boletim da Propriedade Industrial:
a) Consiste numa breve exposição do que é referido na descrição, reivindicações e desenhos e não deve conter, de preferência, mais de 150 palavras;
b) Serve, exclusivamente, para fins de informação técnica e não será tomado em consideração para qualquer outra finalidade, designadamente para determinar o âmbito da proteção requerida.
7 - Os elementos previstos nos números anteriores podem ser apresentados em língua inglesa, notificando-se o requerente para apresentar, no prazo de um mês, prorrogável uma única vez por idêntico período, e sob pena de indeferimento do pedido, uma tradução para a língua portuguesa.

Artigo 66.º
Suficiência descritiva
A invenção deve ser descrita no pedido de patente de maneira suficientemente clara e completa que permita a sua execução por um perito na especialidade.

Artigo 127.º
Documentos a apresentar
É aplicável aos modelos de utilidade o disposto no artigo 62.º

Artigo 128.º
Suficiência descritiva
É aplicável aos modelos de utilidade o disposto no artigo 66.º

Artigo 129.º
Exame formal
1 - Apresentado o pedido de patente no INPI, I. P., é feito, no prazo de dois meses, exame para verificar o preenchimento dos elementos mínimos a que se refere o n.º 3 do artigo 126.º, para efeitos de atribuição de uma data ao pedido, e exame quanto à forma e quanto às limitações relativas ao objeto ou ao modelo de utilidade, para verificar se preenche os requisitos estabelecidos nos artigos 120.º, 121.º, 126.º e 127.º
2 - Se, em resultado do exame, o INPI, I. P., verificar a falta de algum dos elementos mínimos a que se refere o n.º 3 do artigo 126.º, a existência de irregularidades de caráter formal ou de limitações quanto ao objeto ou ao modelo de utilidade, o requerente é notificado para corrigi-las no prazo improrrogável de dois meses.
3 - No caso de o INPI, I. P., perante uma resposta insuficiente, verificar que subsistem no pedido irregularidades de caráter formal, a falta de algum dos elementos mínimos a que se refere o n.º 3 do artigo 126.º ou limitações quanto ao objeto ou ao modelo de utilidade, o requerente é novamente notificado para corrigi-las no prazo improrrogável de um mês.
4 - Se o pedido contiver todos os elementos e requisitos a que se refere o n.º 1, ou caso o requerente o regularize nos prazos estabelecidos, o mesmo é publicado nos termos previstos no artigo 131.º
5 - Se o pedido não contiver todos os elementos e requisitos a que se refere o n.º 1 e o requerente não o regularizar nos prazos estabelecidos, o pedido é recusado e publicado o respetivo despacho no Boletim da Propriedade Industrial, não havendo lugar, neste caso, à publicação prevista no artigo 131.º

Artigo 130.º
Relatório de pesquisa
1 - Depois de efetuado o exame previsto no artigo anterior e até um prazo máximo de 10 meses a contar da data do pedido é realizada pesquisa ao estado da técnica, de modo a avaliar os requisitos de patenteabilidade.
2 - O relatório de pesquisa, que não tem um caráter vinculativo, é imediatamente enviado ao requerente.

Artigo 137.º
Motivos de recusa
1 - Para além do que se dispõe no artigo 23.º, o modelo de utilidade é recusado se:
a) A invenção carecer de novidade, atividade inventiva ou não for suscetível de aplicação industrial;
b) O objeto se incluir na previsão dos artigos 120.º ou 121.º;
c) A epígrafe ou título dado à invenção abranger objeto diferente ou houver divergência entre a descrição e desenhos;
d) O seu objeto não for descrito de maneira a permitir a execução da invenção por um perito na especialidade, como previsto no artigo 128.º;
e) Não for descrito, de forma clara, tudo o que constitui o objeto da invenção;
f) For considerado desenho ou modelo, pela sua descrição e reivindicações;
g) Houver infração ao disposto nos artigos 57.º a 59.º
2 - No caso previsto na alínea g) do número anterior, em vez da recusa do modelo de utilidade, pode ser concedida a transmissão a favor do interessado, se este a tiver pedido.
3 - Constitui ainda motivo de recusa o reconhecimento de que o requerente pretende fazer concorrência desleal ou de que esta é possível independentemente da sua intenção.

