Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
6817/04.0YXLSB.L1-2
Relator: ANA PAULA BOULAROT
Descritores: TRANSPORTE AÉREO
INDEMNIZAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/22/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA PARCIALMENTE A DECISÃO
Sumário: I O Regulamento (CEE) nº295 do Conselho de 4 de Fevereiro de 1991, ao estabelecer regras comuns relativas a um sistema de compensação por recusa de embarque de passageiros nos transportes aéreos regulares, não implica uma eventual preclusão do recurso ao Tribunal com vista a um outro ressarcimento complementar, como aliás decorre do seu artigo 9º, nº1.
II O artigo 3º daquele Regulamento dispõe que a transportadora aérea deve estabelecer regras para o embarque de passageiros no caso de voos sobrereservados, devendo tais regras prever a possibilidade de se recorrer a voluntários dispostos a renunciar ao embarque, impondo ainda a obrigação da transportadora aérea tomar em consideração os interesses dos passageiros que devam ser encaminhados prioritariamente por razões legitimas.
III Não demonstrando que tais regras existam e que as tenha cumprido, a transportadora incorre em responsabilidade contratual se a recusa de embarque tiver sido efectuada de forma aleatória.
(APB)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: ACORDAM, NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA

I J, intentou acção declarativa com processo sumário contra S TRANSPORTES AÉREOS, S.A., pedindo a sua condenação no pagamento da quantia de € 5.140,00 a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais.
Alegou, em síntese, ter adquirido um bilhete de avião respeitante ao voo Ponta Delgada - Lisboa previsto para o dia 7 de Setembro de 2004 às 8:45 horas tendo chegado ao aeroporto às 8:00 horas desse dia e efectuado o check in quando cerca de meia hora antes do embarque, foi informado que devido a overbooking não tinha lugar no referido voo. Na altura protestou por ser profissional médico e ter 16 marcações de doentes no seu consultório nessa tarde, as quais foi forçado a desmarcar, sendo certo que sete correspondiam a novos doentes que não fizeram novas marcações tendo deixado de auferir € 90,00 por consulta num total de € 1.440,00. Acresce que quando se encontrava no aeroporto de Ponta Delgada contactou com funcionários da Ré que o trataram de forma desabrida e prepotente, dizendo perante quem aí se encontrava que só embarcava se a 1. Ré quisesse o que o deixou incomodado, causando-lhe vergonha e humilhação, danos pelos quais entende dever ser indemnizado em valor não inferior a € 3.700,00. Após o sucedido veio a embarcar no voo para Lisboa com partida às 14:35 horas tendo a Ré, consciente de ter actuado mal, efectuado um upgrade para a classe bem como devolvido a quantia de € 64,00 sobre o custo do seu bilhete. Finalmente, alegou ser a Ré, independentemente da culpa, responsável pelo ressarcimento dos danos resultantes dos atrasos verificados no transporte aéreo nos termos do Decreto-Lei n.° 321/89, de 25 de Setembro.

