Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
3/18.9T8SXL.L1-2
Relator: PEDRO MARTINS
Descritores: DIVÓRCIO SEM CONSENTIMENTO DE UM DOS CÔNJUGES
RUPTURA DEFINITIVA DO CASAMENTO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/21/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I- Para a separação de facto servir de fundamento ao divórcio (art. 1781/-a e 1782 do CC), tem de existir, por um ano consecutivo (no momento da propositura da acção), quer a separação quer o propósito de pelo menos um dos cônjuges de não restabelecer a comunhão, que é o que se verifica no caso dos autos.
II- Não se tem de verificar uma violação de deveres conjugais para que se possa pedir o divórcio sem consentimento do outro cônjuge.
III- Se não existe comunhão de vida há mais de 3 anos no momento da propositura da acção, pode-se considerar verificada a ruptura definitiva do casamento (art. 1781/-d do CC).
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa os juízes abaixo identificados:

C instaurou em 02/01/2018, uma acção de divórcio sem o consentimento, contra a sua mulher, M, alegando para tanto, em síntese, a separação de facto por mais de um ano e a ruptura definitiva do casamento.
A ré contestou, impugnando os factos alegados como suporte do pedido.
Realizada a audiência final, a acção foi julgada procedente e, em consequência, decretou-se o divórcio entre autor e ré.
A ré recorre desta sentença, impugnando, no essencial, toda a matéria de facto com relevo para a decisão de direito e, em consequência, também o divórcio decretado.
O autor contra-alegou, defendendo a improcedência do recurso.
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Questões a decidir: se a decisão da matéria de facto deve ser alterada e se o pedido de divórcio não devia ter sido julgado procedente.  
                                                    *
[omitem-se os factos dados como provados no tribunal recorrido, a impugnação da decisão da matéria de facto e a discussão desta, por falta de interesse] 
[…] os factos que se têm por provados:
1. Autor e ré contraíram casamento em 26/10/1975.
2. Desde data não concretamente apurada, mas não posterior a 2015, autor e ré passaram a dormir em quartos separados.
5 e 10. O autor, desde pelo menos 2015, todas as semanas leva a sua roupa a lavar numa lavandaria.
6. A ré dorme no seu próprio quarto.
9. Desde 2015, o autor nunca almoça nem janta em casa, nem ao fim-de-semana, fazendo as demais refeições num estabelecimento comercial perto do seu trabalho, comendo sozinho ou com colegas de trabalho.
11 e 12. Desde sempre autor e ré não trocam lembranças entre si nem compram em conjunto prendas para qualquer membro da família e o autor faz a passagem do ano sem a ré.
15. Autor e ré não fazem férias em conjunto.
16. O autor não conduz a ré a qualquer lado, não vão ao cinema ou às compras juntos, nem fazem qualquer tipo de actividade em conjunto.
17. Desde 2015 o autor começou a sentir que a vida com a ré lhe era insuportável, tendo comunicado à ré por carta remetida através de advogado em Novembro de 2017 que pretendia o divórcio.
18. O autor não tem qualquer vontade de restabelecer o vínculo afectivo com a ré e de fazer com esta uma vida de casal.
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Do recurso sobre matéria de direito
A sentença recorrida invoca estas regras legais:
Art. 1773 do CC:
1 - O divórcio pode ser por mútuo consentimento ou sem consentimento de um dos cônjuges.
[…]
3 - O divórcio sem consentimento de um dos cônjuges é requerido no tribunal por um dos cônjuges contra o outro, com algum dos fundamentos previstos no artigo 1781.
Art. 1781 do CC:
São fundamento do divórcio sem consentimento de um dos cônjuges:
a) A separação de facto por um ano consecutivo;
[…]
d) Quaisquer outros factos que, independentemente da culpa dos cônjuges, mostrem a ruptura definitiva do casamento.
Art. 1782/1 do CC:
Entende-se que há separação de facto, para os efeitos da alínea a do artigo anterior, quando não existe comunhão de vida entre os cônjuges e há da parte de ambos, ou de um deles, o propósito de não a restabelecer.                   
E depois acrescenta o seguinte [com algumas simplificações feitas por este acórdão] como fundamentação de direito para considerar procedente o pedido de divórcio:
Os requisitos da separação de facto verificam-se pois que dos factos provados resulta que há mais de um ano, a contar da entrada da acção, não existia comunhão de vida entre autor e ré e o autor tem o firme propósito de não restabelecer a vida em comum (ac. do TRL de 15/05/2012, proc. 9139/09.6TCLRS.L1-7).