Despacho 6142/2019 de 4 de Julho, publicado no Diário da república n.º 126/2019, série II de 4.7.2019
Regulamentação dos requisitos formais dos requerimentos e dos documentos de instrução dos pedidos de concessão de direitos de propriedade industrial

Ponto 2.1, alíneas g), h) e i)
As reivindicações, que definem o objeto da proteção requerida, devem cumprir os seguintes requisitos:
(...)
g) Ser redigidas em termos que correspondam às características técnicas da invenção, não devendo conter referências a vantagens, objetivos, resultados a atingir, nem expressões de fantasia ou outras de equivalente natureza;
h) Ser constituídas por um preâmbulo, fundamentado na epígrafe da invenção e que mencione as características técnicas necessárias à definição dos elementos reivindicados que, combinadas entre si, fazem parte do estado da técnica, e por uma parte caracterizante, precedida, quando apropriado, da expressão "caracterizado por", expondo as características técnicas que, em ligação com as anteriores, definem o âmbito da proteção requerida;
i) Definir sempre as características técnicas essenciais da invenção na primeira ou principal reivindicação;
(...).

Ponto 2.2. alíneas f), g) e h):
A descrição:
 (...)
f) Deve fazer referência ao domínio técnico e ao estado da técnica, bem como conter a descrição pormenorizada da invenção e das figuras apresentadas;
g) Deve descrever a invenção, tal como reivindicada, de forma a que o problema técnico, mesmo que não seja expressamente indicado como tal, assim como a sua solução, possam ser entendidos. Deve igualmente explicitar qualquer efeito vantajoso da invenção relativamente à técnica anterior;
h) Deve indicar explicitamente, quando não for óbvio a partir da descrição ou da natureza da invenção, a forma pela qual a invenção é industrialmente aplicável;
(...).
           
Apreciação do recurso

A. Clareza e concisão da descrição e das reivindicações

29. Antes de mais convém recordar que a decisão do INPI, de recusa de registo do modelo de utilidade requerido pelos recorrentes, assentou nos seguintes fundamentos (cf. parecer dado por reproduzido supra no facto 15/parágrafo 24):
§ Falta de clareza e concisão das reivindicações (cf. artigos 62.º n.º 3 e 127.º do CPI);
§ Falta de clareza da descrição (cf. artigos 62.º n.º 4 e 127.º do CPI)
§ Falta de novidade e de actividade inventiva à luz do estado da técnica (cf. artigos 55.º e 122.º n.ºs 1, 2 e 5 do CPI).

30. Por sua vez, a sentença recorrida, enquadrando a situação nos artigos 62.º n.º 3, 127.º e 129.º n.º 5 do CPI, confirma a recusa do registo com base na “falta de clareza e concisão” das reivindicações e na “prolixidade da descrição” que, segundo a sentença impugnada, não permite identificar o objecto inventivo nem saber o que distingue a solução proposta das que já integram o estado da técnica. Tendo decidido que a falta de clareza e concisão acima apontadas eram motivo suficiente de recusa do registo, o Tribunal a quo não apreciou a questão da falta de novidade e actividade inventiva.

31. Dito isto, afigura-se que o que está em causa no presente recurso é saber se se verificam ou não os motivos de recusa da concessão do modelo de utilidade em crise previstos no artigo 137.º n.º 1 – a), d) e e) do CPI.

