Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
787/14.3TVLSB-C.L1-7
Relator: LUÍS FILIPE PIRES DE SOUSA
Descritores: RECURSO
RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA
TAXA DE JUSTIÇA REMANESCENTE
VALOR E PROPORÇÃO DO DECAIMENTO
COMPENSAÇÃO COM DESPESAS DE HONORÁRIOS DO MANDATÁRIO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/19/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: I. A alteração do dispositivo de mérito em sede de recurso projeta-se, necessariamente, na condenação em custas atinente aos segmentos de custas de parte e encargos, quando ocorridos, nas instâncias inferiores.
II. De igual modo, a aferição do vencimento -  para efeitos da aplicação do Artigo 14º, nº 9, do RCP -  emerge do teor da decisão final (acórdão transitado), sendo o acórdão que define  de per si o vencimento em caso de impugnação de todos os dispositivos da sentença e, no caso de interposição de recurso de apenas algum(uns) dispositivo(s) da sentença, haverá que definir o vencimento articulando os dispositivos transitados da sentença e do acórdão.
III. Não tendo ocorrido a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça ou a sua redução por despacho (cf. Artigo 6º, nº7, do RCP), e tendo o autor decaído totalmente nos pedidos que deduziu (conforme acórdão desta Relação de 15.9.2022), o autor é responsável pelo pagamento da taxa de justiça remanescente (Artigo 14º, nº9, do RCP).
IV. Para efeitos do cômputo previsto no Artigo 26º, nº 3, al c), há que atender somente ao valor das taxas de justiça já pagas conexas com o impulso processual, não se atendendo ao remanescente da taxa de justiça devida nos termos do Artigo 6º, nº 7, do RCP.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

RELATÓRIO
Em 30.10.2023, foi elaborada conta nos seguintes termos:









Em 23.11.2023, o autor apresentou reclamação da nota discriminativa das custas de parte nos seguintes termos:
«RECLAMAÇÃO DA NOTA DISCRIMINATIVA E JUSTIFICATIVA DE CUSTAS DE PARTE ao abrigo do disposto no artigo 26.º - A do Regulamento das Custas Processuais o que faz nos seguintes termos e pelos seguintes fundamentos:
10. Nos termos da retificação de Nota Discriminativa e Justificativa de Custas de Parte de que se reclama, é o Autor notificado de um total a pagar no montante de €109.580,54 (cento e nove mil, quinhentos e oitenta euros e cinquenta e quatro cêntimos).
20. As custas de parte consistem no que cada parte tenha despendido com o processo e tenha direito a ser compensada em virtude da condenação da parte contrária, em obediência ao artigo 529.º, n.º 4 do Código Processo Civil.
30. Os valores a que a parte é condenada a pagar encontram-se previstos no artigo 26.º, n.º 3 do Regulamento de Custas Processuais, designadamente a alínea c) que dispõe:
“50 /prct. do somatório das taxas de justiça pagas pela parte vencida e pela parte vencedora, para compensação da parte vencedora face às despesas com honorários do mandatário judicial, sempre que seja apresentada a nota referida na alínea d) do n.º 2 do artigo anterior” (destaque nosso)
O Réu, na retificação da Nota Justificativa e Discriminativa das Custas de Parte apresentada a 13 de novembro do presente ano, inclui no cálculo da compensação das despesas com honorários do mandatário judicial tanto o remanescente da taxa de justiça paga pelo Autor como o valor do mesmo pago pelo Réu, remetendo para a conta final.
5º. Sendo o valor da ação superior a €275.000,00 (duzentos e setenta e cinco mil euros), o remanescente da taxa de justiça é considerado, de facto, na conta a final, pelo disposto no artigo 6.º, n.º 7 e 14.º, n.º 9 do Regulamento de Custas Processuais.
6º. Sucede que, o valor de remanescente de taxa de justiça não é de atender na determinação da compensação da parte vencedora prevista no artigo 26.º, n.º 3, alínea c) do RCP. Neste sentido, o Venerando Tribunal da Relação de Coimbra em acórdão proferido em 10/05/2022 no âmbito do processo n.º 1295/16.3T8GRD-A.C1, Relator Fonte Ramos1.
7º. Dir-se-á, citando o supra identificado aresto o seguinte:
“[...] o valor remanescente de taxa de justiça (art.º 6º, n.º 7 do RCP) não deverá ser atendido na determinação da compensação da parte vencedora (face às despesas com honorários do mandatário judicial) prevista no art.º 26º, n.º 3, alínea c) do RCP, por ser imputado diretamente à parte responsável e relevarem apenas as taxas de justiça pagas ao longo do processo.
Na verdade, a contabilização/liquidação do referido montante compensatório deverá ser efetuada pela totalidade das taxas de justiça efetivamente pagas por A. e Réus, excluído o remanescente da taxa de justiça devida (pela A.) a final – cf., principalmente, arts 14º, n.º 9; 25º, n.º 2, alínea b); 26º, n.º 3, alínea c) e 30º, n.º 3, alínea a), do RCP.
Em abono da perspetiva defendida em 1ª instância, que se confirma, cremos poder alinhar, e acrescentar, alguns elementos da doutrina e da jurisprudência, o que se fará de seguida.
7. A Lei n.º 27/2019, de 28.3, veio eliminar a (onerosa) regra que determinava que a parte que obtivesse provimento total na ação judicial tinha, ainda assim, de responder solidariamente com a parte vencida pelo pagamento do valor remanescente da taxa de justiça.
Com a nova (e atual) redação do art.º 14º, n.º 9, do RCP, o responsável pelo impulso processual, que não seja condenado a final, fica dispensado do pagamento do remanescente, mas esta quantia deverá ser considerada na conta final e imputada à parte vencida.
A ponderação a que alude o n.º 6 do art.º 7º do RCP, é feita ex ofício caso o julgador esteja convencido de que há fundamento bastante para dispensar o pagamento. E entendendo o juiz que tal dispensa não se justifica, a sua pronúncia quanto a custas limita-se ao habitual, sem qualquer ponderação, sendo, então, o remanescente da taxa de justiça considerado na conta a final.
8. O citado art.º 6º, n.º 7 do RCP, confere ao juiz o poder-dever de flexibilizar o montante global da taxa de justiça devida em procedimentos de valor particularmente elevado, adequando o valor remanescente da taxa de justiça, a liquidar adicionalmente, na parte em que o valor da causa exceda o montante de € 275 000, sendo que de acordo com a “Tabela I” (a que se referem os arts 6º, 7º, 11º, 12º e 13º do Regulamento), estão previstos treze escalões de taxa de justiça fixados em função dos valores da ação até ao montante de €275.000, a que acresce, para além desse limiar «a final, por cada €25.000 ou fração, 3UC, no caso da col. A, 1,5UC, no caso da Col. B, e 4,5UC, no caso da col. C.».
9. “O que a lei visa ao estabelecer tal compensação [prevista no art.º 26º, n.º 3. al. c) do RCP] não é criar um limite compensatório aplicável aos honorários do mandatário forense, antes, isso sim, tem como objetivo garantir que a parte vencedora obtenha, pela via das custas de parte e de entre estas pela rubrica referente a honorários do mandatário, um mero contributo para essa finalidade e não mais do que isso. Contributo que deve exatamente ser suportado pela parte vencida, integrando-se o mesmo na rubrica custas de parte. De referir que para a determinação desta parcela das custas de parte deve tomar-se em linha de consideração não só as taxas de justiça que ambas as partes tenham suportado ao longo do litígio, mas também as taxas de justiça relativas a procedimentos ou incidentes que tenham sido suscitados no âmbito global do litígio processualizado. Será o caso, por exemplo, de um litígio em que tenha havido o desenvolvimento de procedimentos cautelares apensados ao processo principal.” (destaques nossos)
8º. Como resulta da citada jurisprudência, na base de cálculo da compensação das despesas com honorários do mandatário judicial só devem ser incluídas as taxas de justiça já efetivamente pagas pelas partes, entendimento secundado por SALVADOR DA COSTA, quando escreve:
“... Valorizando o elemento literal deste normativo, propende-se a considerar no sentido de que só a taxa de justiça efetivamente paga pelas partes é suscetível de relevar para efeitos de cálculo das custas de parte na referida vertente de honorários...” 2 (destaque nosso).
