Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2195/05.8TTLSB-4
Relator: FERREIRA MARQUES
Descritores: RETRIBUIÇÃO
AJUDAS DE CUSTO
SUBSÍDIO DE FÉRIAS
SUBSÍDIO DE NATAL
ÓNUS DA PROVA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/12/2009
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ALTERADA
Sumário: 1. As prestações regulares e periódicas pagas pelo empregador ao trabalhador, independentemente da designação que lhes seja atribuída no contrato ou no recibo, só não serão consideradas parte integrante da retribuição se tiverem uma causa específica e individualizável, diversa da remuneração do trabalho.
2. Compete ao empregador provar que as quantias que paga mensalmente ao trabalhador, a título de ajudas de custo, constituem verdadeiras ajudas de custo, ou seja, se destinam a ressarcir o trabalhador de despesas efectuadas ao serviço ou no interesse da empresa.
3. Se conseguir provar que o pagamento dessas quantias tinha aquele destino ou tinha uma causa específica e individualizável, diversa da remuneração do trabalho, tais importâncias não podem considerar-se parte integrante da retribuição, a não ser que o trabalhador consiga provar que as mesmas excediam as despesas por ele realmente efectuadas e a medida em que excediam, bem como que essas importâncias tinham sido previstas no contrato e devem considerar-se (na parte respeitante a esses excedentes) pelos usos da empresa como elemento integrante da sua retribuição.
4. Se o empregador não conseguir fazer essa prova, tais importâncias devem considerar-se parte integrante da retribuição e a média anual dessas quantias deve ser incluída, no cálculo da retribuição de férias, do subsídio de férias e do subsídio de Natal, até à data da entrada em vigor do CT.
5. O CT continua a estipular que a retribuição de férias deve corresponder à que o trabalhador receberia se estivesse em serviço efectivo, princípio de fundamental importância para garantir que o trabalhador não se sinta tentado, por necessidade económica, a não gozar as férias.
6. O mesmo já não sucede em relação ao subsídio de férias e ao subsídio de Natal. O subsídio de férias, para além da retribuição base, compreende apenas as prestações que estão relacionadas com as específicas contingências em que o trabalho é prestado (subsídio de turno, o acréscimo pelo trabalho prestado em período nocturno, o subsídio de risco ou de isolamento), em detrimento daquelas que pressuponham a efectiva prestação da actividade (prémios, gratificações, comissões). E o subsídio de Natal compreende apenas a retribuição base e as diuturnidades.

(sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa:

            I. RELATÓRIO

A…, casado, comissário de bordo, residente…, em Santo António dos Cavaleiros instaurou acção declarativa de condenação, emergente de contrato individual de trabalho, com processo comum, contra
TAP – Air Portugal, S.A., com sede no Aeroporto de Lisboa, pedindo a condenação da R. a pagar-lhe, a título de diferenças remuneratórias devidas a título de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal:
a) A quantia de € 4.034,25, relativa à média de ajudas de custo dos anos de 2002 a 2004;
b) A quantia de € 723,30, relativa à média de comissões de vendas a bordo dos anos de 2002 a 2004;
c) A quantia de € 8.297,04, referente ao subsídio de ajudas de custo complementar PNC reportada aos mesmos anos;
d) A quantia de € 210,96, referente ao subsídio de ajudas de custas complementar Extra, reportada aos mesmos anos;
Pediu ainda a condenação da R. a pagar-lhe:
e) Juros de mora vencidos e vincendos às respectivas taxas legais em cada momento em vigor para créditos civis desde o vencimento de cada uma dessas prestações até integral pagamento;
f) As prestações pecuniárias que se vencerem até final relativas às diferenças de retribuição nas férias, subsídio de férias e subsídio de Natal, perfazendo entretanto € 4.136,70 as vencidas no ano de 2005.
Alegou para tanto e em síntese o seguinte:
Foi admitido ao serviço da R. em 23 de Março de 1974 e por conta, sob a autoridade e direcção desta exerce as funções de comissário de bordo;
A R. paga-lhe, 11 meses por ano, com excepção do período de férias, ajudas de custo desde 1974, comissão de vendas a bordo desde 1982, ajudas de custo complementar PNC e ajudas de custo complementar extra, desde Outubro de 1997, em virtude de efectuar serviços de vôo por escala mensal.
Nos anos de 2002 a 2004, a média mensal das ajudas de custo foi de € 1.344,75, a da comissão de vendas a bordo foi de € 241,10, a do subsídio de ajudas de custo complementar PNC foi de € 2.765,68 e a do subsídio de ajudas de custo complementar extra foi de € 70,32.
A R. sempre pagou ao A. as férias e respectivo subsídio e o subsídio de Natal tendo em conta apenas a parte fixa da retribuição (vencimento base e senioridades) sem a incorporação em cada uma das três parcelas daquelas médias anuais.

A R. contestou a acção, alegando em resumo o seguinte:
As médias indicadas pelo A. são inferiores às reais.
De acordo com as normas convencionais resultantes do AE aplicável ao caso, não se consideram retribuição os subsídios atribuídos pela R. aos seus tripulantes.
As ajudas de custo são montantes abonados compensatoriamente em função do potencial aumento de dispêndios pessoais dos tripulantes em virtude da natureza das suas funções e do que estas implicam em termos de longas deslocações e estadias.
A tese do A., ao sustentar a inaplicabilidade da cláusula 56ª do AE, é abusiva, uma vez que o mesmo é filiado na associação sindical que negociou e outorgou com a R. o AE, criando nesta a convicção de estar de acordo com o clausulado negociado.
Desde 2003 que o AE passou a consagrar o direito ao pagamento de um acréscimo ao subsídio de férias, no valor de € 350,00, correspondente ao valor ilíquido da ajuda de custo complementar, reclamando pois o A. algo que já recebeu, litigando de má fé.
O A. recebeu esta verba em 2004 e 2005, no montante anual de € 350,00, pelo que a proceder a acção, deverá repetir o indevido pela via da compensação.
Subsidiariamente, em reconvenção, deverá o A. ser condenado a restituir essa importância à R. por força do instituto do enriquecimento sem causa, caso se entenda não haver lugar à compensação.