32. O Tribunal começa por resolver a questão de saber se existe clareza da descrição, clareza e concisão das reivindicações e se as mesmas encontram apoio na descrição, como defendem os recorrentes ou se, pelo contrário, a falta de clareza da descrição não permite a execução da invenção por um perito da especialidade e/ou se não se encontra descrito de forma clara tudo o que constitui objecto da invenção e, por isso, o registo deve ser recusado (cf. artigo 137.º n.º 1 – d) e e) do CPI). Embora esta questão se encontre interligada com questão da novidade e da actividade inventiva, à luz do disposto no artigo 130º.º n.º 1 do CPI afigura-se preferível começar por apreciar se a descrição e as reivindicações são claras e suficientes, para depois verificar se é ou não útil à decisão da causa a apreciação da questão da novidade e da actividade inventiva tendo em conta o estado da técnica (cf. artigo 137.º n.º 1 – a) do CPI).

33. Assim sendo, as peças escritas que o Tribunal começa por apreciar – a descrição e as reivindicações – são as mais importantes do pedido do modelo de utilidade.

34. Os requisitos intrínsecos da descrição não estão previstos no artigo 62.º n.º 4 do CPI (aplicável ex vi artigo 127.º do CPI); porém, ao abrigo do disposto no artigo 62.º n.º 2 do CPI o INPI fixou tais requisitos através da “Regulamentação dos requisitos formais dos requerimentos e dos documentos de instrução dos pedidos de concessão de direitos de propriedade industrial”, fixados pelo Despacho 6142/2019 de 4 de Julho, publicado no Diário da República n.º 126/2019, série II de 4.7.2019.

35. No que releva para a apreciação desta questão, o ponto 2.2. alíneas f), g) e h) do Despacho 6142/2019, prevê que a descrição: “(...) f) Deve fazer referência ao domínio técnico e ao estado da técnica, bem como conter a descrição pormenorizada da invenção e das figuras apresentadas; g) Deve descrever a invenção, tal como reivindicada, de forma a que o problema técnico, mesmo que não seja expressamente indicado como tal, assim como a sua solução, possam ser entendidos. Deve igualmente explicitar qualquer efeito vantajoso da invenção relativamente à técnica anterior; h) Deve indicar explicitamente, quando não for óbvio a partir da descrição ou da natureza da invenção, a forma pela qual a invenção é industrialmente aplicável;(...).”

36. De onde resulta que a descrição da invenção tem uma função informativa e deve indicar: o que foi inventado; o problema que a invenção soluciona; a importância dessa solução; a distância entre essa solução e as que já integram o estado da técnica; o sector da técnica a que pertence o invento; de modo explicito ou implícito, a forma pela qual a invenção é industrialmente aplicável.

37. Resulta da análise da descrição junta aos autos pelos recorrentes na sequência da terceira notificação (cf. documentos juntos pelos recorrentes ao processo do INPI, em 9.11.2022, com a referência citius 92919, mencionados no facto provado 13/parágrafo 22 supra) que a descrição tem início da seguinte forma:
“Descrição
Processo digital de apresentação de Empresas/Marcas através da rede de computadores interligados por endereços de protocolo de comunicação, pedido e recepção de ficheiros, em texto, fotos fixas, animadas em modo sequencial vídeo multimédia, por ligação entre páginas, janela fixa/flutuante, motores de busca, correio electrónico, Código QR, aplicativo, inserido em páginas da internet. (...)”

38. Segue-se uma descrição intitulada “Características técnicas da invenção” que respeita a termos informáticos genéricos, designadamente, “PC local”, “Biblioteca de software”, “Nome de domínio”, “Painel de administração de ficheiros”, “PC local do consumidor”, “Leitura de código QR” que não servem para a definição de etapas concretas do processo inventivo, nem da sua sequência, mas descrevem apenas generalidades informáticas relativas a computadores ligados em rede. São usados os termos “Adicionar”, “Alterar”, “Eliminar”, “Substituir” a propósito dos quais são descritas generalidades de gestão de páginas de internet.  Enfim, ao descrever o processo digital é mencionado:

“O presente invento refere-se a um processo digital de apresentação de empresas marcas, através da rede de computadores interligados por endereços de  protocolo de comunicação, pedido e recepção de ficheiros em fotos fixas  (22), animadas em modo sequencial (23) com dimensões pré-definidas, faixa publicitária, com dimensões pré-definidas, horizontal (1), vertical (2)vídeo multimedia (15), por ligação entre páginas (5), janela fixa/flutuante (8), motores de busca (6), texto (9), correio electrónico (7), código QR (16) Aplicativo (21, inseridos em páginas da internet

Seguindo-se vários parágrafos que não indicam qual a sequência das etapas a observar. Com efeito, o processo reivindicado refere computadores dos clientes/utilizadores e o computador do administrador /servidor, sem clarificar a sequência ordenada e causal das etapas do método usado no conjunto dos computadores dos clientes e do administrador. Pelo que, não se percebe qual é a sequência das etapas no processo reivindicado nem quais as características da solução tecnológica, se é um processo informático de apresentação de informação num visor, via internet ou se consiste na gestão de contas informáticas em servidores ligados em rede a clientes. Também não existe informação que permita estabelecer a distância entre a solução descrita e o estado da técnica.

39. Assim, da análise da descrição constante dos documentos mencionados no parágrafo 37, resulta que a mesma não indica com clareza o que foi inventado, nem o problema tecnológico que a invenção soluciona, nem a distância entre essa solução e as que já integram o estado da técnica, que são três dos requisitos a que deve obedecer a descrição, enunciados supra nos parágrafos 35 e 36. Em consequência, devido ao uso de linguagem arbitrária (alusiva a generalidades informáticas), às repetições de certos termos e à falta de informação sobre outros, nomeadamente sobre aspectos tecnológicos,  não é possível, com base na descrição, compreender o problema técnico subjacente e a solução técnica alcançada pelos inventores, nem as vantagens dessa solução relativamente ao estado da técnica, nem o método, ou seja, a sequência das etapas de realização do invento no conjunto dos computadores dos clientes e do administrador.

40. Quanto às reivindicações, a sua função essencial é delimitar o âmbito da ideia inventiva industrial para a qual a protecção é pedida. Elas devem assentar na descrição e esta pode servir para interpretar as reivindicações.

41. No caso em análise, os recorrentes apresentaram 40 reivindicações que incidem todas eles sobre um “Processo digital (...)” tal como é mencionado no início de cada uma delas (cf. documentos juntos pelos recorrentes em 9.11.2022 ao processo do INPI, com a referência 92919, mencionados no facto provado 13/parágrafo 22 supra). Trata-se, por isso, de reivindicações de processo.

42. Está assente, por não ser impugnado pelos recorrentes, que a reivindicação 1 é a principal ou independente e as restantes são reivindicações dependentes. Com efeito, a primeira reivindicação, independente, é a que visa definir e caracterizar os elementos técnicos essenciais da invenção. Ao passo que as restantes reivindicações, dependentes, exprimem singularidades da primeira, embora, neste caso, contenham inúmeras repetições, como resulta da análise dos documentos mencionados no parágrafo anterior.

43. A categoria a que pertencem as reivindicações e, portanto, o desenho ou modelo aqui em causa, é determinada pelo conteúdo objectivo das regras técnicas nelas indicadas, daí a importância do uso de linguagem técnica e clara.

44. No que releva para a apreciação do objecto do recurso, o ponto 2.1 Despacho 6142/2019, alíneas g), h) e i) prevê que as reivindicações devem: (...) g) Ser redigidas em termos que correspondam às características técnicas da invenção, não devendo conter referências a vantagens, objetivos, resultados a atingir, nem expressões de fantasia ou outras de equivalente natureza; h) Ser constituídas por um preâmbulo, fundamentado na epígrafe da invenção e que mencione as características técnicas necessárias à definição dos elementos reivindicados que, combinadas entre si, fazem parte do estado da técnica, e por uma parte caracterizante, precedida, quando apropriado, da expressão "caracterizado por", expondo as características técnicas que, em ligação com as anteriores, definem o âmbito da proteção requerida; i) Definir sempre as características técnicas essenciais da invenção na primeira ou principal reivindicação;(...)”.

