Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2672/07.6YXLSB.L1-7
Relator: GRAÇA AMARAL
Descritores: ARRENDAMENTO PARA HABITAÇÃO
RENDA
REGIME APLICÁVEL
RENDA CONDICIONADA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/29/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I - O NRAU, relativamente ao regime de rendas, , prevê a aprovação de novos regimes, ressalvando a manutenção em vigor dos regimes da renda condicionada e da renda apoiada previstos no RAU.
II - O elemento literal do artigo 61º, da Lei 6/2006, de 27-02, é demasiado claro para comportar uma interpretação restritiva ou correctiva, no sentido de fazer excluir a actualização de renda ao abrigo do art.º 81-A, do RAU, do elenco dos regimes que o NRAU considerou manter em vigor.
(Sumário da Relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 7ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa,


I - Relatório

Partes:
R e M (Autores/Recorridos)
D e M (Réus/Recorrentes)

Pedido:
- Declarar-se válida a actualização da renda;
- Declarar-se a resolução do contrato de arrendamento por falta de pagamento das rendas devidas;
- Condenação dos Réus:
a) a devolverem o locado livre e devoluto de pessoas e bens;
b) a pagarem as rendas relativas a Outubro, Novembro e Dezembro de 2007, no valor actualizado e nas que se vierem a vencer na pendência da acção e até ao trânsito em julgado da sentença.
Subsidiariamente:
- Declarar-se válida a actualização da renda;
- Condenação dos Réus a pagarem as rendas relativas a Outubro, Novembro e Dezembro de 2007, no valor actualizado e nas que se vierem a vencer na pendência da acção e até ao trânsito em julgado da sentença.

Fundamentos:
- serem proprietários da fracção autónoma designada pela letra B do prédio urbano sito em Benfica, e o Réu arrendatário da referida fracção por força de um contrato de arrendamento celebrado com o anterior proprietário, pagando uma renda mensal de 40 euros;
- serem os RR proprietários de dois imóveis em condições de serem habitados, não se encontrando ocupados: moradia na Praia das Maçãs;
- ter sido comunicado aos RR, a actualização da renda ao abrigo das disposições do regime da renda condicionada, fixando-se a mesma no montante de 251,00 euros;
- O Réu não procedeu ao pagamento das rendas relativas aos meses de Outubro, Novembro e Dezembro de 2007, entendendo ainda não lhes ser aplicável 1qualquer fundamento para a actualização das rendas

Contestação:
Os Réus vieram invocar a caducidade do direito de resolução do contrato por falta de pagamento das rendas, alegando terem procedido ao depósito da renda mensal devida - 40,00 euros – através de depósito na CGA – em virtude dos Autores não terem passado qualquer quitação do pagamento da renda referente ao mês de Outubro de 2007. Consideram legalmente indevida a aplicação do regime de renda condicionada, pelo que não aceitam a actualização da renda comunicada pelos senhorios.
Deduziram reconvenção pedindo a condenação dos AA no pagamento do montante de 11.334,00 euros, relativas ao custo das obras que fizeram no arrendado perante a omissão dos senhorios na execução de obras de reparação indispensáveis à utilização do locado.

Na réplica os AA mantiveram o posicionamento assumido na petição e, em consequência da reconvenção deduzida, requereram a alteração da forma de processo (para processo com forma ordinária) e ampliação da causa do pedir e do pedido (condenação dos RR no desmantelamento e fecho das varandas, por terem procedido a obras no arrendado não autorizadas pelo senhorio).

Em resposta os RR alegaram que as obras realizadas foram autorizadas pelo anterior proprietário.

Alterado o valor da acção e a forma de processo o tribunal julgou-se incompetente para o conhecimento da acção, tendo determinado a remessa dos autos às Varas Cíveis (despacho de fls. 100/101).

Sentença
Na fase do saneador o tribunal a quo considerou que os autos habilitavam à decisão de mérito pelo que julgou a acção parcialmente procedente e não conheceu do pedido reconvencional. Declarou válida a actualização da renda do locado para o valor de 215,00 euros mensais e condenou os Réus ao pagamento das mesmas desde Outubro de 2007.

Conclusões da apelação:
a. O art.º 81ºA do DL 321-B/90, de 15-10 foi revogado pelo art.º 60 da Lei 6/2006 de 27-02;
b. As normas transitórias previstas no capítulo I do NRAU são imperativas. Relativamente aos arrendamentos habitacionais existentes à data da entrada em vigor do RAU, como é o caso do arrendamento dos autos, é admissível apenas proceder à actualização de renda nos termos do disposto nos artigos 30º e seguintes da Lei 6/2006 de 27-02;
c. O art.º 61 da Lei 6/2006, de 27-02, mantém (excepcionalmente) em vigor até à publicação de novos regimes, apenas o regime da renda condicionada e apoiada e não o mecanismo de actualização de renda previsto no art.º 81 do RAU, que não foi consagrado no novo regime e é contrário ao “espírito” do NRAU;
d. A interpretação da parte final do disposto no art.º 61 da Lei 6/2006, de 27-02deve ser restritiva ou correctiva, ou sejam no sentido de se reportar apenas às normas do RAU que estabelecem o regime de renda condicionada e apoiada, designadamente os seus art.º 79, 80 e 82;
e. A actualização da renda pretendida pelo Apelado não tem suporte legal, pelo que dever.

