Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
3821/2005-6
Relator: ILÍDIO SACARRÃO MARTINS
Descritores: PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS
TELECOMUNICAÇÕES
PRESCRIÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/12/2005
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Sumário: 1º- Os créditos provenientes da prestação de serviços públicos essenciais, como é o serviço de telefone, prescrevem no prazo de seis meses após a sua prestação, nos termos do artigo 10º nº 1 da Lei nº 23/96, de 26 de Julho;
2º- A prescrição introduzida na Lei nº 23/96 tem natureza extintiva, sendo interrompida pela apresentação da factura, nos termos do artº 9º nºs 4 e 5 do DL nº 381-A/87, de 30.12.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa

I - RELATÓRIO

PT Comunicações, SA intentou acção sumária ( posteriormente seguiram os autos a forma ordinária, face ao valor da acção fixado pelo despacho de fls. 71) contra A---P--- Sistemas Informáticos, Ldª pedindo seja condenada a pagar-lhe a quantia de € 8.579,83, acrescida de juros vencidos no montante de € 803,71 e dos vincendos até integral pagamento.

Em síntese, alegou o seguinte:
A Ré requisitou à autora a instalação de linha telefónica e a inserção de anúncios nas listas telefónicas, páginas amarelas. A autora prestou os serviços de acesso à rede fixa inseriu os anúncios nas listas telefónicas.
A autora emitiu e enviou à ré, que as recebeu, as facturas discriminadas a fls. 19, no montante de € 8.579,83, que a ré não liquidou e que respeitam a serviços prestados desde 26 de Junho de 2001 a 28 de Maio de 2002.

Contestou a ré referindo que o pagamento das facturas se encontra prescrito nos termos do artº 10º nº 1 do DL nº 23/96, de 26 de Julho.

Respondeu a autora dizendo que se está perante uma prescrição presuntiva, a qual desde logo se mostra afastada por a ré não alegar que pagou.

No despacho saneador foi julgado prescrito o direito da autora relativo ao serviço inscrito nas facturas constantes de fls. 19 e emitidas desde 26.06.01 até 01.03.2002.

Não se conformando com aquele despacho, dela recorreu a autora, tendo formulado as seguintes CONCLUSÕES:
1ª - Dão-se como integralmente reproduzidos os factos, considerados relevantes.
2ª - Alguns valores que constam na causa de pedir e no pedido, foram considerados prescritos, com base na Lei 23/96.
4ª - O artº 10º da Lei 23/96 de 26/07, refere-se à prescrição do "... direito de exigir o pagamento do preço do serviço prestado... " e não do direito de obter o pagamento.
5ª - O Decreto-Lei nº 381-A/97 de 30 de Dezembro de 1997, que "Regula o regime de acesso à actividade dos operadores de redes públicas de telecomunicações e dos serviços de telecomunicações de uso público em desenvolvimento da Lei nº 91/97, de 1 de Agosto (Lei de Bases das Telecomunicações), e transpõe para o direito interno as Directivas nºs 96/2/CE e 96/19/CE, ambas da Comissão, e 97/13/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho", preceitua no nº 5, do artigo 9º que para cumprimento do ónus que impende sobre o credor, para evitar a prescrição do seu crédito, " ... tem-se por exigido o pagamento com a apresentação de cada factura.
6ª - Não foi alegado, nem provado pela ré, que as facturas lhe foram apresentadas para além do período de seis meses, a contar da prestação do correspondente serviço. Pelo que, não se verificam os pressupostos da prescrição dos créditos, ao decidir-se de outro modo, foram violados os nºs 4 e 5, do artigo 9º, do Decreto-Lei nº 381-A/97 de 30 de Dezembro de 1997.
7ª - A ré não pagou os valores constantes na matéria de facto, tida como relevante, sendo a prescrição, regulada pela Lei 23/96, de natureza presuntiva, conforme a Jurisprudência acima transcrita.
8ª - Conforme o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 27/11/2003, da 6ª Secção - (Cível), processo no 8811/03-6, ainda, presume-se, inédito, em parte, acima transcrito, mutatis mutandis, não se verifica a prescrição, no caso dos autos, pois " não tendo a ré alegado que as facturas correspondentes aos serviços prestados pela autora e cujo pagamento se reclama lhe foram apresentadas para lá dos seis meses que a lei fixa para a prescrição do direito de exigir o pagamento do preço dos serviços prestados não se verifica a prescrição, baseada na Lei 23/96 de 26/07, ou em qualquer outra disposição legal.
9ª - Nos termos do nº 1 do artigo 406º do Código Civil: "o contrato deve ser pontualmente cumprido... " e "o devedor cumpre a obrigação quando realiza a prestação a que está vinculado. " (cfr. o nº 1, do artigo 762º, do Código Civil).
10ª - O pagamento é uma obrigação, cuja prova impende sobre a ré/recorrida – nº 2 do artº 493º do C.P.C. e artº 342º do Código Civil.

