Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
48/16.3T8LSB.L1-7
Relator: LUÍS FILIPE PIRES DE SOUSA
Descritores: BANCO DE PORTUGAL
NOVO BANCO
RESOLUÇÃO
CISÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/07/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I.Atenta a deliberação do Banco Central Europeu, de 15.7.2016, que revogou ao Banco Espírito Santo, SA, a autorização para o exercício da atividade bancária, não tendo sido interposto recurso desta deliberação para o Tribunal Geral da União Europeia, impõe-se a extinção da instância em ação movida contra o BES por inutilidade superveniente da lide, devendo os autores reclamar o seu crédito no âmbito da liquidação do BES.
II.A apreciação dos pressupostos da medida da resolução, adotada pelo Banco de Portugal em 3.8.2014, é da competência da jurisdição administrativa (Artigo 145º-N do RGICSF). Todavia, cabe ao tribunal cível apreciar se as disposições legais que habilitaram o Banco de Portugal a adotar a medida de resolução, nos moldes em que o fez, padecem de inconstitucionalidade material por referência aos seus efeitos na esfera jurídica dos autores.
III.O direito de propriedade não é um direito absoluto, devendo compatibilizar-se com outras exigências constitucionais, assumindo o direito de propriedade uma função social.
IV.Podem ocorrer atos ablativos do direito de propriedade desde que encontrem cobertura ou justificação constitucional.
V.O Artigo 62º da Constituição deixa ao legislador ordinário uma ampla margem de conformação do direito de propriedade desde que as soluções encontradas respeitem os princípios da adequação, necessidade e proporcionalidade.
VI.A medida de resolução constituiu o meio adequado para a prossecução da tutela da estabilidade e segurança do sistema financeiro, para prevenir o risco sistémico e a corrida aos depósitos, valores e princípios constitucionalmente protegidos (Artigo 101º da Constituição), observando-se o princípio da adequação.
VII.As medidas alternativas de intervenção corretiva e de administração provisória (cf. Artigos 139º, 141º e 144º, alínea a), do RGICSF) não constituíam alternativas tempestivas e eficazes para atingir os mesmos desideratos referidos em a), atento a situação financeira em que estava o BES (princípio da exigibilidade).
VIII.A transferência de ativos e passivos feita pelo Banco de Portugal para o Novo Banco, no âmbito da medida de resolução, foi condição sine qua non do êxito da medida porquanto, sem tal transferência seletiva, o risco sistémico ficaria incólume (princípio da proporcionalidade em sentido estrito).

(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes, do Tribunal da Relação de Lisboa.


RELATÓRIO:


Em 1.1.2016, José Joaquim A. e Ana Maria ... ... A. intentam ação declarativa sob a forma comum contra o Banco Espírito Santo S.A. e o Novo Banco, SA, peticionando a condenação solidária destes Réus no pagamento dos danos patrimoniais a apurar em execução de sentença e dos danos morais sofridos, que se computam simbolicamente em 5.000,00 €.

Fundamentam o seu pedido na subscrição de ações preferenciais “Poupança Plus 5 XS0152237151ISIN, no montante de € 90.000,00, adquirida no balcão de Mogadouro do BES, por pressão dos funcionários desta agência, sem qualquer explicação sobre o produto e bem sabendo que estes não pretendiam produtos de risco, sendo clientes de perfil conservador.

Fundam, assim, a sua ação em responsabilidade do BES por violação dos seus deveres enquanto banqueiro e de intermediação financeira, tendo-se transferido esta responsabilidade para o NOVO BANCO, por força da medida de resolução aplicada ao BES e criação do banco de transição.

Contestou o Novo Banco, SA arguindo a sua ilegitimidade, invocando que por via da medida de resolução do Banco de Portugal, de 3 de Agosto de 2014, os créditos aqui reclamados não se transferiram para o NOVO BANCO, mas mantiveram-se na esfera do BES, conforme aliás deliberação retificativa de 11/08/2014 e sendo o âmbito desta deliberação de resolução sido objeto de duas novas deliberações, em 29/12/2015, mediante as quais veio o banco de Portugal clarificar que não haviam sido objeto de transferência para o NOVO BANCO os créditos decorrentes de ações preferenciais emitidas por sociedades veículo, estabelecidas pelo BES e vendidas pelo BES.

Mais alega que, por via destas deliberações, ainda que se considerem transmitidas para o NOVO BANCO, são os referidos passivos retransmitidos ao BES com efeitos às 20 horas do dia 3 de Agosto de 2014. Peticiona assim que na procedência desta ilegitimidade seja o 2º R. absolvido do pedido, ou pelo menos da instância (fls. 141-173).

Contestou o BES, SA por exceção, arguindo a inexigibilidade do cumprimento das obrigações que não tenham sido transferidas em resultado da medida de resolução aplicada ao BES por Deliberação do Conselho de Administração do Banco de Portugal. No mais, contestou por impugnação, concluindo pela procedência da exceção e pela improcedência da ação (fls. 318-384).

Foi facultado aos Autores o exercício do contraditório sobre as exceções deduzidas (fls. 547-578).

Por requerimento entrado em 22/09/2016, veio o BES – Em Liquidação, informar que por deliberação do BCE de 13/07/16, foi revogada a autorização para o exercício da atividade bancária da R. BES, produzindo esta deliberação os efeitos da declaração de insolvência, acarretando assim a extinção da instância por inutilidade da lide, no que se reporta a este R.

Notificados, vieram os AA. propugnar pela utilidade da presente lide quanto ao BES, defendendo que face à atual redação do artº 50 do BES, este crédito reclamado nos autos é um crédito a ser graduado na insolvência sob condição suspensiva, tendo em conta a pendência de ação declarativa contra o insolvente, só existindo impossibilidade da lide, no caso de o credor não reclamar o seu crédito na insolvência.

Em 8.1.2016 foi proferido despacho saneador-sentença com os seguintes dispositivos:
a)-Não foi admitida a ampliação do pedido dos Autores no sentido de ser reconhecido aos Autores o direito de crédito no valor de € 194.000, acrescido de juros e danos não patrimoniais (fls. 689);
b)-Foi julgada extinta a instância quanto ao Réu BES, SA por inutilidade superveniente da lide na sequência da revogação da autorização para o exercício da atividade do BES (fls. 699-700);
c)-Por ilegitimidade substantiva passiva, foi absolvido o Novo Banco, SA, do pedido (fls. 738).
*

Não se conformando com estas decisões, delas apelaram os requerentes/autores, formulando, no final das suas alegações, as seguintes conclusões, que se reproduzem:

«AMPLIAÇÃO DO PEDIDO.
1.-A causa de pedir é sempre a mesma - violação dos deveres de informação - apenas se amplia o pedido, como desenvolvimento do pedido inicial, a outros produtos vendidos pelo mesmo R., nas mesmas circunstâncias.
2.-Acresce que os RR não se opuseram à ampliação do pedido, o que pode ser entendido como um acordo tácito.
3.-A douta sentença recorrida, ao não admitir a ampliação do pedido, violou o art.º 265.º, n.º 2/CPC.
EXTINÇÃO DA INSTÂNCIA POR INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE QUANTO AO R. BES, S.A., EM LIQUIDAÇÃO
4.-Como no processo de insolvência se vai liquidar o património do devedor insolvente e repartir o produto obtido pelos credores, é necessário que estes sejam contemplados e graduados nesse processo, sob pena de nada poderem vir a receber depois de excutido o património.
5.-Para os créditos serem contemplados no processo de insolvência têm naturalmente de ser reclamados (art.º 128.º), não sendo necessário uma sentença com trânsito em julgado.
6.-Mesmo o credor que tenha o crédito reconhecido por sentença transitada em julgado não está dispensado de reclamar o seu crédito (artº. 128/3 CIRE), porque só no processo de insolvência esse crédito pode ser executado, por se tratar de um processo de liquidação universal.
7.-A declaração de insolvência determina a apensação das ações de natureza exclusivamente patrimonial em que se apreciem questões relativas a bens compreendidos na massa insolvente, bem como a suspensão e extinção das ações executivas.
8.-Mas, este regime, moldado nos princípios do processo de insolvência, não é extensível às demais ações declarativas.
9.-Se essa fosse a intenção do legislador, tê-lo-ia expressado, sem limitações, como, aliás, fez em relação às ações executivas (art.º 88.º).
10.-Se o credor, com uma ação declarativa de condenação a correr, não reclamar o seu crédito no processo de insolvência, pode ver extinta a instância por inutilidade superveniente da lide (art.º 277.º al. e) do CPC), uma vez que deixa de poder ver os seus direitos de crédito satisfeitos relativamente ao devedor insolvente.
11.-A natureza célere e urgente do processo de insolvência é incompatível com a tramitação e a necessária ponderação de direitos litigiosos complexos ou especializados.
12.-Sendo o processo de insolvência um processo de execução universal, é natural que as ações executivas a correr se suspendam ou se extingam.
13.-Naturalmente que, se na ação declarativa, houver outros Réus, a extinção da instância opera apenas quanto ao Réu devedor insolvente, prosseguindo os seus termos contra os demais Réus, como, aliás, está consignado expressamente para as ações executivas (art.º 85.º, n.º 1 in fine e n.º 2).
14.-Se o credor reclamar o seu crédito no processo de insolvência, não há lugar a qualquer apensação, suspensão ou extinção da instância das ações declarativas de condenação a correr contra o devedor insolvente.
15.-Devendo, nesse caso, o seu crédito ser contemplado e devidamente acautelado no processo de insolvência, nomeadamente como crédito sujeito a condição suspensiva.
16.-Nesta conformidade, o art.º 181º n. 1 do CIRE dispõe que “Os créditos sob condição suspensiva são atendidos pelo seu valor nominal nos rateios parciais, devendo continuar, porém, depositadas as quantias que por estes lhes sejam atribuídas, na pendência da condição”.
17.-Com a nova redação do n.º 1 do art.º 50.º, o legislador tomou posição clara, considerando expressamente as decisões judiciais como condição suspensiva, até ao trânsito em julgado da decisão, pelo que o Acórdão Uniformizador, no domínio do atual quadro legislativo, salvo o devido respeito, perdeu atualidade e validade.
18.-Como resulta da nova redação do preceito, a condição suspensiva não pode ser o crédito objeto do processo judicial, mas a própria decisão judicial, tanto mais que o legislador coloca em alternativa a condição suspensiva dependente de “ (…) decisão judicial ou de negócio jurídico”.
19.-No atual quadro legislativo, só na falta da reclamação do crédito, se poderá entender que o credor perdeu o seu interesse na ação declarativa e consequentemente decretar a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, nos termos do art.º 287.º al. e) do CPC.
20.-Os Autores reclamaram o seu crédito, subjacente à presente ação declarativa, no processo de insolvência da R. BES, Banco Espírito Santo, S.A. - em Liquidação, como é do conhecimento deste R..
21.-Não existe qualquer violação do princípio da igualdade dos credores.
22.-A douta sentença recorrida fez uma errada interpretação dos art.s 50º e 90º do CIRE e uma errada aplicação do art.º 277º al. e) do CPC.
23.-A douta sentença recorrida, ao condenar os AA em custas, violou, ainda o artº 536 nº 3 do CPC.
ABSOLVIÇÃO DO PEDIDO CONTRA O R. NOVO BANCO, S.A.
24.-O BES, ao vender aos seus clientes, os ora AA., as ações preferenciais da SPV Poupança Plus, atuou simultaneamente como banqueiro e como intermediário financeiro.
25.-Pelo que ficou sujeito às correspondentes obrigações e responsabilidades, nos termos do RGIF e do CVM.
26.-O BES, ao efetuar as operações de compra e revenda das referidas ações preferenciais, celebrou contratos de intermediação financeira, nos termos do art.º 321.º, n.º 1 do CVM.
27.-O art.º 74.º/RGIF estabelece que os administradores e os empregados das instituições de crédito devem proceder, tanto nas relações com os clientes como nas relações com outras instituições, com diligência, neutralidade, lealdade e discrição e respeito consciencioso dos interesses que lhes estão confiados.
28.-Devendo a diligência ser apreciada de acordo como elevados padrões técnicos e comportamentais, tendo em conta o interesse dos Clientes, os riscos e a segurança das aplicações (art.º 75.º/RGIF).
29.-Em particular, as instituições de crédito devem informar os Clientes com clareza, na fase pré-contratual, fornecendo toda a informação e os elementos caracterizados dos produtos propostos (art.º 77.º e 77.º-A/RGIF).
30.-A informação respeitante a instrumentos financeiros deve ser completa, verdadeira, atual, clara, objetiva e lícita (art.º 7º/CVM)
31.-Existem três deveres distintos: o dever de recolha de informação e caracterização do investidor; o dever de avaliação de adequação e o dever de informação sobre a inadequação ou sobre a falta de informação obtida.
32.-A extensão e a profundidade da informação devem ser tanto maiores quanto menor for o grau de conhecimentos e de experiência do cliente e ser apresentada de modo a ser compreendida pelo destinatário médio e, designadamente, não dar ênfase a quaisquer benefícios potenciais de uma atividade de intermediação financeira ou de um instrumento financeiro, sem dar igualmente uma indicação correta e clara de quaisquer riscos relevantes
e ser apresentada de modo a não ocultar ou subestimar elementos, declarações ou avisos importantes (art.ºs 312. nº 2 e 312.º-A, nº 1 als. b), c) e d) do CVM).
33.-Existe uma proibição de intermediação excessiva (art.º 310º do CVM): se a operação não é adequada ao cliente - consequência de uma avaliação negativa - o intermediário financeiro não deve prestar o serviço (art.314- A nº 3 do CVM).
34.-Por força do art.º 321.º, n.º 3 do CVM, “Aos contratos de intermediação financeira é aplicável o regime das cláusulas contratuais gerais, sendo para esse efeito os investidores não qualificados equiparados a consumidores.”
35.-Nos termos dos artºs. 5.º e 6.º da Lei da CCG, incumbe à instituição de crédito o dever de comunicação e informação do conteúdo dos contratos ao Cliente, para que “tendo em conta a importância do contracto e a extensão e complexidade das Cláusulas, se torne possível o seu conhecimento completo e efetivo por quem use de comum diligência”.
36.-Conforme prescreve o art.º 5.º, n.º 3/CCG. “O ónus da prova da comunicação adequada e efetiva cabe ao contratante que submeta a outrem as cláusulas contratuais gerais”.
37.-Havendo conflito de interesses, o intermediário financeiro deve prestar informação escrita ao Cliente quanto à origem e natureza de qualquer interesse que possa ter nessa operação, para efeitos de este tomar uma decisão esclarecida e fundamentada (art.º 312, n.º 1, als. c) e n.º 2 do CVM).
38.-Os AA eram clientes do BES, pelo menos, desde 2005 e confiavam plenamente nos seus funcionários, os quais conheciam necessariamente o perfil, as necessidades e a vontade dos AA.
39.-Os funcionários do BES não podiam ignorar que os AA., como emigrantes, tinham um perfil conservador e queriam, naturalmente, aplicar as suas poupanças, fruto de um trabalho árduo e dos maiores sacrifícios, em produtos sem risco, com capital e juros garantidos.
40.-Contudo, os funcionários do BES promoveram as aplicações, contra os interesses e vontade dos AA., em instrumentos financeiros com risco, com a agravante de serem em entidades não financeiras e, portanto não sujeitas a supervisão prudencial.
41.-Acresce ainda, que as aplicações foram todas feitas na mesma sociedade, o que agrava o risco.
42.-E, o BES não podia ignorar que a sociedade “Poupança Plus” era uma SPV, cujos ativos eram compostos exclusivamente por obrigações do próprio BES, com vencimentos em 2049 e 2051, cupão zero, sem juros, sem valor de mercado, emitidas por causa das dificuldades financeiras do BES e do Grupo GES.
43.-Por conseguinte, o BES violou o direito de informação, prestando falsas informações e promovendo, em conflito de interesses, as aplicações de fundos dos AA. numa SPV dominada pelo BES, situada nas Ilhas Jersey, com graves riscos.
44.-Existe, portanto, um comportamento ilícito do BES, presumindo-se a culpa, nos termos do art.º 304º- A nº 2 do CVM.