O facto de viverem sob o mesmo tecto, nem por isso deve levar a considerar que não existe a separação de facto, pois o que é decisivo é se existe comunhão de vida [neste mesmo sentido, veja-se o ac. do TRL de 19/02/2013, proc. 249/11.0TMLSB.L1-1: Integra o conceito de separação de facto a circunstância de, ainda que habitando ambos os cônjuges a mesma casa e pagando o cônjuge marido a maioria das despesas domésticas: a) dormirem em quartos separados; b) relacionarem-se de modo separado com os filhos; c) passarem férias e dias festivos separados, alternando com as respectivas famílias alargadas e com os filhos estes convívios; d) ausentando-se a mulher sem dar explicações e; e) desde data determinada, comprar o cônjuge mulher a sua alimentação e pagar metade da despesa do condomínio e taxa de esgotos].
E verificam-se igualmente os requisitos do art. 1781/-d do CC.
Sobre a ruptura da vida em comum, veja-se o ac. do TRL de 30/10/2014, proc. 145/13.7TMLSB.L1-8 […].
Não restam dúvidas de que não existe da parte do autor vontade de reatar a vida comum, sendo para o mesmo tal hipótese assumida como algo insuportável.
E existe uma objectiva violação dos deveres:
- de respeito, porque o autor e ré não se falam (o que obviamente inviabilizar a comunhão de vida).
- e de cooperação, consagrado no art. 1674 do CC, pois autor e ré deveriam mostrar disponibilidade para se coadjuvarem nas tarefas domésticas e o que se verifica é que é “cada um por si” (desde compras de bens essenciais para o dia a dia, à confecção de refeições, tratamento da roupa, limpeza da casa); há efectivo desinteresse pelos aspectos da vida em comum, desamparando o autor o outro cônjuge.
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A ré diz o seguinte contra isto [em síntese feita por este TRL]:
i- Os factos 9, 11, 12, 15 e 16 verificam-se desde sempre e por isso não são demonstrativos de nenhuma ruptura do casamento;
ii- Continua a existir comunhão de vida entre autor e ré, pese embora possa existir alguma falta de comunicação e de solidariedade entre ambos, o que é normal acontecer em muitos casais e, com maior premência, naqueles que já duram há mais de 40 anos, como é o caso dos autos.
iii- É apenas o autor a não ter o propósito de manter a comunhão de vida ou, se tivesse ficado provado que a comunhão de vida não se verificava, de a restabelecer.
iv- O autor e a ré continuam a viver na mesma casa, não se tendo assistido a qualquer separação de facto entre os dois; ao autor incumbia provar a falta de intimidade física entre o casal, o que ele não fez.
v- “a demonstração da ruptura definitiva […] implicará a prova da quebra grave dos deveres enunciados no art. 1672 do CC e da convicção de irreversibilidade do rompimento da comunhão própria da vida conjugal” (acórdão do STJ de 03/10/2013, proc. 2610/10.9TMPRT.P1.S1) e o autor não provou quaisquer factos demonstrativos de que tenha havido violação por parte do autor e/ou da ré desses deveres conjugais.
O autor, nas contra-alegações, segue, no essencial, a fundamentação da sentença recorrida.
Decidindo:
Quanto à separação de facto:
Tendo em conta as normas já referidas na sentença, existirá comunhão de vida entre os cônjuges quando eles vivem na mesma casa, dormem no mesmo leito e tomam refeições juntos, na sequência de um acordo entre eles, dirigido ao estabelecimento de uma plena comunhão de vida entre si (parafraseia-se, na parte final, a obra de Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira, Direito da Família, Vol. I, Imprensa da Univ. de Coimbra, 2016, pág. 195, tendo em vista o art. 1577 co CC).
Quando tal não acontece, deixa de existir comunhão de vida, mas para se poder falar em separação, a falta de comunhão terá de existir, à data da propositura da acção, há mais de um ano, acompanhada, durante esse período, do propósito, pelo menos de um deles, de não restabelecer a mesma (neste sentido, obra citada, 728 e, para além do ac. do TRL citado pela sentença recorrida, ainda, por exemplo, ac. do TRL de 13/09/2018, proc. 73/16.4T8CSC-2).
Em princípio existe comunhão quando os cônjuges vivem na mesma casa, dormem no mesmo leito e fazem refeições juntos, pelo que, quando isto acontece, têm de se alegar factos que apontem, apesar disso, em sentido contrário à existência da comunhão.