9º. No mesmo sentido, a fundamentação do acórdão proferido pelo Venerando Tribunal da Relação de Lisboa em 24 de janeiro de 2023, no âmbito do processo n.º 2345/21.7T8LSB-A.L1-7, Relatora Conceição Saavedra3. Aí se pode ler:
“[...] Ainda que a nota justificativa possa ser retificada nos termos da parte final do nº 1 do art.º 25 do R.C.P., é incontornável que as quantias que da mesma devem constar são as indicadas na al. b) do respetivo nº 2 como as “efetivamente pagas pela parte a título de taxa de justiça”, isto é, as já liquidadas a esse título, conforme se entendeu no Ac. da RE de 10.9.2015.
Daí que, e fazendo uma interpretação literal da norma, no cálculo a que alude a al. c) do nº 3 do art.º 26 do R.C.P. não deva ser atendido, a nosso ver, o valor do remanescente de taxa de justiça que seja devido o qual, no momento da apresentação da nota justificativa, não se encontrará pago, como sucedeu no caso.
Dir-se-á que a parte vencedora, podendo retificar aquela nota discriminativa e justificativa até 10 dias após a notificação da conta de custas (art.º 25, nº 1, do R.C.P.), pode ainda vir a incluir o valor do remanescente de taxa de justiça que, entretanto, se mostre pago.
Cremos, todavia, que, para além da dificuldade prática dessa verificação, o argumento não terá em conta o exato sentido da norma ínsita na al. c) do nº 3 do art.º 26 do R.C.P..
Na verdade, estamos perante um critério de referência, não se tratando do pagamento dos honorários devidos ao mandatário da parte vencedora mas apenas de um valor compensatório. Por sua vez, não fica prejudicado qualquer reembolso à parte vencedora por taxa de justiça que tenha desembolsado, pois, à luz do atual art.º 14, nº 9, do R.C.P. (com a redação da Lei nº 27/2019, de 28.3), a parte vencedora encontra-se dispensada do pagamento do remanescente da taxa de justiça, ao contrário do que sucedia com a anterior versão do preceito.
Nessa medida, afigura-se-nos ajustado considerar que no cálculo a que alude a al. c) do nº 3 do art.º 26 do R.C.P. não deve ser atendido o valor do remanescente de taxa de justiça, imputado diretamente à parte responsável na conta final, relevando apenas as taxas de justiça que foram pagas ao longo do processo. E assim sucederá ainda que ambas as partes devam proceder ao pagamento do remanescente previsto no nº 7 do art.º 6 do R.C.P., por terem sido ambas condenadas nos autos e do mesmo modo vencidas.” (destaques nossos)
10º. Este entendimento é facilmente sustentado não só pela interpretação literal do artigo 26.º, n.º 3, alínea c) do Regulamento de Custas Processuais.
11º. Considerando que a retificação de Nota Discriminativa e Justificativa apresentada pelo Réu é relativa à introdução do valor do remanescente da taxa de justiça devido pelo Autor e Réu e não sendo este um montante a considerar, pelas razões já expostas, no cálculo da compensação das despesas com honorários do mandatário judicial, não deve a retificação de que ora se reclama ser admitida, o que desde já se requer, com todas as legais consequências.
Nestes termos e nos mais de Direito que V. Exa. doutamente suprirá requer-se seja admitida e julgada totalmente procedente a reclamação da retificação de Nota Discriminativa e Justificativa de Custas de Parte apresentada pelo Réu, com todas as legais consequências.»
Em 27.11.2023, o autor apresentou reclamação da conta nos seguintes termos:
«Nos termos da Conta de Custas de que se reclama, é o A. notificado de um total a pagar no montante de €58.726,50 (cinquenta e oito mil, setecentos e vinte e seis euros e cinquenta cêntimos).
O montante assim apurado respeita a três «momentos» processuais:
i) “Processo”;
ii) “Recurso”; e,
iii) “Incidente”.
No “Processo”, a conta de custas reflete a taxa paga pelo A. com o impulso processual, no montante de €1.632,00 (mil, seiscentos e trinta e dois euros) e conclui que a taxa devida é de €52.122,00 (cinquenta e dois mil, cento e vinte e dois euros), afirmando-se estar em dívida a diferença entre estes dois valores, no montante de €50.490,00 (cinquenta mil, quatrocentos e noventa euros).
Nas observações pode ler-se: “cf. Sentença de fls. 3573 a 3588; e acórdão de fls. 4025 a 4134”.
No “Recurso”, a conta de custas reflete a taxa paga pelo A. com a apresentação das contra-alegações de recurso, no montante de €816,00 (oitocentos e dezasseis euros) e conclui que a taxa devida é de €8.925,00 (oito mil, novecentos e vinte e cinco euros), afirmando-se estar em dívida a diferença entre estes dois valores, no montante de €8.109,00 (oito mil cento e nove euros).
Nas observações pode ler-se: “cf. acórdão de fls. 4025 a 4134”.
No “Incidente”, a conta de custas reflete a taxa paga pelo A. com a apresentação da reclamação, no montante de €25,50 (vinte e cinco euros e cinquenta cêntimos) e conclui que a taxa devida é de €153,00 (cento e cinquenta e três euros), afirmando-se estar em dívida a diferença entre estes dois valores, no montante de €127,50 (cento e vinte e sete euros e cinquenta cêntimos).
Nas observações pode ler-se: “cf. acórdão de fls. 4181 a 4191”.
Não obstante as observações que constam da própria conta de custas, a verdade é que a conta não reflete aquelas que foram as decisões tomadas quanto a custas em sede de sentença e acórdãos ali mencionados.
Com efeito, pese embora a responsabilidade do pagamento inicial da taxa de justiça dependa única e exclusivamente da autoria do impulso processual, o apuramento da responsabilidade final pelo pagamento das custas deve ser feito na conta de custas e em harmonia com a decisão sobre o mérito da ação e de cada um desses incidentes ou procedimentos, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 30.º do Regulamento das Custas Processuais.
E esse apuramento a realizar a final assenta, primordialmente, no princípio da causalidade, concretizado, desde logo, nas regras relativas à sucumbência.
As custas deverão ser pagas pela parte vencida, na proporção do seu decaimento – nos termos do disposto no artigo 527.º do Código de Processo Civil –, atendendo à decisão tomada pelo Tribunal quanto à condenação dos responsáveis pelas custas processuais.
Quer a sentença, quer os acórdãos referidos em sede de observações procedem a tal desiderato, ali estando especificada a proporção da responsabilidade das custas a cargo de cada um dos intervenientes processuais (tal como previsto no n.º 6 do artigo 607.º do Código de Processo Civil).
O referido princípio da causalidade concretiza-se também quanto ao pagamento do remanescente da taxa de justiça.
Dispõe o n.º 7 do artigo 6.º do Regulamento das Custas Processuais que: “Nas causas de valor superior a (euro) 275.000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento”.
Sendo que o n.º 9 do artigo 14.º do mesmo Diploma prevê que: “Nas situações em que deva ser pago o remanescente nos termos do n.º 7 do artigo 6.º, o responsável pelo impulso processual que não seja condenado a final fica dispensado do referido pagamento, o qual é imputado à parte vencida e considerado na conta a final.” (sublinhado nosso)
A interpretação desta norma (o disposto no n.º 9 do artigo 14.º do Regulamento das Custas Processuais) que subjaz à elaboração da conta de custas de que aqui se reclama – i.e., no sentido de a norma não ser aplicada por não ter havido vencimento/decaimento total – traduz uma inconstitucionalidade por violação clara do princípio da igualdade.
Nesse sentido decidiu já o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa no acórdão proferido no âmbito do processo n.º 939/16.1T8LSB-H.L1-2, Relator Pedro Martins, de 24/11/20221.
Dir-se-á, citando o aresto aqui indicado: “[...] esta interpretação da norma levaria a uma óbvia inconstitucionalidade, por violação do princípio da igualdade: para um caso em que a parte vence totalmente, a imputação da parte remanescente da sua taxa de justiça fica a cargo da [outra] parte, vencida, mas num caso em que a parte vence em 99%, a parte remanescente da sua taxa de justiça fica totalmente a seu cargo. Se fosse assim, a alteração legal não faria sentido: para quê alterar a norma apenas para resolver os casos em que há um vencimento total, e não para todos os outros casos em que há um vencimento parcial, que poderá ser um vencimento quase total?  Qual a diferença substancial, entre um e outro caso, que justificaria a diferença de tratamento? Ora, para evitar este resultado e inconstitucionalidade, é possível fazer uma outra interpretação da norma que não tem dificuldade nenhuma. A norma rege para todos os casos em que uma das partes não seja a única condenada. Se for condenada em algo, a dispensa é para a parte proporcional em que não foi condenado.
