Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
9015/2007-6
Relator: JOSÉ EDUARDO SAPATEIRO
Descritores: DOCUMENTO EMITIDO NO ESTRANGEIRO
SOCIEDADE COMERCIAL
REPRESENTAÇÃO
PENHOR
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/11/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Sumário: I – As partes não exigiram a legalização dos documentos passados em país estrangeiro nem impugnaram a exactidão da reprodução mecânica dos documentos juntos por fotocópia aos autos, não tendo o tribunal recorrido feito qualquer exigência desse tipo, não existindo obstáculo legal a que sejam tidos como genuínos e com a força probatória inerente aos mesmos – artigos 365.º e 368.º do Código Civil.
II – Apesar das partes já não estarem de acordo quanto à lei que deve regular a constituição, administração e actividade comercial da sociedade Autora, a mesma deve ser a Lei das Sociedades Comerciais Internacionais publicada nas Ilhas Virgens Britânicas, face ao disposto no artigo 3.º do nosso Código das Sociedades Comerciais, quando refere que “as sociedades comerciais têm como lei pessoal a lei do Estado onde se encontre situada a sede principal e efectiva da sua administração. (…)” (regra especial relativamente ao regime geral do Código Comercial), convindo ainda ter em atenção os artigos 33.º, 34.º, 38.º e 39.º, número 2 do Código Civil.
III – No que se refere à aplicação da lei portuguesa à relação bancária estabelecida entre as partes e às operações e actos desenvolvidos no quadro da mesma (aí se incluindo a garantia em discussão nos autos), tais factos acontecem no âmbito de uma conta aberta numa agência de um banco português, situada na zona franca da ilha da Madeira (território nacional), sendo expressamente referido no contrato que o BANCO, S.A. está representado em tal negócio através dessa sua sucursal existente na Madeira, vindo a mencionada garantia a ser prestada por referência a esse primeiro acordo (não é despicienda também, para esse efeito, a escolha do foro da comarca de Lisboa efectuada no dito contrato com a SOCIEDADE A), tendo este e aquela de serem cumpridos por referência às contas abertas naquela mesma delegação pelas diversas empresas.
IV – Face ao objecto social da Autora e à possibilidade legal da mesma constituir, sem causa justificativa aparente, uma garantia real (penhor) a favor de uma outra sociedade, não se vislumbra obstáculo jurídico à constituição da garantia dos autos pela Autora.
V – A designação do mencionado F como representante/procurador da SOCIEDADE C, é perfeitamente válida e eficaz, nos moldes conjugados das cláusulas dos seus Estatutos acima indicadas e das normas transcritas da Lei das Sociedades Comerciais Internacionais.
VI – Não existe obstáculo legal à extensão dos poderes conferidos ao F pela aludida Procuração à direcção da Autora, atento o teor geral e abstracto daquele documento, bem como do que contém a nomeação, para directora da Autora, da SOCIEDADE C.
VII – O penhor em causa pode ser prestado pela via utilizada pela Autora – reprodução mecânica de documento escrito autónomo –, por a lei não obrigar a forma especial ou a outro tipo de procedimentos – cf., com especial relevância nesta matéria o disposto no artigo 400.º do Código Comercial, bem como o mencionado Decreto n.º 32 032 de 25/05/1942, que vai nesse mesmo sentido.
VIII – No que concerne à nulidade do penhor por o seu objecto ser indeterminável, de acordo com o estatuído no artigo 280.º, número 1 do Código Civil), não nos achamos, na situação dos autos, perante um negócio jurídico em que não seja possível determinar, em absoluto, o correspondente objecto mas antes face a um penhor com objecto mera ou relativamente indeterminado, dado que, a todo o momento – nomeadamente, para efeitos de accionamento da garantia em causa – é possível quantificar as quantias mutuadas e utilizadas na aquisição e venda de divisas por parte da SOCIEDADE A e os montantes depositados nas contas desta última bem como das sociedades garantes (como a Autora) e, dessa maneira, averiguar se a totalidade das importâncias que servem de garante (referidas na alínea b)) é igual ou inferior a 105% da soma dos empréstimos em curso, sendo o limite para empréstimos a conceder à SOCIEDADE A estabelecido, de uma forma indirecta, por referência às quantias depositadas em todas as contas que garantem o dito mútuo (mal se compreenderia que, nesta área da actividade bancária e cambiária, em que existe uma constante variabilidade de montantes mutuados, depositados, aplicados e garantidos, com a sua inerente indeterminabilidade momentânea, fossem os contratos respectivos considerados nulos ao abrigo daquela disposição).
(JES)
Decisão Texto Integral: Acordam neste Tribunal da Relação de Lisboa:

I – RELATÓRIO

SOCIEDADE G, com sede nas Ilhas Virgens Britânicas, intentou, em 13/09/1996, esta acção declarativa de condenação, com processo ordinário, contra BANCO, S.A., com sede na, pedindo, em síntese, o seguinte:

I – PEDIDO PRINCIPAL
a) Que o Réu fosse condenado a pagar à Autora as quantias, que lhe eram devidas em 31/05/1995, de USD $ 1.391.480,79, DEM 2.400.090,67 e ESP 476.000,00;
b) Que o Réu fosse condenado a pagar à Autora os juros moratórios vencidos e vincendos à taxa legal máxima permitida, actualmente em 15% desde 31/05/1995 e até integral pagamento, sobre os montantes referidos na precedente alínea a) do pedido, sendo os juros devidos até 15/09/1996, dos seguintes valores:
- USD: 270.480,00;
- DEM: 466.538,00;
- ESP: 92.526,50;
II – PRIMEIRO PEDIDO SUBSIDIÁRIO
Para a hipótese de o Réu apenas ser considerado em mora a partir de 23/11/1995 (data da interpelação), formula os seguintes pedidos a título subsidiário:
c) Que o Réu fosse condenado a pagar à Autora as quantias, que lhe eram devidas em 31/05/1995, de USD $ 1.391.480,79, DEM 2.400.090,67 e E5P 476.000,00;
d) Que o Réu fosse condenado a pagar à Autora o que, no mínimo, ela deixou de beneficiar pela indisponibilidade dos valores retidos pelo Réu entre 31/05/1995 e 23/11/1995, respectivamente, nos montantes de:
- USD: 37.322,00;
- DEM: 44.738,00;
- ESP: 3.077,00;
e) Que o Réu fosse condenado a pagar à Autora os juros moratórios, vencidos e vincendos à taxa legal máxima permitida, actualmente em 15%, desde 23/11/1995 e até ao integral pagamento sobre os montantes referidos na alínea c) deste pedido subsidiário, sendo os juros vencidos até 15/09/1996 dos seguintes valores:
- USD: 134.954,00;
- DEM: 232.776,00;
- ESP: 46.165,00;
III – SEGUNDO PEDIDO SUBSIDIÁRIO
Para a hipótese de ser julgado que o Réu apenas entra em mora após a citação (interpelação), formula os seguintes pedidos também a título subsidiário:
f) Que o Réu fosse condenado a pagar à Autora as quantias, que lhe eram devidas em 31/05/1995, de USD $ 1.391.480,79, DEM 2.400.090,67 e E5P 476.000,00;
g) Que o Réu fosse condenado a pagar à Autora o que, no mínimo, ela deixou de beneficiar pela indisponibilidade dos valores retidos pelo Réu desde 31/05/1995 até à citação e que, com referência a 15/09/1996, se fixa nos seguintes montantes:
- USD: 100.303,00;
- DEM: 128.298,00;
- ESP: 6.168,00;
h) Que o Réu fosse condenado a pagar à Autora os juros moratórios vencidos desde a data da citação e até integral pagamento, à taxa legal máxima permitida que é, actualmente, de 15%.
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Aduziu a Autora, para tanto e em síntese, o seguinte:
1) A Autora é uma sociedade estrangeira, devidamente constituída segundo as leis de Ilhas Virgens Britânicas e nunca dispôs de qualquer sucursal, filial ou estabelecimento em Portugal, nem aqui exerce qualquer actividade;
2) O Réu é uma instituição de crédito que se dedica à actividade bancária;
3) A Autora e o Réu acordaram entre si a abertura, por parte da primeira, de uma conta bancária na Sucursal Financeira Exterior do segundo, na Zona Franca da Madeira;
4) Essa conta, cujas condições gerais que regulavam as relações entre as partes constavam do documento denominado “Condições de Adesão”, foi regularmente movimentada através de depósitos à ordem, de depósitos a prazo e de aplicações financeiras;
5) Assim, a Autora, em 30.05.1995, tinha depositado em três contas diferentes (duas a prazo – USD e DEM - e uma à ordem -ESP) as quantias, em USD, DEM e ESP, a si pertencentes e identificadas na escrituração do Réu, que constituem a primeira parte do seu pedido, sendo certo que os dois depósitos a prazo tinham, respectivamente, as datas de vencimento e taxas de juro de 30/05/1995 e 5,56250% (USD) e 31/05/1995 e 4,12500% (DEM);
6) Na data do respectivo vencimento, o depósito de USD e os respectivos juros foram convertidos em marcos alemães pelo contravalor de DEM 1.948.212,00, tendo este montante, bem como o do outro depósito a prazo, na data do seu vencimento (DEM), sido creditado na conta de depósitos à ordem “overnight”, titulada pela Autora, conforme decorre dos correspondentes extractos de conta (Extractos combinados n.ºs 1995/020 e 1995/021; 
7) O Réu debitou, em 31/05/1995, da referida conta, as quantias de DEM 4.347.555,00 e ESP. 476.600,00, transferindo-as, deixando apenas valores residuais (USD 0,30, DEM 0,15 e ESP 26,00), sem dar conhecimento à Autora e sem esta lhe ter dado qualquer ordem ou instrução esse efeito, o que já tinha igualmente acontecido com a conversão a que alude a alínea 6);
8) O Réu ainda não repôs na conta da Autora as quantias dela retiradas, nem creditou na mesma, desde 31/5/1995, quaisquer juros;  
9) O Réu apropriou-se das referidas quantias sem possuir título para proceder a tais operações, pelo que reclama a restituição dessas verbas, dos rendimentos que delas iria retirar e ainda os respectivos juros.
10) Alega ainda que, quando confrontado com a posição do Réu, que invocou a prestação pela Autora de garantias a terceiros, se deparou com um contrato que desconhece e que, como tal, a não vincula, pois o subscritor não actuou em nome e representação da Autora, sendo esse contrato o seguinte: SOCIEDADE A-BANCO, S.A. /93;
11) A Autora não interveio no contrato SOCIEDADE A-BANCO, S.A. /93, nem subscreveu a denominada “GARANTIA RELATIVA AL CONTRATO SOCIEDADE A-BANCO, S.A. /93 /93”, que só conheceu através da carta de 19/09/1995, não tendo, nessa medida e no âmbito daquele, assumido qualquer obrigação para com o Réu;
12) A empresa SOCIEDADE A é uma sociedade totalmente autónoma e independente da Autora, que esta nem sequer conhecia e com a qual não tinha qualquer relacionamento comercial ou outro, à imagem do que acontecia com as demais empresas que tiveram intervenção na mencionada GARANTIA, não havendo, por tal motivo, qualquer justificação para a sua “adesão” a tal instrumento, situação que era do perfeito conhecimento do Banco demandado;    
13) Houve diversa correspondência trocada entre as partes, tendo a Autora remetido a primeira carta em 16/08/1995 e o Réu finalizado essa troca de cartas com uma missiva de 7/02/1996, em que foi discutida a situação acima exposta nas alíneas anteriores, muito embora sem sucesso no que concerne à reclamação de reposição das quantias transferidas;
14) A Autora não participou em quaisquer negociações prévias com o Réu, nem tinha qualquer interesse ou vantagem na prestação da referida GARANTIA, configurando-se esta última, caso tivesse sido efectuada, como um acto unilateral e gratuito, necessariamente inválido;
15) O referido documento não foi subscrito por F, ao contrário do alegado pelo Banco Réu, pelo que é impugnado pela Autora e, ainda que tivesse sido assinado por aquele, nunca o poderia ter feito em nome e representação da demandante, dado a procuração que lhe havia sido passada por esta não lhe conferia tais poderes; 
16) Ao tomar conhecimento da referida GARANTIA e face ao que se deixou dito nas duas alíneas anteriores, a Autora não podia razoavelmente deduzir desse documento que o mesmo a obrigava juridicamente;         
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Citado o Réu BANCO, S.A. pessoalmente, através de carta registada com Aviso de Recepção (fls. 150 e 151), veio o mesmo apresentar contestação dentro do prazo legal (fls. 159 e seguintes), tendo defendido a legitimidade para proceder às operações bancárias descritas e reclamadas pela Autora, por entender como perfeitamente válida a garantia prestada por aquela e relativamente ao crédito do Réu sobre a SOCIEDADE A, pois o signatário da mencionada garantia (F) tinha poderes para representar e vincular a Autora – a abertura da conta e as relações de natureza comercial a ela referentes, que são descritas pelo contestante, foram sempre assegurados pelo mesmo, sendo ele também que comunicou a adesão posterior da Autora à mencionada GARANTIA – e, como tal, a retirada do capital daquela conta foi a consequência da necessidade de accionar a garantia prestada.
Esclarece ainda que a SOCIEDADE A (à imagem do que acontece com as demais sociedades intervenientes na GARANTIA, que têm e mantêm com a SOCIEDADE A relações especiais) também é uma sociedade constituída segundo a lei das Ilhas Virgens Britânicas, com sede em …, sendo igualmente seu representante o referido F (aliás, representante também das demais), destinando-se o referido contrato, em exclusivo, à “realização de operações de natureza cambial, nos livros do próprio Banco, na forma de compra e venda de divisas, diferentes da do financiamento”, sendo os financiamentos (mútuos) concedidos pelo Banco Réu garantidos pelos depósitos da própria SOCIEDADE A e das demais sociedades outorgantes do mencionado “Instrumento de Garantia”.      
O Réu descreve ainda todo o processo negocial e financeiro que antecedeu a operação que envolveu a celebração do contrato SOCIEDADE A-BANCO, S.A. /93 e da garantia, pelo que nega o desconhecimento da Autora, que entende sempre bem representada.
Caracteriza tal garantia como penhor de créditos incidente sobre os saldos bancários que accionou e retirou da conta da Autora, que pode ser constituído por acto unilateral, sendo aplicável à situação que se discute nos autos a lei das Ilhas Virgens Britânicas (sede da Autora, bem como da empresa sua directora, nesse Estado).
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A Autora, após notificação da contestação do Banco Réu veio, em sede de réplica (fls. 305 e seguintes) responder, impugnando factos alegados na contestação e reafirmando que nada sabia da sociedade garantida (SOCIEDADE A), das empresas garantes ou dos actos que o signatário de tais operações fazia em seu nome, ao qual não reconhece poderes para tanto, requerendo que fossem julgadas improcedentes as excepções deduzidas pelo demandado no seu articulado.
(…)
Veio então a ser proferida, a fls. 1301 e seguintes, a competente sentença que julgou a acção parcialmente procedente por parcialmente provada e em consequência, decidiu:
“a) Condeno o Réu a entregar à Autora a quantia de USD $ 10.954,68 acrescida de juros à taxa legal comercial contados desde 31.05.1995 e até integral pagamento;
b) E absolvo o Réu de tudo o mais pedido.
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O Réu BANCO, S.A. interpôs desta sentença recurso (fls. 1321), que foi correctamente admitido como de apelação, a subir de imediato, nos próprios autos e com o efeito meramente devolutivo (fls. 1324).  
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O Apelante apresentou alegações de recurso (e um documento) e formulou as seguintes conclusões:
A – NULIDADE DA SENTENÇA
1 - A sentença fundou-se em factos não articulados pelas partes, vertidos na resposta ao quesito 23°, conhecendo, pois, de questões de que não podia tomar conhecimento, nos termos dos artigos 264.1, 264.2, 264.3 e 664 do Código de Processo Civil (CPC), pelo que é nula, nos termos do artigo 668.1 (d) do Código de Processo Civil.
B – MATÉRIA DE FACTO
(…)
C – QUESTÕES DE DIREITO
29 - Para julgar improcedente a acção, considerou-se, essencialmente, que F assinou o documento de fls. 51, com a finalidade de os depósitos da Autora serem incluídos no âmbito das garantias decorrentes do contrato SOCIEDADE A-BANCO, S.A./93; que F tinha poderes para constituir a garantia (penhor) em nome da Autora, com fundamento nos factos dados como provados em resposta ao quesito 23.º; que ao subscrever o documento em causa F agiu como representante da Autora; que nem a lei societária das Ilhas Virgens Britânicas nem a lei portuguesa exigem que se invoque a qualidade de representante;
30 - Não se provou que F haja assinado o documento de fls. 51 (cfr. supra), pelo que, não se provando a autoria do documento alegadamente constitutivo do penhor, não pode considerar-se a acto como praticado e muito menos pode o mesmo ser imputado à Autora. Por essa razão, a excepção (penhor) invocada pela Ré teria de ser considerada improcedente;
31 - Não se provam os factos constantes da resposta ao quesito 23° (cfr. supra), pelo que, a imputar-se a F a assinatura do documento de fls. 51, não haveria prova de que ele tivesse poderes da Autora para praticar o acto de constituição do penhor;
32 - O documento de fls. 153, que segundo a sentença contém os poderes de F para representar a Autora, é uma declaração da SOCIEDADE C, de 20 de Outubro de 1993, designando, em nome da sociedade (isto é, dela própria e não da SOCIEDADE G), F para a representar quando actuasse na qualidade de directora de qualquer outra sociedade;
33 - Não foi determinado qual o direito estrangeiro que regeria a emissão do documento de fls. 153 (como aliás, do de fls. 149). Tratando-se de uma representação voluntária e sendo F suposto representante da SOCIEDADE C em qualquer sociedade e podendo a SOCIEDADE C ser directora de sociedades com leis pessoais diversas, a lei aplicável não seria a lei pessoal da SOCIEDADE C, mas, eventualmente, a do local de emissão do documento – local que não aparece no documento nem se alegou ou provou qual seria. Mesmo que se seguisse o critério da lei pessoal da SOCIEDADE G, não seria líquido, como se considerou na sentença, que essa lei seria a das Ilhas Virgens Britânicas, dado que: o critério de determinação da lei pessoal das sociedades comerciais é o da sede principal e efectiva da administração (artigos 3.1 do CSC e 33.1 do C.C.); não se provou que a sede principal e efectiva da administração fosse aquele país ou qualquer outro; tratando-se de sociedade constituída em zona offshore, é de presumir que aquela sede se situe fora dessa zona. Assim, o tribunal deveria aplicar o direito português, sem prejuízo do ónus da prova, que à Ré incumbia (artigos 348.1 e 348.3 do C.C.);
34 - Em face do direito societário português o acto consubstanciado no documento de fls. 153 seria nulo, pois violaria o princípio do exercício pessoal do cargo de gerente, administrador ou director (artigos 252.5, 391.6 do CSC). A lei apenas admite, dentro de um órgão plural, uma delegação restrita de poderes (artigos 261.2 e 407 do CSC) e, quanto a pessoas estranhas, requer um mandato ou procuração com objecto delimitado (artigos 256.6 e 391.7 do CSC);
35 - O acto também seria nulo em face do direito privado comum porque o artigo 127.2 do Código do Notariado exigia que as procurações gerais de administração civil e de gerência comercial fossem lavradas por instrumento público ou documento autenticado ou documento escrito com reconhecimento de letra e assinatura e o objecto da procuração teria de ser determinável;
36 - O que decorre do documento é que a SOCIEDADE C teria criado um alter-ego destinado a funcionar quer para o seu cargo de directora na SOCIEDADE G quer para o de qualquer outra sociedade, não sendo, pois, um acto respeitante à SOCIEDADE G;
37 - Ainda que se julgasse formalmente válido e substancialmente suficiente o documento de fls. 153 como instrumento de atribuição de poderes a F, não foi alegado nem está provado nos autos que à data em que foi emitido o escrito de fls. 51 (supostamente de constituição do penhor) a SOCIEDADE C ainda fosse directora da SOCIEDADE G e/ou que F ainda fosse seu "representante";
38 - Pelo exposto, não pode considerar-se que F tinha poderes para dar de garantia os depósitos da Autora, pelo que tal acto seria ineficaz face à Autora (artigo 268.1 do C.C.);
39 - Caso se entendesse que tais poderes existiam, não se provaria que houvesse agido como representante da Autora. A alegada autoria do documento e da finalidade prosseguida tanto poderia significar que F tenha, de facto, actuado com vontade de vincular a Autora, como actuado sem essa vontade, embora deixando a Ré pensar que essa era a situação;
40 - Não estando demonstrado que F tivesse poderes de representação da Autora e que tivesse agido em seu nome e incumbindo à Ré o ónus da prova dos factos correspondentes (artigos 342 e 348 do C.C.), o acto de constituição do penhor, a haver sido praticado por F, seria nulo e/ou ineficaz em relação à Autora;
41 - Mesmo admitindo-se o raciocínio plasmado na sentença, o acto de constituição do penhor seria ineficaz face à Autora, por esta não o haver aceitado e por haver abuso de representação (artigos 268.1, 268.2, 268.3 e 269 do C.C.);
42 - Na verdade, provaram-se diversos indícios que apontariam para abuso de representação por parte de F e a Ré conhecia ou devia conhecer o abuso;
43 - O acto de constituição do penhor seria, ainda, nulo por o seu objecto ser indeterminável (artigo 280.1 do C.C.), dado que à garantia não é fixado qualquer tecto de responsabilidade e por ser contrário à lei, pois contrário ao fim da sociedade, não se compreendendo na capacidade desta (artigos 6.1 e 6.3 do CSC e 280.1 do C.C.);
44 - Em face do exposto, será forçoso concluir que o acto de constituição do penhor sobre os depósitos da Autora é nulo ou ineficaz em relação a esta, pelo que a acção teria que proceder. A sentença recorrida violou, pois, o disposto nas supra citadas disposições legais (artigos 33.1, 268, 269, 280.1, 342, 348 e 365 do C.C., 3.3, 6.1 e 6.3 do CSC, e 516 e 540 do CPC);
45 - Na sua actuação, a Ré violou o princípio da boa-fé prescrito no artigo 762.2 do C.C. e os deveres de depositante previstos no artigo 1187(a), (b) e (c) do C.C. Com efeito, da factualidade provada e da demais documentação constante dos autos, decorre que a Ré poderia proceder ao cancelamento dos financiamentos à SOCIEDADE A e executar as garantias, verificando-se um grau de cobertura inferior a 105%. Se a Ré tivesse agido diligentemente e cancelado os financiamentos a partir de 12 de Maio de 1995, os saldos da Autora não teriam sido afectados. Ao deixar agravar a situação, a Ré permitiu que o grau de cobertura fosse sendo reduzido até que os saldos da Autora ficassem totalmente cobertos pelos financiamentos, em claro benefício para a Ré e prejuízo para a Autora;
46 - A Ré constituiu-se, pois, na obrigação de indemnizar a Autora dos prejuízos causados, correspondentes aos saldos bancários e respectivos juros (artigo 564 do C.C.);
47 - A sentença recorrida violou, pois, o disposto nos artigos 762.2 e 1187 (a), (b) e (c) do C. C.;
48 - A Autora celebrou com a Ré um contrato de depósito bancário, estando a Ré obrigada a guardar a coisa depositada e a restitui-la com os seus frutos (artigo 1187 do CC);
49 - A Autora tinha depositadas na sua conta junto da Ré as importâncias supra mencionadas (ponto 33). Carecendo de suporte legal o depósito efectuado pela Ré, esta devia restituir à Autora as verbas de que indevidamente se apropriou com os respectivos juros;
50 - Ao absolver a Ré do pedido (na parte excedente à condenação), a sentença recorrida violou as disposições legais citadas, pelo que deve ser revogada, condenando­-se a Ré nos pedidos, conforme é de JUSTIÇA.”
*
A Autora apresentou contra-alegações de recurso, tendo formulado conclusões nos moldes seguintes (fls. 1476 e seguintes):
“A) De harmonia com o disposto no art. 16.º do Dec.-Lei n.º 329-A/95, com a redacção dada pelo art.º 4.º do Dec.-Lei n.º 180/96, o processo decorreu em 1.ª instância no essencial ao abrigo das regras processuais anteriores à reforma de 1995-96;
B) Conforme é jurisprudência assente, uma vez que na reapreciação da matéria de facto pela Relação falta a imediação e a oralidade, a decisão da 1.ª instância só pode ser alterado se o registo da prova o permitir com toda a segurança;
(…)
G) A douta decisão de facto teve, aliás, o cuidado de dizer simplesmente que, "a 6 de Dezembro de 1991, a Autora nomeou SOCIEDADE C sua primeira directora; e que, a 20 de Outubro de 1993, SOCIEDADE C designou F para a representar quando a mesma actuar como directora de outra sociedade", deixando o mais para a decisão de direito;
H) Os documentos de fls. 149 e 153 (com tradução a fls. 656-658 e 643-645), têm a força probatória determinada pelo n.° 1 do art. 376.° do Código Civil, porque não foram impugnados (foi a própria Autora quem os )untou), nem impugnada foi a reprodução (arts. 368.° do Código Civil e 544.°, n.° 1, do CPC), nem exigida legalização (art. 365.° do Código Civil);
I) Aliás, em rigor, que a Autora nomeou a SOCIEDADE C sua primeira única administradora e que esta designou o Sr. F para exercer as funções na mesma SOCIEDADE C como administrador de outras sociedades encontrava-se provado por acordo, pois foi a Autora quem, sem qualquer reserva, juntou aos autos os documentos que consubstanciam aqueles factos, o Réu alegou-os igualmente e, na própria Réplica, os factos não foram impugnados;
J) Conforme são doutrina e jurisprudência pacíficas, a Especificação não constitui caso julgado formal;
L) Por tais razões, mesmo que se entendesse – no que não se concede – que haveria excesso na segunda parte da resposta ao quesito 23.°, sempre o que dela consta deveria ser considerado provado;
M) A título duplamente subsidiário – isto é, para a hipótese de cumulativamente se entender que haveria excesso na resposta ao quesito 23.° e que, na ausência de impugnação de despacho que indefira reclamação, se forma caso julgado quanto à Especificação, o apelado impugna, nos termos do n.° 2 do art. 684.°-A do CPC, o despacho de fls. 616, na parte em que indeferiu a reclamação no sentido de que o conteúdo dos documentos de fls. 149 e 153 fosse levado à Especificação, pelos fundamentos sumariamente enunciados nas Conclusões H) e I);
N) O apelado alegou, no art.º 10.° da contestação, que a sede da Autora se situa nas Ilhas Virgens Britânicas e, no art.º 52.° da Contestação, com referência à emissão da garantia, que aí se situa a sede principal e efectiva da administração da Autora, sem que esta houvesse impugnado;
O) Aliás, seria inteiramente contrário à boa-fé que uma sociedade off-shore, constituída com sede estatutária em paraíso fiscal para obter vantagens e poder manter ocultos os beneficial owners, pudesse alegar, quando lhe conviesse, que afinal a sede efectiva não coincide com a sede estatutária (quando, ainda por cima, a alegação conduziria a que a Autora não possuísse sequer personalidade judiciária...);
P) A lei pessoal da Autora é, nos termos do art.º 3.°, n.° 1, do Código das Sociedades Comerciais, a lei das Ilhas Virgens Britânicas;
Q) De harmonia com o art.º 38.º do Código Civil, "a representação da pessoa colectiva por intermédio dos seus órgãos é regulada pela respectiva lei pessoal";
R) O referido art.º 38.° usa um conceito-quadro, construído a partir do direito interno e aberto às modificações deste e aos direitos estrangeiros;
S) A situação interna mais próxima da que se verifica nos autos é a prevista no n.° 4 do art.º 390.° do CSC, onde a relação de representação e indiscutivelmente orgânica;
T) Mesmo no regime anterior ao Código das Sociedades Comerciais, onde se permitia o exercício directo de funções de administração de sociedades comerciais por pessoas colectivas, assim como no regime actual das associações e fundações, a actuação da pessoa singular designada pela pessoa colectiva administradora corresponde ainda a representação da pessoa colectiva por intermédio dos seus órgãos, de que fala o art.º 38.° do Código Civil;
U) A utilização, pela apelante, da ideia de procuração geral da administração civil e de gerência comercial é perfeitamente absurda, pois tinham tal natureza procurações passadas pela pessoa colectiva dona dos interesses a um mandatário e a designação da pessoa singular para exercer as funções de pessoa colectiva como administradora de outra não é um acto da pessoa colectiva administrada, mas da pessoa colectiva administradora;
V) Não valia, no próprio direito português, para tal designação, nem vale quanto às associações e fundações, qualquer exigência particular de forma;
X) Aliás, se o direito português fosse aplicável, seria o art.º 390.º, n.° 4, do CSC a ser chamado, e perante este tão pouco existe exigência particular de forma para a designação da pessoa singular;
Z) A Autora é, nos termos do direito das Ilhas Virgens Britânicas, uma sociedade comercial internacional, regida pelo International Business Companies Act (Lei das Sociedades Comerciais Internacionais, doravante LSCI);
AA) De harmonia com o art.º 42.º da LSCI e com os estatutos da Autora, os administradores podem ser pessoas singulares ou colectivas e a sociedade pode ter um só administrador;
AB) As pessoas colectivas podem designar pessoas singulares para exercerem as suas funções de administrador noutras sociedades;
AC) O primeiro administrador ou os primeiros administradores é ou são nomeados pelo subscritor ou subscritores do memorando e estatutos (art. 43 (1) da LSCI), não tendo a nomeação prazo de caducidade (art. 43 (2);
AD) No caso, o subscritor único do memorando e estatutos (M) nomeou a SOCIEDADE C primeira única administradora da Autora e esta veio a atribuir poderes ao Sr. F para praticar, por si, SOCIEDADE C, actos de administração da Autora;
AE) Não era ao Réu que cabia alegar e provar que os poderes do Sr. Pena se mantinham, mas à Autora que se tivessem extinto (por se tratar de excepção a excepção), tanto mais que nas Ilhas Virgens Britânicas não existe registo obrigatório dos administradores das sociedades comerciais internacionais;
AF) Do contexto resulta clarissimamente que o Sr. F subscreveu e enviou o escrito a que se refere a al. Z7) da Especificação em nome da Autora;
AG) Perante o direito das Ilhas Virgens Britânicas, que rege a capacidade da sociedade (art.º 3.°, n.° 1, do CSC, combinado com o art.º 33.°, n.° 2, do Código Civil), o interesse próprio de quem presta garantia não e requisito de validade desta (art. 9(1)(h) da LSCI);
AH) De qualquer modo, ao aderir ao instrumento de garantia e nos termos deste, a Autora fez declaração de justificado interesse próprio e não provou que não o tivesse, pelo que mesmo perante o direito português a garantia seria válida;
AI) A garantia tem a natureza de penhor de conta bancária (Prof. Menezes Cordeiro) e o seu limite é determinado pelo próprio garante;
AJ) O Réu agiu com plena boa-fé ao insistir no reforço de cobertura antes de cessar os empréstimos e executar a garantia;
AL) Verificaram-se os pressupostos de execução da garantia e esta foi correctamente executada – nem a apelante alega que aqueles não se tenham verificado e que a execução não tenha sido efectuada no modo próprio;
TERMOS EM QUE, e nos mais de Direito, deve ser negado provimento à apelação e confirmada a douta decisão recorrida, assim se fazendo justiça.”.
*
O Banco Réu veio juntar, a fls. 1574 e seguintes, tradução integral da Lei das Sociedades Comerciais Internacionais das Ilhas Virgens Britânicas, que foi admitida nos autos pelo relator do presente recurso.
*
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