Conclusões dos Apelados:
A. O recurso apresentado pelos Apelantes restringe-se apenas à questão jurídica do NRAU ter ou não revogado o regime previsto no art.º 81 do RAU;
B. Os apelantes sustentam a inaplicabilidade do art.º 81 do RAU, entendendo que no art.º 61 do NRAU, o legislador estaria a referir-se apenas às rendas condicionada e apoiada e não ao seu regime.
C. Salvo o devido respeito, essa conclusão é absolutamente desprovida de sentido, não encontrando qualquer correspondência quer na letras quer no espírito da lei, porquanto o art.º 61 do NRAU refere-se expressamente aos “regimes da renda condicionada e da renda apoiada” (sublinhado nosso) e não apenas às rendas.
D.  Estando provado que os Apelantes são proprietários de duas habitações na mesma área metropolitana do locado, estando as mesmas aptas à satisfação das necessidades habitacionais dos Apelantes, encontram-se preenchidos os requisitos para a actualização levada a cabo pelos Apelados.

II - Apreciação do recurso
Os factos:
O tribunal a quo deu como provado o seguinte factualismo:
Ø Está registada a favor dos Autores, por compra, a propriedade da fracção autónoma designada pela letra B do prédio urbano sito em Benfica.
Ø À data da aquisição da fracção pelos Autores já o Réu a ocupava a dita fracção, por força de um contrato de arrendamento celebrado com o anterior proprietário.
Ø A renda mensal era de € 40,00.
Ø Está registada a favor dos Réus, por compra, a casa sita na Praia das Maçãs, Sintra.
Ø Tal casa tem condições de habitabilidade e não está arrendada.
Ø Está igualmente inscrito a favor do Réu, a fracção autónoma designada pela letra R, sita na Rua das ….
Ø Tal fracção tem condições de habitabilidade e não está arrendada.
Ø Por carta datada de 20 de Abril de 2007, os Autores comunicaram ao Réu a actualização a actualização da renda, ao abrigo das disposições relativas ao regime da renda condicionada, fixando a nova renda no valor de € 176,00 mensais.
Ø Em 10 de Maio de 2007, os Autores enviaram nova carta ao Réu, rectificando o valor anterior e fixando a nova renda no montante de € 251,00.
Ø A estas missivas, respondeu o Réu, em carta datada de 3 de Julho de 6 2007, alegando a revogação do RAU e a falta de previsão no NRAU da possibilidade de actualização das rendas nos termos pretendidos pelos Autores.
Ø Face a esta resposta, os Autores enviaram nova carta, datada de 10 de Julho de 2007, na qual reiteravam a sua posição, exigindo o pagamento a 1 de Setembro de 2007 da renda relativa a Outubro de 2007 com o valor de € 251,00.
Ø A 24 de Julho de 2007, o Réu enviou nova carta aos Autores reafirmando a sua posição, alegando novamente que o RAU tinha sido revogado pelo NRAU e este nada dispunha sobre o regime de renda condicionada.
Ø Ao que os Autores replicaram nos termos da carta datada de 20 de Agosto de 2007, reafirmando a obrigação do Réu de pagar a 1 de Setembro de 2007 o valor actualizado de renda, no montante de € 251,00.
Ø O Réu não pagou aos Autores as rendas relativas aos meses de Outubro, Novembro, Dezembro de 2007, no valor de € 251,00 cada.
Ø A forma acordada para o pagamento das rendas é através de vale postal enviado para o domicílio dos Autores.
Ø Em 03.09.2007, o Réu enviou ao Autor um vale postal no valor de € 40,00 para pagamento da renda relativa ao mês de Outubro.
Ø Como o Autor não enviou o recibo da renda, o Réu depositou na Caixa Geral de Depósitos a renda relativa ao mês de Outubro, no montante de € 40,00, facto que comunicou ao Autor.
Ø O Réu procedeu também ao depósito na Caixa Geral de Depósitos das rendas referentes aos meses de Novembro e Dezembro de 2007 e Janeiro de 2008, no valor de € 40,00 cada uma.
Ø Em 04.12.2007, o Réu depositou também na CGD a quantia de € 1.346,00 correspondente à diferença entre o valor de € 40,00 e o valor da actualização feito pelos Autores, acrescido de 50%.
Ø Os Réus mandaram fechar duas varandas do locado com alumínio.