Ou seja, aquele que pede o divórcio terá de alegar circunstâncias que apontem para que, apesar de viver na mesma casa com o outro, estão separados, já não existindo comunhão de vida (que isto é possível acontecer, veja-se, para além do acórdão citado na sentença recorrida, o que já foi dito no referido ac. do TRL de 13/09/2018, proc. 73/16.4T8CSC). Se, pelo contrário, os cônjuges vivem em casas distintas, cabe àquele que se opõe ao divórcio alegar circunstâncias que, apesar dessa convivência separada, permitam a conclusão que de que continua a haver comunhão.
O mesmo vale para o dormir no mesmo leito. Se dormem em leitos separados, cabe ao cônjuge que diz que, apesar disso, continua a haver comunhão, alegar circunstâncias que desvalorizem o facto como sintoma de separação.
Ora, no caso dos autos, o autor provou que, apesar de estarem casados desde 1975 e de, à data da propositura da acção, 02/01/2018, ainda viverem na mesma casa, nunca trocaram lembranças entre si nem compraram em conjunto prendas para qualquer membro da família e fizeram sempre a passagem do ano separados um do outro e, desde pelo menos 2015, dormem em quartos separados, não tomam as refeições juntos, todas as semanas o autor leva a sua roupa a lavar numa lavandaria e começou a sentir que a vida com a ré lhe era insuportável, sendo que, à data da petição, não faziam férias em conjunto (o que necessariamente implica mais do que uma ocasião de férias), nem faziam qualquer tipo de actividade em conjunto.
Há aqui uma série de factos que, não havendo prova de factos contrários, permite a conclusão, tirada na sentença, de que não há entre estes cônjuges qualquer comunhão de vida e isso, pelo menos, desde 2015, portanto há muito mais do 1 ano exigido por lei.
A circunstância de haver factos que apontam para que nunca chegou sequer a existir uma comunhão de vida entre os cônjuges – aqueles que acima se descreveram como ocorrendo desde sempre, e aqueles que, apesar de só se ter podido dizer que se verificavam actualmente, apontam para que se verifique há mais tempo – não favorece a tese da ré, porque pode haver muitos motivos para que os cônjuges se mantenham a viver juntos apesar de não haver comunhão. Ou seja, o facto de viver juntos não implica, ao contrário da concepção da ré, que exista comunhão e, muito menos, que os cônjuges sejam felizes com isso. E quando não existe comunhão, a lei permite a qualquer dos cônjuges pedir o divórcio desde que também exista, há pelo menos um ano, o propósito, dos dois ou de um deles, de não a restabelecer (regulando a lei a situação normal em que, ao menos no início existiu uma comunhão de vida).
Quanto ao elemento subjectivo, a existência do mesmo decorre da situação objectiva descrita; assim, por exemplo, diz Guilherme de Oliveira, págs. 728-729:
“[…] Outras vezes, […] respeitos humanos ou o interesse dos filhos levam os cônjuges a manter uma aparência de vida em comum que não corresponde à realidade. […E]mbora o elemento objetivo seja frouxo e incaracterístico, cremos que poderá ser pedido o divórcio com fundamento em separação de facto se resultar da prova produzida que os cônjuges desde há um ano não têm comunhão de leito, não tomam refeições em comum nem dirigem palavra um ao outro, sendo pois inquestionável o elemento subjetivo da separação.”
No caso dos autos, de diferente em relação à situação referida por Guilherme de Oliveira, apenas não se provou que os cônjuges não dirigem palavra um ao outro, mas, em contrapartida, provaram-se vários outros factos que tornam a situação ainda mais clara.   
Assim, considera-se verificado este fundamento do divórcio.
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Quanto à ruptura definitiva do casamento:
Já se demonstrou que, pelo menos desde 2015 (há pelo menos 3 anos à data da propositura) não existe comunhão de vida entre os cônjuges.
Ora a constatação dessa falta de comunhão, durante este período de tempo, é suficiente para se concluir pela ruptura definitiva.
Explica Guilherme de Oliveira, págs. 719-720:
“[..O] direito português, depois de 2008, consagra um sistema de divórcio-constatação da rutura do casamento, em que a causa do divórcio é a própria rutura em si, independentemente das razões que a tenham determinado.