45. Dos documentos mencionados supra no parágrafo 41 resulta que a primeira reivindicação, independente, tem o seguinte teor:

“REIVINDICAÇÕES
1- Processo digital de apresentação de empresas/marcas caracterizado por, ser na rede de computadores interligados por endereços de protocolo de comunicação, pedido e recepção de ficheiros, em fotos fixas (22), animadas em modo sequencial (23), com dimensões pré-definidas, faixa publicitária, com dimensões pré-definidas horizontal (1), vertical (2), vídeo multimédia (15) por ligação entre páginas (5), janela fixa/flutuante (8), motores de busca (6), texto (9), correio electrónico (7), código QR (16), Aplicativo (21)
inseridos em páginas da internet;
- A empresa / marca no PC local (12), através de um programa de criação de conteúdos, gere offline o desenho gráfico de interface, distribuição permissão de sub-páginas e inter-acção de ficheiros/conteúdos de apresentação fotos fixas (22), animadas em modo sequencial (23), faixa publicitária horizontal (1), vertical (2), vídeo multimédia (15), por ligação entre páginas (5), janela fixa/flutuante (8), motores de busca (6), texto (9) Código QR de texto ou ligação (16), Aplicativo (21), conta de cliente, com os seguintes elementos, nome, morada, contactos, correio electrónico, NIF palavra chave e nome de utilizador;
- Através do PC Local da empresa/marca (12) pela rede (11), com sistema operativo instalado, comunica através de um navegador de internet por protocolo de comunicação, pedido e recepção de ficheiros ao nome de domínio e domínio de topo (4) do Servidor Online (10);
- Adquire o nome de domínio e domínio de topo (4) na base de dados do Servidor Online (10), para a página da internet da empresa/marca;
- Efectua um registo de cliente na base de dados do Servidor Online (10), com os seguintes elementos, nome da empresa/marca, morada, contactos, NIF palavra chave e nome de utilizador;
- Acede à biblioteca de software de confirmação de cliente (24) na base de dados no Servidor Online (10), por palavra chave e nome de utilizador;
- Entra na conta de cliente e efectua o alojamento/registo do nome de domínio e domínio de topo (4) da página da internet da empresa/marca, adquirindo o espaço pré definido de armazenamento de ficheiros na base de dados do Servidor Online (10), incluí, ou não, endereço de correio electrónico (7);
- Na conta cliente acede ao painel de administração de ficheiros locais e remotos (3) ou tem acesso directo à página da internet / tela programável;
- Procede a gestão, o carregamento/transferência de conteúdos no painel de administração de ficheiros locais e remotos (3) ou a gestão de conteúdos e edição/inserção, directamente na página da internet/tela programável no servidor online (10);
- Adicionar permissão de sub-páginas e apresentação, com o desenho gráfico distribuição e permissão de conteúdo pretendido, através do envio de ficheiro local, inserido na página da internet;
- Alterar / Substituir apresentação já inserida, com o desenho gráfico distribuição e permissão de conteúdo pretendido, através do envio de ficheiro local, para o ficheiro remoto, inserido na página da internet;
- Eliminar permissões e apresentação já inserida, removendo o ficheiro remoto inserido na página da internet;
- Permissão de sub-páginas, Adicionar ficheiro de apresentação, alterar substituir ficheiro de apresentação, desenho gráfico de interface, distribuição e permissão de ficheiro pretendido ou eliminar permissões e ficheiro de apresentação, ser contextualizado por programação/configuração directa e activação na página da internet/tela programável na base de dados do servidor online (10), através do PC Local da empresa marca (12) pela rede (11);
- Estes processos permitem, através do PC Local do consumidor/utilizador (13) com sistema operativo instalado, pela rede (14), comunicar através de um navegador de Internet, por protocolo, solicitar os ficheiros ao nome de domínio e domínio de topo da página da internet (4) da empresa/marca, alojado na base de dados do Servidor Online (10);
- Receber do Servidor Online (10), através do navegador de internet, pela rede (14), por protocolo de transferência, os arquivos, pacote de dados visionar os conteúdos de apresentação da Empresa/Marca, transferir descarregar/guardar conteúdos permitidos, inseridos na página da internet;
- Efectuar um registo prévio como cliente na página da internet da empresa/marca com os seguintes elementos, nome, morada, contactos, correio electrónico, NIF, palavra chave e nome de utilizador;
- Aceder à biblioteca de software de confirmação de cliente (25) na base de dados do Servidor Online (10), por nome de utilizador e palavra chave;
- Entrar na conta de cliente da empresa/marca e aceder a mais funcionalidades tais como, criar sub-página, adicionar, alterar, remover, distribuir,partilhar em tempo real, conteúdos permitidos, transferir/descarregar/guardar conteúdos permitidos, adquirir produtos ou serviços, efectuar pagamentos online, inseridos na página da internet da empresa/marca;