A final foi produzida sentença a julgar a acção improcedente com a absolvição da Ré do pedido da qual, inconformado, recorreu o Autor, apresentando as seguintes conclusões:
- Dispõe o Regulamento 295/91 (CEE) do Conselho de 4 de Fevereiro de 1991 doravante apenas Regulamento que a transportadora aérea deve estabelecer as regras em casos de voos sobrerreservados (overbooking) devendo prever a eventualidade de se recorrer a voluntários dispostos a renunciar ao embarque e, também, tomar em consideração os interesses dos passageiros que devem ser encaminhados prioritariamente por razões
- Algo que a R. não fez, não alegou ter feito, nem, muito menos, demonstrou tê-lo feito.
- Segundo confirmaram testemunhas da R., em casos de overbooking as instruções dadas aos funcionários são no sentido de, pura e simplesmente, deverem ficar em terra os últimos passageiros a chegar, em franco desrespeito pelo disposto no art.° 3° do Regulamento.
- A R. não atendeu às legítimas razões do A. (este tinha de chegar a Lisboa antes das 14:00 horas porque tinha 16 doentes para atender), nada fez para lhe tentar solucionar o problema, nem sequer procurou, como deveria, passageiros dispostos a renunciar ao embarque para que o A. pudesse embarcar.
- Mais e mais grave: a R. impediu o A. de embarcar quando, afinal, nem sequer havia motivo para o fazer! Repare-se que a incubadora necessitava de 9 lugares para que pudesse ser transportada e já existiam 8 passageiros confirmados sem lugar no avião (Decisão da matéria de facto - pontos 20, 21 e 22 da base instrutória - provados; cfr doc. 4 junto com a contestação da R. SATA - Lista de pessoas em overbooking aceites: A, Sr. S, Sra S, R, A C, M C, P C e R C). Bastava que a esposa do A. ficasse em terra para garantir espaço para a incubadora no avião e da transcrição dos seus depoimentos resulta que a mesma se ofereceu para ficar.
- Foi, assim, única e exclusivamente por culpa da R. que o A. não pode seguir no voo das 08:45 horas! Tal não se deveu, assim, a necessidade urgente de transportar uma incubadora como alega a R., mas porque esta, perante tal situação, não agiu como deveria, isto é, acatando o disposto no art. 3° do Regulamento.
- Por não ter podido embarcar à hora prevista (08:45 horas) o A. viu-se obrigado a desmarcar as 16 consultas marcadas para esse dia (Decisão da matéria de facto - pontos 4, 5, 12 e 13 da base instrutória provados).
- Foi esse o seu prejuízo patrimonial. Prejuízo que o Tribunal a quo não nega!
- O que o Tribunal a quo não considera provado é tão-somente o quantum desse prejuízo uma vez que deu como não provado o valor de cada consulta (embora duas das testemunhas do A. tenham afirmado com clareza e segurança que o valor de cada consulta do A. à data dos factos era de 90€ -Depoimento de O, CD de 24/03/09 - 00.00.00 a 00.10.51 e Depoimento de O M, CD de 05/05/09 - 00.00.00 a 00.23.08).
- Assim, uma vez que o Tribunal a quo não nega o prejuízo sofrido pelo A., apenas invoca não ter elementos para fixar o seu montante, deveria ter condenado a R. no que viesse a ser liquidado em execução de sentença (art.° 661°/2 CPC).
- O A. invocou razões legítimas para embarcar no voo das 08:45 horas: tinha 16 doentes para atender a partir das 14:00 horas (Decisão da matéria de facto - ponto 4° da base instrutória - provado). - Era-lhe, pois, imprescindível chegar a Lisboa, logicamente antes das 14:00 horas (Decisão da matéria de facto - ponto 5° da base instrutória - provado).
- Decorre do depoimento transcrito da esposa do A., sua testemunha, Dra O M, que esta chegou a oferecer-se para ficar ela apenas em terra e que o R. predispôs-se a viajar no cockpit.
- Apesar disso e apesar do natural estado de aflição do A., a R. foi intransigente e teimou, absurdamente, na sua opção impedindo, terminantemente, o A. de embarcar.
- Comportamento tanto mais grave quanto nem sequer havia motivo para que o A. ficasse retido em terra! (como já acima foi dito, a incubadora necessitava de 9 lugares e já havia 8 passageiros confirmados que não seguiam no voo. Era necessário mais um e apenas um passageiro a ficar retido em terra! - Decisão da matéria de facto - pontos 20, 21 e 22 da base instrutória - provados).
- Porque não atendeu aos legítimos interesses do A. e porque o impediu, contra toda a razoabilidade, de embarcar no voo das 08:45 horas, a R. agiu de forma claramente prepotente,
- E, ao fazê-lo de modo a que os circunstantes se apercebessem, deixando o A. envergonhado com a situação (cfr. decisão da matéria de facto sobre os pontos 10 e 11 da base instrutória) o seu comportamento é, também, censurável por ofensivo e desrespeitador da sua honra e dignidade.
- O comportamento da R. foi, assim, claramente ilícito e, como tal, gerador de responsabilidade civil.
- Deve, assim, a R., também por este motivo, ser condenada a indemnizar o A. pelos danos não patrimoniais que a sua conduta ilícita causou a este: ofensa da sua honra e dignidade, desrespeito pelos seus legítimos interesses, humilhação e vexame público.
Nas contra alegações a Ré pugna pela manutenção do julgado.