Esse modelo é o que corresponde, por exemplo, à legislação alemã, em que não há correlação entre o divórcio e a violação dos deveres conjugais — deveres que, aliás, a lei alemã não especifica, dispondo apenas que os cônjuges estão obrigados “à comunhão de vida matrimonial” […]. No direito alemão, a única causa do divórcio é o fracasso do casamento, indiciado pela separação de facto dos cônjuges durante certo prazo, sem que importem à lei as razões por que o casamento fracassou.”
Mais à frente, págs. 733-734 para responder à pergunta de o que deve caber na alínea d do artigo 1781, lembra que:
“Os sistemas estrangeiros que consagram amplamente esta via de dissolução do casamento – o divórcio-rutura – costumam basear a dissolução na verificação de uma separação de facto mais ou menos prolongada, que mostra a cessação da coabitação conjugal.”
E depois, págs. 735, ainda acrescenta:
“Cremos que também se poderá dar relevo a factos menos graves do que acabámos de sugerir [por exemplo: atentado contra direitos fundamentais de um cônjuge] – ou menos aparatosos – sem chegar a banalizar a aplicação da norma. Estamos a pensar em factos que mostrem objetivamente, e repetidamente, o desinteresse total, a falta radical de cooperação e de comprometimento na “vida da família que fundaram” (art. 1674.º) […]. […E]stamos a pensar em casos que podem não apresentar a gravidade de outros mas que, pela sua “reiteração”, tornam a vida em comum inexistente ou inexigível”.
Dado aquilo que o Prof. Guilherme de Oliveira diz sobre a correspondência do regime português com o modelo alemão e tendo em conta os factos provados nos autos, veja-se o mesmo na parte com interesse (na tradução inglesa publicada em http://www.fd.ulisboa.pt/wp-content/uploads/2014/12/Codigo-Civil-Alemao-BGB-German-Civil-Code-BGB-english-version.pdf - consultada em 15/02/2019):
Section 1565 Breakdown of marriage [art. 1565 – fracasso do casmento]
(1) A marriage may be dissolved by divorce if it has broken down. The marriage has broken down if the conjugal community of the spouses no longer exists and it cannot be expected that the spouses restore it. [Um casamento poderá ser dissolvido por divórcio se tiver fracassado. O casamento fracassou se a comunhão conjugal já não existe e não se pode esperar que os cônjuges a restaurem.]
(2) Where the spouses have not yet lived apart for one year, the marriage may be dissolved by divorce only if the continuation of the marriage would be an unreasonable hardship for the petitioner for reasons that lie in the person of the other spouse. [Quando os cônjuges ainda não tiverem vivido separados durante um ano, o casamento só poderá ser dissolvido por divórcio se a continuação do casamento for de uma dificuldade irrazoável para o demandante por razões que tenham a ver com a pessoa do outro cônjuge].
Section 1566 Presumption of breakdown [art. 1566 presunção de fracasso]
(1) It is irrebuttably presumed that the marriage has broken down if the spouses have lived apart for a year and both spouses petition for divorce or the respondent consents to divorce. [Presume-se inilidivelmente que o casamento fracassou se os cônjuges viveram separados durante um ano e ambos pedirem o divórcio ou o demandado consentir o divórcio]
(2) It is irrebuttably presumed that the marriage has broken down if the spouses have lived apart for three years. [Presume-se inilidivelmente que o casamento fracassou se os cônjuges viveram separados durante três anos].
Section 1567 Living apart [art. 1567 viver separados]
(1) The spouses are living apart if there is no domestic community between them and a spouse recognisably does not intend to create this because he rejects conjugal community. Domestic community also no longer exists if the spouses live apart in the matrimonial home. [Os cônjuges estão a viver separados se não houver comunhão doméstica entre eles e um deles não tem, reconhecidamente, o propósito de a estabelecer porque rejeita a comunhão conjugal. A comunhão doméstica também já não existe se os cônjuges viverem separados no lar matrimonial].
[…]”
E veja-se que o mesmo é parecido com o regime do divórcio francês por alteração definitiva do vínculo conjugal (du divorce pour altération définitive du lien conjugal) dos arts. 237 e 238 do CC francês (na redacção da Lei 2004-439 de 26/05/2004, art. 4-I):
Art. 237 Le divorce peut être demandé par l'un des époux lorsque le lien conjugal est définitivement altéré. [O divórcio pode ser pedido por um dos cônjuges quando o vínculo conjugal está definitivamente alterado.]
