Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
10308/2005-6
Relator: MANUEL GONÇALVES
Descritores: PENHORA
SALDO DISPONÍVEL
SIGILO BANCÁRIO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/09/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: PROVIDO
Sumário: A nomeação à penhora de saldos bancários, reveste para o exequente certas dificuldades, uma vez que vigorando o «sigilo bancário», não tem por via de regra direito quer à identificação da conta, quer aos elementos da mesma.
É pois suficiente para esta nomeação, a identificação das instituições bancárias, sedes e titular da conta, não sendo crível que estes estabelecimentos bancários não disponham dos elementos suficientes para devido esclarecimento, inclusive face ao art. 856 nº 2 CPC.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:

No autos de execução 3452/98, em que é exequente a A. e em que são executados B. e OUTROS, requereu a exequente, a penhora, entre outros bens, de saldos de depósitos bancários, juntando para o efeito uma lista de bancos existentes em território português.
Sobre tal requerimento, recaiu despacho, (fol. 41) que o indeferiu.
De tal despacho, consta o seguinte fundamento: «A apresentação de uma lista de bancos existentes em território português com a indicação das respectivas sedes, não constitui um nomeação de bens à penhora, uma vez que não tem por detrás um esforço de localização e identificação de bens penhoráveis, mas apenas a pressuposição que os executados, como qualquer cidadão normal, têm conta num banco existente em território português».
Inconformada recorreu a exequente, recurso que foi admitido como agravo.
Foi proferido despacho de sustentação.

Nas alegações que apresentou, formula o agravante as seguintes conclusões:
1- Quando a nomeação de bens à penhora é deferida por lei ao exequente, tem de considerar-se que no requerimento para tanto apresentado estão indicados todos os elementos que permitem a rápida efectivação da penhora, tendo de considerar-se implícito que se os não indica é porque deles não dispõe.
2- Existindo o sigilo bancário, em princípio o exequente não pode, nem deve, ter conhecimento, das contas bancárias e respectivos saldos, do executado, sob pena de alguém ter violado tal sigilo.
3- Atenta a multiplicidade de instituições bancárias, sempre o exequente, por regra, não poderá dispor de um conhecimento exaustivo da existência, ou não, das contas bancárias de que o executado eventualmente usufrua. Tal conhecimento, apenas está ao alcance daquelas instituições. A quem cabe facilitar um esclarecimento, seguro e integral, sobre a matéria em discussão, com vista a viabilizar a realização da penhora.
4- Nos termos do art. 837 nº 1 CPC, a nomeação deve identificar, tanto quanto possível, os bens a penhorar e «na nomeação de créditos, declarar-se-á a identidade do devedor, o montante, a natureza e origem da dívida, o título de que consta e a data de vencimento».
5- Desse modo, só é exigível ao credor a identificação possível, inserindo-se o que não for possível, no dever de colaboração, expressa no art. 519, podendo o juiz, oficiosamente, dispensar a confidencialidade para o efeito de averiguar a situação patrimonial de alguma das partes em causa pendente, nos termos previstos no artigo 519-A.
6- Com efeito, à penhora de depósitos bancários são aplicáveis as regras da penhora de créditos com as especialidades consagradas no citado artigo 861-A, das quais se destacam, com relevo para o caso vertente, as estabelecidas no nº 6, aditado pelo DL nº 375-A/99 de 20 de Setembro, nos termos do qual, tendo sido nomeados à penhora saldos em contas bancárias que o exequente não consiga identificar adequadamente, o tribunal solicitará previamente ao Banco de Portugal informação sobre quais as instituições em que o executado é detentor de contas bancárias.

Não foram apresentadas contra-alegações.
Corridos os vistos legais, há que apreciar e decidir.

FUNDAMENTAÇÃO.
Os factos com relevo para a decisão, são os constantes do relatório que antecede.