Ou seja, a norma deve ser lida como se dissesse: “Nas situações em que deva ser pago o remanescente nos termos do n.º 7 do artigo 6.º, o responsável pelo impulso processual que não seja [único] condenado a final fica dispensado do referido pagamento [na parte proporcional ao seu vencimento], o qual é imputado à parte vencida e considerado na  conta a final.” (destaques e sublinhados nossos)
Uma interpretação como aquela que realiza o Tribunal ao elaborar a conta de custas de que ora se reclama implicaria que a inconstitucionalidade que o Tribunal Constitucional julgou existir nas normas do Regulamento das Custas Processuais e que levaram à alteração do n.º 9 do artigo 14.º do Regulamento das Custas Processuais se mantivesse, sendo certo que a intenção do legislador ao alterar esta norma foi, precisamente, afastar a inconstitucionalidade apontada por aquele Insigne Tribunal.
E a óbvia inconstitucionalidade que encerra a conta de custas tal como elaborada nos presentes autos não pode ser explicada ou mitigada pela acrescida complexidade de que a sua elaboração possa revestir-se.
Citando o já identificado acórdão do Venerando Tribunal da Relação de Lisboa dir-se-á, a este propósito, o seguinte: “As únicas razões que poderiam justificar tal regime estariam na complexidade acrescida da elaboração da conta – na conta de uma das partes passam a entrar dívidas que seriam da outra parte – e na dificuldade que o contador terá em determinar a proporção do vencimento, sempre que os juízes condenarem, sem concretização da percentagem da condenação. Mas aquela complexidade existirá sempre (pelo menos nos casos não discutíveis da não condenação total) e a dificuldade resolve-se com a possibilidade que o contador tem de pôr a dúvida antes de elaborar a conta, para que o MP se pronuncie e o juiz decida como é que ela deve  ser elaborada na parte em causa (art.º 29/4 do RCP). De resto, quando houver razões para estas dúvidas, normalmente elas também se colocariam às partes ao elaborarem a sua nota justificativa de custas de parte e a questão sempre acabaria por ter de ser resolvida pelo juiz.”.
Inclusivamente, no caso concreto, as Partes elaboraram a sua nota justificativa e algumas das questões que se pudessem colocar na fase da elaboração de conta foram já oportuna e tempestivamente respondidas por parte deste Digníssimo Tribunal a propósito das reclamações apresentadas.
Por força da nova redação do artigo 14.º, n.º 9, do Regulamento das Custas Processuais, quando há lugar ao pagamento de taxa de justiça remanescente e há um decaimento parcial, deve fazer-se a imputação de cada taxa na conta de cada uma das partes, na proporção do decaimento determinado na decisão final.
A conta de custas de que ora se reclama não o faz, imputando a todos os intervenientes processuais a responsabilidade pelo pagamento do remanescente da taxa de justiça, na mesma medida.
Fá-lo em claríssima violação do princípio da igualdade e, como tal, em desconformidade com a Constituição da República Portuguesa, em particular, o seu artigo 13.º, impondo-se, assim, uma interpretação que, sendo conforme à Constituição, aplique o disposto no n.º 9 do artigo 14.º do Regulamento das Custas Processuais de molde a refletir na conta o grau de responsabilidade fixado na sentença e acórdãos proferidos nos presentes autos (e que estão devidamente identificados em sede de observações na conta de que se reclama).
No mesmo sentido, igualmente o acórdão proferido pelo Venerando Tribunal da Relação de Lisboa no âmbito do processo n.º 994/12.3TBCSR.L2-1, Relatora Isabel Fonseca, de 29/01/20192: “[...] o legislador fixou a dispensa de pagamento da taxa de justiça remanescente, nas ações de valor superior a 275.000,00€, para a parte que não deu causa ao processo, obtendo vencimento a final, aqui se englobando quer as hipóteses de vencimento total quer parcial – sendo neste caso refletido na conta a elaborar o grau de responsabilidade fixado na decisão –, porquanto a ratio da regulação é similar para as duas situações, impondo-se essa interpretação (art.º 9º do Cód. Civil); assim, se o pagamento que for devido deve ser “imputado à parte vencida”, deve sê-lo, necessariamente, na medida do vencimento/decaimento.” (destaque nosso).
A redação atual do n.º 9 do artigo 14.º do Regulamento das Custas Processuais é de aplicação imediata aos presentes autos – nesse sentido o acórdão proferido pelo Insigne Supremo Tribunal de Justiça no âmbito do processo n.º 2309/16.2T8PTM.E1-A.S1, Relator Jorge Arcanjo, de 29/03/20223.
Nestes moldes, e considerando o valor do vencimento/decaimento e a condenação em custas que consta da sentença e acórdãos proferidos, deverá a conta de custas a cargo do A. ser reformulada nos seguintes moldes:
i) “Processo”: a taxa devida, considerando a decisão tomada quanto a custas por este Digníssimo Tribunal e, bem assim, o esclarecimento já prestado a propósito da reclamação da nota justificativa apresentada pelo A., deverá ser fixada em €36.567,57 (trinta e seis mil, quinhentos e sessenta e sete euros e cinquenta cêntimos) e, consequentemente, a taxa em dívida, no montante de €34.935,67 (trinta e quatro mil, novecentos e trinta e cinco euros e sessenta e sete cêntimos);
ii) “Recurso”: a taxa devida, considerando a decisão tomada quanto a custas pelo Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, deverá ser fixada, quanto ao A., no montante de €1.785,00 (mil, setecentos e oitenta e cinco euros) e, consequentemente, a taxa em dívida, no montante de €969,00 (novecentos e sessenta e nove 36567.57+1785+51 euros); e,
iii) “Incidente”: a taxa devida, considerando a decisão tomada quanto a custas pelo Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, deverá ser fixada, quanto ao A., no montante de €51,00 (cinquenta e um euros) e, consequentemente, a taxa em dívida, no montante de €25,50 (vinte e cinco euros e cinquenta cêntimos).
A taxa de justiça cível apurada deverá ser, quanto ao A., no montante de €38.403,57 (trinta e oito mil, quatrocentos e três euros e cinquenta e sete cêntimos). Subtraindo-se o valor das taxas de justiça já pagas, o total a pagar deverá ser corrigido para o montante de €35.930,07 (trinta e cinco mil, novecentos e trinta euros e sete cêntimos).
Desta forma, a conta de custas refletirá o vencimento/decaimento do A. em face das decisões proferidas nos presentes autos, aplicando o disposto no n.º 9 do artigo 14.º do Regulamento das Custas Processuais na única interpretação que se revela admissível à luz da Constituição, e, ademais, na esteira do já decidido a este propósito pelo Venerando Tribunal da Relação de Lisboa.
É neste sentido que se requer seja admitida a presente Reclamação e seja a mesma julgada totalmente procedente, por provada, com todas as legais consequências.
Nestes termos e nos mais de Direito que V. Exa. doutamente suprirá requer-se seja admitida e julgada totalmente procedente, por provada, a reclamação à conta de custas ora apresentada e, consequentemente, seja determinada a reformulação da conta nos moldes peticionados, à luz do disposto no n.º 9 do artigo 14.º do Regulamento das Custas Processuais, interpretado, em respeito ao princípio da igualdade, em moldes que reconheçam e obedeçam às decisões tomadas quanto à condenação em custas e ao vencimento/decaimento do A. em cada instância.»
Em 12.12.2023, o Sr. Escrivão de Direito lavrou a seguinte:
«Informação
Nos termos do disposto no art.º 31.º, n.º 4 do Regulamento das Custas Processuais, relativamente à reclamação da conta de custas apresentada pelo autor BB, cumpre-me informar o seguinte:
Da análise à reclamação da conta de custas, salvo melhor opinião, não nos parece assistir razão ao reclamante, no que respeita às custas devidas, porquanto, compulsados os autos consta-se que o autor decaiu na 1.ª Instância em €3.183.786,24, ou seja, 72,44% e na 2.ª Instância em 1/5 (20%), conforme o douto acórdão proferido em 15/09/2022, sendo certo, que a conta de custas reflete a taxa devida pelo impulso processual quer no processo, quer no recurso, não sendo, por isso, quanto a nós, aplicável o disposto no art.º 14.º, n.º 9 do Regulamento das Custas Processuais, já que o réu/recorrente não foi condenado a final, sendo responsável pelo decaimento de €1.211.106,87, ou seja, por 27,56% e 80% das custas, respetivamente, na 1.ª e 2.ª Instâncias.