45.-Ao não cumprir as obrigações resultantes do estatuto com que atuou, o BES incorreu em responsabilidades contratual e pré contratual para com os AA.
46.-O BES criou nos AA. a falsa convicção de que estavam a aplicar as suas poupanças em depósitos a prazo, ou produtos equivalentes, com capital e juros garantidos.
47.-Tendo em atenção a formação e o perfil dos AA., que não são investidores qualificados, a proposta negocial do BES não pode deixar de ser interpretada como um compromisso firme de garantia daquele retorno aos AA. no prazo convencionado, de acordo com a teoria da impressão do declaratário (art.º 236.º n.º 1/CC)
48.-Acresce que essa era a vontade efetiva dos AA., que era do conhecimento do BES (art.º 236.º n.º 2/CC) e foram ainda essas garantias de retorno, que foram asseguradas pelo Banco, que levaram os AA. a celebrar o contrato com o BES.
49.-Trata-se, portanto, de um contrato de reporte nos termos do art.º 477.º do Código Comercial.
50.-O próprio BES reconhece, expressamente, essa responsabilidade nos artºs. 75º a 82º da sua douta contestação.
51.-A falta de reembolso das aplicações dos AA., fruto das poupanças de toda uma vida de trabalho e sacrifícios, causou nestes um grande sofrimento.
52.-Como resulta inequivocamente da al. a) do Anexo 2 da Deliberação do BdP de 3 de Agosto de 2014, a atividade do BES, assim como todos os ativos, são transferidos para o Novo Banco, sendo que as exceções pouco significado têm, como é do conhecimento geral e resulta até dos pressupostos da deliberação do BdP, tendo ficado o património do BES praticamente esvaziado de ativos e com impossibilidade de reconstituição, já que a atividade bancária passou para o Novo Banco.
53.-Por outro lado, por força da mesma Deliberação, as responsabilidades do BES são transferidas para o Novo Banco, com exceção dos “Passivos Excluídos”, nos quais não se integra a responsabilidade efetiva perante os AA., ao contrário do que a douta sentença recorrida entendeu.
54.-Não parece correto o entendimento da douta sentença, uma vez que a responsabilidade do BES perante os AA., é uma responsabilidade efetiva, decorrente de obrigações contratuais e pré-contratuais e não meras “responsabilidades ou contingências relativas a comercialização, intermediação financeira e distribuição de instrumentos de divida”.
55.-Tanto mais que o BdP se viu na necessidade de retificar aquela Deliberação, através de outra tomada em 29 de Dezembro de 2015, em que integra nos “Passivos Excluídos” as responsabilidades perante os AA e outros emigrantes adquirentes das ações preferenciais.
56.-A deliberação do Banco de Portugal foi tomada ao abrigo dos art.ºs 145.º-G, n.º 1 e 145.º-H do RGIF. Mas, estas disposições, com a interpretação dada pela citada deliberação de 3 de Agosto do Conselho de Administração do Banco de Portugal, com a clarificação/retificação da deliberação de 29 de Dezembro de 2015, constitui uma manifesta violação do art.º 62.º da Constituição, por se tratar de um claro confisco ou expropriação sem justa contrapartida.
57.-O que os AA. sustentam na presente ação é que as citadas disposições legais não podem ser interpretadas e aplicadas no sentido de o BdP ter poderes para eliminar ou restringir os direitos patrimoniais dos AA., interpretação essa que seria inconstitucional por violação dos direitos e garantias fundamentais, nomeadamente o art.º 62.º da Constituição.
58.-O que está em causa na presente ação não é a declaração de invalidade das deliberações do BdP, mas o reconhecimento de direitos patrimoniais dos Autores contra o BES e o Novo Banco e da sua violação ao abrigo de normas do RGICSF, que se consideram inconstitucionais, como resulta da p.i.
59.-A transferência dos ativos sem os passivos e responsabilidades constituiria uma manifesta violação de direitos patrimoniais de terceiros, que sempre estaria ferida de inconstitucionalidade, por violação do art.º 62.º, n.º 1 da Constituição, que beneficia de uma proteção constitucional idêntica aos direitos e garantias fundamentais, por ter natureza análoga, por força do art.º 17.º da Constituição.
60.-Como tal, a força jurídica que lhe é conferida pelo art.º 18.º da Constituição: Os preceitos constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e garantias são diretamente aplicáveis e vinculam as entidades públicas e privadas.
61.-E, conforme resulta imperativamente do art.º 18.º, n.º3 in fine da Constituição, requisito fundamental de quaisquer restrições a direitos e garantias fundamentais, é de não poderem ter por efeito “diminuir a extensão e o alcance dos preceitos constitucionais”.
62.-A interpretação do BdP às citadas normas do RGIF, constitui, ainda, uma clara violação da garantia do direito de propriedade consignada no art.º 17.º da Carta dos Direitos Fundamentais.
63.-E, a interpretação dada àquelas disposições do RGIF pela deliberação do BdP de 29 de Dezembro de 2015 viola ainda o art.º 101.º da Constituição, por atentar manifestamente contra a segurança das poupanças, in casu, dos AA., e as garantias dadas por aquele preceito da Constituição.
64.-As citadas disposições normativas não podem ser interpretadas no sentido de o Banco de Portugal ter poderes para restringir ou eliminar direitos subjetivos, o que sempre seria inconstitucional.
65.-Acresce que, nos termos em que foi realizada, a operação de resolução subsume-se a uma cisão-simples, nos termos do art.º 118.º, n.º 1 al. a)/CSC.
66.-Nesta conformidade, por força do art.º 122.º, n.º 2/CSC “As sociedades beneficiárias das entradas resultantes da cisão respondem solidariamente, até ao valor dessas entradas, pelas dívidas da sociedade cindida anteriores à inscrição da cisão no registo comercial.”
67.-Acresce que o próprio Novo Banco assumiu essa responsabilidade para com os subscritores de ações preferenciais, como resulta necessariamente do Balanço de 2014, declarando que os fundos provenientes das aplicações dos clientes nas SPV’s em causa, in casu, os AA., aparecem no ativo, como “Recursos de Clientes”, como se pode ver a págs 140/141 do Balanço de 2014.
68.-Nem se diga, como pretende a R. NB, que os interesses dos credores se encontram assegurados, atendendo ao disposto no art.º 145-D, nº 1 al. c)12 do RGIF, segundo o qual “Nenhum acionista ou credor da instituição de crédito objeto de resolução pode suportar um prejuízo superior ao que suportaria caso essa instituição tivesse entrado em liquidação”.
69.-Este raciocínio da R. NB está viciado, porque a avaliação do património de uma sociedade, para efeitos de liquidação, pressupõe o encerramento da empresa e o valor da venda dos ativos, que nada tem a ver com o valor da empresa em atividade.
70.-Aliás, in casu, o BES não se encontrava em situação de insolvência na altura da resolução. Apenas não apresentava os ratios impostos pelo BdP, após as correções de imparidades resultantes de alguns relatórios de auditorias.
71.-E a atividade bancária do BES foi transferida para o Novo Banco, que se encontra a operar e cujas ações estão à venda.
72.-Em suma, a avaliação do património do BES, segundo um critério de liquidação, afeta substancialmente os direitos dos credores, nomeadamente dos ora AA.
73.-Por outro lado, atribuir ao Fundo de Resolução a responsabilidade pela indemnização dos credores (artigo 145.º-H n.º16 do RGIF13), afeta gravemente as garantias dos credores, porquanto, o Fundo de Resolução não dispõe de património líquido que possa servir de garantia aos credores, nomeadamente aos AA.
74.-Este tribunal deve deixar de aplicar qualquer deliberação do Banco de Portugal na parte em que viole normas ou princípios constitucionais.
75.-Conforme dispõe o art.º 204.º da Constituição “Nos feitos submetidos a julgamento não podem os tribunais aplicar normas que infrinjam o disposto na Constituição ou os princípios nela consignados”.
76.-Na fiscalização em concreto, o juízo de constitucionalidade está sempre dependente de uma causa submetida a julgamento e pressupõe a interpretação e aplicação a uma situação concreta de uma norma ou e um princípio da Constituição, por uma entidade pública ou por sujeito privado.
77.-Compete, portanto, ao tribunal a quo um juízo de constitucionalidade sobre as normas invocadas pelo Banco de Portugal para afastar as pretensões dos AA. perante o BES e o Novo Banco, conforme alegado pelo AA..
78.-Incumbindo aos tribunais assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, reprimir a violação da legalidade democrática e dirimir os conflitos de interesses públicos e privados (art.º 202.º, n.º 2 da Constituição).
79.-E, as decisões dos tribunais são obrigatórias para todas as entidades públicas e privadas e prevalecem sobre as de quaisquer outras autoridades. (art.º 205.º, nº 2 da Constituição).
80.-A douta sentença recorrida violou o atº 62º da Constituição e fez uma errada interpretação do art. 576º nºs 1 e 3 do CPC.
Termos em que, com o douto suprimento de V. Exas, Meritíssimos Desembargadores, deverá ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a douta sentença recorrida e substituindo-se por outra que:
a)-Julgue improcedente a exceção de extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, quanto à R. Banco Espírito Santo, S.A. - em liquidação e mande prosseguir a ação declarativa quanto a esse R.;
b)-Julgue improcedente a exceção de ilegitimidade substantiva da R. Novo Banco S.A. (NB);
c)-Não absolva do pedido o R. Novo Banco; e
d)-Julgue procedente a presente ação e, em consequência, condene os RR. Banco Espírito Santo, S.A. – em Liquidação e Novo Banco S.A., solidariamente, a indemnizarem os AA. dos danos patrimoniais a apurar em execução de sentença e dos danos morais no valor simbólico de € 5.000,00; ou, quando assim se não entenda; ou, quando assim se não entenda,
e)-Mande prosseguir a ação contra ambos os RR.»