O DIREITO.
O âmbito do recurso afere-se pelas conclusões das alegações do recorrente, art. 660 nº 2, 684 nº 3 e 690 CPC. Assim, só das questões postas nessas conclusões há que conhecer.
Atento o teor das conclusões formuladas, a questão suscitada, tem a ver com o formalismo a que deverá obedecer a nomeação à penhora de saldos de contas bancárias, em processo de execução, nomeadamente se o exequente tem que indicar outros elementos para além da identificação do executado, entidades bancárias e respectivas sedes.
Antes de prosseguirmos, haverá que atentar no facto de em causa estar acção a que é aplicável a lei adjectiva, na redacção anterior à entrada em vigor do DL 38/2003 de 08.03. Assim, os preceitos citados não terão em consideração aquelas alterações.
Em causa está penhora sobre saldos bancários (depósitos existentes em instituição bancária), pelo que têm aqui aplicação, as regras relativas à penhora de crédito, conforme resulta do art. 861-A nº 1 CPC.
Quanto a esta penhora, dispõe o art. 837 nº 1 que «a nomeação deve identificar, tanto quanto possível, os bens a penhorar...» No nº 5 do mesmo preceito dispunha-se que «na nomeação dos créditos, declarar-se-á a identidade do devedor, o montante, natureza e origem da dívida, o título de que consta e a data do vencimento».
No art. 837-A nº 1 CPC, dispunha-se que «Sempre que o exequente justificadamente alegue séria dificuldade na identificação ou localização de bens penhoráveis do executado, incumbe ao juiz determinar a realização das diligências adequadas».
Especificamemte, quanto à penhora de saldos bancários, dispõe o art. 861-A, nº 6 (redacção introduzida pelo DL 375-A/99), que se tiveram sido nomeados saldos em contas bancárias que o exequente não consiga identificar adequadamente, o tribunal solicitará previamente ao Banco de Portugal informação sobre quais as instituições em que o executado é detentor de contas bancárias».
No caso presente, aquando da nomeação à penhora, o exequente identificou uma série de instituições bancárias, (ao todo vinte e seis) e respectivas sedes. Entendeu o Tribunal de 1ª instância que tal não configura uma nomeação de bens à penhora, uma vez que «não tem por trás um esforço de localização e identificação de bens penhoráveis, mas apenas a pressuposição que os executados... têm conta num banco existente em território português».
Relativamente à exigência de «identificação», dizia já Alberto dos Reis (Processo de Execução – Vol. II, pag. 86) o seguinte: «Como bem se compreenderá, estas prescrições, se fossem entendidas em termos rígidos, criariam graves embaraços ao exequente, Que o executado, quando use do direito concedido pelo art. 834, satisfaça completamente ao que o art. 837 determina, está bem; não há nisso exigência desmarcada: o executado tem ao seu alcance os elementos necessários para dar cumprimento à lei. Considere-se agora a posição do exequente; como há-de ele colocar-se em condições de fazer a identificação completa dos bens a nomear?... Estas considerações explicam as restrições e reservas que o art. teve o cuidado de fazer com as palavras «tanto quanto possível».
Em termos gerais, a completa identificação dos bens a penhorar, reveste para o exequente certas dificuldades. Tal situação agrava-se, quando em causa está a nomeação de saldos bancários, uma vez que vigorado entre nós o «sigilo bancário», por via de regra não terá o exequente direito quer à identificação da conta, quer aos elementos da mesma, tais como o seu montante.
Ciente dessa dificuldade é que o legislador acabou por consagrar algumas especialidades, quando o exequente pretender nomear à penhora «saldos bancários (art. 861-A CPC), chegando até a prever a «intervenção do tribunal, para a obtenção dos elementos desconhecidos (nº 6 art. 861-A CPC). Como se refere no Ac do STJ de 14.01.1997 (Relator Cardona Ferreira – CJ. 1997, I, 44), «se esta situação legal é, ou não sobrecarregadora dos tribunais, isso é algo que estes têm de assumir, como Órgão de Soberania, logo existente para servir os direitos dos cidadãos».
Não pode pois o tribunal usar de um rigor tal que acabe, na prática por inviabilizar ao cidadão exequente, a penhora de bens desta natureza. A propósito refira-se que o primeiro interessado na efectivação da penhora é o exequente. Uma eventual demora poderá traduzir-se na frustração do seu direito, pois que poderá não encontrar bens para executar, por entretanto terem sido dissipados, consumidos ou alienados. Assim, detendo o exequente todos os elementos para a efectivação expedita da penhora, certamente que não deixará de os indicar ao tribunal, aquando da nomeação.
Como se refere no acórdão supra citado; «tudo isto significa que só é exigível, na indicação de bens à penhora o que, comprovada ou presumivelmente, for possível ao nomeante, desde que seja suficiente par a execução do acto – e, no caso vertente, indicados os estabelecimentos bancários, as suas sedes ou sucursais, e o titular de contas, não é crível que algum estabelecimento bancário não disponha dos elementos suficientes para devido esclarecimento, inclusive face ao art. 856 nº 2 CPC».
O mesmo entendimento foi perfilhado por este Tribunal nos acórdãos de 05.06.2003 (CJ J, 2003, III, 105); de 09.07.2003, agravo nº 4397.03 Relator Farinha Alves); de 14.10.2004, agravo nº 1903-03 (Relator Pereira Rodrigues). Cita-se ainda o Ac STJ de 14.10.2004, proc. nº 04B2677, relator Oliveira Barros), estes últimos consultáveis na internet.
O recurso merece provimento.

DECISÃO
Em face do exposto, decide-se conceder provimento ao recurso, revogando-se o despacho recorrido que será substituído por outro a ordenar a penhora requerida.
Sem custas, nº 1 g) do art. 2 CCJ.

Lisboa, 9 de Março de 2006.

Manuel Gonçalves
Aguiar Pereira
Gil Roque.