II A sentença sob recurso deu como assentes os seguintes factos:
- O Autor J é médico (alínea A) dos factos assentes).
- O Autor adquiriu um bilhete de avião para o voo Ponta Delgada - Lisboa, com o n.° 0120 para o dia 7 de Setembro de 2004 previsto e anunciado para as 08:45 horas (alínea B) dos factos assentes).
- Dois dias antes do voo o Autor telefonou para os serviços da Ré a fim de o reconfirmar (ponto 1º da base instrutória).
- Meia hora antes do voo o Autor foi abordado por uma funcionária tendo-lhe esta dito que devido a overbooking ele não tinha lugar no referido voo (ponto 3º da base instrutória).
- O Autor disse ser médico e ter para esse dia 16 marcações de doentes no seu consultório em Lisboa tendo as consultas início às 14:00 horas (ponto 4º da base instrutória).
- Pelo que lhe era imprescindível chegar a Lisboa (ponto 5º da base instrutória).
- O Autor falou com a supervisora de voo (resposta ao ponto 6º da base instrutória).
- E disse ter reconfirmado a sua reserva para o voo n.° 0120 dois dias antes (ponto 7º da base instrutória).
- Os circunstantes aperceberam-se do sucedido (ponto 10º da base instrutória).
- 0 Autor sentiu-se envergonhado com a situação (resposta ao ponto 11º da base instrutória).
- O Autor contactou o seu consultório para serem desmarcadas a consultas agenciadas (ponto 12º da base instrutória).
- O Autor tinha 16 marcações para a tarde do dia 7 de Setembro de 2004, das quais sete eram novos doentes (ponto 13º da base instrutória).
- O Autor é considerado no seu meio sócio-profissional como uma pessoa educada e um profissional consciencioso (resposta aos pontos 16 e 17º da base instrutória)
- O voo n.° 0120 Ponta Delgada – Lisboa em que o Autor tinha reserva, era um voo regular (ponto l8.° da base instrutória).
- No dia e voo em que o Autor e a sua mulher tinham reserva confirmada para viajarem, foi requisitado pelo Hospital de Ponta Delgada, espaço no avião para transporte, em serviço de urgência, de uma incubadora com uma criança recém-nascida, para o Hospital Pediátrico da Estefânia (ponto 19º da base instrutória)
- A incubadora para ser transportada ocupava 9 lugares (assentos), já incluindo o lugar da enfermeira e pais que a acompanharam (ponto 20º da base Instrutória).
- 0 voo no qual o Autor e a sua mulher pretendiam viajar encontrava-se quase completo (ponto 21º da base instrutória).
- Pelo que naquele momento e com o embarque da referida incubadora passaram a existir 8 passageiros que se encontravam confirmados e que não tinham lugar (ponto 22º da base instrutória).
- No momento em que o Autor e a sua mulher chegaram ao aeroporto foi-lhes dito pela funcionária que os atendeu que teriam de ficar em lista de espera porque iria ser embarcada em serviço de urgência uma incubadora pelo que não teriam lugar no avião (ponto 23º da base instrutória).
- A Ré providenciou o embarque do Autor no voo SATA 0124 previsto para o dia 7 de Setembro de 2004 às 14:35 horas (alínea C) dos factos assentes).
- No voo n.° 0124, a Ré colocou o Autor e a sua mulher em classe executiva entregou-lhes € 64,00/cada, correspondentes ao valor de metade da tarifa que tinham liquidado (alínea E) dos factos assentes).
- O Autor saiu do Aeroporto da Portela cerca das 18:00 horas (alínea D) dos factos assentes).

Não obstante o Apelante nas suas conclusões de recurso faça apelo à matéria dada como provada e aos depoimentos das testemunhas que a ela depuseram, tal não se deve ao facto de pretender impugnar a factualidade assente, mas antes de querer fazer decorrer da mesma determinadas asserções em abono da tese defendida em sede de recurso.

Assim.

Insurge-se o Autor/Apelante contra a sentença recorrida uma vez que na sua tese foi, única e exclusivamente por culpa da Ré que não pode seguir no voo das 08:45 horas, porque esta, perante a situação, não agiu como deveria, isto é, acatando o disposto no art. 3° do Regulamento 295/91 (CEE) do Conselho de 4 de Fevereiro de 1991 estabelecendo as regras em casos de voos sobrerreservados (overbooking), prevendo a eventualidade de se recorrer a voluntários dispostos a renunciar ao embarque e, também, tomar em consideração os interesses dos passageiros que devem ser encaminhados prioritariamente por razões legitimas, algo que a Ré/Apelada não fez, não alegou ter feito, nem, tão pouco demonstrou tê-lo feito.

Vejamos.

Prima facie, urge esclarecer que o Regulamento (CEE) nº295 do Conselho de 4 de Fevereiro de 1991, ao estabelecer regras comuns relativas a um sistema de compensação por recusa de embarque de passageiros nos transportes aéreos regulares, não implica uma eventual preclusão do recurso ao Tribunal com vista a um outro ressarcimento complementar, como aliás decorre do seu artigo 9º, nº1.