- O consumidor/utilizador através de um dispositivo móvel (19) com sistema operativo e aplicativo (21) instalado, pela rede (20), comunica por um navegador de internet ou aplicativo (21), por protocolo, solicita os ficheiros ao nome de domínio e domínio de topo da página da internet (4) da empresa/marca, alojado na base de dados do Servidor Online (10);
- Recebe do Servidor Online (10), através do navegador de internet ou aplicativo (21) pela rede (20), por protocolo de transferência, os arquivos pacote de dados, visiona os conteúdos de apresentação da empresa/marca transfere/descarrega/guarda conteúdos permitidos, inseridos na página da
internet;
- Efectua um registo prévio como cliente na página da internet da empresa/marca com os seguintes elementos, nome, morada, contactos, correio electrónico, NIF, palavra chave e nome de utilizador;
- Acede à biblioteca de software de confirmação de cliente (25) na base de dados do Servidor Online (10), por nome de utilizador e palavra chave;
- Entra na conta de cliente da empresa/marca e acede a mais funcionalidades tais como, cria sub-página, adiciona, altera, remove, distribui, partilha em tempo real, conteúdos permitidos, transfere/descarrega/guarda, conteúdos permitidos, adquire produtos ou serviços, efectua pagamentos online inseridos na página da internet da empresa/marca;
- O consumidor/utilizador, através de um dispositivo móvel (19), ligado à internet, por aplicativo de leitura, no ecran de outro dispositivo fixo ou móvel do Código QR (16) da empresa/marca, inserido na página da internet;
- O processo contem o nome da empresa/marca, logótipo, informação da localização, contactos, promoções, produtos, serviços;
- O processo inserido em páginas da internet é monitorizado e actualizado pelo administrador e utilizadores;
- O Servidor Online (10) tem endereços de correio electrónico disponíveis;
- O PC Local da empresa/marca (12) com sistema operativo instalado, pela rede (11), comunica através de um navegador de internet por protocolo de comunicação, pedido e recepção de ficheiros ao nome de domínio e domínio de topo (4) do Servidor Online (10);
- Adquire o endereço de correio electrónico (7) na base de dados do Servidor Online (10);
- Efectua um registo de cliente na base de dados do Servidor Online (10), com os seguintes elementos, nome da empresa/marca, morada, contactos, NIF palavra chave e nome de utilizador;
- Acede à biblioteca de software de confirmação de cliente (24) na base de dados no Servidor Online (10), por palavra chave e nome de utilizador;
- Entra na conta de cliente e efectua o alojamento/registo do endereço de correio electrónico (7) da empresa/marca, com o espaço pré-definido de armazenamento de ficheiros na base de dados do Servidor Online (10);
- Na conta de cliente, acede à caixa de correio electrónico (7) e ao painel de administração do endereço de correio electrónico (7);
- Procede a gestão das mensagens de apresentação no endereço de correio electrónico (7), inserido na página de internet;
- Adicionar (28) nova mensagem de apresentação, através do envio de ficheiros pelo navegador de internet por protocolo de envio de mensagens, com o aspecto gráfico e disposição pretendidos, para o/s endereço/s de correio electrónico pretendido/s e registado/s, inseridos na página da internet;
- Estes processos permitem ao consumidor/utilizador, através do PC Local (13) com sistema operativo instalado, ligado à rede (14) ou através de um dispositivo móvel (19) com sistema operativo e aplicativo (21) instalado ligado à rede (20), comunicar através de um navegador de internet ou aplicativo (21), por protocolo de comunicação, pedido e recepção de ficheiros ao nome de domínio e domínio de topo (4) do Servidor Online (10);
- Adquirir o endereço de correio electrónico (7), na base de dados do Servidor Online (10);
- Efectuar um registo com os seguintes elementos, nome, morada, contactos NIF, palavra chave e nome de utilizador;
- Aceder à biblioteca de software de confirmação de cliente (26) na base de dados do Servidor Online (10), por nome de utilizador e palavra chave;
- Entrar na conta de cliente e efectuar o alojamento/registo do endereço de correio electrónico (7), com o espaço pré-definido de armazenamento de ficheiros na base de dados do Servidor Online (10);
- Na conta de cliente, aceder à caixa de correio electrónico (7) e ao painel de administração do endereço de correio electrónico (7);
- Na caixa de correio electrónico (29) receber no painel de administração do endereço de correio electrónico (7), através de protocolo de recepção de mensagens pelo navegador de internet ou aplicativo (21), as mensagens de conteúdos de apresentação da empresa/marca, inseridas na página da internet.”