Contra-alegaram o BES, SA- Em Liquidação e o Novo Banco, SA propugnando pela improcedência da apelação (fls. 857-885 e 889-911).

QUESTÕES A DECIDIR.
Nos termos dos Artigos 635º, nº4 e 639º, nº1, do Código de Processo Civil, as conclusões delimitam a esfera de atuação do tribunal ad quem, exercendo um função semelhante à do pedido na petição inicial.[1] Esta limitação objetiva da atuação do Tribunal da Relação não ocorre em sede da qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cf. Artigo 5º, nº3, do Código de Processo Civil). Também não pode este Tribunal conhecer de questões novas que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas.[2]

Nestes termos, as questões a decidir são as seguintes:
a.-Inadmissibilidade da impugnação da decisão de facto;
b.-Ampliação do pedido;
c.-Extinção da instância por inutilidade superveniente da lide quanto ao BES, SA, Em Liquidação;
d.-Absolvição do pedido quanto ao Réu Novo Banco, SA
Corridos que se mostram os vistos, cumpre decidir.

FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.
A sentença sob recurso considerou como provada a seguinte factualidade:
«1-Em 24 de Abril de 2013, os AA. aplicaram € 90.000,00 em ações preferenciais da sociedade: -Poupança Plus Investments Jersey Limited, com o ISIN: XS0152237151 (SCBES0AE0263) – 1.800 ações, com o valor unitário de € 50.00, que corresponde a um valor de € 90.000,00, através da conta Depósitos à Ordem (D.O.) 000906472082 da Agência de Mogadouro.

2-Na mesma data, os AA. subscreveram uma ordem de venda das mesmas ações, a liquidar em 29/08/2014, pelo valor unitário de € 52.02917, num total € 93.652,50, a que corresponde uma taxa de juro (TANB) de 3%.

3-No dia 3 de Agosto de 2014 o Banco de Portugal deliberou o seguinte:

Ponto Um
Constituição do Novo Banco, SA
É constituído o Novo Banco, SA, ao abrigo do nº 5 do artigo 145º -G do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-lei n.º 298/92, de 31 de dezembro, cujos Estatutos constam do Anexo 1 à presente deliberação.
Ponto Dois
Transferência para o Novo Banco, SA, de ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão do Banco Espirito Santo, SA
São transferidos para o Novo Banco, SA, nos termos e para os efeitos do disposto no nº 1 do artigo 145º - H do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de dezembro, conjugado com o artigo 17º - A da Lei Orgânica do Banco de Portugal, os ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão do Banco Espirito Santo, SA, que constam dos Anexos 2 e 2A à presente deliberação.
Ponto Três
Designação de uma entidade independente para avaliação dos ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão transferidos para o Novo Banco, SA
Considerando o disposto no n.º 4 do artigo 145.º -H do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de dezembro, o Conselho de Administração designa a sociedade PricewaterhouseCoopers & Associados - Sociedade de Revisores de Contas, Lda. (PwC SROC), para, no prazo de 120 dias, proceder à avaliação dos ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão transferidos para o Novo Banco, SA.”

4-Por deliberação do Banco de Portugal de 11 de Agosto de 2014, foi retificado o anexo 2 à deliberação de 3 de Agosto, considerando excluídos os seguintes:
“(v)-Quaisquer responsabilidades ou contingências, nomeadamente as decorrentes de fraude ou da violação de disposições ou determinações regulatórias, penais ou contraordenacionais;
(vi)-Quaisquer responsabilidades ou contingências do BES relativas a ações, instrumentos ou contratos de que resultem créditos subordinados perante o BES;
(vii)-Quaisquer obrigações, garantias, responsabilidades ou contingências assumidas na comercialização, intermediação financeira e distribuição de instrumentos de dívida emitidos por entidades que integram o Grupo Espírito Santo, sem prejuízo de eventuais créditos não subordinados resultantes de estipulações contratuais anteriores a 30 de Junho de 2014, documentalmente comprovadas nos arquivos do BES, em termos que permitam o controlo e fiscalização das decisões tomadas.” 
 