O aludido Regulamento visa, além do mais, como deflui dos considerandos que dele fazem parte integrante, o estabelecimento de normas mínimas comuns no domínio da recusa de embarque, a obrigação do estabelecimento de regras para o embarque no caso de sobrerreserva, definição dos direitos dos passageiros em caso de recusa de embarque, obrigação de compensação e de fornecimento de serviços adicionais aos passageiros a quem tenha sido recusado o embarque e a obrigação de informação dos passageiros das regras aplicáveis nesta matéria.

Conforme resulta da matéria dada como provada, a Ré/Apelada, recusou o embarque do Apelante no voo que este havia previamente reservado, reencaminhou-o para outro voo no mesmo dia e compensou-o com o montante de € 64,00, cfr ponto 3. da base instrutória e alíneas C) e E) dos factos assentes.

Quer dizer, a Ré/Apelada cumpriu para com o Autor/Apelante, as obrigações decorrentes dos nº1 e 2 do artigo 4º do Regulamento 291/91, em virtude da recusa de embarque ocorrida, encontrando-se, assim, satisfeita a compensação que este diploma visa regular, a esse titulo e tão só.

Questão diversa é a da análise da eventual responsabilidade contratual da Ré/Apelada, pelo incumprimento culposo do contrato de prestação de serviços de transporte havido com o Apelante, questão esta que, como se disse supra, não se encontra afastada pelo aludido Regulamento que antes a prevê, como assinalámos supra, no normativo inserto no seu artigo 9º, nº1.

Assim.

Entre o Apelante e a Apelada foi celebrado um contrato de prestação de serviços tal como o mesmo nos é definido pelo artigo 1154º do CCivil, através do qual esta se obrigou a proceder ao transporte aéreo daquele, de Ponta Delgada para Lisboa, às 08:45 horas, no dia 7 de Setembro de 2004, tendo o Apelante, para o efeito adquirido o respectivo bilhete.

Decorre do artigo 406º, nº1 do CCivil que os contratos devem ser pontualmente cumpridos, sendo certo que, in casu, no dia e hora aprazados para o voo objecto do acordo havido entre o Apelante e a Apelada, esta recusou o embarque daquele pois havia sido requisitado pelo Hospital de Ponta Delgada, espaço no avião para transporte, em serviço de urgência, de uma incubadora com urna criança recém-nascida, para o Hospital Pediátrico da Estefânia, o que ocuparia nove lugares, e em consequência oito passageiros (entre eles o Autor) não poderiam embarcar, cfr pontos 19º a 23º da base probatória.

Dispõe o artigo 798º do CCivil que «O devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que causa ao credor.», estabelecendo o artigo 799º, nº1 uma presunção de culpa daquele, sobre o qual irá impender a obrigação de provar que a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso não proveio de culpa sua.

Na tese do Autor foi única e exclusivamente por culpa da Ré que não pode seguir no voo das 08:45 horas, pois esta não atendeu às suas legítimas razões - tinha de chegar a Lisboa antes das 14:00 horas porque tinha 16 doentes para atender - , nada fez para lhe tentar solucionar o problema, nem sequer procurou, como deveria, se existiam passageiros dispostos a renunciar ao embarque para que o Autor pudesse embarcar. Mais e mais grave: a Ré impediu o Autor de embarcar quando, afinal, nem sequer havia motivo para o fazer, pois a incubadora necessitava de 9 lugares para que pudesse ser transportada e já existiam 8 passageiros confirmados sem lugar no avião. Tal não se deveu, assim, a necessidade urgente de transportar uma incubadora como alega a Ré, mas porque esta, perante tal situação, não agiu como deveria, isto é, acatando o disposto no artigo 3° do Regulamento.

Encontra-se provado que o Autor não pode embarcar devido à circunstância de ter sido requisitado espaço no avião para um serviço de urgência, o que implicaria terem de ficar de fora oito passageiros, entre eles o Autor, não resultando da matéria dada como provada que este tivesse, à partida, podido embarcar e que só não o fez por ter sido impedido pela Ré.

Nem se compreende, ou mal se compreende o raciocínio expendido pelo Apelante quando diz «(…) a Ré impediu o Autor de embarcar quando, afinal, nem sequer havia motivo para o fazer, pois a incubadora necessitava de 9 lugares para que pudesse ser transportada e já existiam 8 passageiros confirmados sem lugar no avião (…)», uma vez que a existência destes oito passageiros sem lugar no avião, foram resultantes da ocupação dos aludidos nove lugares, cfr ponto 22 da base instrutória.