46. Da análise da única reivindicação independente mencionada no parágrafo anterior resulta que: os termos “faixa publicitária”, “horizontal”, “vertical”, remetem para elementos gráficos e não técnicos; tal como sucede na descrição, também na reivindicação 1 são usados termos que descrevem apenas generalidades informáticas relativas a computadores ligados em rede, como já foi explicado supra no parágrafo 38; o processo reivindicado refere computadores dos clientes utilizadores e o computador do administrador /servidor,  sem clarificar a sequência ordenada e causal das etapas que ligam o método usado nuns e no outro, pelo que não se percebe quais são essas etapas nem a sua sequência, no processo reivindicado; o processo da invenção começa por ser descrito como um processo digital de apresentação de empresas/marcas (...) na rede de computadores interligados, ficando por definir se é um processo informático de apresentação de informação num visor, via internet ou se consiste na gestão de contas informáticas em servidores ligados em rede a clientes, o que gera ambiguidade quanto à invenção cuja protecção se pretende.

47. Da leitura das reivindicações 2 a 40 resulta que as mesmas são repetições da reivindicação 1 a que acrescem algumas singularidades sem, porém, ficarem esclarecidos os passos do conjunto do processo reivindicado, a sua ordem sequencial e mantendo-se a ambiguidade apontada no parágrafo anterior quanto à caracterização da solução tecnológica.

48. Com base na análise que antecede, o Tribunal conclui que, tendo em conta as circunstâncias do caso acima descritas, o problema não é a falta de sustentação das reivindicações na descrição mas antes a falta de clareza, quer da descrição, quer das reivindicações, devido à utilização de linguagem desprovida de sentido técnico, à falta de indicação das etapas técnicas a observar no processo inventivo no seu conjunto e da  sua sequência, e à ambiguidade na caracterização da solução tecnológica cuja protecção é pedida, que, não se sabe se é um processo informático de apresentação de informação num visor, via internet, ou se consiste apenas na gestão de contas informáticas em servidores ligados em rede a clientes, nem que vantagens representa em relação ao estado da técnica existente.