O A. respondeu à contestação, alegando que o acréscimo do subsídio de férias nada tem a ver com as remunerações abonadas pela R. e não foi reclamado nesta acção, tendo concluído pela improcedência da excepção peremptória da compensação e do pedido reconvencional.

Saneada, instruída e julgada a causa, foi proferida sentença que, julgando a acção parcialmente procedente, condenou a R. a pagar ao A. a quantia de € 4.952,94, acrescida de juros de mora desde a data de vencimento das respectivas obrigações até integral pagamento, às taxas legais sucessivamente em vigor de 7% e de 4% ao ano.

Inconformado o A. interpôs recurso de apelação da referida sentença, tendo sintetizado a sua alegação nas seguintes conclusões:
(…)
Terminou pedindo a revogação da sentença na parte em que decaiu e a condenação da R. na totalidade do pedido.

A R. na sua contra-alegação, pugnou pelo não provimento do recurso e pela confirmação da sentença na parte impugnada. (…)

A R., irresignada em relação ao segmento da sentença que julgou parcialmente procedente a acção e a condenou a pagar ao A. a quantia de € 4.952,94, acrescida de juros de mora, interpôs recurso de apelação dessa parte, tendo formulado as seguintes conclusões:
(…)
Terminou pedindo a revogação da sentença na parte impugnada e a sua absolvição total do pedido.
           
            O A. não apresentou contra-alegação.
           
            Admitido o recurso na forma, com o efeito e no regime de subida devidos, subiram os autos a esta Relação onde, depois de colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

            As questões que se suscitam nos recursos interpostos são as seguintes:
            1. Saber se a média anual dos valores das comissões de vendas a bordo, das ajudas de custo operacionais, das ajudas de custo complementares PNC e das ajudas de custo extra, deve ser levada em consideração na retribuição de férias e nos subsídios de férias e de Natal do Autor;
            2. Saber se houve exercício ilegítimo do direito e litigância de má fé, por parte do A./recorrente.

            II. FUNDAMENTOS DE FACTO
           
A 1ª instância considerou provada a seguinte matéria de facto:
1. O A. foi admitido para prestar serviço por conta e sob a autoridade e direcção da Ré, em 23 de Março de 1974.
2. Ao serviço da Ré se mantém ininterruptamente até à presente data, (tendo estado, na situação de licença sem vencimento, entre os anos de 1997 e 2001 – no âmbito do PESEF, Plano de Restruturação Económica e Financeira da companhia – sob a égide da U.E.).
3. É empregado da Ré n.º…. pertencente ao grupo profissional Comissário de Bordo, W/B (Wide Body).
4. O A. é sindicalizado e está filiado no SNPVAC (Sindicato Nacional do Pessoal de Voo da Aviação Civil).
5. O Autor, desde sempre, e até à presente data exerce as funções de Comissário de Bordo.
6. A Ré organizou sempre e ainda organiza, o trabalho, por escalas de serviço, mensais, distribuídas individualmente na sua totalidade, por equipamento, e disponíveis para consulta no local conveniente com a antecedência mínima de sete (7) dias.
7. A título de comissões de vendas a bordo, a R. pagou ao A. as seguintes quantias:
a) Em 2002: em Maio - 12.17 €; em Junho - 48,94 €; Julho - 36,52 €; Agosto - 76,50 €; Setembro - 93,60 €; Outubro - 156,40 €; Novembro - 50,71 €; Dezembro - 208,51€, tudo no total de € 683,35;
b) Em 2003: em Janeiro 214,18 €; em Fevereiro 135,48 €; em Março  40,61 €; em Abril 66,99 €; em Maio 58,61 €; em Junho 254,33 €; em Julho – Férias; em Agosto 120,18 €; em Setembro 194,60 €; em Outubro 31,10 €; em Novembro 35,72 €; em Dezembro (Ac. Trabalho), tudo no total € 151,80.
            c) Em 2004: em Janeiro (Acidente de Trabalho); em Fevereiro em 16,43 €; em Março 72,52 €; em Abril 64,18 €; em Maio 61,74 €; em Junho 135,04 €; em Julho (Férias); em Agosto 37,53 €; em Setembro 87,39 €; em Outubro 83,08 €; em Novembro 31,50 €; em Dezembro 119,24 €, tudo no total de € 665,08;
            d) Em 2005: em Janeiro 164,21 €; em Fevereiro 39,29 €; em Março 31,88 €; em Abril 132,78 €; em Maio 145,01 €; em Junho 28,39 €; em Julho 7,69 €; em Agosto 30,29 €; em Setembro 130,40 €; em Outubro 60,61 €; em Novembro 50,49 €; em Dezembro 146,32 €, tudo no total de € 967,36.
8. A título de ajudas de custo complementar PNC, a R. pagou ao A. as seguintes quantias:
a) Em 2002: em Abril 279,32 €; em Maio 1.536,26 €; em Junho 1.047,45 €; em Julho 558,64 €; Agosto 1.117,28 €; em Setembro 977,62 €; Outubro 907,79 €; em Novembro 1.256,94 €; em Dezembro 1.326,77 €, tudo no total de € 9.008,07;
b) Em 2003: em Janeiro 907,79 €; em Fevereiro 977,62 €; em Março 768,62 €; em Abril 1.256,94 €; em Maio 1.117,28 €; Junho (Férias); em Julho 1.047,71 €; em Agosto 1.187,11 €; em Setembro 488,81 €; em Outubro 628,47 €; em Novembro (Acidente de Trabalho); em Dezembro (Acidente de Trabalho), tudo perfazendo € 8.379,60 €;
            c) Em 2004; em Janeiro 558,64 €; em Fevereiro 1.256,94 €; em Março 837,96 €; em Abril 1.187,11 €; em Maio 907,79 €; em Junho (Férias); em Julho 1.047,45 €; em Agosto 1.117,28 €; em Setembro 977,62 €; em Outubro 768,13 €; em Novembro 1.187,11 €; em Dezembro 1.187,11 €, tudo perfazendo € 11.033,14 €;
            d) Em 2005: em Janeiro 488,81 €; em Fevereiro 768,13 €; em Março 837,96 €; em Abril 1047,45 €; em Maio 907,79 €; em Junho 69,83 €; em Julho 698,30 €; em Agosto 1047,45 €; em Setembro 837,96 €; em Outubro 1047,45 €; em Novembro 907,79 €; em Dezembro 1168,61 €, tudo perfazendo € 9827,63
            9. A título de ajudas de custo complementar extra, a R. pagou ao A. as seguintes quantias:
            a) Em 2002: em Junho 70,21 €; em Julho - ; em Agosto 48,32 €; em Setembro 76,30 €; em Outubro 9,41 €; em Novembro 11,80 €; em Dezembro 84,40 €, tudo perfazendo € 300,84;
            b) Em 2003: Janeiro 105,79 €; em Fevereiro 10,02 €; em Março 54,83 €; em Abril 4,07 €; em Maio - ; em Junho 50,43 €; em Julho (Férias); em Agosto - ; em Setembro 42,06 €; em Outubro 9,23 €; em Novembro 11,35 €; em Dezembro -; tudo perfazendo a quantia de € 287,78;
            c) Em 2004: em Janeiro - ; em Fevereiro 7,05 €; em Março 15,89 €; em Abril 2,46 €; em Maio 3,36 €; em Junho 18,09 €; em Julho (Férias); em Agosto -; em Setembro 30,87 €; em Outubro -; em Novembro 29,29 €; em Dezembro 11,17 €; tudo perfazendo € 118,15;
            d) Em 2005: em Janeiro 4,19 €; em Fevereiro 11,17 €; em Março 0,00 €; em Abril 10,97 €; em Maio 0,00 €; em Junho 0,00 €; em Julho 0,00 €; em Agosto 0,00 €; em Setembro 10,22 €; em Outubro 0,45 €; em Novembro 0,00 €; em Dezembro 3,08 €.
            10. A R. pagou ao A. a título de ajudas de custo (operacionais) as quantias constantes dos documentos juntos pela R. a fls. 208 a 211 e nas datas igualmente constantes dos mesmos.
11. Em todos estes anos o Autor gozou férias, recebeu remuneração de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal.
12. A Ré sempre pagou ao Autor quer a remuneração de férias e respectivo subsídio, quer o subsídio de Natal apenas tendo em conta o vencimento base e senioridades, sem a incorporação em cada uma das três parcelas das médias anuais das quantias supra referidas a título de comissões de vendas a bordo, ajudas de custo complementar extra, ajudas de custo complementar/PNC e ajudas de custo (operacionais).
13. Nos anos 2004 e 2005, a R. pagou ao A. a título de ajudas de custo complementar no subsídio de férias o montante de 350,00 euros.
14. As ajudas de custo referidas em 10 supra são pagas aos tripulantes, incluindo ao A., quando há deslocações e o trabalhador fica fora da base e são pagas na caixa do aeroporto do destino ou no hotel, em moeda local, variando de acordo com o custo de vida local, destinando-se ao pagamento das despesas feitas localmente, nomeadamente, pequeno almoço, almoço jantar, ceia que o trabalhador tem por força da sua deslocação.
15. Estas ajudas de custo não são incluídas nos recibos de vencimento.