Termina pedindo que seja revogada a decisão recorrida, julgando-se que não ocorreu a prescrição dos créditos que constituem o pedido e a causa de pedir, formulados na petição inicial.

A parte contrária não respondeu às alegações.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

II - FUNDAMENTAÇÃO

A- Fundamentação de facto
A decisão recorrida, com vista a decidir da excepção de prescrição, considerou relevantes os seguintes factos:
1º - A autora funda a sua pretensão na prestação de serviço fixo de telefone e inserção de anúncios em listas telefónicas.
2º - A autora emitiu e enviou à ré as facturas referidas a fls. 19, com a data de emissão, número, data limite de pagamento, valor de serviço básico, valor de serviço não básico, valor da inserção em listas e total ali discriminados.
3º - Concretamente emitiu as facturas ali referidas a:
- 26.06.01; 26.07.01; 27.08.01; 25.09.01; 30.10.01; 03.12.01; 02.01.02; 01.02.02; 01.03.02; 01.04.02; 29.04.02; e 28.05.02.
4º - A presente acção foi instaurada a 05.09.02..

B) Fundamentação de direito

A autora fundou o seu crédito no contrato outorgado com a ré que lhe requisitou a instalação de uma linha telefónica mediante o pagamento mensal de taxas fixadas no tarifário em vigor, alegando o não pagamento de facturas referentes a mensalidades de assinatura, unidades de contagem e inserção de anúncios num total de € 8.579,83.

Não questionou a ré que as chamadas efectuadas respeitassem ao posto telefónico que a autora lhe instalou; a ré orientou a sua defesa, para além do mais, no sentido de que o direito da autora prescreveu.

O contrato de prestação de serviços telefónicos embora subordinado às regras de direito privado, reflecte a prestação de um serviço público essencial em ordem à protecção do utente.

No caso concreto têm plena aplicação as disposições da Lei nº 23/96, de 26 de Julho e do Decreto-Lei nº 381-A/97, de 30 de Dezembro.
O DL nº 381-A/97 porque regula o regime de acesso à actividade de operador de redes públicas de telecomunicações e de prestador de serviço de telecomunicações de uso público – artº 1º.
A Lei nº 23/96, porque consagrou regras a que deve obedecer a prestação de serviços públicos essenciais em ordem à protecção do utente, entre os quais se abrange o serviço de telefone – artº 1º nº 1 alª d).

O chamado serviço de telefone é um serviço reconhecidamente público considerado essencial (ver artigo 1º nº 1 alª d) da lei nº 23/96, de 26 de Julho e Regulamento do Serviço Telefónico Público, anexo ao Decreto-Lei nº 199/87, de 30 de Abril) do qual decorre para o prestador um conjunto de deveres que visam acautelar os interesses do utente; salientam-se, entre outros, o dever geral de boa fé (artigo 3º) que, aliás, decorre dos princípios gerais da lei em matéria contratual (227º/1, 334º, 437º, 475º, 612º/1, 762º/2, 765º/1, 765º/2, 898º todos do Código Civil), o dever de informação sobre as condições em que o serviço é fornecido, a proibição de suspensão do serviço salvo caso fortuito ou de força maior (artigo 5º/1).

Os créditos por fornecimento de energia eléctrica, água ou aquecimento, por utilização de aparelhos de rádio, televisão ou telefones estavam sujeitos à prescrição extintiva ou liberatória da alínea g) do artº 310º do Código Civil .