49. A este propósito importa sublinhar que, para que a solução tecnológica reivindicada pelos recorrentes tenha valor prático-industrial, o objecto da invenção/modelo de utilidade que se pretende registar, deve ser descrito de forma suficientemente clara e inequívoca para poder ser executado pelo perito na especialidade em toda a área tecnológica reivindicada, sem este ter de aplicar, para o efeito, uma diligência ou esforço desmesurados e sem ter de convocar actividade inventiva própria (cf. artigos 62.º n.º 4 aplicável ex vi artigo 122.º e artigo 66.º, aplicável ex vi artigo 128.º, todos do CPI). A execução do invento sem o exercício de actividade inventiva própria por parte do perito na especialidade tem de ocorrer relativamente à totalidade dos elementos e efeitos técnicos reivindicados (cf. Código da Propriedade Industrial Anotado, Coordenação: Luís Couto Gonçalves, Almedina, páginas 422 a 424). Ora no caso em análise, pelos motivos acima explicados, isso não é possível, devido à falta de clareza e ao caracter equívoco da descrição.

50. Mesmo levando em conta a menor exigência quanto ao grau de actividade inventiva dos modelos de utilidade, quando comparados com as patentes, a descrição do modelo de utilidade aqui em causa não preenche o requisito da suficiência descritiva exigido pelo artigo 128.º do CPI, o que é motivo de recusa do registo (cf. artigo 137.º n.º 1 – d) do CPI).

51. Acresce que, embora em regra as reivindicações não sirvam para determinar o âmbito tecnológico de protecção do modelo de utilidade, elas servem para delinear as fronteiras da solução técnica, ou seja, as características da realidade técnica que se visa proteger (cf. Código da Propriedade Industrial Anotado, Coordenação: Luís Couto Gonçalves, Almedina, página 439). Neste contexto, a falta de clareza das reivindicações e a ambiguidade de que enfermam, quanto ao método a observar no conjunto dos computadores dos clientes e do administrador, à sequência das etapas a seguir e às características da solução técnica reivindicada, assim como a impossibilidade de as interpretar à luz da descrição, pois esta enferma de idêntica falta de clareza, levam o Tribunal a concluir que não foi descrito de forma clara, nas reivindicações, tudo o que constitui o objecto da invenção (cf. Código da Propriedade Industrial Anotado, Coordenação: Luís Couto Gonçalves, Almedina, página 687). Em consequência, o modelo de utilidade aqui em crise deve ser recusado igualmente com base no disposto no artigo 137.º n.º 1-e) do CPI.

B. Novidade e actividade inventiva

52. Verificando-se a existência dos dois motivos de recusa do registo do modelo de utilidade previstos no artigo 137.º n.º 1 – d) e e) do CPI, fica prejudicada, por inútil para a decisão da causa, a apreciação da questão de saber se o modelo de utilidade carece de novidade e de actividade inventiva, que é outro motivo de recusa previsto no artigo 137.º n.º 1 – a) do CPI.

Em síntese

53. A descrição do modelo de utilidade dos recorrentes não preenche o requisito da suficiência descritiva exigido pelo artigo 128.º do CPI, o que é motivo de recusa do registo (cf. artigo 137.º n.º 1 – d) do CPI).

54. Adicionalmente não foi descrito de forma clara, nas reivindicações, tudo o que constitui o objecto da invenção, o que é igualmente motivo de recusa do registo (cf. artigo 137.º n.º 1 – e) do CPI).

55. Pelo que, o registo do modelo de utilidade aqui em crise deve ser recusado por força do disposto no artigo 137.º n.º 1 – d) e e) do CPI, ficando prejudicada, por inútil, a apreciação do motivo de recusa previsto no artigo 137.º n.º 1 -a) do CPI (falta de novidade e actividade inventiva).

56. Assim, embora com base em qualificação jurídica não inteiramente coincidente com a indicada pelo Tribunal a quo, deve manter-se a decisão recorrida, improcedendo o recurso.

Decisão
Acordam as Juízes desta secção em:
I. Julgar improcedente o recurso e manter a decisão recorrida que recusou o registo do modelo de utilidade nacional n.º 11521.

II. Condenar em custas os recorrentes – artigo 527.º n.ºs 1 do CPC.

III. Ordenar que, após trânsito e baixa dos autos, seja cumprido o disposto no artigo 46.º do CPI.


Lisboa, 7 de Junho de 2023
Paula Pott
Eleonora Viegas
Ana Mónica Pavão