No que concerne às custas devidas pelo incidente de reclamação para a conferência, da responsabilidade do reclamante/apelado, ora reclamante, certamente por lapso, foi-lhe imputada 1'/ UC de taxa de justiça (€153,00), quando no douto acórdão de 10/11/2022 foi-lhe fixada a taxa de justiça de '/ UC (€ 51,00), pelo que, afigura-se-me que a conta objeto de reclamação deverá ser reformada neste segmento.
Nestes termos e face ao exposto rogo a V. Ex.ª., se digne relevar o referido lapso, do qual desde já me penitencio, e bem assim, ordenar o que tiver por conveniente.»
Em 13.12.2023, o Ministério Público pronunciou-se nestes termos:
«O atual Regulamento das Custas Processuais, dando-nos a noção de taxa de justiça (cf. art. 6º), obriga o seu pagamento à parte que demande na qualidade de Autor/requerente ou Réu/requerido, recorrente ou recorrido.
O seu pagamento está, pois, ligado diretamente à atividade processual que a parte pretende desenvolver no processo, como contrapartida relativa ao serviço “justiça”.
Assim, atento o novo paradigma, o que interessa ao processo é que os pagamentos das taxas de justiça devidas estejam assegurados, sendo fora do processo e em sede de custas de parte que o decaimento das partes se reflete. Ou seja, o seu pagamento ao longo do processo, e de acordo com a respetiva etapa, nada tem que ver com os conceitos de vencimento ou decaimento.
Nesta conformidade, e no que respeita à taxa remanescente, e atento o disposto no art. 14º, nº 9 do RCP, não havendo um vencimento integral de uma das partes, a mesma haverá de ser incluída na conta a final, independentemente da proporção do vencimento, tendo justamente em conta que o acerto dos valores será feito através do instituto das custas de parte.
Pelo exposto, concorda-se com a Informação do Sr. Contador, incluindo no que respeita às custas devidas pelo incidente de reclamação para a conferência, reformando-se a conta apenas nesse segmento.»
Em 1.4.2024, foi proferido despacho com o seguinte teor:
«Reclamação do autor sob a ref.ª 47112725 (fls. 4236/4240) de 13.11.2023 relativamente à conta de custas
Face ao teor da cota lavrada pelo Sr. Oficial de Justiça, proceda-se à reelaboração da conta nos moldes aí explicitados quanto à tributação do incidente de reclamação para a conferência.
Mantendo-se a conta elaborada nos demais pontos, porquanto a argumentação do autor não colhe, uma vez que, conforme salienta o MP, a taxa de justiça remanescente, haverá que ser incluída na conta de custas, no caso de não haver vencimento integral de uma das partes, independentemente na proporção do vencimento, indo, pois, indeferida, nesta parte, a reclamação.
Reclamação do autor sob a referência nº 47226853 (fls. 4252/4255) de 23.11.2023
O regime das custas de parte estabelecido no art.º 26º/3 do Regulamento das Custas Processuais não exclui a taxa de justiça remanescente, pelo que se indefere a reclamação apresentada.
Notifique.»
Notificado de tal despacho, veio o autor interpor recurso do mesmo, formulando as seguintes
CONCLUSÕES
1. O presente recurso de apelação tem por objeto o Despacho proferido pelo Digníssimo Tribunal a quo com referência Citius n.º 431272469, o qual indeferiu parcialmente a reclamação da conta de custas apresentada pelo Autor e indeferiu a reclamação à retificação da Nota Justificativa e Discriminativa das Custas de Parte com fundamento na não exclusão do remanescente da taxa de justiça do regime estabelecido no artigo 26.º, n.º 3 do RCP.
2. A questão a apreciar e a decidir é a de saber se o valor do remanescente da taxa de justiça pago pelo Autor e pago pelo Réu, deve traduzir a decisão quanto às custas tomada em cada instância, na proporção do decaimento, e se o mesmo deve ou não ser considerado na base de cálculo da compensação das despesas com honorários do mandatário judicial.
3. Quanto à questão de saber se o valor do remanescente da taxa de justiça paga pelo Recorrente e pelo Recorrido deve traduzir a decisão quanto às custas tomada em cada instância, na proporção do decaimento, o Tribunal a quo considerou que a taxa de justiça remanescente deveria ser incluída na conta de custas no caso de não haver vencimento integral de uma das partes, independentemente da proporção do vencimento.
4. A conta de custas elaborada nos presentes autos não reflete aquelas que foram as decisões tomadas quanto a custas em sede de sentença e acórdãos proferidos nos autos.
5. O apuramento da responsabilidade final pelo pagamento das custas deve ser feito na conta de custas, em harmonia com a decisão sobre o mérito da ação e de cada um desses incidentes ou procedimentos, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 30.º do RCP, e assentando, primordialmente, no princípio da causalidade, concretizado, desde logo, nas regras relativas à sucumbência.
6. A interpretação do disposto no n.º 9 do artigo 14.º do Regulamento das Custas Processuais, que subjaz à elaboração da conta de custas de que se reclamou – i.e., no sentido de a norma não ser aplicada por não ter havido vencimento/decaimento total – traduz uma inconstitucionalidade por violação clara do princípio da igualdade, nesse sentido já decidiu este Venerando Tribunal, no Acórdão proferido no âmbito do processo n.º 939/16.1T8LSB-H.L1-2, de 24/11/20221.
7. Uma interpretação como aquela que realiza o Tribunal a quo ao elaborar e confirmar a conta de custas implicaria que a inconstitucionalidade que o Tribunal Constitucional julgou existir nas normas do Regulamento das Custas Processuais e que levaram à alteração do n.º 9 do artigo 14.º do RCP se mantivesse, sendo certo que a intenção do legislador ao alterar esta norma foi, precisamente, afastar a inconstitucionalidade apontada por aquele Insigne Tribunal.
8. É clara a inconstitucionalidade que encerra a conta de custas tal como elaborada nos presentes autos, que não pode ser explicada ou mitigada pela acrescida complexidade de que a sua elaboração possa revestir-se.
9. Por força da nova redação do artigo 14.º, n.º 9, do Regulamento das Custas Processuais, quando há lugar ao pagamento de taxa de justiça remanescente e há um decaimento parcial, deve fazer-se a imputação de cada taxa na conta de cada uma das partes, na proporção do decaimento determinado na decisão final – algo que a conta de custas de que se reclamou não fez, imputando a todos os intervenientes processuais a responsabilidade pelo pagamento do remanescente da taxa de justiça, na mesma medida – acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa no âmbito do processo n.º 994/12.3TBCSR.L2-1, Relatora Isabel Fonseca, de 29/01/2019.
10. Em cumprimento do disposto no n.º 9 do artigo 14.º do RCP, a taxa de justiça cível apurada deverá ser, quanto ao Recorrente, no montante de €36.567,57 (trinta e seis mil, quinhentos e sessenta e sete euros e cinquenta cêntimos) no que se refere à taxa a considerar pela tramitação dos autos em primeira instância e de €1.785,00 (mil, setecentos e oitenta e cinco euros) no que se reporta ao recurso de apelação que correu termos junto deste Venerando Tribunal. A estes valores deverão ser subtraídos os valores das taxas de justiça já pagas.
11. Deverá ser determinada a reformulação da conta nos moldes peticionados, à luz do disposto no n.º 9 do artigo 14.º do Regulamento das Custas Processuais, interpretado, em respeito ao princípio da igualdade, em moldes que reconheçam e obedeçam às decisões tomadas quanto à condenação em custas e ao vencimento/decaimento do Recorrente em cada instância.
12. Quanto à questão de saber se o valor do remanescente da taxa de justiça pago pelo Autor e pago pelo Réu deve ou não ser considerado na base de cálculo da compensação das despesas com honorários do mandatário judicial, o Tribunal a quo considerou admissível a retificação da Nota apresentada pelo Recorrido, retificação essa que consistiu na introdução do remanescente da taxa de justiça no cálculo da compensação das despesas com honorários do mandatário judicial.
13. Tratando-se de uma causa cujo valor é superior a €275.000,00, o remanescente da taxa de justiça, não tendo sido dispensado, é, de facto, considerado na conta a final, em cumprimento do disposto no artigo 6.º, n.º 7 e 14.º, n.º 9 do RCP, mas o mesmo valor não é de atender na base de cálculo para a determinação da compensação da parte vencedora prevista no artigo 26.º, n.º 3, alínea c) do RCP.
14. Tal entendimento é facilmente sustentado, desde logo, pela interpretação literal da alínea c), do nº 3, do artigo 26.º do RCP que expressamente refere “50% do somatório das taxas de justiça pagas pela parte vencida e pela parte vencedora...”.