Após a entrada em vigor da Lei nº 23/96, os créditos periódicos provenientes da prestação de serviços públicos essenciais, como é o serviço de telefone, passaram a prescrever “no prazo de seis meses após a sua prestação” ( artigo 10º nº 1).

Foi manifesta a preocupação do legislador em encurtar drasticamente os prazos de prescrição de tais créditos. Todavia, não se trata, como em relação a outras obrigações de prazo curto, de estabelecer uma prescrição presuntiva, que estabeleceria uma presunção de cumprimento ( artº 312º do CC), mas de uma verdadeira prescrição extintiva .

Mantendo-se o carácter extintivo da prescrição, procurou-se proteger o interesse dos utentes, de acordo com o princípio geral afirmado no artigo 3º da Lei nº 23/96, segundo o qual, “ o prestador do serviço deve proceder de boa fé e em conformidade com os ditames que decorram da natureza pública do serviço, tendo igualmente em conta a importância dos interesses dos utentes que se pretende proteger”.

De acordo com o artº 9º, nº 4 do Decreto-Lei nº 381-A/87,, “o direito de exigir o pagamento do preço do serviço prestado prescreve no prazo de seis meses após a sua prestação”.
E o subsequente nº 5 prescreve que “ para efeitos do número anterior, tem-se por exigido o pagamento com a apresentação de cada factura”.
A autora peticiona aqui quantias em dívida por serviços prestados nos períodos compreendidos entre 26 de Junho de 2001 e 01 de Março de 2002.
A presente acção deu entrada em 05 de Setembro de 2002.
É manifesto que a acção foi intentada após ter decorrido o referido prazo de 6 meses sobre a prestação de todos os serviços.

Argumenta a apelante que, não foi alegado nem provado pela ré que as facturas lhe foram apresentadas para além do prazo de seis meses a contar da prestação do correspondente serviço, não ocorreu a prescrição dos créditos.
Além disso, a prescrição prevista na Lei 23/96 tem natureza presuntiva.

Mas sem razão.
O nº 5 do artigo 9º do Decreto-Lei nº 381-A/87 não transforma o prazo de prescrição do nº 4 num prazo presuntivo. O legislador não ignorava o instituto da prescrição e, se estatuiu no nº 4 um prazo de prescrição extintiva, presume-se que consagrou a solução mais acertada e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados ( artº 9º nº 3 do Código Civil).
O nº 5 do artigo 9º acima referido tem o alcance bem definido, ou seja, a exigência do pagamento “com a apresentação de cada factura”, para efeitos do número anterior ( do que estabelece o prazo de prescrição), passa a ser um acto interruptivo do prazo de prescrição, nos termos do artigo 323º nº 1 do Código Civil.
Ora, de nada valerá à autora esgrimir com o nº 5 do artigo 9º, pois, em sede de resposta à contestação, não alegou qualquer facto de onde decorra essa interrupção, nomeadamente, a apresentação das facturas.

Neste sentido foi decidido no acórdão do STJ de 6.2.2003 , que sentenciou nos seguintes termos:
“ Por ela se estabelece um prazo de prescrição extintiva, especialmente curto em vista da finalidade de protecção do utente. O prazo inicia-se após a prestação do serviço o que significa, atenta a circunstância de se tratar de serviços que devem ser prestados continuamente mas que são habitualmente facturados mensalmente (…), que o prazo se inicia logo que termine cada período sujeito a facturação autónoma”.

Deste modo, podemos concluir o seguinte:
- Os créditos provenientes da prestação de serviços públicos essenciais, como é o serviço de telefone, prescrevem no prazo de seis meses após a sua prestação, nos termos do artigo 10º nº 1 da Lei nº 23/96, de 26 de Julho;
- A prescrição introduzida na Lei nº 23/96 tem natureza extintiva, sendo interrompida pela apresentação da factura, nos termos do artº 9º nºs 4 e 5 do DL nº 381-A/87, de 30.12.


III - DECISÃO

Pelo exposto, julga-se improcedente a apelação, confirmando-se o douto despacho saneador recorrido.
Custas pela apelante.


Lisboa, 12 de Maio de 2005

Ilídio Sacarrão Martins
Teresa Prazeres Pais
Pires do Rio