5-No dia 29 de dezembro de 2015, em sessão ordinária do Conselho de Administração do Banco de Portugal, (…) foi adotada a seguinte deliberação (deliberação contingências) relativa ao ponto da agenda “Clarificação e retransmissão de responsabilidades e contingências definidas como passivos excluídos nas subalíneas (v) a (vii) da alínea (b) do n.º 1 do Anexo 2 à Deliberação do Banco de Portugal de 3 de agosto de 2014 (20 horas), na redação que lhe foi dada pela Deliberação do Banco de Portugal de 11 de agosto de 2014 (17 horas) ”:

DELIBERAÇÃO.
Nos termos do n.º 1 do artigo 146.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de dezembro (RGICSF), a presente deliberação é considerada urgente, nos termos e para os efeitos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo do artigo 124.º do Código do Procedimento Administrativo, não havendo lugar a audiência prévia dos interessados.
Enquadramento.
1.-A deliberação do Banco de Portugal de 3 de agosto de 2014 (20:00 horas), com as clarificações e ajustamentos introduzidos pela deliberação de 11 de agosto de 2014 (17:00 horas) - doravante a “Deliberação de 3 de agosto”, para efeitos dos considerandos seguintes - que determinou a constituição do Novo Banco, S.A. (“Novo Banco”), determinou igualmente a transferência de um conjunto de ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão do Banco Espírito Santo, S.A. (“Banco Espírito Santo” ou “BES”) para o Novo Banco, descritos no Anexo 2 da mesma Deliberação de 3 de agosto.
2.-O RGICSF estabelece, em conformidade com a legislação europeia na matéria, que os acionistas e credores da instituição objeto de resolução devem assumir os prejuízos da referida instituição.
3.-Um dos princípios do RGICSF impõe que os recursos do fundo de resolução não sejam utilizados para assumir diretamente os prejuízos da instituição de crédito objeto de resolução.
4.-O Banco de Portugal dispõe de um poder legalmente conferido que pode ser exercido a todo o tempo antes da revogação da autorização do BES para o exercício da atividade ou da venda do Novo Banco, para determinar transferências adicionais de ativos e passivos entre o Novo Banco e o BES (o “Poder de Retransmissão”). O Poder de Retransmissão encontra-se previsto no Capítulo III (Resolução) do Título VIII do RGICSF, tendo ficado expressamente estabelecido no número 2 do Anexo 2 da Deliberação de 3 de agosto.
Fundamentos para a clarificação e para o exercício do Poder de Retransmissão
5.-A versão original da Deliberação de 3 de agosto, publicada em 3 de agosto de 2014, dispunha o seguinte na alínea (b) do n.º 1 do Anexo 2:
“As responsabilidades do BES perante terceiros, que constituam passivos ou elementos extrapatrimoniais, serão integralmente transferidas para o Novo Banco SA, com exceção das seguintes (Passivos Excluídos) …
(v) Quaisquer responsabilidades ou contingências decorrentes de dolo, fraude e violação de disposições regulatórias, penais ou contraordenacionais.”
6.-A versão alterada da Deliberação de 3 de agosto, publicada em 11 de agosto de 2014, dispunha o seguinte na alínea (b) do n.º 1 do Anexo 2: “As responsabilidades do BES perante terceiros, que constituam passivos ou elementos extrapatrimoniais, serão integralmente transferidas para o Novo Banco SA, com exceção das seguintes (Passivos Excluídos) …
(v) Quaisquer responsabilidades ou contingências, nomeadamente as decorrentes de fraude ou violação de disposições ou determinações regulatórias, penais ou contraordenacionais.”
7.-O Banco de Portugal considerou ser proporcional e de interesse público não transferir para o banco de transição as responsabilidades contingentes ou desconhecidas do BES (incluindo responsabilidades litigiosas relativas ao contencioso pendente e responsabilidades ou contingências decorrentes de fraude ou da violação de disposições ou determinações regulatórias, penais ou contraordenacionais), independentemente de se encontrarem ou não registadas na contabilidade do BES nos termos da subalínea (v) a (vii) da alínea (b) do n.º 1 do Anexo 2 da Deliberação de 3 de agosto, uma vez que a certeza relativamente às responsabilidades do banco de transição é essencial para garantir a continuidade das funções críticas desempenhadas pelo Novo Banco e que anteriormente tinham sido desempenhadas pelo BES.
8.-A legitimidade processual do BES tem vindo a ser questionada ou enjeitada em processos judiciais em que este é parte, com base na alegada transferência para o Novo Banco das responsabilidades que se discutem naqueles processos, em que o BES era réu a 3 de agosto de 2014 e que respeitam a factos anteriores à aplicação da medida de resolução ao BES e por efeito da aplicação desta.
9.-Importa clarificar que o Banco de Portugal, enquanto autoridade pública de resolução, decidiu e considera que todas as responsabilidades contingentes e desconhecidas do BES (incluindo responsabilidades litigiosas relativas ao contencioso pendente e responsabilidades ou contingências decorrentes de fraude ou da violação de disposições ou determinações regulatórias, penais ou contraordenacionais), independentemente de se encontrarem ou não registadas na contabilidade do BES, estão abrangidas pelas subalíneas (v) a (vii) da alínea (b) do n.º 1 do Anexo 2 da Deliberação, não tendo sido, portanto, transferidas para o Novo Banco.
10.-Alguns tribunais solicitaram ao Banco de Portugal que este lhes comunicasse o seu entendimento, enquanto entidade de resolução, sobre a não transferência de responsabilidades e contingências do BES para o Novo Banco, ao abrigo das subalíneas (v) a (vii) da alínea (b) do n.º 1 do Anexo 2 da deliberação de 3 de agosto.
11.-Esses pedidos não foram efetuados na maior parte dos processos pendentes em tribunal, que se relacionam com responsabilidades ou contingências não transferidas para o Novo Banco.
12.-Se o número de processos pendentes nos tribunais judiciais e a diferente orientação nas decisões até hoje tomadas conduzirem a que, de modo significativo, não venha a ser reconhecida adequadamente a seleção efetuada pelo Banco de Portugal (enquanto autoridade pública de resolução) dos ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão transferidos do BES para o Novo Banco (decisão sobre o «perímetro de transferência»), pode ficar comprometida a execução e a eficácia da medida de resolução aplicada ao BES, a qual, entre outros critérios, se baseou num critério de certeza quanto ao perímetro de transferência.
13.-Foi esse critério de certeza que permitiu calcular as necessidades de capital da instituição de transição, o Novo Banco, e foi com base nesse cálculo que o Fundo de Resolução realizou o capital da instituição de transição.
14.-Caso viessem a materializar-se na esfera jurídica do Novo Banco responsabilidades e contingências por força de sentenças judiciais, o Novo Banco seria chamado a assumir obrigações que de modo algum lhe deveriam caber e cuja satisfação não foi pura e simplesmente tida em consideração no montante do capital com que aquele banco de transição foi inicialmente dotado.
15.-Este risco pode materializar-se ainda antes do trânsito em julgado das decisões judiciais se, de acordo com as regras contabilísticas, for entendido que, não obstante a decisão do Banco de Portugal, aquela materialização é provável.
16.-Nos termos da lei, a decisão do Banco de Portugal sobre o perímetro de transferência só pode ser alterada através dos meios processuais previstos na legislação do contencioso administrativo, de acordo com o artigo 145.º-AR do RGICSF (correspondente ao artigo 145.º-N do RGICSF, em vigor à data de aplicação da medida de resolução ao BES).
17.-Questionar o referido perímetro de transferência fora do contencioso administrativo constitui um desvio à competência dos tribunais administrativos, legalmente estabelecida, e impede que o Banco de Portugal exerça a prerrogativa que a lei lhe confere de afastar, por motivo de interesse público, a execução de sentenças desfavoráveis, iniciando-se de imediato o procedimento tendente à fixação da indemnização de acordo com os trâmites definidos no Código do Processo nos Tribunais Administrativos.
18.-Decisões de tribunais judiciais que, direta ou indiretamente, ponham em causa o perímetro de transferência neutralizam este mecanismo contencioso (e compensatório), legalmente previsto, de impugnação das decisões do Banco de Portugal, enquanto autoridade pública de resolução, e comprometem a execução e a eficácia da medida de resolução.