II – OS FACTOS

Da discussão da causa, o Tribunal da 1.ª Instância deu como provados os seguintes factos:
1. A Autora foi constituída, nos termos do Código das Sociedades Comerciais Internacionais, no dia 6.6.91, conforme Registo das Sociedades Comerciais Internacionais do território das Ilhas Virgens Britânicas, certificado a fls. 167 e cuja tradução consta a fls. 165 e 166 [al. a) da Especificação];
2. Constando a tradução dos art.°s 9.° e 10.° de tal Código de fls. 427 a 430 [al. b) da Especificação];
3. A Autora não exerce qualquer actividade em Portugal [al. c) da Especificação];
4. Em 1993, Autora e Réu acordaram entre si a abertura, por parte da Autora, de uma conta bancária na Sucursal Financeira Exterior do Réu, na Zona Franca da Madeira, sita na … [al. d) da Especificação];
5. As condições gerais para regular as relações entre Autora e Réu são as que constam dum escrito intitulado "Condições de Adesão", fotocopiado de fls. 30 a 35 [al. e) da Especificação];
6. Utilizado pelo Réu para regular as relações com todos os seus clientes, decorrentes da abertura de contas de depósito [al. f) da Especificação];
7. Desde então, e uma vez concretizada a abertura da conta, foi a mesma regularmente movimentada através de depósitos à ordem, de depósitos a prazo e de aplicações financeiras, nomeadamente em regime de "overnight" [al. g) da Especificação];
8. F, em escrito de 12.12.94, fotocopiado a fls. 268, solicitou ao Réu a transferência de 229.864.082 pesetas da conta da SOCIEDADE J para a conta da Autora [al. h) da Especificação];
9. Transferência esta efectivada pelo Réu conforme "extracto combinado n.1994/012" fotocopiado a fls. 66, do qual consta, como data de movimento e data-valor, 14-12-94 [al. i) da Especificação];
10. F, em escrito de 11-01-95, fotocopiado a fls. 269, solicitou ao Réu a transferência de 24.556.931 pesetas da conta de SOCIEDADE J para a conta da Autora [al. j) da Especificação];
11. E em outro escrito desta última data, fotocopiado a fls. 270, solicitou ao Réu a transferência de 106.662.000 pesetas da conta de SOCIEDADE CT para a conta da Autora [al. k) da Especificação];
12. Estas 2 últimas transferências também foram efectivadas pelo Réu, conforme "extracto combinado no 1995/002", fotocopiado a fls. 69 [al. l) da Especificação];
13. Em 30 de Maio de 1995, estavam constituídos na referida sucursal do Banco Réu os seguintes depósitos:
a) Depósito a prazo n.° 36700729978, no valor de U5D 1.390.191,97 (dólares dos Estados Unidos da América);
b) Depósito a prazo n.° 35500308030, no valor de DEM 2.398.167,15 (marcos da República Federal da Alemanha);
c) Depósito à ordem n.° 36300067695, no valor de ESP 476.626,00 (pesetas de Espanha) [al. m) da Especificação];
14. Estes depósitos constavam da escrituração do Réu como sendo da Autora [al. n) da Especificação];
15. Os depósitos a prazo mencionados tinham as seguintes datas de vencimento e taxas de remuneração:
a) Depósito em USD – Vencimento: 95-05-30; Taxa: 5.562250% ao ano;
b) Depósito em DEM – Vencimento: 95-05-31; taxa: 4,12500% ao ano [al. o) da Especificação];
16. Do vencimento do depósito a prazo de U5D resultou um saldo de USD 1.391.480,79 [al. p) da Especificação];
17. E do vencimento do depósito a prazo em DEM resultou um saldo de DEM 2.400.090,67 [al. q) da Especificação];
18. Na data de vencimento, o depósito em USD e os respectivos juros foram convertidos em marcos alemães pelo contravalor de DEM 1.948.212,00 [al. r) da Especificação];
19. Sendo o respectivo montante creditado na conta de depósitos à ordem "overnight" titulada pela Autora [al. s) da Especificação];
20. Também no vencimento o depósito em DEM e os respectivos juros foram creditados na conta de depósitos à ordem "overnight", pelo já referido valor de DEM 2.400.090,67 [al. t) da Especificação];
21. Em 31 de Maio de 1995 o Réu debitou a referida conta de depósitos à ordem "overnight" pelo montante de DEM 4.347.555,00 [al. u) da Especificação];
22. Com a indicação de "transferência" [al. v) da Especificação];
23. E, igualmente, debitou a conta pelo montante de ESP 476.600,00 [al. x) da Especificação];
24. Com a mesma indicação de "transferência" [al. z ) da Especificação];
25. Factos estes (U a Z) que constam do escrito elaborado pelo Réu, intitulado "extracto combinado n.° 1995/021" , fotocopiado a fls. 38 e 39 [al. z1) da Especificação];
26. Passando a conta da Autora a registar saldos de USD 0.30, DEM 015 e ESP 26.00, conforme escrito elaborado pelo Réu, intitulado "extracto combinado n.º 1995/022, fotocopiado a fls. 40 e 41 [al. z2) de Especificação];
27. Por carta de 16.8.95, fotocopiada a fls. 42, B, "na qualidade de procurador da" Autora, solicitou ao Réu "cópia dos contratos celebrados entre o Banco e SOCIEDADE G" e "cópias dos extractos bancários referentes aos movimentos operados nas contas" [al. z3) da Especificação],
28.0 Réu respondeu por carta de 19.9.95, fotocopiada a fls. 43 e com ela remeteu [al. z4) da Especificação];
29. "Contrato SOCIEDADE A-BANCO, S.A. /93, fotocopiado de fls. 44a47 [al. z5) da Especificação];
30." Garantia relativa al contrato SOCIEDADE A/BANCO, S.A. 193 (de 23 de Julio de 1994)”, fotocopiado de fls. 48 a 50 [al. z6) da Especificação];
31. O escrito fotocopiado a fls. 51, datado de 21 de Dezembro de 1994 [al. z7) da Especificação];
32. E os "extractos combinados", fotocopiados de fls. 52 a 146 [al. z8) do Especificação];
33. Em carta de 16-10-95, fotocopiada a fls. 147,o referido "procurador" da Autora refere que "pelos extractos que me foram enviados, através da vossa carta de 19 de Setembro de 1995, verifica-se que em 30 de Maio de 1995 foi efectuado um débito na conta de SOCIEDADE G, desta desaparecendo todos os valores existentes. Tal débito não teve origem em qualquer ordem dos legais representantes de SOCIEDADE G. Tão pouco foi a minha constituinte avisada de que iria ser efectuado o débito e o seu fundamento" [al. z9) da Especificação];
34. E pedia informação sobre o fundamento e justificativos do débito efectuado e sobre o destino das verbas depositadas [al. z1o) da Especificação];
35. O Réu, em carta de 27.10.95, fotocopiada a fls. 148, respondeu que "por carta de representante da SOCIEDADE G (...) foi requerida a inclusão da referida sociedade no "contrato de SOCIEDADE A", que "pelo montante depositado foi satisfeito crédito do BANCO, S.A. sobre a SOCIEDADE A, nos termos previstos na "Garantia ai contrato SOCIEDADE A BANCO, S.A. /93" e que "a constituinte de V. Exa. teve conhecimento, através do seu representante, de que o débito iria ser efectuado, bem como do seu fundamento" [al. z11) da Especificação];
36. Juntando, para além de cópia do "contrato SOCIEDADE A-BANCO, S.A. /93", da "garantia Relativa ai Contrato SOCIEDADE A BANCO, S.A. /93", os escritos fotocopiados de fls. 149 a 153 [al. z12) da Especificação];
37. Por carta datada de 23-11-95, fotocopiada a fls. 154 e 155, o referido Benjamim diz ao Réu "que não existe qualquer contrato entre a SOCIEDADE G e o BANCO, SA autorizando este a efectuar o débito operado na conta (...) o documento de que foi junta cópia, alegadamente proveniente de representante de SOCIEDADE G, não identifica nem a proveniência, nem o seu signatário, nem os poderes ao abrigo dos quais foi emitido, nem tão pouco contém uma assinatura aceitável (...) SOCIEDADE G nenhuma relação tem com SOCIEDADE A(...) não foram fornecidos quaisquer elementos documentais justificativos da verificação dos débitos de SOCIEDADE A [al. z13) da Especificação];
38. Tendo aquele insistido por resposta, conforme carta datada de 12.1.96, fotocopiada a fls. 156 [al. z14) da Especificação];
39. Respondeu o Réu por carta datada de 7.2.96, fotocopiada a fls. 157 e 158, que "o documento de que foi enviada cópia, com a (...) carta de 27 de Outubro de 1995, provém de quem tinha, com a mesma assinatura, aberto conta em nome da SOCIEDADE G e que desta era representante. O contrato SOCIEDADE A, por seu turno, e as respectivas garantias, eram do inteiro conhecimento do referido representante (...) que (...) recebeu todos os elementos", pelo que o Réu solicitou informação "sobre se o que agora se pede é segunda via daquilo que foi entregue ao Senhor F, também representante da SOCIEDADE G " [al. z15) da Especificação];
40. Sendo [foi] F quem sempre apareceu, em nome da Autora junto do Réu [quesito 2.º];
41. O nome e a assinatura de F constam de ficha de assinaturas da Autora junto do Réu [quesito 3.º];
42. Apenas F deu instruções, em nome da Autora para a movimentação da conta referida em r» [quesito 4.º];
43. F, em nome de SOCIEDADE A, com sede em Ilhas Virgens Britânicas, fez com o Réu, em 23.7.93 o acordo referido em Z5) [quesito 6.º];
44. Pretendendo a SOCIEDADE A que o Réu lhe cedesse importâncias em certa divisa, comprometendo-se a devolva-las ao Réu, acrescidas de importâncias a título de juros [quesito 7.º];
45. Sendo as divisas cedidas pelo Réu aplicadas por SOCIEDADE A na aquisição de outra ou outras divisas que esperava que se valorizassem [quesito 5.º];
46. Para garantia de recebimento, pelo Réu, das importâncias cedidas à SOCIEDADE A, F acordou com o Réu na entrega a este do escrito fotocopiado de fls. 217 a 219 [quesito 9.º];
47. Tendo F assinado este escrito em nome das Sociedades nele referidas [quesito 10.º];
48. Com a finalidade de também os depósitos da Autora garantirem os financiamentos feitos à SOCIEDADE A, F assinou e enviou ao Réu o escrito referido em Z7) [quesito 13.º];
49. O Réu enviou a F, antes da conversão referida em R) e dos débitos mencionados em U) e X), extractos de depósito da Autora e dos mapas de cobertura dos financiamentos à SOCIEDADE A; que, a 6 de Dezembro de 1991, a Autora nomeou SOCIEDADE C como seu primeiro director; e que, a 20 de Outubro de 1993, SOCIEDADE C designou F para a representar quando a mesma actuar como directora de outra sociedade [quesito 23.º];
50. E jamais a Autora formulou qualquer objecção aos referidos mapas [quesito 24.º];
51. Nos referidos mapas o "grau de cobertura bruto" obtém-se reconduzindo o financiamento e depósitos a uma única divisa (normalmente dólar dos E.U.A.) [quesito 25.º];
52. E o "grau de cobertura líquido" se obtém considerando, na medida do possível, divisa (de financiamento) contra divisa (de depósito) igual [quesito 26.º];
53. No dia 12 de Maio de 1995, o grau de cobertura líquido era de 4,10% e que, conforme acordado, os activos depositados em garantia não podiam representar, no momento da concessão de qualquer financiamento, uma importância inferior a 115% dos empréstimos em curso e, quando a totalidade das importâncias depositadas em garantia seja igual ou inferior, a 105% e o reforço da garantia, a solicitação do Réu, não seja efectuado no prazo de 24 horas, o Réu pode cancelar empréstimos em curso e liquidar capital, juros e demais encargos, executando as garantias prestadas [quesito 27.º];
54. O Réu foi insistindo reiteradamente junto do Sr. F para a necessidade de reforço do grau de cobertura e, consequentemente, das garantias [quesito 28.º];
55. Nos dias 22 a 23 de Maio de 1995, um funcionário do Réu (Sucursal Financeira Exterior) deslocou-se expressamente a Madrid a fim de chamar a atenção do Sr. F para a gravidade da situação, tendo de novo solicitado reforço das garantias [quesito 29.º];
56. O reforço, porém, não foi efectuado [quesito 30.º];
57. Novas insistências telefónicas foram sendo continuamente realizadas [quesito 31.º];
58. No dia 24 de Maio, o grau de cobertura (líquido) era de 3,46% [quesito 32.º];
59. No dia 25 de Maio o grau de cobertura líquido era de 2,31% [quesito 33.°];
60. No dia 26 de Maio de 1995, a taxa de cobertura era de 1,22% e, perante o não reforço das garantias, o Réu "cancelou" os empréstimos em curso e iniciou a execução das garantias, incluindo como garante a Autora, por ser necessário para a satisfação do crédito, comunicando o "cancelamento" e a decisão da execução a F [quesito 34.º];
61. A cessação dos empréstimos e a execução das garantias, a qual se processou entre os dias 26 e 29 de Maio, aparece registada nos extractos de conta relativos aos dias 30 e 31 de Maio (extracto n.º 1995/029, relativo à SOCIEDADE A e extracto n.º 1995/021, relativo à SOCIEDADE G [quesito 35.º];
63. A informação sobre a situação foi confirmada pessoalmente em deslocação que F efectuou a Lisboa em princípios de Junho de 1995 [quesito 38.º].

III – OS FACTOS E 0 DIREITO

É pelas conclusões do recurso que se delimita o seu âmbito de cognição, nos termos do disposto nos artigos 690.º e 684.º n.º 3, ambos do Código de Processo Civil, salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 660.º n.º 2 do Código de Processo Civil).

A – QUESTÃO PRÉVIA

Importa frisar que a presente acção deu entrada em tribunal em 13/09/1996, ou seja, antes da entrada em vigor da reforma do Código de Processo Civil introduzida pelos Decretos-Lei números 329-A/95 de 12 de Dezembro e 180/96 de 25/09, que só se verificou, nos termos do artigo 16.º do primeiro diploma citado (com a alteração introduzida pela Lei n.º 28/96 de 2/08- artigo 4.º), em 1/1/1997, só se aplicando aos processos iniciados após essa data.
Logo, em termos adjectivos, os presentes autos são regulados, em regra, pela redacção do Código de Processo Civil anterior a essa importante reforma do regime processual comum, importando, contudo, lembrar as excepções contidas nos artigos 17.º e seguintes do Decreto-Lei 329-A/95 de 12 de Dezembro, no que toca a prazos processuais, citações e notificações, marcação de diligências e adiamentos, instrução, registo das audiências e impugnação e efeitos da sentença, que irão ser tidas, quando necessário, na devida consideração no quadro do presente Acórdão.
Impõe-se ter ainda em atenção o Decreto-Lei n.º 183/2000 de 10/08 que, com entrada em vigor em 1/1/2001, só se aplica aos processos em que o Réu ainda não tenha sido citado (o Réu foi citado nestes autos em 7/10/1996 - fls. 161 e 162), o que releva para efeitos da aplicação do artigo 690.º-A na sua redacção original.          
  