III. FUNDAMENTOS DE DIREITO
           
1. Diferenças de retribuição de férias, subsídios de férias e de Natal
Como dissemos atrás, a questão fulcral que se coloca nos recursos interpostos, consiste em saber se as quantias auferidas pelo A. a título de comissões de vendas a bordo, de ajudas de custo operacionais, de ajudas de custo complementares/PNC e de ajudas de custo extra, nos anos de 2002, 2003, 2004 e 2005, faziam parte integrante da sua retribuição e, na afirmativa, se a média anual dessas quantias devia ser levada em consideração no cálculo da retribuição de férias, do subsídio de férias e do subsídio de Natal desses anos.
Nos anos de 2002, 2003, 2004 e 2005, além do vencimento fixo e das senioridades, o A. auferiu as quantias discriminadas nos n.ºs 7, 8, 9 e 10 da matéria de facto provada, a título de comissões de venda a bordo, ajudas de custo complementar/PNC, ajudas de custo extra e ajudas de custo operacionais, mas a R. sempre pagou ao A. quer a remuneração de férias e respectivo subsídio quer o subsídio de Natal apenas tendo em conta o vencimento base e senioridades, sem levar em consideração em cada uma destas prestações retributivas, as médias anuais das quantias supra referidas a título de comissões de vendas a bordo, ajudas de custo complementar extra, ajudas de custo complementar/PNC e ajudas de custo (operacionais).
A questão que se coloca neste recurso é precisamente essa: saber se esse procedimento foi correcto, como sustenta a R., ou se a média dessas prestações devia ter sido levada em consideração no cálculo da retribuição de férias e nos subsídios de férias e de Natal, nos anos de 2002, 2003, 2004 e 2005, tal como sustenta o Autor.
Antes de mais, convém ter presente que a relação de trabalho entre o A. e a Ré se iniciou em 1974 e que os factos emergentes dessa relação que servem de fundamento à acção ocorreram em 2002, 2003, 2004 e 2005. Assim, por força do preceituado no art. 8º, n.º 1 da Lei n.º 99/2003, de 27/8, os efeitos de factos totalmente passados até 30/11/2003 (inclusive) ficam sujeitos à legislação então em vigor, designadamente o DL 49.408, de 24/11/1969 [LCT], o DL 874/76, de 28/12, e o DL 88/96, de 3/07. Por seu turno, os efeitos de factos ocorridos desde 1/12/2003 regem-se pelo Código do Trabalho.
              A matéria relativa a retribuição de férias e o respectivo subsídio está regulada no art. 6º, n.ºs 1 e 2 do DL 874/76, de 28/12 e no art. 255º, n.ºs 1 e 2 do Código do Trabalho.
              No art. 6º do DL 874/76 diz-se que a retribuição correspondente ao período de férias não pode ser inferior à que o trabalhador receberia se estivesse em serviço efectivo e que o subsídio de férias é de montante igual ao dessa retribuição (n.ºs 1 e 2).
              No art. 255º do Código do Trabalho diz-se que a retribuição de férias corresponde à que o trabalhador receberia se estivesse em serviço efectivo e que o subsídio de férias compreende a retribuição base e as demais prestações retributivas que sejam contrapartida do modo específico da execução do trabalho (n.ºs 1 e 2).
              Quanto ao subsídio de Natal – tanto nos termos do art. 2º, n.º 1 do DL 88/96, de 3/7, como nos termos do art. 254º, n.º 1 do Código do Trabalho – o seu valor é igual a um mês de retribuição.
              Por seu turno, a cláusula 49ª do AE, publicado no BTE n.º 23, de 22/06/1994, estabelece, nos seus n.ºs 1 e 2, que durante o período de férias os tripulantes têm direito à retribuição a que se refere o n.º 1 da cláusula 58ª e a um subsídio de férias de montante igual ao dessa retribuição. E a cláusula 63ª, n.º 1 do mesmo AE estabelece que o tripulante tem direito, anualmente, a um subsídio de Natal de montante igual ao da retribuição, a que se refere o n.º 1 da cláusula 58ª, a pagar até 15 de Dezembro. Finalmente, a cláusula 58ª, n.º 1 do aludido AE estabelece que a remuneração fixa mensal dos tripulantes é constituída pelo vencimento fixo e pelo vencimento de senioridade, calculados conforme a tabela em cada momento em vigor.
              Assim, nos termos do AE aplicável à relação de trabalho existente entre as partes, a retribuição de férias, o subsídio de férias e o subsídio de Natal dos tripulantes são apenas constituídos pelo vencimento fixo e vencimento de senioridade.
      Mas o que deve entender-se por “retribuição”, por “retribuição que o trabalhador receberia se estivesse em serviço efectivo”, por “demais prestações retributivas que sejam contrapartida do modo específico da execução do trabalho” e por “vencimento fixo e vencimento de senioridade”?
              Nos termos do art. 82º da LCT e do art. 249º do Código do Trabalho, a retribuição abrange o conjunto de valores pecuniários ou não que, nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o empregador está obrigado a pagar, regular e periodicamente ao trabalhador como contrapartida do seu trabalho (ou, mais rigorosamente, da disponibilidade da força de trabalho por ele oferecida), presumindo-se, até prova em contrário, constituir retribuição toda e qualquer prestação da entidade patronal ao trabalhador.
              A integração de qualquer atribuição patrimonial no conceito de retribuição supõe, assim, a existência de alguma correspectividade entre essa prestação do empregador e o trabalho prestado ou a situação de disponibilidade do trabalhador, ou seja, que essa prestação não tenha causa específica e individualizável diversa da remuneração de trabalho.
              A retribuição é, portanto, constituída por um conjunto de valores expressos ou não em moeda a que o trabalhador tem direito, por título contratual ou normativo, correspondente a um dever da entidade patronal.
              A primeira característica da retribuição é a de que ela representa, em princípio, a contrapartida da prestação de trabalho (ou da disponibilidade do trabalhador), como tal fixada pela vontade das partes, pelas normas que regem o contrato de trabalho ou pelos usos.
              Mas a atribuição de carácter retributivo a uma certa prestação do empregador exige também uma certa regularidade e periodicidade no seu pagamento, embora possa ser diversa de umas prestações para outras. Essa característica tem um duplo sentido indiciário: por um lado, apoia a presunção da existência de uma vinculação prévia (quando se não ache expressamente consignada); por outro, assinala a medida das expectativas de ganho do trabalhador e, por essa via, confere relevância ao nexo existente entre retribuição e as necessidades pessoais e familiares daquele.