19.-Tem a presente deliberação o seguinte objetivo:
a.-Clarificar o tratamento das responsabilidades contingentes e desconhecidas do BES (incluindo responsabilidades litigiosas relativas ao contencioso pendente e responsabilidades ou contingências decorrentes de fraude ou da violação de disposições ou determinações regulatórias, penais ou contraordenacionais), independentemente da sua natureza (fiscal, laboral, civil ou outra) e de se encontrarem ou não registadas na contabilidade do BES, nos termos da subalínea (v) da alínea (b) do n.º 1 do Anexo 2 da Deliberação de 3 de agosto;
b.-Se e na medida em que quaisquer responsabilidades contingentes e desconhecidas ou incertas do BES à data de 3 de agosto (incluindo responsabilidades litigiosas relativas ao contencioso pendente e responsabilidades ou contingências decorrentes de fraude ou da violação de disposições ou determinações regulatórias, penais ou contraordenacionais), independentemente de se encontrarem ou não registadas na contabilidade do BES e que devessem ter permanecido na sua esfera jurídica nos termos da Deliberação de 3 de agosto, sejam atribuídas ao Novo Banco, proceder à sua retransmissão, mediante o exercício do Poder de Retransmissão, das referidas responsabilidades contingentes e desconhecidas (incluindo responsabilidades litigiosas relativas ao contencioso pendente e responsabilidades ou contingências decorrentes de fraude ou da violação de disposições ou determinações regulatórias, penais ou contraordenacionais) para o BES; e
c.-Determinar que, de acordo com o disposto no n.º 7 do artigo 145.º-P e nos n.os 2, 3 e 4 do artigo 145.º-G do RGICSF, o BES e o Novo Banco tomem as medidas previstas nesta deliberação por forma a conferir-lhe eficácia plena.

20.-Face ao exposto e de forma a garantir a continuidade das funções essenciais desempenhadas pelo Novo Banco, encontram-se reunidos os pressupostos para o exercício do Poder de Retransmissão, conforme previsto nesta deliberação, exercício que se afigura extremamente necessário, urgente e inadiável.

O Conselho de Administração do Banco de Portugal, ao abrigo da competência conferida pelo RGICSF para selecionar os ativos e passivos a transferir para o banco de transição, delibera o seguinte:

A)-Clarificar que, nos termos da alínea (b) do número 1 do Anexo 2 da deliberação de 3 de agosto, não foram transferidos do BES para o Novo Banco quaisquer passivos ou elementos extrapatrimoniais do BES que, às 20:00 horas do dia 3 de agosto de 2014, fossem contingentes ou desconhecidos (incluindo responsabilidades litigiosas relativas ao contencioso pendente e responsabilidades ou contingências decorrentes de fraude ou da violação de disposições ou determinações regulatórias, penais ou contraordenacionais), independentemente da sua natureza (fiscal, laboral, civil ou outra) e de se encontrarem ou não registadas na contabilidade do BES;

B)-Em particular, desde já se clarifica não terem sido transferidos do BES para o Novo Banco os seguintes passivos do BES:
(i)-Todos os créditos relativos a ações preferenciais emitidas por sociedades-veículo estabelecidas pelo BES e vendidas pelo BES;
(ii)-Todos os créditos, indemnizações e despesas relacionados com ativos imobiliários que foram transferidos para o Novo Banco;
(iii)-Todas as indemnizações relacionadas com o incumprimento de contratos (compra e venda de ativos imobiliários e outros), assinados e celebrados antes das 20h00 do dia 3 de agosto de 2014;
(iv)-Todas as indemnizações relacionadas com contratos de seguro de vida, em que a seguradora era o BES – Companhia de Seguros de Vida, S.A.;
(v)-Todos os créditos e indemnizações relacionados com a alegada anulação de determinadas cláusulas de contratos de mútuo, em que o BES era o mutuante;
(vi)-Todas as indemnizações e créditos resultantes de anulação de operações realizadas pelo BES enquanto prestador de serviços financeiros e de investimento; e
(vii) Qualquer responsabilidade que seja objeto de qualquer dos processos descritos no Anexo I.

C)-Na medida em que, não obstante as clarificações acima efetuadas, se verifique terem sido efetivamente transferidos para o Novo Banco quaisquer passivos do BES que, nos termos de qualquer daquelas alíneas e da Deliberação de 3 de agosto, devessem ter permanecido na sua esfera jurídica, serão os referidos passivos retransmitidos do Novo Banco para o BES, com efeitos às 20 horas do dia 3 de agosto de 2014;

D)-O Conselho de Administração do BES e o Conselho de Administração do Novo Banco praticarão todos os atos necessários à implementação e eficácia das clarificações e retransmissões previstos na presente deliberação. Em particular e de acordo com o disposto no n.º 7 do artigo 145.º-P e nos n.os 2, 3 e 4 do artigo 145.º-G do RGICSF, o Novo Banco e o BES devem:
(a)-Adotar as medidas de execução necessárias à adequada aplicação da medida de resolução aplicada pelo Banco de Portugal ao BES, bem como de todas as decisões do Banco de Portugal que a complementam, alteram ou clarificam, incluindo a presente deliberação;
(b)-Praticar todos os atos, sejam estes de natureza procedimental ou processual, nos processos em que sejam parte de modo a dar adequada execução às decisões do Banco de Portugal referidas em (a), incluindo aqueles que sejam necessários para reverter atos anteriores que tenham praticado contrários aquelas decisões;
(c)-Para efeito de cumprimento do disposto na alínea (b), requerer a imediata junção da presente deliberação aos autos em que sejam parte;
(d)-Adequar os seus registos contabilísticos ao disposto nas decisões do Banco de Portugal referidas em (a); e
(e)-Abster-se de qualquer conduta que possa por em causa as decisões do Banco de Portugal referidas em (a).

E)-Aprovar a ata da presente deliberação em minuta, com vista à sua execução imediata, nos termos do nº 4 e para os efeitos do n.º 6 do artigo 34.º do Código do Procedimento Administrativo.”

6-No dia 29 de dezembro de 2015, em sessão ordinária do Conselho de Administração do Banco de Portugal, foi adotada a seguinte deliberação (deliberação perímetro) relativa ao ponto da agenda “Transferências, retransmissões e alterações e clarificações ao Anexo 2 da deliberação de 3 de agosto de 2014 (20.00h)”:

DELIBERAÇÃO.
Nos termos do n.º 1 do artigo 146.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de dezembro (RGICSF), a presente deliberação é considerada urgente, nos termos e para os efeitos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo do artigo 124.º do Código do Procedimento Administrativo, não havendo lugar a audiência prévia dos interessados. Esta dispensa é igualmente justificada à luz do disposto nas alíneas c) e d) do artigo 124.º do Código do Procedimento Administrativo.