15. Sendo o remanescente apenas considerado na conta final, na proporção do decaimento, não se encontrava pago pelo Recorrente no momento da apresentação da retificação da Nota Justificativa e Discriminativa das Custas de Parte.
16. A inclusão do remanescente da taxa de justiça na base de cálculo da compensação das despesas com honorários do mandatário judicial ao abrigo do artigo 26.º, n.º 3, alínea c) do RCP, contraria a intenção do legislador expressa no artigo 2.º, n.º 2, alínea g) da Lei n.º 26/2007 de 23 de Julho.
17. A base de cálculo da compensação das despesas com honorários do mandatário judicial prevista no artigo 26.º, n.º 3, alínea c) do RCP não deve exceder os limites estabelecidos para o montante da taxa de justiça – acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra, no seu Acórdão proferido em 10/05/2022, no âmbito do processo n.º 1295/16.3T8GRD-A.C1, Relator Fonte Ramos e acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, em 24 de janeiro de 2023, no âmbito do processo n.º 2345/21.7T8LSB-A.L1-7, Relatora Conceição Saavedra.
18. Resulta tanto da jurisprudência como da doutrina, que a inclusão do remanescente da taxa de justiça na rubrica relativa à compensação da parte vencedora pelas despesas com honorários do mandatário judicial prevista no artigo 26.º, n.º 3, alínea c), não é só desconforme com o elemento literal da disposição legal, como viola expressamente a intenção do legislador, que nunca pretendeu ressarcir por completo a parte vencedora, atribuindo-lhe apenas um valor compensatório.
19. A retificação da Nota Justificativa e Discriminativa das Custas de Parte revela-se desproporcional e iníqua.
20. A não inclusão do remanescente da taxa de justiça no cálculo da compensação não implica que este não seja imputado à parte responsável na conta final, na proporção do decaimento como se encontra previsto no artigo 14.º, nº 9 do RCP, não deixando, como tal, de ser considerada a complexidade da causa.
21. A improcedência do recurso – leia-se, a não ponderação do vencimento na determinação da responsabilidade pelo pagamento do remanescente da taxa de justiça e, bem assim, a inclusão do remanescente no cálculo da compensação da parte vencedora face às despesas com honorários do mandatário judicial – redundaria numa violação do princípio da proporcionalidade em sentido estrito, decorrente dos artigos 2.º e 18.º, n.º 2 da CRP – por exceder claramente o fim a que se destina o artigo 26.º, n.º 3, alínea c) do RCP –, como também, numa limitação do direito de acesso aos tribunais, consagrado no artigo 20.º da CRP, por imposição de um montante excessivo a título de custas e custas de parte, respetivamente.
22. O entendimento sufragado pelo Tribunal a quo viola ainda os princípios inerentes ao Estado de Direito Democrático, inscritos no artigo 2.º da CRP, nomeadamente os princípios da segurança e da confiança jurídica; das garantias de defesa e do direito à defesa, tal como consagrados no n.º 1 do artigo 32.º da CRP, aplicáveis mutatis mutantis ao processo cível; bem como, os princípios e normas que regem a função jurisdicional, nomeadamente em face do disposto nos artigos 202.º, 203.º e 204.º todos da CRP.
23. É por demais evidente a inconstitucionalidade material da não ponderação do vencimento na determinação da responsabilidade pelo pagamento do remanescente da taxa de justiça e, bem assim, da inclusão do remanescente no cálculo da compensação da parte vencedora face às despesas com honorários do mandatário judicial, pela violação do direito ao acesso aos tribunais, dos princípios da segurança e confiança jurídica e, fundamentalmente, do princípio da proporcionalidade, impondo-se a reelaboração da conta de custas nos moldes peticionados e a não admissão da retificação da Nota Justificativa e Discriminativa das Custas de Parte apresentada pela Ré, por violação do disposto no artigo 31.º do RCP e nos artigos 20.º, 2.º e 18.º, n.º 2 e 20.º, todos da CRP.
Nestes termos e nos mais de Direito que V. Exas. mui Doutamente suprirão, requer-se seja julgado totalmente procedente o presente recurso e consequentemente:
a) Seja determinada a reformulação da conta nos moldes peticionados, à luz do disposto no n.º 9 do artigo 14.º do Regulamento das Custas Processuais, interpretado, em respeito ao princípio da igualdade, em moldes que reconheçam e obedeçam às decisões tomadas quanto à condenação em custas e ao vencimento/decaimento do Recorrente em cada instância; e,
b) Seja revogado o Despacho proferido pelo Tribunal de Primeira Instância, deferindo-se a reclamação apresentada pelo Recorrente relativamente à não inclusão do remanescente da taxa de justiça devido pelas partes no cálculo da compensação das despesas com honorários do mandatário judicial a receber pelo Réu, nos termos da alínea c), do n.º 3, do artigo 26.º do Regulamento das Custas Processuais.
Subsidiariamente, e caso assim não se entenda, seja declarada a inconstitucionalidade da aplicação que, em concreto, é feita do conjunto normativo resultante das normas presentes nos artigos 6.º, n.º 7; 14.º, n.º 9; 26.º, n.º 3, alínea c) do Regulamento de Custas Processuais, à luz dos artigos 2.º, 18.º, n.º 2 e 20.º, todos da Constituição da República Portuguesa.
Ao julgardes assim, estarão V. Exas., Venerandos Juízes Desembargadores, a realizar a costumada JUSTIÇA!»
*
Contra-alegou o Barclays Bank PLC propugnando pela improcedência da apelação.
QUESTÕES A DECIDIR
Nos termos dos Artigos 635º, nº4 e 639º, nº1, do Código de Processo Civil, as conclusões delimitam a esfera de atuação do tribunal ad quem, exercendo um função semelhante à do pedido na petição inicial.[1] Esta limitação objetiva da atuação do Tribunal da Relação não ocorre em sede da qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cf. Artigo 5º, nº3, do Código de Processo Civil). Também não pode este Tribunal conhecer de questões novas que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso, v.g., abuso de direito.[2]
Nestes termos, as questões a decidir são as seguintes:
i.Saber se o valor do remanescente da taxa de justiça paga pelo recorrente e pelo recorrido deve traduzir a decisão quanto às custas tomadas em cada instância, na proporção do decaimento (conclusões 1 a 6, 7 a 11);
ii.Saber se o valor do remanescente da taxa de justiça paga pelo autor e pelo réu deve, ou não, ser considerando na base de cálculo da compensação das despesas com honorários do mandatário judicial (conclusões 12 a 20);
iii.Inconstitucionalidade material da interpretação adotada pelo tribunal a quo (conclusões 6, 9, 21 a 23).
Corridos que se mostram os vistos, cumpre decidir.
FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A matéria de facto relevante para a apreciação de mérito é a que consta do relatório, cujo teor se dá por reproduzido, sendo ainda de relevar que:
1- Em 22.12.2021, foi proferida sentença com o seguinte teor:
«Pelo exposto, decide-se:
- julgar a ação parcialmente procedente por parcialmente provada, condenando-se o R. a pagar ao A. €40.000, 00 e absolvendo-se o R. do demais peticionado;
- julgar a reconvenção inteiramente improcedente por não provada, absolvendo-se o A. e a interveniente do pedido.
Custas da ação pelo A. e pelo R. na proporção da sucumbência e da reconvenção pelo R. (art.º 527.º/1/2 do C.P.C.)»;
2- Dessa sentença foi interposto recurso de apelação, vindo o dispositivo do Acórdão da Relação de Lisboa de 15.9.2022 a ser o seguinte:
«Pelo exposto, acordam os juízes desta secção cível (2ª) do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar parcialmente procedente o recurso de apelação e, consequentemente, em revogar a decisão recorrida no segmento em que condenou o apelante/réu, Barclays Bank PLC a pagar ao apelado/autor, BB, a quantia de €40.000,00 e, confirmando a decisão quanto ao demais decidido.
 (…)
Custas pelo apelante e apelados (na vertente de custas de parte, por outras não haver), na proporção de 4/5 e 1/5, respetivamente, para cada uma delas.»
FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
Saber se o valor do remanescente da taxa de justiça paga pelo recorrente e pelo recorrido deve traduzir a decisão quanto às custas tomadas em cada instância, na proporção do decaimento.
O conceito de custas comporta um sentido amplo e um sentido restrito.