B – NULIDADE DA SENTENÇA

A recorrente começa por vir arguir a nulidade da sentença, nos termos do artigo 668.º, número 1, alínea d) do Código de Processo Civil (“É nula a sentença: d) Quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”), alegando que o tribunal recorrido fundou-se em factos não articulados pelas partes, vertidos na resposta ao quesito 23.º, conhecendo pois de questões de que não podia tomar conhecimento, face ao disposto nos artigos 264.º, números 1 a 3 e 664.º do Código de Processo Civil.
O que a Apelante pretende impugnar, em rigor, é a decisão sobre a matéria de facto, no que respeita à resposta dada ao quesito 23.º do Questionário, por entender que carreou para ali factos não alegados pelas partes e que, por serem essenciais e não instrumentais ou acessórios, não cabem dentro do regime do artigo 264.º do Código de Processo Civil nem foram objecto de discussão e contraditório, conforme é determinado pelo artigo 3.º, número 3 do mesmo texto legal e 20.º, número 4 da Constituição da República Portuguesa.
Pensamos que tal matéria não pode ser reconduzida a uma nulidade de sentença, nos moldes invocados pela Apelante, dado que, objectivamente, não se pode dizer que a sentença, que se limita a integrar a decisão sobre a matéria de facto (respostas aos quesitos), nesse preciso âmbito, se pronunciou sobre questões de que não podia conhecer, devendo tal impugnação da resposta ao quesito 23.º ser apreciada e decidida na parte do recurso que versa sobre a mencionada decisão sobre a matéria de facto (a decisão final incidiu sobre os factos dados como assentes em despachos anteriores, não tendo autonomia e nada acrescentando ao já aí determinado).                       
Logo, por a questão suscitada não configurar, verdadeiramente, a nulidade de sentença arguida pela Ré nas suas alegações e prevista no artigo 668.º, número 1, alínea d) do Código de Processo Civil, vai a mesma indeferida.                   

C – VALOR DOS DOCUMENTOS EMITIDOS NO ESTRANGEIRO

Uma questão é suscitada nas alegações das partes e que se prende com a genuinidade e força probatória dos documentos produzidos em território estrangeiro, bem como das suas cópias.
Nesta matéria importa chamar à colação o disposto nos artigos 365.º e 368.º do Código Civil, que estatuem o seguinte:

ARTIGO 365º
(Documentos passados em país estrangeiro)
1. Os documentos autênticos ou particulares passados em país estrangeiro, na conformidade da respectiva lei, fazem prova como o fariam os documentos da mesma natureza exarados em Portugal.
2. Se o documento não estiver legalizado, nos termos da lei processual, e houver fundadas dúvidas acerca da sua autenticidade ou da autenticidade do reconhecimento, pode ser exigida a sua legalização.

ARTIGO 368º
(Reproduções mecânicas)
As reproduções fotográficas ou cinematográficas, os registos fonográficos e, de um modo geral, quaisquer outras reproduções mecânicas de factos ou de coisas fazem prova plena dos factos e das coisas que representam, se a parte contra quem os documentos são apresentados não impugnar a sua exactidão.
              
Compulsados os autos, verifica-se que as partes não exigiram a legalização dos documentos passados em país estrangeiro nem impugnaram a exactidão da reprodução mecânica dos documentos juntos por fotocópia aos autos, não tendo o tribunal recorrido feito qualquer exigência desse tipo (somente a tradução dos documentos redigidos em língua diversa da nacional foi determinada, tendo tal tradução se verificado relativamente aos documentos pertinentes).
Logo, não existe obstáculo legal a consideram-se como genuínos e com a força probatória inerente aos mesmos todos os documentos constantes nos autos que tenham as referidas características (estrangeiros e reproduções).     

D – IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
(…)

D1 – Quesito 23.º

(…)
Defende a Apelante que existe um manifesto excesso na resposta a este quesito, por se referir a factos essenciais, não alegados pelas partes e sobre os quais não houve discussão e contraditório, devendo tal resposta ser limitada à sua primeira parte (que termina em “SOCIEDADE A”).
Embora se possa defender, numa primeira análise, que a segunda parte da resposta a este quesito (a partir de “que a 6 de Dezembro…”) nada tem a ver com a matéria de facto perguntada no mesmo, pensamos que tal tese cede face a uma interpretação mais cuidada de tal resposta, pois, em rigor, os factos mencionados nessa segunda parte procuram esclarecer e complementar aqueles que figuram na 1.ª parte da dita resposta, que, objectivamente, tem carácter restritivo e procura evitar ser conclusiva ou integrar matéria de direito.
Para se compreender melhor o que se deixou exposto, verifica-se que a expressão “à Autora” constante do quesito foi substituído pela menção “a F”, que, ao traduzir a realidade dos factos, deixa ao julgador a liberdade de considerar ou não que tal remessa para o identificado indivíduo era ou não feita para a Autora, consoante aquele tivesse ou não a qualidade de seu representante legal.
Mas o tribunal recorrido não se limitou a restringir a sua resposta, tendo ainda justificado o envio, por parte e na perspectiva do Réu, da aludida documentação para F, com base nas duas “Resolution” que se mostram juntas a fls. 149 (Documento n.º 14) e 153 (Documento n.º 16) e que foram apresentadas pela própria Autora (traduções constantes de fls. 657 e 644).
Logo, perante tal enquadramento de facto e de direito, não nos parece que o juiz que respondeu ao Questionário tenha extravasado o teor, alcance e sentido do Quesito 23.     
Mas, ainda que assim não se entendesse e olhando para o estatuído nos artigos 653.º, números 5 (redacção do Decreto-Lei 39/95 de 15/02) e 712.º, número 4 do Código de Processo Civil, verifica-se que a decisão da matéria de facto só pode ser alvo de reclamação pelas partes ou de anulação pelo tribunal de recurso quando for deficiente, obscura ou contraditória, o que não é o caso dos autos, sendo talvez por essa razão que a Apelante funda a impugnação em apreço na violação do disposto nos artigos 264.º, números 1 a 3 e 664.º do Código de Processo Civil.
Os artigos 264.º e 664.º do Código de Processo Civil tinham a seguinte redacção, que é a aplicável, atenta a data da propositura da acção (13/09/1996):

Artigo 264.º
(Princípio dispositivo. Poder inquisitório do juiz
1. A iniciativa e o impulso processual incumbem às partes.
2. As partes têm, porém, o dever de, conscientemente, não formular pedidos ilegais, não articular factos contrários à verdade nem requerer diligências meramente dilatórias.
3. O juiz tem o poder de realizar ou ordenar oficiosamente as diligências que considere necessárias para o apuramento da verdade, quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer.

Artigo 664.º
(Relação entre a actividade das partes e a do juiz)
O juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito; mas só pode servir-se dos factos articulados pelas partes, salvo o que vai disposto nos artigos 514.º e 665.º.  

Não estando nós face a factos notórios ou de conhecimento oficioso do tribunal (artigo 514.º) nem a uma situação de uso anormal do processo (artigo 665.º), é manifesto que o tribunal, à data da decisão da matéria de facto, se movia dentro de um quadro processual muito restrito onde lhe só era permitido o uso de factos articulados pelas partes e factos acessórios que visassem esclarecer ou enquadrar os mesmos, não lhe sendo já possível a utilização de factos instrumentais, complementares ou concretizadores de outros articulados pelas partes, ainda que não alegados, mas que tenham resultado da discussão da causa e sobre os quais tenha sido exercido o contraditório (cf. números 2 e 3 do artigo 264.º na sua redacção actual).
Importa agora verificar se as partes alegaram os factos contidos na segunda parte da resposta ao quesito 23.º e que se referem aos dois seguintes factos:
- Que a 6 de Dezembro de 1991, a Autora nomeou SOCIEDADE C como seu primeiro director;
- E que, a 20 de Outubro de 1993, SOCIEDADE C designou F para a representar quando a mesma actuar como directora de outra sociedade.        
Analisados os articulados das partes, verifica-se que a recorrente não tem razão quando pretende qualificar como factos não alegados os eventos acima descritos, pois não só os mesmos se referem a documentos juntos a fls. 149 (Documento n.º 14) e 153 (Documento n.º 16) e que foram apresentadas pela própria Autora (muito embora, só por si, não substituam a alegação dos factos), como ainda porque existem diversas referências aos poderes de representação de F e aos documentos que os suportam na petição inicial (artigos 53.º e 60.º e também os artigos 82.º a 86.º e 88.º, ainda que de uma forma global ou indirecta) e na contestação (artigos 7.º, 11.º, 35.º e 36.º, ainda que de uma forma indirecta, e 37.º), tendo as partes tido oportunidade de se pronunciar sobre tais alegações e documentos onde as mesmas se suportam e para onde remetem, tendo ficado, por tal motivo, assegurado o exercício do princípio do contraditório (muito embora os números 3 e 4 do artigo 3.º do Código de Processo Civil não se apliquem aos presentes autos, por terem sido introduzidos pelo Decreto-Lei n.º 180/96 de 25/09).
Importa lembrar, como bem faz a Apelada, que a alegação por remissão para o teor de documentos juntos, nos moldes em que as partes o fizeram e apesar de parca e sem a concretização desejável, é processualmente admissível, conforme é defendido pela nossa doutrina e jurisprudência, bastando, para o efeito, compulsar os Acórdãos que se mostram enunciados a fls. 1520 e 1521 dos autos.                  
(…)
Depois de ouvidos tais depoimentos, que se mostram registados em cassete áudio, constata-se que nada de substancial ou conclusivo se retira dos mesmos a respeito da segunda parte da resposta ao quesito 23.º, o que acarreta, nessa medida, a sua alteração, traduzida na sua eliminação, ficando o respectivo ponto 49 reduzido à sua primeira parte: “O Réu enviou a F, antes da conversão referida em R) e dos débitos mencionados em U) e X), extractos de depósito da Autora e dos mapas de cobertura dos financiamentos à SOCIEDADE A”;       
Chegados aqui e na sequência do admitido pedido de ampliação do âmbito do recurso por parte do Apelado (artigo 684.º-A do Código de Processo Civil, já aplicável a estes autos, na sua fase de recurso), impõe-se suscitar a este respeito uma outra questão, que se prende com a circunstância das duas “Resolution” juntas a fls. 149 (Documento n.º 14) e 153 (Documento n.º 16), terem sido apresentadas pela própria Autora, sem que ela as impugnasse antecipada e minimamente, em termos de genuinidade e conteúdo, na petição inicial, idêntica posição tendo assumido na sua réplica relativamente a esses documentos, apesar do Banco Réu se ter socorrido deles, para consubstanciar a sua alegação (artigos 7.º, 11.º e 37.º), que também não foi objecto de oposição genérica ou especificada naquele segundo articulado do Autor.
Como afirma o Banco Réu nas suas alegações, a Autora só se pronuncia e questiona o exacto alcance jurídico da procuração junta como Documento nº 15, a fls. 150 a 152 (tradução a fls. 637 e 638) mas nada refere (em rigor, remete-se ao silêncio quanto a eles e aos factos que atestam) com relação aos demais documentos relativos à qualidade da SOCIEDADE C, como sua primeira e única directora e da designação de F para a representar sempre que for directora de outra sociedade.        
Ora, a ser assim, não só os referidos documentos, porque aceites por ambas as partes (sendo certo que o primeiro é emanado da própria Autora) fazem prova plena do seu teor, nos termos e para os efeitos dos artigos 365.º, 368.º, 369.º e seguintes e/ou 373.º e seguintes do Código Civil, como ainda os factos que deles ressaltam e que consubstanciam a alegação do Réu não foram objecto de desacordo mínimo entre as partes.
Logo, tais factos, em rigor, deveriam ter sido carreados, no momento próprio, para a Especificação, pelo tribunal recorrido, o que o mesmo não fez, apesar da reclamação nesse sentido feita pelo Banco Réu, numa actuação processualmente censurável, este Tribunal da Relação de Lisboa, ao abrigo do artigo 712.º, número 1, alínea b) do Código de Processo Civil decide considerá-los como assentes tendo, para o efeito, o suporte probatório acima enunciado (acordo das partes e documentos).
Logo, entende-se dar como assentes os seguintes factos, com base nos fundamentos acima expostos:
- A 6 de Dezembro de 1991, a Autora nomeou SOCIEDADE C como seu primeiro director;
- A 20 de Outubro de 1993, SOCIEDADE C designou F para a representar quando a mesma actuar como directora de outra sociedade.        
(…)
Sendo assim, pelos motivos expostos, tem este recurso de Apelação de ser julgado improcedente nesta vertente de impugnação da decisão da matéria de facto.                                 

E – MATÉRIA DE DIREITO

Julgada que se mostra a parte do presente recurso referente à matéria de facto, passemos à apreciação das questões de direito no mesmo suscitadas.
       
E1 – REGIME LEGAL APLICÁVEL

As partes aceitam os seguintes factos e matéria de direito:
- A Autora é uma sociedade comercial estrangeira, porque formalmente constituída nas Ilhas Virgens Britânicas e com sede social firmada nesse mesmo território;
- A SOCIEDADE C é também uma sociedade comercial estrangeira, porque formalmente constituída nas Ilhas Virgens Britânicas e com sede social firmada nesse mesmo território (cf. fls. 467 a 469);
- A Autora e o Réu celebraram um contrato de depósito bancário (à ordem e a prazo);
- O Banco demandado invocou a constituição e execução de um penhor mercantil sobre as quantias existentes na conta resultante daquele negócio jurídico como causa justificativa do levantamento dos montantes aqui reclamados. 
As partes já não parecem estar de acordo quanto à lei que deve regular tal constituição, administração e actividade comercial, mas afigura-se-nos nítido que a mesma deve ser a Lei das Sociedades Comerciais Internacionais publicada nas Ilhas Virgens Britânicas (junta, devidamente traduzida, a fls. 1576 e seguintes), face ao disposto no artigo 3.º do nosso Código das Sociedades Comerciais, quando refere que “as sociedades comerciais têm como lei pessoal a lei do Estado onde se encontre situada a sede principal e efectiva da sua administração. (…)” (regra especial relativamente ao regime geral do Código Comercial), convindo ainda ter em atenção os artigos 33.º, 34.º, 38.º e 39.º, número 2 do Código Civil.  
No que se refere à relação bancária estabelecida entre as partes e as operações e actos desenvolvidos no quadro da mesma (aí se incluindo a garantia em discussão nos autos), importa realçar que tais factos acontecem no âmbito de uma conta aberta numa agência de um banco português, situada na zona franca da ilha da Madeira (território nacional), sendo expressamente referido no contrato com a SOCIEDADE A (SOCIEDADE A - BANCO, S.A. /93 – fls. 44 e seguintes) que o BANCO, S.A. está representado em tal negócio através dessa sua sucursal existente na Madeira, vindo a mencionada garantia a ser prestada por referência a esse primeiro acordo (não é despicienda também, para esse efeito, a escolha do foro da comarca de Lisboa efectuada no dito contrato com a SOCIEDADE A), tendo este e aquela de serem cumpridos por referência às contas abertas naquela mesma delegação pelas diversas empresas.
Ora, perante tal cenário e o disposto nos artigos 4.º e 6.º do Código Comercial, pensamos que a lei aplicável a esses aspectos é a portuguesa.