O direito
Questão submetida pelos Apelantes ao conhecimento deste tribunal: (delimitada pelo teor das conclusões do recurso e na ausência de aspectos de conhecimento oficioso – art.ºs 690, n.º1, 684, n.º3, 660, n.º2, todos do CPC)
Ø - Da (in)aplicabilidade do art.º 81 do DL 321-B/90, de 15/10

1. Nesta fase dos autos apenas permanece sob litígio a questão da validade da actualização da renda do locado.
A sentença objecto de recurso considerou válida a actualização de renda indicada pelos Autores tendo por subjacente a seguinte argumentação:
- ser aplicável à situação sub judice o Novo Regime do Arrendamento Urbano;
- encontrar-se em vigor os regimes da renda condicionada e da renda apoiada, previstos nos art.ºs 77 e seguintes do RAU, face à não publicação, até à data, de novos regimes;
- enquadrar-se o factualismo provado na previsão do art.º 81º-A, do RAU, aditado pelo DL 278/93, de 10-08, nos termos do qual se permite a actualização de renda até ao que seria o seu valor em regime de renda condicionada quando o prédio arrendado para habitação se situe na área metropolitana de Lisboa ou do Porto e o arrendatário tenha outra residência ou seja proprietário de imóvel situado nessa área que possa satisfazer as respectivas necessidades habitacionais, ou quando se trate de casa arrendada noutro ponto do país e o arrendatário tenha outra residência ou seja proprietário de imóvel nas mesmas condições na área da respectiva comarca.
Insurgem-se os Réus contra esta decisão fundamentados na revogação do art.º 81-A do RAU, operada pelo art.º 60 da Lei 6/2006, de 27-02, norma que, segundo os mesmos, terá de ser interpretada de forma restritiva e correctiva, à luz da vontade real do legislador (art.º 9, n.º1, do Código Civil).
Segundo os Apelantes, nos contratos de arrendamento para habitação existentes à data da entrada em vigor do NRAU, apenas é possível proceder à actualização das respectivas rendas nos termos do disposto nos artigos 30º e seguintes da Lei 6/2006, uma vez que o mecanismo de actualização previsto no art.º 81-A não foi expressamente salvaguardado no texto do NRAU, e contraria o espírito do regime transitório consagrado no capítulo I do referido diploma. Defendem, nessa medida, que o art.º 61, da Lei 6/2006, mantém, tão só e excepcionalmente em vigor (até à publicação de novos regimes), a renda condicionada e a renda apoiada (artigos 79º, 80º e 82º, do RAU).

2. Não oferece qualquer dúvida que na situação sub judice, em que se está perante um contrato de arrendamento para habitação celebrado antes da vigência da RAU, há que aplicar o regime transitório previsto no NRAU (aprovado pela Lei 6/2006, de 27-02, que entrou em vigor em 28-6-2006), isto é, o consagrado no art.º 26 e seguintes da citada Lei 6/2006 (cfr. art.ºs 59º e 28).
A problemática suscitada reconduz em saber se o art.º 81-A, do RAU, se encontra (ou não) em vigor.
No que se reporta ao regime de rendas, conforme dispõe o artigo 61º, da Lei 6/2006, de 27-02, o NRAU prevê a aprovação de novos regimes, ressalvando, porém, a manutenção em vigor dos regimes da renda condicionada, e da renda apoiada previstos no RAU. Com efeito e nos termos deste preceito, Até à publicação de novos regimes, mantêm-se em vigor os regimes da renda condicionada e a renda apoiada, previstos nos artigos 77 e seguintes do RAU.
Ao invés do defendido pelos Apelantes, entendemos que o elemento literal do preceito é demasiado claro para comportar a pretendida interpretação restritiva ou correctiva, no sentido de fazer excluir a actualização de renda ao abrigo do art.º 81-A do RAU do elenco dos regimes que o NRAU considerou manter em vigor. Acresce que, igualmente, não descortinamos tal interpretação do espírito da lei, conforme (embora sem o explicitar) afirmam os Recorrentes.
Com efeito, o citado art.º 61 ao estatuir no sentido de se manterem em vigor os regimes da renda condicionada e da renda apoiada está a referir-se aos regimes na sua globalidade (e, não, apenas às rendas propriamente ditas), na forma como se encontravam estruturados no momento da revogação do RAU.
Por outro lado, mantendo-se tais regimes, carece de cabimento considerar que a vontade do legislador seria a de fazer excluir parte desse regime - o referente à actualização da renda -, uma vez que o pressuposto que se encontra subjacente à actualização – inexistência de fundamento de protecção do arrendatário justificativa da não actualização da renda, quando disponha de casa ou residência na mesma comarca ou na mesma área metropolitana em que resida – assume justificação na caracterização e natureza do respectivo regime de renda. Por conseguinte e contrariamente ao sustentado pelos Apelantes, o mecanismo de actualização de renda previsto no art.º 81-A, do RAU não teria de se encontrar expressamente salvaguardado no texto do NRAU, tendo presente que o art.º 61 já o contempla (ao manter em vigor o regime de renda de que o mesmo faz parte).
Consideramos, por isso, que o posicionamento que os Réus vieram em recurso defender não assume suporte legal (quer na letra, quer no espírito da lei) já que não se vislumbra (nem os Recorrentes o justificam) que essa tenha sido a vontade do legislador.
Improcedem, por isso, as conclusões das alegações.

III – Decisão

Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação de Lisboa em julgar improcedente a apelação, confirmando a sentença recorrida.

            Custas pelos Apelantes.

Lisboa, 29 de Março de 2011

Graça Amaral
Ana Maria Resende
Dina Monteiro