 No sentido amplo, as custas abrangem a taxa de justiça, os encargos e as custas de parte (cf. Arts. 529º, nº 1, do Código de Processo Civil e 3º, nº 1, do RCP). No sentido restrito, as custas abarcam apenas a taxa de justiça, conexa com o impulso do processo quer em primeira instância quer em recurso (cf. Arts. 529º, nº 2, 642º, do Código de Processo Civil e Arts. 1º, nº 1, e 6º, nºs. 2, 5 e 6 do RCP). O pagamento da taxa de justiça não se correlaciona com o decaimento da parte, mas sim com o impulso do processo (cf. Arts. 529º, nº 2, e 530º, nº1, do Código de Processo Civil). Deste modo, a condenação em custas a que se reportam os Arts. 527º, 607º, nº6 e 663º, nº2, do Código de Processo Civil, só abarca os encargos, quando devidos (Arts. 532º do Código de Processo Civil, 16º, 20º e 24º, nº 2, do RCP), e as custas de parte (Arts. 533º do Código de Processo Civil e Arts. 25º e 26º do RCP). O pagamento da taxa de justiça afere-se instância a instância porquanto está conexionado com o impulso processual devido.
Para efeitos de custas, o valor dos recursos é o da sucumbência quando esta for determinável, devendo o recorrente indicar o respetivo valor no requerimento de interposição do recurso. Não sendo o valor da sucumbência determinável ou não sendo indicado pelo recorrente, prevalece o valor da ação (nº2 do Artigo 12º do RCP). A indicação do valor da sucumbência é essencial para efeitos do controlo do pagamento da taxa de justiça devida pelo impulso do recurso (cf. Art.º 642º do Código de Processo Civil e 6º, nos. 5 e 6, do RCP).
Se o recurso de apelação não envolver diligências geradoras de despesas, inexiste  fundamento legal para a condenação no pagamento de encargos, devendo a condenação em custas na segunda instâncias cingir-se às custas de parte (relativas à taxa de justiça e aos honorários a mandatário suportados pelo vencedor).[3] Uma vez que o recorrente paga a taxa de justiça relativa ao recurso aquando do seu impulso processual de interposição, não há fundamento a condenação no seu pagamento. A responsabilidade pelo pagamento de custas com base no critério do vencimento e do decaimento, incluindo o recurso, abrange as decisões de mérito e as baseadas em fundamentos de natureza meramente processual.[4]
A conta é elaborada de harmonia com o julgado em última instância, abrangendo as custas da ação, dos incidentes, dos procedimentos e dos recursos (Artigo 30º, nº 1, do RCP).
Assim, no que tange aos encargos e custas de parte, a condenação em custas (Artigo 527º, nº1, do Código de Processo Civil) feita na última decisão proferida, em caso de recurso, é a que prevalece e abarca todas as instâncias. É neste sentido que se afirma que «quando o acórdão do tribunal superior revogar total ou parcial a decisão recorrida, justificar-se-á que seja redefinida a responsabilidade global pelas custas nas diversas instâncias, de acordo com as regras gerais» - Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Sousa, Código de Processo Civil Anotado, I Vol., 2020, 3ª ed., Almedina, p. 627; cf.: Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 17.10.2019, Olindo Geraldes, 2458/15, de 20.12.2021, Abrantes Geraldes, 2104/12, de 31.3.2023, Aguiar Pereira, 8281/17, de 30.5.2023, Maria Vaz Tomé, 903/12, sendo estes últimos centrados na dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça). Ou seja, a alteração do dispositivo de mérito em sede de recurso projeta-se, necessariamente, na condenação em custas atinente aos segmentos de custas de parte e encargos, quando ocorridos, nas instâncias inferiores. De igual modo, a aferição do vencimento -  para efeitos da aplicação do Artigo 14º, nº9, do RCP -  emerge do teor da decisão final (acórdão transitado, quando interposto recurso da sentença), sendo o acórdão que define  de per si o vencimento em caso de impugnação de todos os dispositivos da sentença e, no caso de interposição de recurso de apenas algum(uns) dispositivo(s) da sentença, haverá que definir o vencimento articulando os dispositivos transitados da sentença e do acórdão.
Em sentido confluente, afirma Salvador da Costa, As Custas Processuais, 9ª ed., Almedina, p. 190, que:
«O contador deve elaborar o ato de contagem de harmonia com as decisões em causa, a sentença do tribunal de 1ª instância e os acórdãos proferidos em recurso, tendo em conta a influência de umas decisões em relação a outras.
Com efeito, a decisão dos tribunais superiores sobre a relação jurídica controvertida vincula o contador a elaborar a conta de harmonia com o nela julgado, independentemente de especificação sobre as custas devidas nas decisões recorridas.»
Deste modo, na elaboração da conta há que fazer prevalecer o sentido da decisão proferida pelos tribunais superiores, sendo que o dispositivo de mérito do acórdão (que encerra o processo) se projeta, necessariamente, na responsabilidade final pelas custas, incluindo a taxa de justiça remanescente.
No caso em apreço, a procedência parcial da ação em primeira instância foi totalmente revogada pelo acórdão proferido pelo Tribunal da Relação, daí resultando que, para efeitos de pagamento do remanescente da taxa de justiça pelos autores, há que assumir a improcedência total da ação.
Deste modo, ao contrário do que argumenta o apelante, na questão do cálculo e pagamento do remanescente da taxa de justiça não há que partir de um cenário de decaimento parcial, mas sim de decaimento total do autor.
Nos termos do Artigo 14º, nº 9, do Regulamento das Custas Processuais, «Nas situações em que deva ser pago o remanescente nos termos do nº7 do artigo 6º, o responsável pelo impulso processual que não seja condenado a final fica dispensado do referido pagamento, o qual é imputado à parte vencida e considerado na conta final.»
A redação deste preceito advém da Lei nº 27/2019, sendo de aplicação imediata aos processos pendentes, como é o caso (cf.: Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29.3.2022, Jorge Arcanjo, 2309/16; Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 21.10.2021, Carlos Portela, 330/14; Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 21.9.2021, Proença da Costa, 4/17).
Conforme refere Salvador da Costa, As Custas Processuais, 9ª ed., Almedina, pp. 137-138:
«[Esta norma] Rege sobre a própria responsabilidade pelo pagamento do remanescente da taxa de justiça pela parte que venha a ser a vencedora da causa, pressupondo o seu vencimento integral, definido na sequência do trânsito em julgado da decisão final.
O segmento normativo “o qual é imputado à parte vencida e considerado na conta final” significa que a parte integralmente vencida é responsável pelo pagamento do remanescente da taxa de justiça que era da responsabilidade da parte vencedora, e que o seu valor é inserido na conta a débito da primeira.
Este preceito conforma-se com o princípio da justiça gratuita para o vencedor, na medida em que evita à parte integralmente vencedora da causa o risco de impossibilidade de cobrança do valor pago a título de remanescente da taxa de justiça com base no regime das custas de parte.»
A propósito da redação atual e pretérita do nº9 do artigo 14º do Regulamento das Custas Processuais, o Tribunal Constitucional tem vindo a enfatizar que:
«O artigo 529.º, n.º 2, do CPC, alterado pelo Decreto -Lei n.º 34/2008 (segundo o qual ‘a taxa de justiça corresponde ao montante devido pelo impulso processual de cada interveniente (...)’) constitui verdadeira inovação no sistema de custas. Efetivamente: ‘Por via deste normativo inseriu -se no sistema de custas a mais significativa alteração, ou seja, a autonomização da responsabilidade pelo pagamento da taxa de justiça em relação à responsabilidade pelo pagamento de encargos e de custas de parte. Com efeito, o responsável pelo pagamento da taxa de justiça é sempre a parte ou sujeito processual autor do impulso processual, independentemente de a final ser vencedor ou vencido [...]
Pretendeu -se que a taxa de justiça seja o valor que cada interveniente lato sensu deve prestar por cada processo ou parte dele, por referência ao respetivo impulso, como contrapartida relativa ao serviço de justiça envolvente [...]’ (Salvador da Costa, Regulamento das Custas Processuais anotado, Almedina, 5.ª ed., 2013, pp. 61 e 64).
Deste modo, é o impulso processual do interessado — por exemplo a petição inicial, no que respeita ao autor, ou a apresentação de contestação, por parte do réu — que constitui o elemento sujeito ao pagamento da taxa de justiça. Em conformidade, a taxa de justiça caracteriza -se pela prestação pecuniária que o Estado exige aos utentes do serviço judiciário no quadro da função jurisdicional a que dão causa ou de que beneficiem como contrapartida do serviço judicial desenvolvido.
Representa, pois, tendencialmente o custo ou preço da despesa necessária à prestação do serviço desenvolvido.
Nessa medida, a obrigação de pagamento da taxa de justiça não é exclusiva da parte vencida.