E2 – ACTIVIDADE DA AUTORA

A primeira questão suscitada prende-se com o objecto social da Autora e com a possibilidade legal da mesma constituir, sem causa justificativa aparente, uma garantia real (penhor) a favor de uma outra sociedade.
Se olharmos para o Pacto Social da Autora, cuja tradução consta de fls. 572 e seguintes, constatamos que o seu objecto social é o seguinte:
4. É o seguinte o objecto social da Empresa:
a) Levar a cabo os negócios próprios de uma empresa de investimentos e, para esse efeito, adquirir e deter, em nome da empresa ou em nome de qualquer pessoa designada, acções do capital da empresa, títulos de dívida, certificados de obrigações, títulos e outros documentos financeiros.
b) Adquirir quaisquer das referidas acções do capital da empresa, títulos de dívida, certificados de obrigações, títulos, e outros documentos financeiros, mediante subscrição original, contrato, oferta, compra, subscrição por troca, ou de qualquer outro modo, e subscrever os mesmos sujeito aos tais termos e condições (se for o caso) que possam ser considerados convenientes.
c) Exercer e fazer valer todos os direitos e poderes conferidos por ou relacionados com a posse de quaisquer das referidas acções, participações, obrigações ou outros valores incluindo, sem prejuízo para a generalidade do que acima foi mencionado, todos os poderes de veto ou controlo, que possam ser conferidos em virtude da detenção pela empresa, de uma proporção especial da quantidade emitida ou nominal dos mesmos, e fornecer serviços de gestão e outros serviços de supervisão executiva ou de consultoria, a ou em relação a qualquer empresa na qual a empresa detenha alguma participação ou nos termos que forem considerados convenientes.
d) Comprar, deter, reter, subdividir, arrendar, vender, alugar, preparar terrenos para construção, construir, reconstruir, alterar, melhorar, decorar, mobilar, operar, manter, reclamar, ou de qualquer outra forma comercializar e/ou urbanizar e desenvolver terrenos e imóveis e de outra forma negociar em propriedades imobiliárias sob todas as suas formas, para efectuar adiantamentos sobre a garantia de terrenos ou casas ou outros bens ou qualquer outro interesse sobre os mesmos, que já estejam edificados ou em fase de construção, sob uma primeira hipoteca ou encargo, ou sujeitos a uma hipoteca ou hipotecas prévias ou a um encargo ou encargos, e para urbanizar e desenvolver terrenos e imóveis, como possa ser necessário, mas sem prejuízo para a generalidade do que acima foi dito.
e) Levar a cabo actividades como negociantes e comerciantes de qualquer tipo, natureza ou descrição; e a venda ou prestação de produtos e serviços relacionados; e a contratação do pessoal necessário para o efeito.
f) Sem prejuízo para a generalidade dos parágrafos anteriores: comprar, vender, trocar, alugar, administrar, deter, negociar, investir em todo o tipo de bens móveis ou imóveis, mercadorias, matérias-primas, efeitos, produtos, serviços de qualquer tipo, natureza ou descrição; levar a cabo qualquer tipo de operação comercial ou financeira; receber e/ou pagar royalties, comissões e outros rendimentos ou despesas de qualquer tipo; adquirir, construir, fretar, deter, operar, gerir e administrar embarcações de transporte de qualquer tipo, bem como os seus apetrechos e serviços e agências relacionadas; a venda ou prestação de serviços e a contratação do pessoal necessário para o efeito.
g) Comprar, vender subscrever, investir em, trocar ou de qualquer outra forma adquirir e deter, administrar, desenvolver, negociar com e tirar proveito de quaisquer obrigações, títulos de dívida, acções (quer estas estejam totalmente pagas ou não), opções, mercadorias, contratos de entregas futuras, títulos, ou instrumentos financeiros de governos, estados, municípios, autoridades públicas, ou sociedades públicas ou privadas, limitadas ou não, em qualquer parte do mundo, metais preciosos, gemas, obras de arte e outros artigos de valor, quer numa base de pagamento a pronto ou margem de venda, e incluindo vendas a curto prazo, e emprestar dinheiro contra a garantia de quaisquer dos bens acima mencionados.
h) Pedir emprestado ou angariar fundos mediante a emissão de títulos de dívida, acções (perpétuas ou a prazo fixo), obrigações, hipotecas ou quaisquer outros instrumentos financeiros assentes ou com base em todos ou em qualquer um dos activos ou bens da Empresa, ou sem qualquer garantia e nos termos no que respeita à prioridade ou outros que a Empresa considere convenientes.
i) Envolver-se em qualquer tipo de negócio ou negócios, ou em qualquer acto ou actividade, que não sejam proibidos ao abrigo de nenhuma lei que esteja na altura em vigor nas Ilhas Virgens Britânicas.
j) Fazer tudo o que seja incidental para ou que a Empresa considere que pode conduzir ao atingimento de quaisquer dos objectivos mencionados anteriormente.
E por este meio se declara que a intenção é que cada um dos objectos especificados em cada um dos parágrafos desta cláusula deverá, excepto quando algo em contrário esteja expresso nesse parágrafo, ser um objecto principal independente e que de modo algum será limitado ou restringido, quer por referência ou por inferência dos termos de qualquer outro parágrafo ou do nome da Empresa.
5. A Empresa não tem poderes para:
a) Levar a cabo negócios com pessoas residentes nas Ilhas Virgens Britânicas;
b) Deter interesses em bens imobiliários situados nas Ilhas Virgens Britânicas, a não ser que se trate de arrendamentos de propriedades para uso de escritórios, para que a partir de aí comunique com os accionistas ou para guardar ou preparar os livros e registos da Empresa;
c) Aceitar depósitos bancários; ou
d) Aceitar contratos de seguros.”
A Lei das Sociedades Comerciais Internacionais, por seu turno, no seu artigo 9.º (Poderes) estatui o seguinte:
“ (1) Sem prejuízo de limitações ou disposições em contrário constantes do seu memorandum ou dos seus estatutos, deste diploma ou de qualquer outra lei actualmente em vigor nas Ilhas Virgens Britânicas, uma sociedade constituída nos termos deste diploma tem o poder, independentemente de beneficio social, de praticar todos os actos e desenvolver todas as actividades necessárias ou auxiliares à condução, promoção ou consecução do objecto social da sociedade, incluindo o poder de:
(a) Emitir acções nominativas ou acções emitidas ao portador ou ambas;
(b) Emitir:
(i)   acções com direito de voto,
(ii)  acções sem direito de voto,
(iii) acções que possam ter mais ou menos do que um voto por acção;
(iv) acções com direitos de voto que podem ser exercidos somente relativamente a certas matérias e aquando da ocorrência de determinados factos, e
(v) acções com direitos de voto que podem ser exercidos somente quando aquelas forem detidas por pessoas que satisfaçam determinados requisitos;
(c) Emitir acções ordinárias, acções preferenciais, acções limitadas e acções remíveis;
(d) Emitir acções que conferem direito a participar somente em certos bens;
(e) Emitir opções, warrants ou direitos, ou instrumentos de natureza similar, para adquirir quaisquer valores mobiliários da sociedade;
(f) Emitir valores mobiliários que, por opção do detentor ou da sociedade ou aquando de um evento específico, são convertíveis ou permutáveis por outros valores mobiliários da sociedade ou por quaisquer bens que sejam ou venham a ser propriedade da sociedade;
(g) comprar, remir ou por outra forma adquirir e deter as suas próprias acções;
(h) garantir uma responsabilidade ou obrigação de qualquer pessoa e assegurar qualquer das suas obrigações através de hipoteca, penhor ou outro ónus sobre qualquer dos seus bens para aquele efeito; e
(i) proteger os bens da sociedade em beneficio da sociedade, dos seus credores e dos seus sócios, e, no âmbito do poder discricionário dos administradores, em beneficio de qualquer pessoa com um interesse directo ou indirecto na sociedade.
(2) Para efeitos do parágrafo (i) da subsecção (1), não obstante qualquer outra disposição deste diploma ou de qualquer outra disposição legal actualmente em vigor nas Ilhas Virgens Britânicas ou qualquer outra disposição legal em contrário, os administradores podem determinar a transmissão pela sociedade de qualquer dos seus bens em trust para um ou mais trustees, para qualquer sociedade, associação, parceria, fundação ou entidade similar; e, relativamente a essa transferência, os administradores podem garantir que a sociedade, os seus credores, os seus sócios ou qualquer pessoa com um interesse directo ou indirecto na sociedade, ou qualquer um deles, possam ser os beneficiários, credores, sócios, detentores de títulos ou detentores de qualquer interesse similar.
(3) Os direitos ou interesses de qualquer credor existente ou subsequente da sociedade sobre quaisquer bens desta não são afectados por qualquer transmissão nos termos desta subsecção (2), e estes direitos ou interesses são oponíveis a qualquer transmissário em qualquer das referidas transmissões.
Confrontando o objecto social da Autora com tal disposição legal verifica-se que nada obsta a que a Apelante garanta “uma responsabilidade ou obrigação de qualquer pessoa e” assegure “qualquer das suas obrigações através de hipoteca, penhor ou outro ónus sobre qualquer dos seus bens para aquele efeito”, pois inexistem “limitações ou disposições em contrário constantes do seu memorandum ou dos seus estatutos”, sendo certo que os próprios estatutos da empresa permitem que esta possa “envolver-se em qualquer tipo de negócio ou negócios, ou em qualquer acto ou actividade, que não sejam proibidos ao abrigo de nenhuma lei que esteja na altura em vigor nas Ilhas Virgens Britânicas “, bem como “fazer tudo o que seja incidental para ou que a Empresa considere que pode conduzir ao atingimento de quaisquer dos objectivos mencionados anteriormente”.
A Apelante, por comparação com o nosso regime legal das sociedades comerciais, entende que todas as actuações acima elencadas e contidas na Lei das Sociedades Comerciais Internacionais e nos Estatutos da Autora tem sempre de se subordinar à sua específica natureza jurídica de pessoa colectiva e aos fins por ela perseguidos (conforme estatui o nosso artigo 160.º, “a capacidade das pessoas colectivas abrange todos os direitos e obrigações necessários ou convenientes à prossecução dos seus fins”), o que implicaria sempre a invalidade jurídica da garantia prestada (penhor), mas, salvo melhor opinião, no caso vertente, em que o objecto social da Autora se pode caracterizar como aberto ou ilimitado, dado consentir, para além das inúmeras actividades especificadamente discriminadas nas demais alíneas, todas as outras que o ente societário entender prosseguir e que não sejam legalmente proibidas, torna-se despiciendo procurar defender a nulidade do penhor por incapacidade jurídica ou preterição das finalidades sociais por parte da Apelante.
Importa referir ainda, a este propósito, que face ao transcrito regime legal e aos estatutos da Autora, não tem grande relevância, para efeitos da sua validade e eficácia jurídicas, o facto de nos encontrarmos perante um eventual acto gratuito ou sem causa aparente (muito embora nos seja permitido duvidar dessa tese da Apelante, apesar das razões e relações existentes entre a Autora, a SOCIEDADE A e as demais sociedades garantes constituírem um entre outros mistérios, que as partes nunca quiseram verdadeiramente esclarecer).                         
 
E3 – REPRESENTAÇÃO DA AUTORA

Outra questão fulcral neste recurso prende-se com a legalidade e legitimidade da representação da Autora por parte de F.
Importa olhar para os documentos relevantes, que se mostram juntos aos autos a fls. 149 a 153 (traduções constantes de fls. 657, 637 e 638 e 644, respectivamente) – duas “resolution” e uma procuração –, datados, respectivamente, de 6/12/1991, 20/10/1993 e 26/07/1990.
Como já acima deixámos afirma, a procuração é emitida pela SOCIEDADE C, enquanto sociedade constituída ao abrigo das Leis das Ilhas Virgens Britânicas, e tem o seguinte teor:

PROCURAÇÃO
Seja dado conhecimento que, SOCIEDADE C, uma sociedade constituída de acordo com as leis das Ilhas Virgens Britânicas, com sede em …, Ilhas Virgens Britânicas, representada neste acto por PETER, actuando na sua qualidade de director, nomeia como seu procurador o Sr. F, para, em seu nome e nessa qualidade, com o poder de substabelecer, realizar um ou todos os seguintes actos:
1. Negociar, concluir, assinar, executar e entregar em sua representação títulos translativos de propriedade, alienações, transferências, escrituras públicas, documentos, licenças, delegações de poderes ou acordos que o referido Procurador considere necessário para vender ou adquirir quaisquer bens em qualquer parte do mundo (adiante designados por "bens"), nos termos em que o Procurador considere convenientes ou desejáveis, gozando de absoluta discricionariedade.
2. Elaborar, assinar, executar, entregar, registar, tomar conhecimento ou executar na forma exigida pela lei aplicável, hipotecas, encargos, direitos de retenção ou ónus sobre os activos ou prestações acessórias, propriedades e empreendimentos adquiridos pela companhia em condições tais que o Procurador considere suficientes e desejáveis, na sua absoluta discricionariedade.
3. Celebrar contratos de locação, cobrar rendas em nome da sociedade, no que respeita a qualquer propriedade.
4. Negociar com instituições bancárias e financeiras, em qualquer parte do mundo, e abrir, fechar e movimentar quaisquer contas, depósitos ou transacções financeiras de qualquer tipo negociadas com ou através das referidas instituições bancárias e financeiras.
5. Outorgar mandatos bancários, assinar formulários, ou exercer quaisquer poderes necessários ou requeridos por qualquer banco.
6. Levantar dinheiro, títulos de crédito ou outros bens de contas em instituições bancárias ou outras, já existentes ou abertas pelo referido Procurador; emprestar dinheiro e penhorar propriedades como garantia de empréstimo; assinar ou endossar cheques, minutas, notas, cartas de instruções ou quaisquer documentos ou acordos relativos a quaisquer bens depositados ou a depositar em instituições bancárias ou outras.
7. Desempenhar as tarefas necessárias, de acordo com a lei aplicável, para a sociedade desenvolver a sua actividade, completar, assinar e entregar os referidos documentos, comparecer perante tais entidades e celebrar tais compromissos ou obrigações necessários ou desejáveis.
8. Comprar ou vender em sua representação, todas ou quaisquer acções, quotas, anuidades, "debentures", títulos de crédito, obrigações e todas as espécies de títulos de crédito ou investimentos e, para tal, pagar a "brokers" e a outros agentes em sua representação.
E nós, em representação da Companhia, os seus administradores e directores, por este meio ratificamos e confirmamos tudo o que o referido Procurador dever legalmente fazer pelo presentemente estatuído; e renunciamos a quaisquer acções ou transacções e futuros acordos e contratos com quaisquer pessoas individuais, associações, sociedades ou entidades com as quais SOCIEDADE C se tenha obrigado por qualquer forma, ainda que tal obrigação tenha sido contraída após a revogação, a menos, no entanto, que tal revogação tenha sido efectivamente comunicada.
Em testemunho do referido Director, de CAMBET INC., celebrou esta Procuração, assinada neste dia 26 de Julho de 1990.
(Assinatura ilegível)
Director
Peter
TESTEMUNHA: (assinatura ilegível)
O abaixo-assinado notário certifica a assinatura do Sr. Peter.
Luxemburgo, 26 de Julho, 1990
    
Por seu turno a “resolution” de 6/12/1991 tem o conteúdo de seguida transcrito:

DECISÃO DO SUBSCRITOR
De
SOCIEDADE G
                                            
O abaixo-assinado, como Subscritor do Memorando e Estatutos de SOCIEDADE G, uma Sociedade constituída de acordo com a Lei das Ilhas Virgens Britânicas, (a "Sociedade"), nomeia:
SOCIEDADE C
Como primeiro(s) Director(es) da Sociedade a desempenhar(em) as suas funções até à nomeação dos seus substitutos ou até à sua renúncia ou destituição, produzindo esta nomeação efeitos imediatos e sem demais requisitos.
Datado de 6 de Dezembro de 1991
Assinatura ilegível
M
Subscritor

Finalmente, é do seguinte teor a “resolution” de 20/10/1993:
 
DELIBERACÃO DE SOCIEDADE C
A Abaixo-assinada, uma sociedade constituída e existente nas Ilhas Virgens Britânicas, com sede em Ilhas Virgens Britânicas,
DESIGNA
Com o poder de substabelecer, o SR. F, para a representar, quando actuar como Director de outra Sociedade, até os seus substitutos serem eleitos, ou até à sua renúncia ou destituição do cargo, produzindo esta nomeação efeitos imediatos e sem demais requisitos.
Datado de 20 de Outubro de 1993.
Assinatura ilegível
SOCIEDADE C
  
Analisando cuidadosamente esses três documentos, constata-se que a SOCIEDADE C (constituída em 2/01/1990 – fls. 490), quando ainda nem sequer se encontrava constituída a Autora (o que só veio a acontecer em 6/6/1991 - fls. 221 e seguintes), emitiu procuração a favor do referenciado F delegando nele um conjunto muito considerável de poderes.
Após a formação legal da SOCIEDADE G, veio esta, em 6/12/1991, a nomear a referida SOCIEDADE C como sua primeira (e única) directora.
A primeira questão que aqui se pode levantar respeita à conjugação entre aquela procuração e esta decisão/nomeação, ou seja, averiguar se existe algum obstáculo ou impedimento jurídicos a que o citado F também represente a SOCIEDADE C no exercício das correspondentes funções e poderes de Directora da Autora, alargando assim o âmbito e eficácia jurídica da mesma a esta nova e superveniente situação.
Importará lançar mão do Pacto Social e dos Estatutos da dita empresa SOCIEDADE C, que se encontram juntos a fls. 489 e seguintes (tradução e originais), aí se constatando que a mesma tem um objecto social idêntico ao da Autora (Pontos 4 e 5 do Pacto Social - fls. 491 e 492) – e que a matéria referente aos Administradores e Representantes da Empresa (Pontos 46 a 77 dos Estatutos – fls. 499 a 503) estatui que “Os administradores da Empresa podem, mediante uma deliberação dos administradores, nomear representantes da Empresa em qualquer altura que tal seja considerado necessário ou conveniente…” (Ponto 58).
Por outro lado, a Lei das Sociedades Comerciais Internacionais das Ilhas Virgens Britânicas consagra quanto a esta matéria o seguinte:
PARTE V
Administradores, Funcionários, Representantes e Liquidatários
42. (Gestão por Administradores) Sem prejuízo de quaisquer limitações constantes do seu memorandum ou dos seus estatutos, a actividade e negócios da sociedade constituída nos termos deste diploma serão geridos por um conselho de administração composto por uma ou mais pessoas, que podem ser pessoas singulares ou sociedades.
43. (Eleição, período e destituição de administradores) (1) Os primeiros administradores de uma sociedade constituída nos termos deste diploma serão eleitos pelos subscritores do memorandum, e posteriormente os administradores serão eleitos pelos sócios pelo período que os sócios determinarem, e, se permitido pelo memorandum ou pelos estatutos de uma sociedade constituída nos termos deste diploma, os administradores podem também eleger administradores por um período determinado por aqueles administradores.
(2) Cada administrador ocupa o cargo até o seu sucessor tomar posse ou até à sua morte, renúncia ou destituição, consoante o que ocorra primeiro.
(3) (…)
44. (Número de Administradores) O número de administradores será fixado pelos estatutos e, sem prejuízo de quaisquer limitações constantes do memorandum ou dos estatutos, os estatutos podem ser alterados de forma a mudar o número de administradores,
45. (Poderes dos Administradores) Os administradores têm todos os poderes da sociedade que não se encontram reservados aos sócios nos termos deste diploma ou no memorandum ou estatutos.
46. (Remuneração dos Administradores) (…)
47. (Comissões de Administradores) (1) (…)
48. (Reuniões de Administradores) (1) (…)
49. (Convocação de reuniões de administradores) (1)(…)
50. (Quórum de reuniões de administradores) (…)
51. (Autorização de Administradores) (…)
52. (Representante) (1) Sem prejuízo de quaisquer limitações constantes do memorandum ou dos estatutos, um administrador pode, através de documento escrito, nomear um representante que pode não ser administrador.
(2) Um representante de um administrador nomeado nos termos da subsecção (1) tem o direito de participar em reuniões na ausência do administrador que o nomeou e de votar ou autorizar no lugar do administrador.
53. (Funcionários e representantes) (1) Os administradores podem, por deliberação de administradores, nomear qualquer pessoa, incluindo um administrador, para ser funcionário ou representante da sociedade.
(2) Sem prejuízo de quaisquer limitações constantes do seu memorandum ou dos estatutos, cada funcionário ou representante tem os poderes e autoridade dos administradores, incluindo o poder e autoridade de apor o carimbo oficial da sociedade, tal como estabelecido nos estatutos ou na deliberação de administradores de nomeação do funcionário ou do representante, mas nenhum funcionário ou representante tem qualquer poder ou autoridade relativamente às matérias que exijam uma deliberação de administradores nos termos da secção 46 e desta secção.
(3) Os administradores podem destituir um funcionário ou representante nomeado nos termos da subsecção (1) e podem revogar ou alterar um poder atribuído àquele nos termos da subsecção (2).
54. (Padrão de cuidado) (1) Todo o administrador, funcionário, representante ou liquidatário de uma sociedade constituída nos termos deste diploma, na execução das suas funções, deverá agir com honestidade e de boa fé, tendo em vista os melhores interesses da sociedade, e exercer o cuidado, diligência e competência que uma pessoa razoavelmente prudente exerceria em circunstâncias semelhantes.
2) Nenhuma disposição no memorandum ou nos estatutos de uma sociedade constituída nos termos deste diploma ou em qualquer contrato celebrado pela sociedade libera o administrador, funcionário, representante ou liquidatário da sociedade do dever de agir em conformidade com o memorandum ou com os estatutos ou de qualquer responsabilidade pessoal resultante da sua gestão da actividade e negócios da sociedade.
55. (Confiança nos registos e relatórios) (…).
56. (Conflito de interesses) (1) Sem prejuízo de quaisquer limitações constantes do memorandum ou dos estatutos, se os requisitos constantes da subsecção (2) ou (3) forem satisfeitos, nenhum acordo ou transacção entre:
(a) Uma sociedade constituída nos termos deste diploma; e
(b) um ou mais administradores ou liquidatários, ou qualquer pessoa em quem qualquer administrador ou liquidatário tenha um interesse financeiro ou com quem qualquer administrador ou liquidatário esteja relacionado, incluindo na qualidade de administrador ou liquidatário da outra pessoa referida, é nulo ou anulável exclusivamente por este facto ou exclusivamente por o administrador ou o liquidatário estar presente na reunião de administradores ou liquidatários, ou na reunião da comissão de administradores ou liquidatários que aprova o acordo ou a transacção, ou por o voto ou autorização do administrador ou liquidatário ser contado para esse efeito.
(2) Um acordo ou transacção referido na subsecção (1) é válido se:
(a) Os factos relevantes do interesse de cada administrador ou liquidatário no acordo ou transacção e do seu interesse ou relação com qualquer outra parte no acordo ou transacção forem revelados de boa fé ou forem conhecidos pelos outros administradores ou liquidatários; e
(b) o acordo ou transacção for aprovado ou ratificado por uma deliberação de administradores ou liquidatários que tenha sido aprovada:
(i) sem contabilizar o voto ou autorização de qualquer administrador ou liquidatário interessado, ou
(ii) pelo voto ou autorização unânime de todos os administradores ou liquidatários desinteressados, se os votos ou autorizações de todos os administradores ou liquidatários desinteressados for insuficiente para aprovar uma deliberação de administradores ou liquidatários.
(3) Um acordo ou transacção referido na subsecção (1) é válido se:
(a) Os factos relevantes do interesse de cada administrador ou liquidatário no acordo ou transacção e do seu interesse ou relação com qualquer outra parte no acordo ou transacção forem revelados de boa fé ou forem conhecidos pelos sócios com direito a votar numa reunião de sócios; e
(b) o acordo ou transacção for aprovado ou ratificado por uma deliberação de sócios.
(4) Sem prejuízo de quaisquer limitações constantes do seu memorandum ou dos estatutos, um administrador ou liquidatário que tenha um interesse em qualquer negócio específico a ser apreciado numa reunião de administradores, liquidatários ou sócios pode ser contado para determinar se a reunião está devidamente constituída nos termos da secção 50 ou de outras regras.”    
Perante tal quadro estatutário, afigura-se-nos que a designação do mencionado F como representante/procurador da SOCIEDADE C, é perfeitamente válida e eficaz, nos moldes conjugados das cláusulas dos seus Estatutos acima indicadas e das normas transcritas da Lei das Sociedades Comerciais Internacionais (v. g., Ponto 53).
Não descortinamos, por outro lado, obstáculo legal à extensão dos poderes conferidos ao F pela aludida Procuração à direcção da Autora, atento o teor geral e abstracto daquele documento, bem como do que contém a nomeação, para directora da Autora, da SOCIEDADE C (fls. 657).
Dir-se-á que os referidos poderes foram revogados com a emissão de idêntica procuração a favor do sócio beneficiário da Autora, LUÍS (cf. fls. 1095 e 1096), não resultando, contudo, desta última (ou de outro documento complementar) a revogação daquela, na parte em que os respectivos poderes coincidem, ficando a dúvida sobre a verdadeira intenção das sociedades subscritoras de tais documentos (exclusão da primeira pela segunda ou coexistência de ambas as procurações), muito embora os autos pareçam indicar que essas duas declarações unilaterais tinham razões de ser e planos de exercício diversos, surgindo o mencionado F, em termos externos ou públicos, no mercado e nos negócios, como o genuíno representante/procurador da directora da Autora – a empresa SOCIEDADE C –, ao passo que o referido “dono” da Autora se mantinha na sombra, recatado e reservado, muito embora munido com uma procuração daquela, para o que desse e viesse (não fosse o Diabo tecê-las!), pois era esse o seu estatuto e desejo, decorrente da forma e propósito que tinham presidido à constituição da demandante.
Não podemos deixar de estranhar que sendo a intenção da arquitectura especial e interna do tipo de sociedades como o da Autora (“Off Shore”) a de ocultar ou sonegar a identificação dos verdadeiros sócios da mesma aos olhos do mundo, este aparecesse, como um vulgar e público representante da SOCIEDADE G, em papel similar ao do já muito falado F (a comprová-lo está o facto de no seu depoimento desconhecer aspectos essenciais da movimentação das quantias entre contas bancárias da Autora e outras empresas intermédias ou satélites).                
Essas objecções, contudo, são, de todo, afastadas com a emissão da segunda “Resolution”, de 20/10/1993, em que são conferidos poderes directos de representação da Directora SOCIEDADE C em todas as sociedades onde a mesma tenha sido designada e exerça as funções correspondentes a esse cargo, como é o caso da Autora.
Essa Deliberação confere, apesar e para além das mencionadas procurações, poderes directos e imediatos ao F para exercer, em nome e representação da SOCIEDADE C, os respectivos poderes de Directora da SOCIEDADE G, aqui Autora, entre outras.
Os Estatutos da Autora, já acima referidos e juntos a fls. 576 e seguintes, na parte que nos interessa, clausulam o seguinte:
“ADMINISTRADORES
46. Sujeito a qualquer alteração subsequente com vista a alterar o número de administradores, este não deverá ser inferior a um nem superior a sete.
47. O primeiro administrador ou administradores será eleito pelos subscritores do Pacto Social. Daí em diante, o administrador ou administradores serão eleitos pelos accionistas ou pelo administrador (se existir apenas um) ou administradores por um prazo que os accionistas ou o administrador (se existir apenas um) ou os administradores decidam.
48. O administrador ou administradores manter-se-ão em funções até que os seus sucessores assumam as respectivas funções ou até à sua morte, pedido de demissão ou demissão.
49.(…)
REPRESENTANTES
58. Os administradores da Empresa podem, mediante uma deliberação dos administradores, nomear representantes da Empresa em qualquer altura que tal seja considerado necessário ou conveniente e esses representantes poderão ser um Presidente, um ou mais Vice-Presidentes, o Secretário e um Tesoureiro e quaisquer outros representantes que de tempos a tempos possam ser considerados necessários. Esses representantes deverão desempenhar os deveres que lhes sejam indicados na altura da sua nomeação sujeitos a quaisquer alterações relativamente a esses deveres que possam vir a ser determinadas mais tarde pelos administradores, mas na ausência de qualquer atribuição específica de deveres, será da responsabilidade do Presidente a gestão dos assuntos correntes da Empresa, devendo os Vice-Presidentes agir por ordem de antiguidade na ausência do Presidente, e em qualquer outro caso desempenhar os deveres que neles sejam delegados pelo Presidente, incumbindo ao Secretário manter os livros de actas e registos (que não sejam registos contabilísticos) da Empresa, sendo o Tesoureiro responsável pelos assuntos financeiros da Empresa.
59. Qualquer pessoa poderá deter mais do que um cargo, e nenhum representante da Empresa necessita de ser um administrador ou accionista da Empresa. Os representantes mantêm-se nos seus cargos até que deles sejam destituídos pelos administradores quer o seu sucessor tenha ou não sido nomeado.
60. Qualquer representante que seja um órgão corporativo poderá nomear qualquer pessoa como seu representante autorizado com a finalidade de o representar e desempenhar quaisquer das funções atribuídas aos representantes.
PODERES DOS ADMINISTRADORES
61. Os negócios da Empresa serão geridos pelos administradores que poderão pagar todas despesas incorridas antes da constituição da Empresa e com ela relacionada, e poderão exercer todos os poderes da Empresa que as leis ou estes Regulamentos não exijam que sejam exercidos pelos accionistas sujeitos a qualquer delegação de poderes que possa ser autorizada por estes Regulamentos e de acordo com os requisitos que possam ser prescritos por deliberação dos accionistas, mas nenhuma resolução dos accionistas será válida se for inconsistente com estes Regulamentos nem esses requisitos poderão invalidar qualquer acto anterior dos administradores que seria considerado válido se tal requisitos não tivessem sido estabelecidos.
62. O Conselho de Administração pode conferir a qualquer administrador ou representante qualquer dos poderes que por si possam ser exercidos nos ternos e condições e condições que entender adequadas, quer colateralmente quer com exclusão dos seus próprios poderes, e poderá em qualquer altura revogar, retirar, alterar ou variar todos ou qualquer um desses poderes. Os administradores poderão delegar qualquer desses poderes em comités compostos por um ou mais dos seus membros, tal como entendam adequado; qualquer comité assim estabelecido deverá exercer os poderes que deste modo nele foram delegados, de acordo com quaisquer regulamentos que lhe tenham sido impostos pelos administradores.
63. Os administradores poderão, de tempos a tempos, e em qualquer altura e mediante uma procuração nomear qualquer empresa, firma, pessoa ou grupo de pessoas, nomeados directa ou indirectamente pelos administradores, como procurador ou procuradores da Empresa para as finalidades e com os poderes, autoridades e discrições (que não poderão exceder as que competem ou podem ser exercidas pelos administradores ao abrigo destes regulamentos) e durante o período e sujeito às condições que entenderem, podendo essas procurações conter disposições para a protecção e conveniência das pessoas que lidem com esses procuradores, tal como os administradores entendam e pode ainda autorizar esses procuradores a delegar todos ou qualquer um dos seus poderes autoridades e discrições nele investidos.
64. Qualquer administrador que seja uma entidade corporativa poderá nomear qualquer pessoa como seu representante autorizado com a finalidade de o representar nos Conselhos de Administração e para tratar de quaisquer assuntos que sejam da competência dos administradores.
65. Todos os cheques, promissórias, saques, notas de câmbio e quaisquer outros instrumentos negociáveis e todos os recebidos de dinheiros pagos à Empresa, deverão ser assinados, preparados, aceites, endossados ou de qualquer outro modo executados, consoante o caso, tal como os administradores possam estabelecer de tempos a tempos deliberação.
66. Os administradores poderão exercer todos os poderes da Empresa para obterem empréstimos, hipotecar ou onerar os seus projectos, propriedades e capital não subscrito ou qualquer sua parte, para emitir obrigações, promissórias e outros instrumentos financeiros sempre que obtiverem empréstimo ou como garantia de qualquer dívida, responsabilidade ou obrigação da Empresa ou de quaisquer terceiros.
67.(…)
PROCEDIMENTOS DOS ADMINISTRADORES
68. (…)