              Com a expressão “regular”, a lei refere-se a uma prestação não arbitrária, que segue uma regra permanente, sendo, pois, constante. E ao exigir o carácter “periódico” para que a prestação se integre na retribuição, a lei considera que ela deve ser paga em períodos certos no tempo ou aproximadamente certos, de forma a inserir-se na própria ideia de periodicidade típica do contrato de trabalho e das necessidades recíprocas dos dois contraentes[1].
              Essas prestações regulares e periódicas pagas pelo empregador ao trabalhador, independentemente da designação que lhes seja atribuída no contrato ou no recibo, só não serão consideradas parte integrante da retribuição se tiverem uma causa específica e individualizável, diversa da remuneração do trabalho. É, em suma, necessário que se possa detectar uma contrapartida específica – diferente da disponibilidade da força de trabalho ou da prestação do trabalho – para que essas prestações do empregador se possam colocar à margem do salário do trabalhador. O que, dito de outro modo, envolve a existência da presunção de que qualquer atribuição patrimonial efectuada pelo empregador em benefício do trabalhador constitui parcela da retribuição, salvo prova em contrário.
              No que respeita ao ónus da prova da verificação daqueles pressupostos condicionantes da atribuição de natureza retributiva a qualquer prestação pecuniária paga pelo empregador ao trabalhador, a lei consagrou um regime favorável a este, ao preceituar nos arts. 82º, n.º 3 da LCT e 249º do Código do Trabalho que, até “prova em contrário, presume-se constituir retribuição toda e qualquer prestação da entidade patronal ao trabalhador”. O mesmo regime resulta da cláusula 55ª, n.º 3 do AE aplicável.
              Estabeleceu-se, pois, nestes normativos uma presunção juris tantum no sentido de que qualquer atribuição patrimonial efectuada pelo empregador em benefício do trabalhador, salvo prova em contrário, constitui parcela da retribuição. E conforme estatui o n.º 1, do art. 350º do Cód. Civil “quem tem a seu favor esta presunção escusa de provar o facto a que ela conduz”. A existência de presunção legal importa, assim, a inversão do ónus da prova (art. 344º do Cód. Civil).
              Deste modo, não obstante os aludidos pressupostos constituírem factos constitutivos do direito invocado pelo autor e de, em princípio, lhe caber a prova desses factos, face ao disposto no n.º 1 do art. 342º do Cód. Civil, a existência da citada presunção legal inverte o ónus da prova, incumbindo à Ré a demonstração da inexistência de tais pressupostos factuais.
              No caso em apreço, o A. auferiu, nos anos de 2002, 2003, 2004 e 2005, além do vencimento fixo e das senoridades, as quantias mencionadas nos n.ºs 7, 8, 9º e 10 da matéria de facto provada, a título de comissões, ajudas de custo complementar/PNC, ajudas de custo extra e ajudas de custo operacionais.
              As comissões constituem uma modalidade de retribuição variável que se traduz pela atribuição ao trabalhador de uma parte, normalmente definida em percentagem, do valor das transacções por ele realizadas, em nome e proveito da entidade empregadora, ou em que tenha tido intervenção mediadora[2].
              A natureza retributiva das comissões não oferece quaisquer dúvidas. Além de regulares e periódicas, constituem uma componente da contrapartida do trabalho, com o duplo significado de participação e incentivo: visam proporcionar a retribuição ao resultado da prestação e, simultaneamente, estimular o trabalhador a um desempenho mais diligente e empenhado das funções atribuídas com a promessa de um ganho proporcional à utilidade obtida para o empregador[3]. A conexão entre a atribuição patrimonial assim efectuada e a quantidade e qualidade do trabalho é perfeitamente irrecusável.
              Já o mesmo não sucede em relação às quantias pagas a título de ajudas de custo. Resulta, de forma clara e inequívoca, das cláusulas 55ª, n.º 3 (in fine) e 56ª, n.º 2, al. a) do AE aplicável à relação de trabalho existente entre as partes (publicado no BTE, 1ª série, n.º 23, de 22/06/1994), que as quantias pagas, a título de ajudas de custo não são consideradas retribuição, não se fazendo qualquer distinção entre ajudas de custo operacionais, ajudas de custo complementar extra e ajudas de custo complementar/PNC. Tratando-se de quantias que se destinam, por regra, a ressarcir o trabalhador de despesas que realizou ao serviço ou no interesse do empregador, e que devem ser reembolsadas por este, as mesmas não constituem uma contrapartida do trabalho. E se não constituem uma contrapartida do trabalho, não podem ser consideradas retribuição.
              Daí que tanto o art. 87º, n.º 1 da LCT como o art. 260º, n.º 1 do CT disponham que não se consideram retribuição as importâncias recebidas a título de ajudas de custo, abonos de viagem, despesas de transporte, abonos de instalação e outras equivalentes, salvo quando, sendo tais deslocações ou despesas frequentes, essas importâncias, na parte em que excedam as respectivas despesas normais, tenham sido previstas no contrato ou se devam considerar pelos usos como elemento integrante da remuneração do trabalhador.
              Tais prestações não constituem, portanto, retribuição, salvo quando, sendo tais despesas frequentes, essas importâncias, na parte em que excedam as respectivas despesas normais, tenham sido previstas no contrato ou devam considerar-se pelos usos como elemento integrante da remuneração do trabalhador.
              Cabe, assim, ao empregador o ónus de alegar e de provar que essas quantias constituíam verdadeiras ajudas de custo, ou seja, que o seu pagamento se destinava a ressarcir o trabalhador de despesas efectuadas ao serviço ou no interesse da empresa. Se o empregador conseguir provar que o pagamento dessas quantias tinha esse destino, ou seja, tinha uma causa específica e individualizável, diversa da remuneração do trabalho, tais importâncias não podem considerar-se, como dissemos atrás, parte integrante da retribuição, a não ser que o trabalhador consiga provar que as quantias que lhe eram pagas a esse título excediam as despesas por ele realmente efectuadas e a medida em que excediam, bem como que essas importâncias tinham sido previstas no contrato ou deviam considerar-se (na parte respeitante a esses excedentes) pelos usos da empresa como elemento integrante da sua retribuição.