Enquadramento.
1.-A deliberação do Banco de Portugal de 3 de agosto de 2014 (20:00h), com as clarificações e ajustamentos introduzidos pela deliberação de 11 de agosto de 2014 (17:00 horas) - doravante a “Deliberação de 3 de agosto” para efeitos dos considerandos seguintes – que determinou a constituição do Novo Banco, S.A. (“Novo Banco”), determinou igualmente a transferência de um conjunto de ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão do Banco Espírito Santo, S.A. (“Banco Espírito Santo” ou “BES”) para o Novo Banco, descritos no Anexo 2 à mesma Deliberação de 3 de agosto.
2.-Após 3 de agosto, e à medida que tem vindo a ser disponibilizada informação adicional, o Banco de Portugal, na qualidade de autoridade de resolução, tem vindo a aprofundar o conhecimento da situação financeira do conjunto de ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão do Novo Banco.
3.-O RGICSF estabelece, em conformidade com a legislação europeia na matéria, que os acionistas e credores de uma instituição objeto de medida de resolução devem suportar os prejuízos dessa mesma instituição.
4.-Um dos princípios do RGICSF impõe que os recursos do fundo de resolução não sejam utilizados para assumir diretamente os prejuízos da instituição de crédito objeto de resolução.
5.-O Banco de Portugal dispõe de um poder legalmente estabelecido que poderá ser exercido a todo o tempo antes da revogação da autorização do BES para exercício da atividade ou da venda do Novo Banco, para determinar transferências adicionais de ativos e passivos entre o Novo Banco e o BES (o “Poder de Retransmissão”). O Poder de Retransmissão encontra-se previsto no Capítulo III (Resolução) do Título VIII do RGICSF, tendo ficado expressamente previsto no número 2 do anexo 2 da Deliberação de 3 de agosto.
6.-São necessárias clarificações adicionais quanto aos ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão transferidos do BES para o Novo Banco e alterar o Anexo 2 da deliberação de 3 de agosto para refletir estas clarificações.
7.-É desejável clarificar que quaisquer contingências fiscais passivas, quer presentes ou futuras, resultantes de dívidas fiscais, constituídas ou por constituir, relativas a factos tributários anteriores a 3 de agosto de 2014 deverão permanecer na esfera jurídica do BES.
8.-Sem prejuízo das deliberações do Conselho de Administração do Banco de Portugal de 22 de dezembro de 2014, de 11 fevereiro de 2015 e de 15 de setembro de 2015, todas relativas à «Responsabilidade Oak Finance» (tal como definida na deliberação de 15 de setembro de 2015), o Banco de Portugal deve adicionalmente determinar que, por se tratar de uma responsabilidade de natureza equiparável a obrigações, dirigida a, e subscrita por, investidor(es) qualificado(s), tal responsabilidade (bem como todas as responsabilidades com esta conexas) deve permanecer na esfera jurídica do BES, pelo que na eventualidade de, por decisão transitada em julgado, se determinar que a Responsabilidade Oak Finance não se encontra abrangida pela subsubalínea (c) da subalínea (i) da alínea (b) do n.º 1 do Anexo 2 da Deliberação de 3 de agosto ou se determinar que essa responsabilidade pertence ao Novo Banco, tal responsabilidade (bem como todas as responsabilidades com esta conexas) é retransmitida para o BES.
9.-Na medida em que, e não obstante as clarificações e alterações constantes desta deliberação, um ativo ou passivo tenha sido transferido para o Novo Banco que devesse ter permanecido na esfera jurídica do BES, ou tenha permanecido na esfera jurídica do BES, mas que devesse ter sido transferido para o Novo Banco, o Poder de Retransmissão é exercido para conferir eficácia às clarificações e alterações constantes desta deliberação.
10.-Considerando que, desde a aplicação da medida de resolução ao BES e também na presente data foram tomadas pelo Conselho de Administração do Banco de Portugal várias deliberações que produziram efeitos na seleção de ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão transferidos para o Novo Banco, a qual estava originalmente expressa no Anexo 2 da Deliberação de 3 de agosto, revela-se oportuno e adequado proceder-se a um esforço de consolidação, atualizando o referido Anexo 2 às mencionadas deliberações.

O Conselho de Administração do Banco de Portugal, ao abrigo da competência conferida pelo RGICSF para selecionar os ativos e passivos a transferir para o banco de transição e do disposto no n.º 2 do Anexo 2 da Deliberação de 3 de agosto, delibera o seguinte:
A)-A subalínea (vii) da alínea (b) do n.º 1 do Anexo 2 passa a ter a seguinte redação: “Quaisquer obrigações, garantias, responsabilidades ou contingências assumidas na comercialização, intermediação financeira, processo de contratação e distribuição de instrumentos financeiros emitidos por quaisquer entidades, sem prejuízo de eventuais créditos não subordinados, cuja posição devedora não seja excluída por alguma das subalíneas anteriores, designadamente as subalíneas (iii) e (v), que (a) fossem exigíveis à data da medida de resolução em virtude de o respetivo prazo já se ter vencido ou, sendo os créditos condicionais, em virtude de a condição (desde que apenas desta dependesse o respetivo vencimento) já se ter verificado, e cumulativamente (b) resultassem de estipulações contratuais (negócios jurídicos bilaterais) anteriores a 30 de junho de 2014, que tenham cumprido as regras para a expressão da vontade e vinculação contratual do BES e cuja existência se possa comprovar documentalmente nos arquivos do BES, em termos que permitam o controlo e fiscalização das decisões tomadas.”

B)-A alínea (d) do n.º 1 do Anexo 2 passa a ter a seguinte redação:
“São transferidos na sua totalidade para o Novo Banco SA todos os restantes elementos extrapatrimoniais do BES, com exceção dos relativos ao Banco Espírito Santo Angola SA, ao Espírito Santo Bank (Miami), ao Aman Bank (Líbia) e dos relativos às entidades cujas responsabilidades perante o BES não foram transferidas nos termos da subalínea (v) da alínea (a) do n.º 1 e, com efeitos a partir de 29 de dezembro de 2015, ao BES Finance, Limited;”

C)-É aditado um n.º 10, com a seguinte redação:
“Transferem-se ainda para o Novo Banco quaisquer créditos já constituídos ou por constituir reportados a factos tributários anteriores a 3 de agosto de 2014, independentemente de estarem ou não registados na contabilidade do BES.”

D)-A Administração do BES deve, para efeitos de cumprimento de quaisquer formalidades que se julguem necessárias, exercer as suas competências, praticar os atos e tomar as iniciativas adequadas para garantir as transferências de valores a receber e créditos para o Novo Banco decorrentes das contingências fiscais ativas, atualmente identificadas ou futuras, resultantes de créditos fiscais já constituídos ou por constituir, reportados a factos tributários anteriores a 3 de agosto de 2014, independentemente de se encontrarem ou não registadas na contabilidade.

E)-É aditado um novo n.º 11, com a seguinte redação:
“O disposto nas subalíneas (v) a (vii) da alínea (b) do n.º 1 do presente Anexo devem ser interpretadas à luz das clarificações constantes do Anexo 2C”.