Art. 238 L'altération définitive du lien conjugal résulte de la cessation de la communauté de vie entre les époux, lorsqu'ils vivent séparés depuis deux ans lors de l'assignation en divorce. […] [A alteração definitiva do vínculo conjugal resulta da cessação da comunhão de vida entre os cônjuges, quando eles vivem separados desde há dois anos à data da citação para o divórcio. […]]
E ambos os códigos, por sua vez, têm uma evidente correspondência com os principles of european family law regarding divorce and maintenance between former spouses [princípios do direito europeu da família relativos ao divórcio e à manutenção entre ex-cônjuges], consultado a 15/02/2019 em http://ceflonline.net/wp-content/uploads/Principles-English.pdf:
Chapter iii: divorce without the consent of one of the spouses [divórcio sem o consentimento de um dos cônjuges]
Principle 1:8 Factual separation [separação de facto]
The divorce should be permitted without consent of one of the spouses if they have been factually separated for one year [o divórcio será permitido sem o consentimento de um dos cônjuges se eles tiverem estado separados de facto por um ano]
Principle 1:9 Exceptional hardship to the petitioner [Dificuldade excepcional para o demandante]
In cases of exceptional hardship to the petitioner the competent authority may grant a divorce where the spouses have not been factually separated for one year [Em casos de dificuldade excepcional para o demandante, a autoridade competent pode conceder o divórcio quando os cônjuges não tiverem estado separados de facto durante um ano].
O que tudo demonstra suficientemente a importância no actual regime da existência e simples cessação da comunhão de vida, por um certo período de tempo, independentemente da violação dos deveres conjugais, sendo que essa comunhão de vida não existe quando os cônjuges vivem separados, embora na mesma casa.
A ré sugere que não há ruptura porque a vida do casal sempre ocorreu do mesmo modo, mas, por um lado, os factos provados permitem concluir o contrário, ou seja, que por volta de 2015 aconteceu algo que alterou o estado de coisas entre eles, passando então o autor a sentir que a vida com a ré era insuportável e, por outro lado, se a vida do casal sempre tivesse sido assim, o que se poderia dizer é que nunca tinha existido uma comunhão de vida entre eles, como sugeriu a sentença recorrida e não, como entende a ré, que tal é normal e equivale a uma comunhão de vida e muito menos, repete-se, a uma comunhão feliz.
Ou seja, a inexistência (que em princípio se traduzirá numa cessação) da comunhão conjugal, constatada objectivamente, durante um certo período de tempo, é fundamento suficiente para o divórcio enquadrado na cláusula geral do art. 1781/-d do CC, o que é perfeitamente coerente com a concepção do casamento como plena comunhão de vida.
Ao contrário do que a ré diz, a ruptura definitiva não se confunde com a violação de deveres conjugais, nem se têm de provar estes para que se possa concluir pela ruptura, embora, naturalmente, a prova de violações desses deveres possa apontar para a existência da ruptura (ou, dito de outro modo, nesta causa geral objectiva cabem as violações graves de deveres conjugais: Jorge Duarte Pinheiro, O direito da família contemporâneo, 2016, 5ª edição, Almedina, pág. 526; com o mesmo alcance, veja-se também Marta Falcão, Miguel Serra e Sérgio Tomás, Direito da Família, 2016, 2.ª edição, Almedina, págs. 92/93).
Sendo que, no caso, até se verifica a violação do dever de cooperação (art. 1674 do CC) invocada pela sentença recorrida, já que, como resulta do facto 16, os cônjuges não fazem qualquer tipo de actividade em conjunto. Este facto, que apenas se pode dizer que retracta a situação actual, não deixaria de representar a verificação actual da ruptura definitiva do casal, tanto mais que aponta claramente, nem que seja no contexto de outros, para que a situação se verifica há mais tempo.
O regime legal (português) do divórcio não aceita, entretanto, que, o simples facto de um dos cônjuges não querer continuar casado seja fundamento suficiente para o divórcio ou corresponda a uma ruptura definitiva do casamento. Ou seja, o divórcio a-pedido espanhol [com a duração de 3 meses] de que fala Guilherme Oliveira, na obra citada, págs. 736-737 (e que resulta da conjugação do art. 86 com as circunstâncias previstas no art. 81, ambos do CC espanhol). Mas não é isso que, no caso, está em causa, nem foi essa, na prática, a fundamentação da sentença recorrida.
Pelo que, também aqui a sentença está certa.
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Pelo exposto, julga-se improcedente o recurso.
Custas, na vertente de custas de parte (não se verificam outras), pela ré (que foi quem perdeu o recurso).
Lisboa, 21/02/2019
Pedro Martins
Laurinda Gemas
Gabriela Cunha Rodrigues