As regras estatutárias que deixámos transcritas são claras no que toca à possibilidade da Autora ser administrada por um representante designado pelo administrador (único ou não), como é o caso dos autos, o que nos permite concluir pela legalidade e legitimidade da administração da Autora levada a cabo pelo F, enquanto representante da sua única Directora SOCIEDADE C.
A Apelante vem dizer, contudo, que não ficou demonstrado nos autos que o referido F ainda era o representante da Directora da Autora na data em que remeteu o “Fax” de fls. 51, o que aconteceu em 21/12/1994.
Afigura-se-nos, no entanto, que tal tese não pode merecer cobertura legal pois que, como bem afirma o Apelado, na sua conclusão AE) “não era ao Réu que cabia alegar e provar que os poderes do Sr. F se mantinham, mas à Autora que se tivessem extinto (por se tratar de excepção a excepção), tanto mais que nas Ilhas Virgens Britânicas não existe registo obrigatório dos administradores das sociedades comerciais internacionais”.
Parece-nos, com efeito, que o Banco Réu logrou provar suficientemente os poderes de representação da Autora por parte do mencionado F (integrando tal alegação facto impeditivo do efeito jurídico perseguido pela SOCIEDADE G, o que a configura como uma excepção peremptória), cabendo então a esta última empresa articular factos que, integrando uma contra-excepção peremptória, provassem que os referidos poderes já não existiam à data acima aludida de 21/12/1994), o que não foi o caso dos autos (recorde-se que os poderes desse representante, nos termos da deliberação de 20/10/1993 e do regime legal e contratual aplicável, se mantém por tempo indeterminado e até à sua revogação, sendo este último acto, como extintivo, de prova imputável à parte que dele retire benefício – cf. artigo 516.º do Código de Processo Civil).
 
E4 – A AUTORA E A PRESTAÇÃO DA GARANTIA (PENHOR)

Debrucemo-nos, agora, sobre esta matéria, convindo recordar que o objecto social da Autora (i) Envolver-se em qualquer tipo de negócio ou negócios, ou em qualquer acto ou actividade, que não sejam proibidos ao abrigo de nenhuma lei que esteja na altura em vigor nas Ilhas Virgens Britânicas.), bem como o regime legal que regulamenta a constituição e funcionamento das sociedades comerciais internacionais formadas ao abrigo da Lei das Ilhas Virgens Britânicas permite a prestação de garantias a terceiros e independentemente do benefício social que advenha de tal actuação para a própria (uma sociedade constituída nos termos deste diploma tem o poder, independentemente de beneficio social, de praticar todos os actos e desenvolver todas as actividades necessárias ou auxiliares à condução, promoção ou consecução do objecto social da sociedade, incluindo o poder de: (h) garantir uma responsabilidade ou obrigação de qualquer pessoa e assegurar qualquer das suas obrigações através de hipoteca, penhor ou outro ónus sobre qualquer dos seus bens para aquele efeito;), encontrando-se a SOCIEDADE G, por outro lado, jurídica e devidamente representada, para efeitos da administração da sua actividade, pelo F (que tinha sido designado, por sua vez e para esse efeito, como representante da SOCIEDADE C, única Directora da demandante).         
O cenário descrito permite-nos afirmar, sem grandes hesitações, que o penhor sobre os depósitos em dinheiro existentes nas contas abertas na dependência do Banco Réu existente na Madeira pela Autora podia ser constituído em benefício do BANCO, S.A. e relativamente a um contrato celebrado entre este a empresa SOCIEDADE A (cf. tradução do mesmo a fls. 648 a 655), tendo o F poderes jurídicos suficientes para, em nome e representação daquela e enquanto representante da sua única Directora, vincular a mesma à prestação dessa garantia real.
Importa dizer ainda – e analisando uma objecção suscitada pela Apelante – que as limitações que impendem ao nível da capacidade das pessoas colectivas, em função do fim social por elas perseguido, parece não colher, face ao que já acima se deixou explanado, mas ainda porque a Autora não logrou demonstrar a sua total autonomia e independência jurídicas, comerciais, económico-financeiras e em termos do seu substrato pessoal, relativamente à SOCIEDADE A e às demais empresas que garantiram igualmente o negócio jurídico celebrado entre o BANCO, S.A. e a SOCIEDADE A, bem como a sua falta absoluta de interesse no mencionado contrato de mútuo e no desfecho da aquisição especulativa de divisas que possibilitava, tendo antes ficado indiciada a existência de ligações entre todas, dado terem sido constituídas nas Ilhas Virgens Britânicas, em datas muito próximas (1990 e 1991), possuírem um mesmo representante – o citado F – e surgirem, misteriosa e tranquilamente, a prestar o penhor a favor do BANCO, S.A., com referência a um mesmo negócio, sendo certo que sabemos que a Autora utilizava empresas intermediárias para fazer movimentos vários de valores (afigura-se-nos que o ónus da prova nesta matéria se reparte da seguinte forma: a Autora tem de alegar e demonstrar a existência de depósitos e saldos bancários e a sua movimentação unilateral pelo Réu, ao passo que este, a título de excepção tem de arguir e provar a referida garantia – penhor – e os motivos para o seu accionamento, vindo então a Autora por sua vez contra – arguir e comprovar factos que coloquem juridicamente em crise tal garantia e o negócio principal que lhe subjaz – cf. artigos 342.º e seguintes do Código Civil).       
Dir-se-á que a Autora impugnou a assinatura do documento (Fax) através do qual e na versão do Banco Réu, tal garantia teria sido prestada pelo F e, consequentemente, pela SOCIEDADE G, mas, como já deixámos analisado em sede de impugnação da matéria de facto, muito embora ninguém tenha visto o dito representante assinar aquele compromisso, certo é que as circunstâncias e factos que, quer anteriormente, como posteriormente, enquadraram o recebimento desse “fax” pelo Banco revelaram-se suficientes a dar como provado, ainda que com recurso a presunções judiciais – de factos conhecidos o tribunal pode deduzir, com segurança e objectividade, a referida assinatura e remessa – essa subscrição e assunção da garantia em nome e representação da Autora (nesta matéria, muito embora se refira à legislação portuguesa, é curioso citar o acórdão para uniformização de jurisprudência 1/2002, de 06.12.2001, DR I-A, de 24.01.2002, em que foi fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça jurisprudência no sentido de que "A indicação da qualidade de gerente prescrita no n.º 4 do art.º 260.º do Código das Sociedades Comerciais pode ser deduzida, nos termos do art. 217° do Código Civil, de factos que, com toda a probabilidade, a revelem", o que sempre nos levaria a idêntica conclusão).

E5 – VALIDADE JURÍDICA DO PENHOR
 
O “Fax” acima referenciado tem o seguinte teor, conforme fls. 51 (Tradução a fls.):
“Madrid, 21 de Dezembro de 1994
 Meu caro senhor
Peço-lhe que, ao receber esta carta, inclua a SOCIEDADE G no contrato da SOCIEDADE A, em último lugar, de acordo com os termos e condições que regem para o resto das sociedades incluídas no referido contrato.”
Por seu turno, o dito contrato (prestação de garantia) é do seguinte teor, na parte que interessa:
“GARANTIA RELATIVA AO CONTRATO SOCIEDADE A/BANCO, S.A. /93
(23 de Julho de 1994)
(Nomes das Sociedades)
As Sociedades acima identificadas, devidamente representadas para este acto, declaram que:
- Tomaram pleno conhecimento e aceitam integralmente os termos do contrato subscrito entre SOCIEDADE A e o BANCO, S.A., com vista à realização de operações de natureza cambiária, designado “SOCIEDADE A/BANCO, S.A. /93”, do qual este documento de garantia faz parte integrante.
- No que respeita às operações descritas no referido contrato, tanto a SOCIEDADE A, na sua qualidade de mutuária, como as restantes Sociedades, pelas ilações especiais que mantêm com aquela, aceitam assumir conjunta e subsidiariamente o risco derivado das operações cambiárias em questão, garantindo o cumprimento das obrigações contratuais perante o Banco Comercial Português. Nestes termos:
a) Em garantia dos empréstimos contraídos ou a contrair ao abrigo do contrato SOCIEDADE A – BANCO, S.A. /93, e em particular do pagamento das importâncias referidas no respectivo número 9, sociedades acima identificadas com os números 1. a 14., prestam a sua garantia sob a forma de penhor, a favor do Banco Comercial Português com os activos que cada uma de elas mantém na Sucursal Financeira Exterior do citado Banco.
b) Os activos depositados em garantia são constituídos pelas importâncias depositadas e pelo produto das operações cambiárias ou a prazo efectuadas pela sociedade número 1, assim como por outras importâncias depositadas no Banco por qualquer das sociedades indicadas nos números 1 a 14, as quais, como forma de prevenir possíveis oscilações cambiárias não poderão representar, no momento da concessão de qualquer financiamento, na importância inferior a 115% (cento e quinze por cento) das empréstimos em curso.
c) A garantia referida é prestada pelas catorze sociedades acima identificadas, de forma subsidiária, pelo que em caso de execução da garantia aqui prestada, proceder-se-á contra ditas sociedades seguindo a ordem numérica estabelecida, ou seja, desde a sociedade número 1 até à sociedade número 14, em função do que se deva ao Banco.
d) Os activos financeiros sobre os quais incide a garantia ficarão empenhados até a extinção i garantia, que se manterá enquanto subsista alguma dos empréstimos garantidos, e só poderão ser utilizadas pelo Banco para liquidar as obrigações assumidas por
e) Sempre que, devido a variações dos câmbios, a totalidade das importâncias garantidas referidas na alínea b) anterior, seja igual ou inferior a 105% (cento e cinco por cento) da soma dos empréstimos em curso, o Banco poderá exigir ao mutuário, mediante notificação escrita ou verbal dirigida ao seu representante, o reforço da garantia de modo a que esta alcance um grau de cobertura percentual superior a 105%. O grau de cobertura percentual calcular-se-á depois de compensados os activos depositados com os empréstimos traídos na mesma moeda.
f) Se não se efectuar o reforço solicitado no prazo de 24 horas, o Banco poderá proceder de imediato ao cancelamento dos empréstimos em curso bem como à liquidação do capital, juros e demais encargos que sejam adequados, executando, a ser necessário, as garantias prestadas pelas sociedades 1 a 14, de modo sequencial e subsidiário.
12 de Outubro de 1994
(Assinaturas das sociedades)”
Finalmente, tenha-se em atenção o teor do contrato celebrado entre o Banco Réu e a SOCIEDADE A:
“CONTRATO SOCIEDADE A – BANCO, S.A. /93
De uma parte,
SOCIEDADE A, Ilhas Britânicas da Virgínia, adiante designado por primeiro contratante.
De outra parte,
BANCO, S.A., que, intervêm neste acto através da sua Sucursal Financeira Exterior, com sede na Zona Franca da Madeira, adiante designado por Banco.

As partes contratantes acima identificadas subscrevem este contrato nos termos e condições seguintes:
1. Objecto
O presente documento tem por objecto regular os empréstimos contraídos ou a contrair pelo primeiro contratante com o Banco, com vista à realização de operações de natureza cambiária.
2. Forma
Os financiamentos concedidos terão lugar mediante uma autorização de descoberto ou de crédito numa conta do primeiro contratante, sendo o extracto do referido documento suficiente para provar a dívida e os movimentos do empréstimo.
3. Finalidade
As quantidades depositadas destinar-se-ão exclusivamente à realização de operações de natureza cambial, nos registos do próprio Banco, sob a forma de compra e venda de divisas, distintas das do financiamento.
4. Prazo
O prazo de cada operação será o conveniente, caso a caso, renovável automaticamente por períodos idênticos, no caso de não ser denunciado por alguma das partes contratantes, antes de terminado o período inicial ou cada período de renovação.
5. Taxa de juro
A taxa de juro aplicável a cada operação será aquela que as partes hajam convencionado e que conste de documento especialmente elaborado para esse efeito.
6. Condições para os movimentos
a) Durante a vigência do contrato, os movimentos a cargo da conta correspondente a cada financiamento só poderão ser efectuados pelo Banco, como consequência da realização de operações cambiais ou outras, de acordo com as instruções do primeiro contratante.
b) Nesta mesma conta poderão fazer-se livremente movimentos a débito.
c) Os montantes aplicados às operações cambiais não poderão ser, salvo autorização expressa do Banco, utilizados por aplicações cujos prazos ultrapassem a data de vencimento do empréstimo.
7. Reembolso do capital e pagamento de juros
O reembolso do capital descrito e o pagamento dos respectivos lucros, calculados sobre o saldo devedor, terão lugar no fim de cada operação, podendo o Banco, por tal facto, retirar aplicações a prazo eventualmente realizadas, reconverter os fundos acima descritos e aplicados em qualquer divisa na moeda de financiamento e debitar na conta do primeiro contratante o contravalor da dívida.
8. Reembolsos antecipados
Só se admitirão reembolsos antecipados nos prazos a definir em cada caso mediante acordo entre as partes.
9. Prazo do contrato
Dentro do prazo estipulado para o presente contrato, o Banco, uma vez canceladas as operações cambiárias, debitará na conta ou contas do primeiro contratante os montantes correspondentes ao capital referido, juros vencidos, comissões, encargos e gastos inerentes ao contrato ou derivados de operações bancárias realizadas.
10. Mandato irrevogável
Para os efeitos de presente contrato e até ao cumprimento do mesmo, o primeiro contratante confere ao Banco de forma irrevogável, uma vez que o mandato se celebra também no interesse do próprio Banco, os poderes necessários para que:
- Efectue operações e aplicações cambiais e a prazo sobre os activos financeiros;
- Retire as aplicações efectuadas;
- Cumpra e liquide encargos e obrigações legais, assim como obrigações derivadas de financiamentos e responsabilidades assumidas ante o próprio Banco, incluindo o pagamento do capital, juros, comissões e quaisquer outros custos ou encargos.
b) No exercício das faculdades referidas no parágrafo anterior, o Banco poderá celebrar operações consigo mesmo, em representação do primeiro contratante, que este expressamente consente, assim como subdelegar os poderes que lhe são conferidos.
11. Resolução do contrato
Em caso de o primeiro contratante incumprir alguma das obrigações derivadas do presente contrato, o Banco poderá resolvê-lo imediatamente, pondo fim às operações em curso, tendo aplicação o disposto no número 9.
12. Foro competente
Para todas as questões e litígios emergentes do presente contrato, serão competentes os tribunais da Comarca de Lisboa, com renúncia expressa a qualquer outro.
Data: 23 de Julho de 1993
(Anexo: Garantia)
SOCIEDADE A
BANCO, SA