              No caso sub judice, provou-se que as quantias respeitantes às ajudas de custo operacionais são pagas ao A. e aos demais tripulantes, na caixa do aeroporto do destino ou no hotel, em moeda local, quando há deslocações e o trabalhador fica fora da base, variando de acordo com o custo de vida local, destinando-se ao pagamento das despesas efectuadas localmente, (nomeadamente, pequeno almoço, almoço, jantar, ceia) que o trabalhador tem (de fazer) por força da sua deslocação.
              Provou-se, assim, que tais quantias constituíam verdadeiras ajudas de custo. Como o A. não provou que as quantias que lhe eram pagas a esse título excediam as despesas por ele realmente efectuadas e a medida em que excediam, a sentença recorrida não podia considerar essas quantias, nem qualquer parte dessas quantias, parte integrante da retribuição do Autor. Bem andou, pois, a Mma juíza a quo ao não considerar estas quantias parte integrante da retribuição.
              Já o mesmo não sucede em relação às ajudas de custo complementar/PNC e às ajudas de custo extra. Como a R. não provou que as quantias que pagava à A., a esse título, constituíam verdadeiras ajudas de custo, ou seja, que o seu pagamento se destinava a compensar ou a ressarcir o trabalhador de despesas efectuadas ao serviço ou no interesse da empresa, tais importâncias devem considerar-se parte integrante da retribuição do A./recorrente, nos termos dos arts. 82º, n.º 3 da LCT e 249º, n.º 3 do CT.
            Constituindo as quantias auferidas a título de comissões, de ajudas de custo complementar/PNC e de ajudas de custo complementar extra parte integrante da retribuição do A./recorrente (retribuição variável), temos necessariamente de concluir que a R. devia incluir no cálculo da retribuição de férias, do subsídio de férias e do subsídio de Natal, a média anual das quantias que aquele auferia a esse título, na vigência da LCT, do DL 874/76, de 28/12 e do DL 88/96, de 3/7.
Na vigência da LCT, do DL 874/76, de 28/12 e DL 88/96, de 3/7, porque estabelecendo estes diplomas um regime imperativo mínimo sobre retribuição, retribuição de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal, o AE não podia conter cláusulas, como a 49ª, n.ºs 1 e 2 e a 63ª, n.º 1, que estabelecem, sobre esta matéria (a cláusulas 49ª, n.ºs 1 e 2, sobre a retribuição de férias e o subsídio de férias e a cláusula 63ª, n.º 1 sobre o subsídio de Natal) um tratamento menos favorável que o estatuído naqueles diplomas legais (art. 6º, n.º 1, al. c) do DL 519-C1/79, de 29/12).
As cláusulas 49º, n.º 1 e 2 e 63ª, n.º 1 do AE devem, assim, ser consideradas nulas, devendo aplicar-se a esta matéria o regime imperativo mínimo previsto nos arts. 82º, 83º, 84º, 87º da LCT, 6º, n.ºs 1 e 2 do DL 874/76, de 28/12, e art. 2º, n.º 1 do DL 88/96, de 3/7, dos quais resulta que a retribuição correspondente ao período de férias não pode ser inferior à que o trabalhador receberia se estivesse em serviço efectivo, que o subsídio de férias é de montante igual ao dessa retribuição e que o valor do subsídio de Natal corresponde a um mês de retribuição.
Embora o legislador tenha instituído, nos arts. 183º a 186º do CPT, um processo especial para a anulação e interpretação de cláusulas de convenções colectivas, aqueles preceitos não proíbem que, incidentalmente, nas acções declarativas, com processo comum, emergentes de contrato individual de trabalho, seja declarada pelo tribunal a nulidade de cláusulas de um CCT ou de um acordo de empresa e, menos ainda proíbem a interpretação das cláusulas que o tribunal tem de apreciar e aplicar nessas acções declarativas comuns. A R./recorrente não tem, portanto, qualquer razão, quando sustenta, que as referidas cláusulas se mantêm em vigor e devem ser aplicadas, enquanto não for instaurada uma acção especial que aprecie a validade dessas cláusulas e declare a sua nulidade.
   O mesmo deve suceder na vigência do CT, em relação à retribuição de férias, uma vez que desde a data da sua entrada em vigor não foi publicado nenhum IRCT que afaste a aplicação das normas deste código e que estabeleça um regime menos favorável para os tripulantes de cabine do que o estatuído naquele diploma. Embora o CT, no seu art. 4º, n.º 1, permita que as normas nele contidas possam ser afastadas por instrumento de regulamentação colectiva de trabalho, ou seja, permita a intervenção dos instrumentos de regulamentação, quer em sentido mais favorável aos trabalhadores (in melius), quer em sentido menos favorável (in peius), desde que delas não resulte o contrário; embora as normas que constam nos arts. 249º, 254º e 255º e segs. possam ser afastadas por instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho, por delas não resultar o contrário; embora o art. 250º, n.º 1 reconheça a validade de disposições convencionais que disponham o contrário do que nele está estabelecido, o certo é que, desde a data da entrada em vigor do CT não foi publicado nenhum AE que estabeleça para os tripulantes de cabine um regime menos favorável do que estatuído no seu art. 255º, n.º 1, no qual se estabelece que a retribuição do período de férias não pode ser inferior à que o trabalhador receberia se estivesse em serviço efectivo.
Aliás, o que se verificou, após a entrada em vigor do CT, foi precisamente o contrário: o AE, publicado no BTE, n.º 8, 1ª Série, de 28/02/2006, veio estabelecer, na sua cláusula 40ª, que sempre que a Lei disponha de condições mais favoráveis às nele estabelecidas, será esse o regime aplicável aos tripulantes de cabine.
No que respeita à retribuição de férias, importa salientar que o CT continua a consagrar o princípio de que a mesma deve corresponder à que o trabalhador receberia se estivesse em serviço efectivo, princípio de fundamental importância para garantir que o trabalhador não se sinta tentado, por necessidade económica, a não gozar as férias (o que sucederia se estas se traduzissem numa diminuição da retribuição). Daí que, para este efeito, se devam considerar todas as componentes da retribuição que atrás referimos (comissões, ajudas de custo de complementar/PNC e ajudas de custo complementar extra).
O mesmo não sucede, como veremos mais adiante, em relação ao subsídio de férias, já que o CT veio permitir a redução do seu montante, em termos um pouco equívocos. Em relação a esta prestação, verifica-se um certo grau de regressão, de natureza material, já que se perdeu a parificação à retribuição por férias.
Os valores médios anuais das prestações que o A. recebeu, nos anos de 2002, 2003, 2004 e 2005, a título de comissões de vendas, ajudas de custo de complementar/PNC e ajudas de custo complementar extra, devem, portanto, ser incluídos na retribuição de férias do A./recorrente dos anos de 2002, 2003, 2004 e 2005 e nos subsídios de férias e de Natal de 2002 e 2003.