A parte vencedora também está obrigada ao pagamento da taxa de justiça que constitui a contrapartida da prestação de um serviço público. Simplesmente, obtendo vencimento na ação, tem o direito a ser ressarcida pela parte vencida das custas que teve de suportar. Este ressarcimento ocorre, porém, já no quadro do regime das custas de parte (cf. artigo 533.º, do CPC) a serem pagas diretamente pela parte vencida à parte que delas seja credora, como previsto nos artigos 25.º e 26.º do Regulamento das Custas Processuais»
(Acórdão do Tribunal Constitucional nº 615/2018);
«(…) foi também com o objetivo de impedir a transferência da responsabilidade individual dos sujeitos processuais para a comunidade que o legislador norteou as alterações legislativas introduzidas pelo Decreto -Lei n.º 324/2003, na parte em que se traduziram na eliminação da «restituição antecipada (independentemente de o vencido proceder ao pagamento das custas de sua responsabilidade), pelo Cofre Geral dos Tribunais, da taxa de justiça paga pelo vencedor no decurso da ação», transferindo, assim, para o vencedor o ónus de reaver do vencido o que adiantou através do mecanismo de custas de parte. Pode ler -se no preâmbulo do diploma:
“[...] com o atual sistema de restituição de taxa de justiça são frequentes os casos em que, no final do processo, não é arrecadada qualquer quantia a título de taxa de justiça, bastando, para esse efeito, que a parte vencida não proceda a qualquer pagamento no decurso da ação e que não possua bens penhoráveis. Ora, sendo certo que o processo existiu, correu os seus termos e teve um custo efetivo, tal significa que foi a comunidade, globalmente considerada, quem o suportou, em detrimento de quem motivou o recurso ao tribunal.
Desta forma, e sem colocar em causa o princípio da tendencial gratuitidade da justiça para o vencedor, o que se pretende é que o mesmo não opere à custa da comunidade e do Estado, mas sim de quem deu causa (em sentido amplo) à ação”
(…)
Diante de um tal fim de interesse público, e como decorre do acima já referido é inquestionável que a medida contida no artigo 14.º, n.º 9, do RCP, não encontra impedimento jurídico-constitucional por a Constituição não consagrar um princípio geral de gratuitidade da justiça. Sem colocar em causa o princípio da tendencial gratuitidade da justiça para o vencedor, visa -se evitar que o mesmo opere à custa da comunidade e do Estado, quando pode limitar-se a onerar quem foi parte na ação.
(…)
A dispensa do pagamento prévio não desonera o sujeito processual beneficiário da liquidação da taxa devida pela utilização e prestação do serviço judiciário, constituindo tão-somente um diferimento ou protelamento do pagamento.
A taxa de justiça, enquanto contrapartida relativa ao custo do serviço judiciário prestado, há de ser exigível e paga oportunamente. Complementarmente, deverá sublinhar -se também que a exigência de pagamento do remanescente da taxa de justiça exprime, na plenitude, a regra da não gratuitidade da atividade judiciária, a que acima já se aludiu e segundo a qual, as custas correspondem às despesas ou encargos judiciais causados com a obtenção em juízo da declaração de um direito ou da verificação de determinada situação fáctica.
Assim, neste caso, estamos perante a exigência de pagamento, na íntegra, da taxa que é por si devida pela utilização da máquina judiciária — situação diferente da exigência de que suporte o pagamento da taxa devida à partida por outrem.
19 — Ora, uma tal solução legislativa não se apresenta como desadequada ou desnecessária.
Desde logo a medida em causa é apta para alcançar este objetivo, uma vez que garante o pagamento da taxa de justiça pelos seus utentes. Para além disso, se respeitada a equivalência dos encargos, não são vislumbráveis outras medidas menos onerosas, que permitam atingir os mesmos fins de eficácia na cobrança das taxas de justiça. Efetivamente, outras opções aumentariam o risco de não cobrança da taxa de justiça. De qualquer modo, a parte vencedora pode subsequentemente reaver a quantia despendida a título de custas de parte.»
(Acórdão do Tribunal Constitucional nº 69/2024);
«Refira-se,  ainda, a este respeito, que a solução resultante da nova redação do artigo 14.º, n.º 9, do RCP (introduzida pela Lei n.º 27/2019, de 28 de março), pressupõe um vencimento integral da causa, o que não se verificou com a reclamante (sendo que, embora não tenha, conforme refere, decaído em qualquer dos recursos, a dimensão normativa questionada não se refere especificamente a tal situação – em que a reclamante é recorrida –, mas ao autor que tenha obtido vencimento integral da causa), improcedendo, por isso, o alegado pela reclamante nesta matéria (cf. os pontos 95 e 96 da reclamação).»
(Acórdão do Tribunal Constitucional nº 812/2021).
Flui de todo o exposto que, não tendo ocorrido a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça ou a sua redução por despacho (cf. Artigo 6º, nº7, do RCP), e tendo o autor decaído totalmente nos pedidos que deduziu (conforme acórdão desta Relação de 15.9.2022), o autor é  responsável pelo pagamento da taxa de justiça remanescente (Artigo 14º, nº9, do RCP), nada havendo a alterar neste circunspeto na conta que foi objeto de impugnação.
Saber se o valor do remanescente da taxa de justiça paga pelo autor e pelo réu deve, ou não, ser considerando na base de cálculo da compensação das despesas com honorários do mandatário judicial.
Nos termos do Artigo 26º, nº3, al. c), do Regulamento de Custas Processuais, «A parte vencida é condenada, nos termos previstos no Código de Processo Civil, ao pagamento dos seguintes valores, a título de custas de parte: (…) c) 50% do somatório das taxas de justiça pagas pela parte vencida e pela parte vencedora, para compensação da parte vencedora face às despesas com honorários do mandatário judicial, sempre que seja apresentada a nota referida na alínea d) do nº2 do artigo anterior.»
A propósito da interpretação desta normativo, refere Salvador da Costa, As Custas Processuais, 9ª ed., Almedina, p. 172, que:
«Acontece não raro que alguma das partes não pague taxa de justiça, designadamente por disso estar dispensada, em razão de beneficiar de apoio judiciário ou de isenção ou, beneficiando do diferimento de pagamento, o não realize a final.
Para efeito de quantificação da referida vertente de custas de parte, têm sido equacionadas várias soluções, designadamente, crédito igual do despendido pela parte vencedor com honorários de mandatário; ou crédito igual a metade da taxa de justiça que as partes pagarem no processo e daquela que elas teriam suportado se não tivesse ocorrido o circunstancialismo que o impediu; ou crédito igual à taxa de justiça efetivamente paga no processo.
Neste quadro de dúvida de interpretação, valorizando o elemento literal deste normativo, propende-se a considerar no sentido de que só a taxa de justiça efetivamente paga pelas partes é suscetível de relevar para efeitos do cálculo das custas de parte na referida vertente de honorários.»
Na jurisprudência, a questão foi analisada nos seguintes arestos:
§ Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 24.1.2023, Conceição Saavedra, 2345/21:
«Diz Salvador da Costa ([2]), referindo-se à al. c) do nº 3 deste art.º 26 (ainda que em anterior versão, para o caso irrelevante): “(…) Trata-se de uma espécie de responsabilidade processual civil, cujo montante é liquidado por referência ao valor do prévio pagamento da taxa de justiça por ambas as partes, a vencedora e a vencida.
Destina-se a compensar a parte vencedora, na proporção em que o for, pelas despesas com honorários do mandatário judicial ou do agente de execução, ou de ambos, conforme os casos.
(…).”
Como dissemos, o remanescente da taxa de justiça que não for dispensado, no todo ou em parte, é considerado apenas na conta a final (art.º 6, nº 7, do R.C.P.).
Deste modo, tendo em conta os tempos da elaboração da conta e da apresentação da nota discriminativa e justificativa, é evidente que, aquando desta última, as taxas de justiça já pagas pela parte vencida e pela parte vencedora não incluem, não podem incluir, o remanescente da taxa de justiça que não se encontrará, entretanto, pago.
Ainda que a nota justificativa possa ser retificada nos termos da parte final do nº 1 do art.º 25 do R.C.P., é incontornável que as quantias que da mesma devem constar são as indicadas na al. b) do respetivo nº 2 como as “efetivamente pagas pela parte a título de taxa de justiça”, isto é, as já liquidadas a esse título, conforme se entendeu no Ac. da RE de 10.9.2015([3]).
Daí que, e fazendo uma interpretação literal da norma, no cálculo a que alude a al. c) do nº 3 do art.º 26 do R.C.P. não deva ser atendido, a nosso ver, o valor do remanescente de taxa de justiça que seja devido o qual, no momento da apresentação da nota justificativa, não se encontrará pago, como sucedeu no caso([4]).»
§ Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 27.2.2020, José Veloso, 03/13:
«Atento o referido, e compulsado o texto da alínea c), do nº3, do artigo 26º, do RCP, impõe-se concluir que a «parte vencida» não terá de pagar a totalidade dos honorários cobrados pelo mandatário judicial da «parte vencedora», mas compensá-la dos mesmos até ao limite de 50% do somatório das taxas de justiça «pagas» por ambas as partes - ver, também, artigo 32º, nº1, da Portaria 419-A/2009, de 17.04. Mas nada impõe a interpretação que foi feita no acórdão recorrido, segundo a qual esse «somatório» é o das taxas de justiça já efetivamente pagas, o que no caso «limitou» essa soma às parcelas de taxa de justiça pagas antecipadamente, sem levar em conta que não fora dispensado o pagamento do remanescente, que, por isso, teria de ser contabilizado na conta final a nível de taxa de justiça.
A verdade é que não só a letra da norma o permite, como a lógica jurídica que assistiu o legislador impõe [ver artigo 9º do CC] que as taxas de justiça pagas pelas partes sejam as taxas de justiça devidas na ação, resultantes da conta final, e não as já efetivamente pagas, o que, como no caso, pode reduzi-las às «pagas antecipadamente». Trata-se de uma interpretação redutora, sem respaldo em qualquer pretérito literal, e que não está em conformidade nem com a «base tributável» na qual assenta a taxa de justiça, nem, sequer, com a dispensabilidade do seu efetivo pagamento para que a parte vencedora deva ser reembolsada a título de custas de parte.»
Tomando posição sobre a questão, entendemos que assiste razão à posição segundo a qual, para efeitos do cômputo previsto no Artigo 26º, nº 3, al c), há que atender somente ao valor das taxas de justiça já pagas conexas com o impulso processual, não se atendendo ao remanescente da taxa de justiça devida nos termos do Artigo 6º, nº 7, do RCP.
Além da argumentação assente no elemento literal (“taxas de justiça pagas” e não “taxas de justiça devidas”), cremos relevar também o elemento sistemático adveniente do nº5 do Artigo 26º (“O valor referido na alínea c) do nº3 é reduzido ao valor indicado na alínea d) do nº2 do artigo anterior quando este último seja inferior àquele (…)”) do qual decorre que o legislador pretende acautelar valores reais efetivamente despendidos e não valores por realizar.
Por outro lado, a interpretação da qual nos apartamos (segundo a qual no cômputo das taxas de justiça a que se reporta a al. c), do nº3 , do Artigo 26º do RCP há que considerar automaticamente o remanescente da taxa de justiça) pode originar um aumento desproporcional das custas de parte no cotejo da prestação de serviços concretamente realizada pelo mandatário da parte contrária.
Na síntese do Tribunal Constitucional expressa no Acórdão nº 69/2024:
«No que concerne aos critérios de fixação do montante da taxa de justiça, a jurisprudência do Tribunal tem afirmado que a Constituição não impõe a gratuitidade da utilização dos serviços de justiça, dispondo o legislador de uma larga margem de liberdade de conformação (cf. v.g., o Acórdão n.º 227/2007, 2.ª Secção, ponto 6). Existem, no entanto, limites inultrapassáveis a esta liberdade como as imposições constitucionais da proporcionalidade (artigo 18.º, n.º 2, segunda parte, da Constituição) e da tutela do acesso ao direito e à justiça (artigo 20.º da Constituição).
A fixação de taxas de tal modo elevadas desfasadas do custo e da utilidade do serviço prestado, na prática, pode inibir o cidadão comum de aceder à justiça, comprometendo a tutela jurisdicional efetiva dos direitos subjetivos e interesses legalmente protegidos. Conforme afirmado no Acórdão n.º 349/2002, 3.ª Secção, ponto 11, ‘o que é exigível é que, de um ponto de vista jurídico, o pagamento do tributo tenha a sua causa e justificação — material, e não meramente formal —, na perceção de um dado serviço’.»
No caso em apreço, o remanescente da taxa de justiça devida é de €50.490 de modo que 50% desse valor corresponde a € 25.245.
Ora, num processo com 62 factos provados, onde foram inquiridas treze testemunhas e prestadas declarações de parte (total de duas sessões de julgamento), bem como realizada uma perícia grafológica, a ponderação a título de custas de parte de um valor na ordem dos € 25.245 afigurar-se-ia manifestamente desproporcional.
Não se trata de determinar, de forma enviesada, uma intempestiva dispensa parcial do remanescente da taxa de justiça (cf. Artigo 6º, nº7, do RCP), mas sim de enfatizar que os critérios materiais que presidem a tal dispensa (total ou parcial) servem também para demonstrar que o âmbito das “taxas de justiça pagas pela parte” (al. c), do nº3, do Artigo 26º do RCP) deve ser interpretado restritamente.
Inconstitucionalidade material da interpretação adotada pelo tribunal a quo
No que tange à questão da inconstitucionalidade suscitada pelo apelante no que tange à interpretação adotada pelo tribunal a quo a propósito do Artigo 14º, nº9, do RCP, a apreciação da mesma encontra-se prejudicada porquanto – consoante se viu – não há que assumir um decaimento parcial do autor na ação, mas sim um decaimento total.
Mesmo que assim não fosse, da jurisprudência acima citada do Tribunal Constitucional emerge que não ocorre a apontada inconstitucionalidade material.
Quanto à inconstitucionalidade apontada à interpretação adotada pelo tribunal a quo do Artigo 26º, nº3, al. c), do RCP, este Tribunal da Relação no ponto anterior interpreta tal norma em termos confluentes com o argumentário da apelação, sendo ainda certo que, em reforço da argumentação sustentada, este Tribunal da Relação entende que uma interpretação (que não adota) oposta integraria, perante as circunstâncias do caso, uma violação do princípio da proporcionalidade constitucionalmente consagrado no Artigo 18º, nº2, da Constituição.
A fundamentação autónoma da condenação em custas só se tornará necessária se existir controvérsia no processo a esse propósito (cf. art. 154º, nº1, do Código de Processo Civil; Acórdãos do Tribunal Constitucional nºs. 303/2010, de 14.7.2010, Vítor Gomes, e 708/2013, de 15.10.2013, Maria João Antunes).
DECISÃO
Pelo exposto, acorda-se em julgar parcialmente procedente a apelação e, em consequência, consigna-se que, na elaboração da conta, não deve ser incluído o remanescente da taxa de justiça devida pelas partes no cálculo da compensação das despesas com honorários do mandatário judicial a receber pelo Réu, improcedendo, no mais, a apelação.
Custas pelo apelante e pela apelada, na vertente de custas de parte, na proporção de metade (Artigos 527º, nºs 1 e 2, 607º, nº6 e 663º, nº2, do Código de Processo Civil).

Lisboa, 19.3.2024
Luís Filipe Pires de Sousa
Ana Mónica Pavão
Ana Rodrigues da Silva
_______________________________________________________
[1] Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, 7ª ed., 2022, p. 186.
[2] Abrantes Geraldes, Op. Cit., pp. 139-140.
Neste sentido, cf. os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 9.4.2015, Silva Miguel, 353/13, de 10.12.2015, Melo Lima, 677/12, de 7.7.2016, Gonçalves Rocha, 156/12, de 17.11.2016, Ana Luísa Geraldes, 861/13, de 22.2.2017, Ribeiro Cardoso, 1519/15, de 25.10.2018, Hélder Almeida, 3788/14, de 18.3.2021, Oliveira Abreu, 214/18, de 15.12.2022, Graça Trigo, 125/20, de 11.5.2023, Oliveira Abreu, 26881/15, de 25.5.2023, Sousa Pinto, 1864/21, de 11.7.2023, Jorge  Leal, 331/21. O tribunal de recurso não pode conhecer de questões novas sob pena de violação do contraditório e do direito de defesa da parte contrária (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17.12.2014, Fonseca Ramos, 971/12).
[3] Cf. Salvador da Costa, “Responsabilidade pelo pagamento de custas, Acórdão da Relação de Lisboa de 15.11.2018 (266/16.4T8VIS.L1-6.ª)”, 19.2.2019, publicado no blog do IPPC.
[4] Cf.: Salvador da Costa, “Comentário ao acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2018.10.16”, 26 de novembro de 2018, e “Condenação do pagamento de custas da parte vencida a final, Acórdão do Tribunal Relação da Relação de Évora de 2.10.2018”, 25.1.2019, ambos publicados no blog do IPPC.