Como já acima deixámos referenciado, a garantia prestada é um penhor (cf., acerca desta garantia real, Antunes Varela, “Das Obrigações em Geral”, Volume II, Almedina, 7.ª Edição, páginas 526 e seguintes) e de natureza objectivamente mercantil (por conexão), por, nos termos do artigo 397.º do Código Comercial, a dívida que cauciona proceder de acto comercial – como é manifestamente o caso do contrato celebrado entre o BANCO, S.A. e a SOCIEDADE A, quer por que se integra na normal actividade daquele, nos termos e para os efeitos do artigo 362.º do mesmo texto legal, como porque o seu objecto tem natureza comercial (44. Pretendendo a SOCIEDADE A que o Réu lhe cedesse importâncias em certa divisa, comprometendo-se a devolvê-las ao Réu, acrescidas de importâncias a título de juros [quesito 7.º] e 45. Sendo as divisas cedidas pelo Réu aplicadas por SOCIEDADE A na aquisição de outra ou outras divisas que esperava que se valorizassem [quesito 5.º]) –, sendo ambos os contraentes do mesmo comerciantes, face ao estatuído na Lei das Sociedades Comerciais Internacionais, 1.º, números 2 e 3 do Código das Sociedades Comerciais e 13.º, número 2 do Código Comercial).    
Impõe-se, por outro lado, recordar que o penhor mercantil em causa incidiu sobre as quantias depositadas nas contas bancárias da Autora e demais sociedades existentes no Banco Réu (e que equivale à sua “entrega”), o que o sujeita, para além do regime constante dos artigos 666.º a 671.º e 679.º e seguintes do Código Civil e 397.º e seguintes do Código Comercial, às normas contidas no Decreto n.º 32 032 de 25/05/1942.
Ora, sendo esse o quadro legal a considerar, afigura-se-nos que o penhor em causa pode ser prestado pela via utilizada pela Autora – reprodução mecânica de documento escrito autónomo –, por a lei não obrigar a forma especial ou a outro tipo de procedimentos – cf., com especial relevância nesta matéria o disposto no artigo 400.º do segundo diploma referido, quando estatui: “Para que o penhor mercantil entre comerciantes por quantia excedente a duzentos mil réis produza efeitos com relação a terceiros basta que se prove por escrito”, bem como o mencionado Decreto n.º 32 032 de 25/05/1942, que vai nesse mesmo sentido.  
A propósito desta questão, as partes nos seus articulados e alegações esgrimem diversos argumentos jurídicos que importa analisar, ainda que sinteticamente.
A recorrente, nas suas conclusões afirma o seguinte:
“43 - O acto de constituição do penhor seria, ainda, nulo por o seu objecto ser indeterminável (artigo 280.1 do C.C.), dado que à garantia não é fixado qualquer tecto de responsabilidade e por ser contrário à lei, pois contrário ao fim da sociedade, não se compreendendo na capacidade desta (artigos 6.1 e 6.3 do CSC e 280.1 do C.C.);
44 - Em face do exposto, será forçoso concluir que o acto de constituição do penhor sobre os depósitos da Autora é nulo ou ineficaz em relação a esta, pelo que a acção teria que proceder. A sentença recorrida violou, pois, o disposto nas supra citadas disposições legais (artigos 33.1, 268, 269, 280.1, 342, 348 e 365 do C.C., 3.3, 6.1 e 6.3 do CSC, e 516 e 540 do CPC);
45 - Na sua actuação, a Ré violou o princípio da boa-fé prescrito no artigo 762.2 do C.C. e os deveres de depositante previstos no artigo 1187(a), (b) e (c) do C.C. Com efeito, da factualidade provada e da demais documentação constante dos autos, decorre que a Ré poderia proceder ao cancelamento dos financiamentos à SOCIEDADE A e executar as garantias, verificando-se um grau de cobertura inferior a 105%. Se a Ré tivesse agido diligentemente e cancelado os financiamentos a partir de 12 de Maio de 1995, os saldos da Autora não teriam sido afectados. Ao deixar agravar a situação, a Ré permitiu que o grau de cobertura fosse sendo reduzido até que os saldos da Autora ficassem totalmente cobertos pelos financiamentos, em claro benefício para a Ré e prejuízo para a Autora”.
 Ora, no que concerne à nulidade do penhor por o seu objecto ser indeterminável, de acordo com o estatuído no artigo 280.º, número 1 do Código Civil (“1. É nulo o negócio jurídico cujo objecto seja física ou legalmente impossível, contrário à lei ou indeterminável”), afigura-se-nos que a SOCIEDADE G não tem razão no que alega, dado que, em rigor, não nos achamos perante um negócio jurídico em que não seja possível determinar, em absoluto, o correspondente objecto mas antes face a um penhor com objecto mera ou relativamente indeterminado, dado que, a todo o momento – nomeadamente, para efeitos de accionamento da garantia em causa – é possível quantificar as quantias mutuadas e utilizadas na aquisição e venda de divisas por parte da SOCIEDADE A e os montantes depositados nas contas desta última bem como das sociedades garantes (como a Autora) e, dessa maneira, averiguar se a totalidade das importâncias que servem de garante (referidas na alínea b)) é igual ou inferior a 105% da soma dos empréstimos em curso, sendo o limite para empréstimos a conceder à SOCIEDADE A estabelecido, de uma forma indirecta, por referência às quantias depositadas em todas as contas que garantem o dito mútuo (mal se compreenderia que, nesta área da actividade bancária e cambiária, em que existe uma constante variabilidade de montantes mutuados, depositados, aplicados e garantidos, com a sua inerente indeterminabilidade momentânea, fossem os contratos respectivos considerados nulos ao abrigo daquela disposição).     
Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil Anotado”, I Volume, 3.ª Edição, 1982, Coimbra Editora, págs. 257 e 258, em anotação aos artigo 260.º e 400.º defendem que “2. Apenas se consideram nulos os negócios jurídicos de objecto indeterminável mas não os de objecto indeterminado. São de objecto indeterminado, por ex., as obrigações genéricas ou alternativas. As obrigações podem também ser ilíquidas, ou encontrar-se a determinação do seu objecto na dependência duma condição. O artigo 400.º estabelece, no domínio das obrigações, regras gerais sobre a determinação da prestação, quando ela esteja confiada a uma das partes ou a terceiro. Pelo que respeita às obrigações genéricas e alternativas, vide os artigos 539.º e seguintes, e 543.º e seguintes. (…) 1. A indeterminação do objecto dos negócios jurídicos é admitida, de uma maneira geral, pelo artigo 280.º, n.º 1. Apenas se exige que seja determinável. Este artigo 400.º regula, precisamente, a forma da sua determinação, no domínio das obrigações. Admite-se que a determinação possa ser confiada, pelos próprios interessados, a uma ou outra das partes (honorários do médico, do advogado, do arquitecto, etc.), ou a terceiro.”
Também a este propósito pode citar-se, “mutatis mutantis”, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9/11/1962, publicado em BMJ, 121, 348 e comentado na Revista dos Tribunais 81.º, 75, quando diz: “O penhor mercantil de títulos ao portador prestado por comerciante a um estabelecimento bancário, por meio de documento particular, com entrega dos títulos, para garantia de crédito bancário, é válido e eficaz, independentemente da especificação da numeração, valor nominal e data da emissão de cada título, exigida, para outros fins, pelo art. 39.º do Decreto-Lei n.º 10.634 de 20 de Março de 1925”.
Logo, não colhendo este argumento jurídico, bem como o da contradição entre o penhor e o fim social da Autora (questão já acima abordada), resta-nos apreciar a questão da má fé do Banco Réu, parecendo-nos que também aqui não procede tal linha de análise, pois tudo indica (para uma constatação do que se aqui afirma, veja-se a matéria de facto abaixo transcrita – pontos 43 e seguintes) que o BANCO, S.A. procurou manter em vigor, até onde a realidade mutável e, por vezes, inesperada do mercado e o risco envolvido no negócio lhe permitiu, o contrato celebrado com a SOCIEDADE A – nomeadamente, através do pedido de reforço das garantias existentes –, de maneira a não ter que accionar o penhor aqui em apreço, não se verificando, por tal razão, qualquer violação ao princípio da boa fé, conforme se acha consagrado nos artigos 227.º, 762.º e 334.º do Código Civil (não ignoramos o que Antunes Varela, obra citada, páginas 546 e 547 (ponto 487) afirma acerca da cobrança dos créditos empenhados, com referência ao artigo 683.º do Código Civil, mas afigura-se-nos que a previsão aí descrita não é aplicável à situação dos autos, sendo certo que uma eventual demora no accionamento da garantia não imporia os efeitos jurídicos defendidos pela recorrente – restituição das quantias levantadas - mas, tão somente, o pagamento de uma eventual indemnização pelos prejuízos sofridos durante esse período de retardamento, o que não está minimamente alegado nem peticionado).         
Convirá não esquecer que, quer a SOCIEDADE A, quer todas as demais sociedades, suas garantes (entre as quais, a Autora) tiveram conhecimento dos exactos termos do negócio principal bem como da garantia efectuada (designadamente, no que toca ao alto risco existente e à indeterminabilidade do respectivo objecto), não podendo agora vir invocar desconhecimento, surpresa ou deslealdade por parte do BANCO, S.A.         
 
E6 – CRÉDITO GARANTIDO E ACCIONAMENTO DA GARANTIA

A última questão que se nos coloca – e que a Autora suscitou na sua resposta à contestação – é a de saber se o Réu fez prova suficiente do incumprimento por parte da empresa SOCIEDADE A do referido contrato celebrado entre ambos.
A este respeito e sem esquecer o conteúdo de tal negócio jurídico e da correspondente garantia, que se mostra acima transcrito, convirá, em termos fácticos, atentar ainda nos factos que foram dados como assentes pelo tribunal da 1.ª instância, sendo certo que o recurso de impugnação de alguns deles não foi atendido:
“43. F, em nome de SOCIEDADE A, com sede em Ilhas Virgens Britânicas, fez com o Réu, em 23.7.93 o acordo referido em Z5) [quesito 6.º];
44. Pretendendo a SOCIEDADE A que o Réu lhe cedesse importâncias em certa divisa, comprometendo-se a devolvê-las ao Réu, acrescidas de importâncias a título de juros [quesito 7.º];
45. Sendo as divisas cedidas pelo Réu aplicadas por SOCIEDADE A na aquisição de outra ou outras divisas que esperava que se valorizassem [quesito 5.º];
46. Para garantia de recebimento, pelo Réu, das importâncias cedidas à SOCIEDADE A, F acordou com o Réu na entrega a este do escrito fotocopiado de fls. 217 a 219 [quesito 9.º];
47. Tendo F assinado este escrito em nome das Sociedades nele referidas [quesito 10.º];
48. Com a finalidade de também os depósitos da Autora garantirem os financiamentos feitos à SOCIEDADE A, F assinou e enviou ao Réu o escrito referido em Z7) [quesito 13.º];
49. O Réu enviou a F, antes da conversão referida em R) e dos débitos mencionados em U) e X), extractos de depósito da Autora e dos mapas de cobertura dos financiamentos à SOCIEDADE A; que, a 6 de Dezembro de 1991, a Autora nomeou SOCIEDADE C como seu primeiro director; e que, a 20 de Outubro de 1993, SOCIEDADE C designou F para a representar quando a mesma actuar como directora de outra sociedade [quesito 23.º];
50. E jamais a Autora formulou qualquer objecção aos referidos mapas [quesito 24.º];
51. Nos referidos mapas o "grau de cobertura bruto" obtém-se reconduzindo o financiamento e depósitos a uma única divisa (normalmente dólar dos E.U.A.) [quesito 25.º];
52. E o "grau de cobertura líquido" se obtém considerando, na medida do possível, divisa (de financiamento) contra divisa (de depósito) igual [quesito 26.º];
53. No dia 12 de Maio de 1995, o grau de cobertura líquido era de 4,10% e que, conforme acordado, os activos depositados em garantia não podiam representar, no momento da concessão de qualquer financiamento, uma importância inferior a 115% dos empréstimos em curso e, quando a totalidade das importâncias depositadas em garantia seja igual ou inferior, a 105% e o reforço da garantia, a solicitação do Réu, não seja efectuado no prazo de 24 horas, o Réu pode cancelar empréstimos em curso e liquidar capital, juros e demais encargos, executando as garantias prestadas [quesito 27.º];
54. O Réu foi insistindo reiteradamente junto do Sr. F para a necessidade de reforço do grau de cobertura e, consequentemente, das garantias [quesito 28.º];
55. Nos dias 22 a 23 de Maio de 1995, um funcionário do Réu (Sucursal Financeira Exterior) deslocou-se expressamente a Madrid a fim de chamar a atenção do Sr. F para a gravidade da situação, tendo de novo solicitado reforço das garantias [quesito 29.º];
56. O reforço, porém, não foi efectuado [quesito 30.º];
57. Novas insistências telefónicas foram sendo continuamente realizadas [quesito 31.º];
58. No dia 24 de Maio, o grau de cobertura (líquido) era de 3,46% [quesito 32.º];
59. No dia 25 de Maio o grau de cobertura líquido era de 2,31% [quesito 33.º];
60. No dia 26 de Maio de 1995, a taxa de cobertura era de 1,22% e, perante o não reforço das garantias, o Réu "cancelou" os empréstimos em curso e iniciou a execução das garantias, incluindo como garante a Autora, por ser necessário para a satisfação do crédito, comunicando o "cancelamento" e a decisão da execução a F [quesito 34.º];
61. A cessação dos empréstimos e a execução das garantias, a qual se processou entre os dias 26 e 29 de Maio, aparece registada nos extractos de conta relativos aos dias 30 e 31 de Maio (extracto n.º 1995/029, relativo à SOCIEDADE A e extracto n.º 1995/021, relativo à SOCIEDADE G [quesito 35.°];
63. A informação sobre a situação foi confirmada pessoalmente em deslocação que F efectuou a Lisboa em princípios de Junho de 1995 [quesito 38.º].”
Perante este extenso quadro fáctico e as cláusulas e condições do contrato e da garantia, parece não restarem dúvidas de que o Banco Réu agiu de acordo com o negociado com a Autora e as demais empresas envolvidas, ao cancelar o empréstimo com a SOCIEDADE A e ao accionar o penhor que lhe garantia os montantes mutuados aquela, nada havendo a objectar, em termos jurídicos, relativamente a essa actuação do BANCO, S.A.
Logo, pelos motivos acima expostos, não merece censura a sentença recorrida, tendo, nessa medida, de ser julgado improcedente o presente recurso de apelação.    
            
IV – DECISÃO

Por todo o exposto e tendo em conta o artigo 713.º do Código do Processo Civil, acorda-se neste Tribunal da Relação de Lisboa em julgar improcedente o recurso de apelação interposto por SOCIEDADE G, decidindo-se, nessa medida, confirmar integralmente, quer a decisão sobre a matéria de facto, quer a sentença recorrida.
                   
Custas do recurso pela Apelante – artigo 446.º do Código de Processo Civil.

Notifique e Registe.


Lisboa, 11 de Outubro de 2007


(José Eduardo Sapateiro)

(Carlos Valverde)

(Granja da Fonseca)