Só os subsídios de férias e de Natal respeitantes aos anos de 2004 e 2005 é que não poderão integrar todas aquelas prestações retributivas.
O subsídio de férias respeitante aos anos de 2004 e 2005 só pode compreender, nos termos do art. 255º, n.º 2 do CT, a retribuição base e as demais prestações retributivas que devam considerar-se contrapartida do modo específico da execução do trabalho.
A dificuldade neste domínio está, precisamente em circunscrever quais as prestações que são contrapartida do modo específico da execução do trabalho. Numa primeira aproximação à nova fórmula adoptada pelo CT para o cálculo do subsídio de férias, parece-nos que ela comporta uma opção, de entre os diferentes nexos de correspectividade que caracterizam as várias componentes da retribuição, por aqueles que se referem à própria prestação do trabalho, isto é, às específicas contingências que o rodeiam, ou, dizendo de outro modo, ao seu condicionalismo externo (penosidade, isolamento, trabalho nocturno, turnos rotativos), em detrimento daqueles que pressuponham a efectiva prestação da actividade, quer respeitem ao próprio trabalhador e ao seu desempenho (prémios, gratificações, comissões), quer consistam na assunção pelo empregador de despesas em que incorreria o trabalhador por causa da prestação do trabalho (subsídios de refeição e de transporte). Em relação a certas prestações retributivas, como o subsídio de turno, o acréscimo devido pelo trabalho nocturno, o subsídio de risco ou de isolamento, podemos afirmar, com alguma segurança que são contrapartida do modo específico da execução do trabalho. Já o mesmo não parece suceder com as comissões, os prémios e as gratificações.
Assim, e revertendo ao caso em apreço, as quantias que o A. recebeu, nos anos de 2004 e 2005, a título de comissões, a título de ajudas de custo complementar/PNC e a título de ajudas de custo complementar extra, não podem, em nossa opinião, considerar-se prestações que constituem contrapartida do modo específico da execução do trabalho, mas sim prestações que dizem respeito às condições intrínsecas da prestação de trabalho, que pressupõem a efectiva prestação de trabalho e que constituem uma contrapartida desse trabalho e como tal não podem ser levadas em consideração no cálculo do subsídio de férias desses anos[4].
O subsídio de Natal respeitante aos anos de 2004 e 2005 deve incluir apenas o vencimento fixo e as senioridades, pelas razões expostas no Acórdão do STJ de 18/4/2007, que subscrevemos. Refere-se nesse Acórdão que “O Código do Trabalho disciplina a matéria respeitante ao subsídio de Natal no artigo 254º incluído na Secção I («Disposições gerais»), do Capítulo III («Retribuição e outras atribuições patrimoniais»), do Título II («Contrato de Trabalho»), do Livro I («Parte geral»).
Especificamente, quanto ao valor do subsídio de Natal, o n.º 1 do artigo 250º do Código do Trabalho estabelece que “quando as disposições legais, convencionais ou contratuais não disponham em contrário, entende-se que a base de cálculo das prestações complementares e acessórias nelas estabelecidas é constituída apenas pela retribuição base e diuturnidades”, cuja noção é dada pelas alíneas a) e b) do nº 2 do sobredito artigo 250º.
Ora, o subsídio de Natal é uma prestação “complementar” porque não tem correspectividade directa com certa quantidade de trabalho”[5].
Para Romano Martinez[6] “os complementos salariais representam acrescentos à retribuição base e são devidos ao trabalhador, isto é, são obrigatórios. De entre os complementos salariais importa distinguir aqueles que são certos dos incertos. Os complementos salariais certos correspondem a prestações fixas que se vencem periodicamente, sendo, por via de regra, pagas ao mesmo tempo que a remuneração base. Como complementos salariais certos podem indicar-se os subsídios anuais, com destaque para o subsídio de férias (artigo 255º nº 2 do CT), e o subsídio de Natal (artigo 254º do CT), podendo ainda aludir-se ao subsídio de Páscoa.
Face ao enquadramento jurídico enunciado, conclui-se que, no domínio do Código do Trabalho, a base de cálculo do subsídio de Natal – salvo disposição legal, convencional ou contratual em contrário – reconduz-se ao somatório da retribuição base e das diuturnidades, já que “o mês de retribuição” a que se refere o n.º 1 do artigo 254º do Código do Trabalho terá de ser entendido de acordo com a regra supletiva constante no n.º 1 do artigo 250ºdo mesmo Código, nos termos da qual a respectiva base se circunscreve à retribuição base e diuturnidades.”
Consequentemente, à luz do regime do Código do Trabalho e não havendo, no caso vertente, disposição legal, convencional ou contratual em contrário, os complementos remuneratórios constituídos pelas comissões e pelas ajudas de custo não relevam para o cômputo do subsídio de Natal.
Em suma: a média anual das prestações auferidas pelo A., nos anos de 2002 e 2003, a título de comissões, ajudas de custo complementar/PNC e ajudas de custo complementar extra, devem ser levadas em consideração no cálculo da retribuição de férias, do subsídio de férias e do subsídio de Natal desses anos. E a média anual das prestações auferidas pelo A., nos anos de 2004 e 2005, a título de comissões, ajudas de custo complementar/PNC e ajudas de custo complementar extra, devem ser levadas em consideração no cálculo da retribuição de férias desses anos.
Assim, as diferenças devidas ao A., a título de retribuição de férias, subsídio de férias e de subsídio de Natal dos anos de 2002 e 2003 perfazem € 458,79 (€ 170,84 em 2002 e € 287,95 em 2003), em relação às comissões de venda a bordo; € 4.346,91 (€ 2.252,01, em 2002 e € 2.094,90, em 2003), quanto às ajudas de custo complementar/PNC; € 147,15 (€ 75,21, em 2002 e € 71,94, em 2003), quanto às ajudas de custo complementar extra.
E as diferenças devidas ao A., a título de retribuição de férias dos anos de 2004 e 2005 perfazem € 136,09 (€ 55,48, em 2004 e € 80,61 em 2005), em relação às comissões de venda a bordo; € 1.738,38 (€ 919,42 em 2004 e € 818,96 em 2005), quanto às ajudas de custo complementar/PNC e € 13,18 (€ 9.84 em 2004 e € 3,34 em 2005), relativamente às ajudas complementar extra.
Estando em causa, obrigações pecuniárias de prazo certo, tais diferenças serão acrescidas de juros de mora, à taxa legal, desde a data do vencimento das referidas prestações retributivas até efectivo e integral pagamento (arts. 559º, 804º, 805º, n.º 2, al. a), 806º, n.º 1 do Cód. Civil e Portarias n.º 263/99, de 12/04 e 291/03, de 8/04).