Também não se encontra provado que bastava à mulher do Apelante ficar em terra para garantir os lugares da incubadora e permitir a inclusão daquele no mencionado voo, antes pelo contrário, veja-se a resposta dada ao ponto 23º da base instrutória: «No momento em que o Autor e a sua mulher chegaram ao aeroporto foi-lhes dito pela funcionária que os atendeu que teriam de ficar em lista de espera porque iria ser embarcada em serviço de urgência uma incubadora pelo que não teriam lugar no avião.», o que significa que nenhum dos dois poderia embarcar.

Quer dizer, na circunstância, existiam oito passageiros, entre os quais o Autor e sua mulher, que foram impedidos de embarcar pela Apelada.

Não se discute que tivesse havido uma necessidade urgente de a Apelada proceder ao transporte da incubadora, afastando assim a inclusão de oito passageiros naquele voo, entre eles o Apelante.

O que se discute é se tal necessidade, a se, faz afastar a presunção de culpa que impende sobre a mesma.

Parece-nos que não.

In casu, a culpa tem de ser apreciada nos termos aplicáveis à responsabilidade civil, isto é, pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso, cfr artigos 799º, nº2 e 487º, nº2 do CCivil.

Resulta dos autos que o Apelante confrontado com a situação de não poder viajar no voo em questão, fez explicar que era médico e que tinha compromissos profissionais para aquele dia, razões essas que não foram tidas em conta pela Apelada, o que levou a que aquele tivesse cancelado dezasseis consultas, cfr pontos 4º, 5º, 12º e 13º da base instrutória.

Dispõe o artigo 3º do Regulamento 295/91 que a transportadora aérea deve estabelecer regras para o embarque de passageiros no caso de voos sobrereservados, devendo tais regras prever a possibilidade de se recorrer a voluntários dispostos a renunciar ao embarque, impondo ainda a obrigação da transportadora aérea tomar em consideração os interesses dos passageiros que devam ser encaminhados prioritariamente por razões legitimas.

A Ré/Apelada não alegou nos autos que tenha cumprido tais regras.

Aliás, nem sequer se encontra alegado que tais regras existissem.

Mas, mesmo na inexistência de tais regras, também não foi alegado que tenha sido utilizado um critério para a recusa do embarque dos oito passageiros que tivesse tido em conta os respectivos interesses, não se podendo, assim, concluir que a Apelada não tivesse podido agir de forma diversa e que não tivesse tido outra alternativa que não a de recusar o embarque do Apelante, tendo em atenção a situação relativa dos vários passageiros previstos para o voo, que nem sequer se mostra ter sido equacionada, cfr Galvão Telles, Direito das Obrigações, 4ª edição, 270.

Daqui decorre que a Ré/Apelada, não logrou afastar a presunção de culpa que sobre si impende, de onde a obrigação de indemnizar o Apelante pelos prejuízos resultantes do incumprimento, traduzidos no cancelamento das consultas agendadas para aquele dia, cujos réditos deixou de obter (montante de € 1440,00 correspondente a dezasseis consultas à razão de € 90,00 cada).

As conclusões procedem neste particular.

No que tange à indemnização por danos morais, computada em € 3700,00, falece a razão ao Apelante.

Efectivamente, dispõe o normativo inserto no artigo 496º, nº1 do CCivil que na fixação da indemnização o Tribunal deverá atender aos danos não patrimoniais que pela sua gravidade mereçam a tutela do direito.

Todavia, nenhuma factualidade se apurou susceptível de ser subsumida naquele dispositivo, para além de que «0 Autor sentiu-se envergonhado com a situação», ponto 11º da base instrutória.

Os meros incómodos, embaraços ou contrariedades, não são relevantes para a atribuição de uma indemnização, cfr Almeida Costa, Direito das Obrigações, 8ª edição, 541.

III Destarte, julga-se parcialmente procedente a Apelação e em consequência revoga-se a sentença recorrida, condenando-se a Ré/Apelada a satisfazer ao Autor/Apelante a quantia de € 1440,00 a título de danos patrimoniais, absolvendo-se aquela do demais peticionado.
Custas pelo Apelante e pela Apelada na proporção do decaimento.
Lisboa, 22 de Abril de 2010
(Ana Paula Boularot)
(Lúcia de Sousa)
(Luciano Farinha Alves)