2. Abuso de direito e litigância de má fé
A R. sustenta que o pedido do A./recorrente em relação à inaplicabilidade da cláusula 56ª do AE configura abuso de direito, na modalidade de venire contra factum proprium. Diz a R. que os efeitos decorrentes da negociação e outorga do AE em questão repercutem-se na esfera jurídica do recorrente, e este até à presente data, não se desfiliou do SNPVAC, nem recusou a sua aplicação, designadamente no que diz respeito ao direito às comissões nas vendas a bordo e às ajudas de custo nos termos estabelecidos nesse IRCT. Este comportamento, que persiste desde a entrada em vigor do AE, criou na recorrida uma natural convicção de que aquele estava e sempre esteve de acordo com o clausulado negociado e acordado entre as partes. Ao vir agora reclamar a aplicação do regime do AE amputado de um dos seus segmentos essenciais, o recorrente adopta um comportamento contraditório e ofensivo das mais elementares regras da boa fé.
Mas não lhe assiste razão.
O exercício de um direito só pode considerar-se abusivo quando o seu titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito (art. 334º do Cód. Civil) e A. não excedeu, no caso em apreço, esses limites:
Em primeiro lugar, porque o AE não foi negociado por si, mas sim pelo SNPVAC;
Em segundo lugar, porque a cláusula 56ª, n.º 2, al. a) do AE, ao estabelecer que as ajudas de custo não se consideram retribuição, está a referir-se apenas às verdadeiras ajudas de custo, isto é, às quantias que se destinam a ressarcir o trabalhador de despesas que este realizou ao serviço ou no interesse do empregador e, no caso em apreço, a R., como vimos atrás, não provou que as quantias que pagou ao A., a título de ajudas complementar/PNC e complementar extra, nos anos de 2002, 2003, 2004 e 2005, tiveram esse destino;
Em terceiro lugar, porque, na vigência da LCT, os IRCT não podiam incluir quaisquer disposições que importassem para os trabalhadores tratamento menos favorável do que o estabelecido por lei;
Em quarto lugar, porque o trabalhador, durante a vigência da sua relação contratual, encontra-se numa situação de subordinação, que não lhe permite exercer livremente, sem quaisquer constrangimentos, os direitos que lhe assistem e de dispor deles com total liberdade e, sendo assim, a R. nunca podia ter criado a convicção de que o A. esteve sempre de acordo com o clausulado negociado e acordado entre a empresa e o SNPVAC.
Em quinto lugar, porque o A. se limitou a exercer um direito que lhe assiste e que a R. devia ter cumprido espontaneamente, em tempo oportuno.

Sustenta ainda a R./recorrida que houve litigância de má fé, por parte do A./recorrente, uma vez que este recebeu um acréscimo ao subsídio de férias, no valor de € 350,00, “…correspondente ao valor ilíquido da ajuda de custo complementar” e veio reclamar, nesta acção, verbas correspondentes a esse acréscimo, omitindo o recebimento daquelas quantias.
Mas também, neste ponto não lhe assiste razão. Em primeiro lugar, porque só nos anos de 2004 e 2005 é que a R. pagou ao A. tal acréscimo; em segundo lugar, porque não está demonstrado nos autos se tal acréscimo diz respeito às ajudas de custo reclamadas nesta acção (ajudas de custo complementar/PNC e às ajudas complementar extra) ou a qualquer outro tipo de ajudas de custo complementar; e em terceiro lugar, porque o recorrente só poderia ser considerado litigante de má fé, em relação a esta matéria, se tivesse deduzido pretensão cuja falta de fundamento não devesse ignorar ou se tivesse omitido factos relevantes para a decisão e, no caso em apreço, nenhuma destas situações ficou demonstrada.

Finalmente, uma palavra sobre o pedido reconvencional deduzido pela Ré. Como este pedido foi formulado apenas para o caso de a acção proceder em relação às diferenças retributivas reclamadas a título de subsídios de férias a calcular em função da média anual das quantias recebidas a título de ajudas de custo complementar/PNC e complementar extra, nos anos de 2004 e 2005, e como a acção improcedeu, nesta parte, ficou prejudicado o conhecimento deste pedido.

IV. DECISÃO

Em conformidade com os fundamentos expostos, concede-se parcial provimento ao recurso interposto pelo A. e nega-se provimento ao recurso interposto pela R. e, em consequência, altera-se a decisão recorrida e condena-se esta a pagar àquela a quantia de € 6.840.50 (seis mil, oitocentos e quarenta euros e cinquenta cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a data do vencimento de cada uma das prestações retributivas que integram tal importância até integral pagamento.
Custas por ambas as partes, na proporção de 64% para o A. e 36% para a R.


Lisboa, 12 de Março de 2009

      FERREIRA MARQUES
      MARIA JOÃO ROMBA
      PAULA SÁ FERNANDES~

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[1] Cfr. Ac. do STJ de 13.01.93 CJ/STJ, Ano I, Tomo 1º, pág. 226.
[2] Cfr. Acs. da RP de 19/12/79, AD 208º, 546, da RE de 17/1/95, BMJ 443º, 471; do STJ de 11/12/96, CJ/STJ/1996, Tomo III, pág. 262; Monteiro Fernandes, Temas Laborais, Almedina, pág.78.
[3] Cfr. Guidotti, La Retribuzione, in Nuovo Diritto del Lavoro ... pág. 341).
[4] Cfr. Júlio Manuel Vieira Gomes, Direito do Trabalho, Vol. I, Coimbra Editora, págs. 780 e 781; Jorge Cost, A retribuição e outras prestações patrimoniais no Código do Trabalho, Coimbra, in A Reforma do Código do Trabalho, Coimbra Editora, 2004, págs. 381 e segs; Manuel Ferreira da Costa, A retribuição e outras prestações patrimoniais, in A Reforma do Código do Trabalho, Coimbra Editora, 2004, págs. 401 e segs.; e Pedro Romano Martinez, Luís Miguel Monteiro, Joana Vasconcelos, Pedro Madeira de Brito e outros in Código do Trabalho Anotado, Almedina, Anotação III ao art. 255º, pág. 408.
[5] Cfr. Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 12ª edição, Almedina, Coimbra, 2004, pág.470.
[6] Cfr. Direito do Trabalho, 2ª edição, Almedina, Coimbra, pág. 571.