F)-É aditado um novo Anexo 2C à deliberação de 3 de agosto, com a redação constante da deliberação relativa à “Clarificação e retransmissão de responsabilidades e contingências definidas como passivos excluídos nas subalíneas (v) a (vii) da alínea (b) do n.º 1 do Anexo 2 à Deliberação do Banco de Portugal de 3 de agosto de 2014 (20 horas), na redação que lhe foi dada pela Deliberação do Banco de Portugal de 11 de agosto de 2014 (17 horas)”, adotada pelo Conselho de Administração do Banco de Portugal na presente data;

G)-Sem prejuízo das deliberações do Conselho de Administração do Banco de Portugal de 22 de dezembro de 2014, de 11 fevereiro de 2015 e de 15 de setembro de 2015, todas relativas à «Responsabilidade Oak Finance» (tal como definida na deliberação de 15 de setembro de 2015), o Banco de Portugal determina adicionalmente que, por se tratar de uma responsabilidade de natureza equiparável a obrigações, dirigida a, e subscrita por, investidor(es) qualificado(s), tal responsabilidade (bem como todas as responsabilidades com esta conexas) deve permanecer na esfera jurídica do BES, pelo que na eventualidade de, por decisão transitada em julgado, se determinar que a Responsabilidade Oak Finance não se encontra abrangida pela subsubalínea (c) da subalínea (i) da alínea (b) do n.º 1 do Anexo 2 da Deliberação de 3 de agosto ou se determinar que essa responsabilidade pertence ao Novo Banco, tal responsabilidade (bem como todas as responsabilidades com esta conexas) é retransmitida para o BES;

H)-É aditada uma subalínea (ix) à alínea (b) ao n.º 1 do Anexo 2, com a seguinte redação: “A Responsabilidade Oak Finance”.

I)-Na medida em que qualquer ativo, passivo ou elemento extrapatrimonial que, nos termos de qualquer das alíneas anteriores, devesse ser transferido para o Novo Banco, mas que, de facto, tenha permanecido na esfera jurídica no BES, são, pela presente, os referidos ativos, passivos ou elementos extrapatrimoniais transferidos do BES para o Novo Banco, com efeitos a 3 de agosto de 2014 (20.00h);

J)-Na medida em que qualquer ativo, passivo ou elemento extrapatrimonial que, nos termos de qualquer uma das alíneas anteriores, devesse ter permanecido na esfera jurídica do BES mas que foram, de facto, transferidos para o Novo Banco, são, pela presente, os referidos ativos, passivos ou elementos extrapatrimoniais retransmitidos do Novo Banco para o BES, com efeitos a 3 de agosto de 2014 (20.00h);

K)-O Conselho de Administração do BES e o Conselho de Administração do Novo Banco devem tomar todas as medidas necessárias à execução eficaz das clarificações, ajustamentos, transferências e retransmissões previstos na presente deliberação.
L)-É anexada à presente deliberação uma versão revista e consolidada do Anexo 2 da Deliberação de 3 de agosto de 2014, a qual incorpora:
a.-As clarificações e alterações constantes da presente deliberação;
b.-As deliberações do Conselho de Administração do Banco de Portugal, adotadas na presente data, relativas à “Retransmissão de obrigações não subordinadas do Novo Banco, S.A., para o Banco Espírito Santo, S.A.” e à “Retransmissão das ações representativas da totalidade do capital social do BES Finance, Limited do Novo Banco, S.A., para o Banco Espírito Santo, S.A.”;
c.-As deliberações do Conselho de Administração do Banco de Portugal de 22 de dezembro de 2014, de 11 fevereiro de 2015 e 15 de setembro de 2015, todas relativas à Responsabilidade Oak Finance, e de 13 de maio de 2015, relativa a eventuais obrigações contraídas e garantias prestadas perante terceiros pelo BES, relacionadas com a comercialização de instrumentos de dívida do GES;
d.-O Anexo 2 da Deliberação de 3 de agosto será alterado e retificado de modo a revestir a forma estabelecida no anexo da presente deliberação, incluindo o aditamento dos Anexos 2B e 2C.

M)-Aprovar a ata da presente deliberação em minuta, com vista à sua execução imediata, nos termos do nº 4 e para os efeitos do n.º 6 do artigo 34.º do Código do Procedimento Administrativo.”

7-Por deliberação do Banco Central Europeu, de 13/07/16, foi revogada a autorização do Banco Espírito Santo, S.A. (“BES”) para o exercício da atividade de instituição de crédito.

8-Desta deliberação não foi interposto recurso para o Tribunal Geral da União Europeia.

9-Na sequência da comunicação de revogação, acima referida, o Banco de Portugal requereu a liquidação do Banco Espírito Santo, tendo este requerimento sido distribuído à 1ª Secção de Comércio da Instância Central de Lisboa, J1, com o nº 18588/16.2T8LSB.

10-Em 21/07 foi proferido despacho de prosseguimento da liquidação judicial, fixando-se o prazo de 30 dias para a reclamação de créditos.

11-Os AA. reclamaram o seu crédito na liquidação com o nº 18588/16.2T8LSB.[3]

FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.

Da impugnação insuficiente da decisão de facto.
No corpo das suas alegações, os apelantes enunciam dezassete factos que consideram provados «Com base nos articulados e no acervo documental junto aos autos, não impugnado pelos RR» (fls. 785).
Todavia, nas conclusões do recurso, os apelantes nada mencionaram sobre tal factualidade com as ressalvas seguintes. No corpo das alegações, argumentaram os apelantes que devia ser considerado provado que:
c)«Os Autores eram clientes do BES, pelo menos, desde 2010 (doc. 5 da contestação do R Novo Banco).»
(…)
l)A falta de reembolso das aplicações dos AA., fruto das poupanças de toda uma vida de trabalho e sacrifícios, causou nestes um grande sofrimento (facto notório e de conhecimento geral – art.º 412º n.º 1/CPC).»
(…)
n)As referidas sociedades eram dominadas pelo BES e, em consequência da operação de resolução, pelo Novo Banco, para onde passaram os fundos provenientes das aplicações dos clientes nas SPV’s e aparecem no ativo, como “Recursos de Clientes”, como se pode ver a págs 140/141 do Balanço de 2014 do Novo Banco (doc. 2 da Resposta às Exceções):
“Adicionalmente, no âmbito da subscrição de instrumentos financeiros por clientes, o NOVO BANCO, como determinado pelo IFRS 10, consolidou três entidades (Euro Aforro, Top Renda, Poupança Plus), cujos ativos eram constituídos por obrigações seniores emitidas pelo BES (antecessor do NOVO BANCO) que transitaram para o NOVO BANCO. Neste processo, as obrigações do passivo do NOVO BANCO (responsabilidades representadas por títulos) foram extintas sendo os recursos obtidos dos clientes classificados na rubrica de Recursos de clientes. O impacto da consolidação destes veículos é o seguinte:
Em 31.12.2014 (milhares de euros):
Caixa e disponibilidades em Instituições de crédito 2 223
Ativos financeiros detidos para venda (32 854)
Ativos por impostos diferidos 56 325 142 610
Recursos de clientes e outros empréstimos 441 984
Responsabilidades representadas por títulos (278 391)
Outras provisões 73 638
Outras reservas e resultados transitados (415 532)
Resultado líquido 203 995”.

Correspondentemente, nas alegações do recurso aduzem os apelantes que:
«38.-Os AA eram clientes do BES, pelo menos, desde 2005 e confiavam plenamente nos seus funcionários, os quais conheciam necessariamente o perfil, as necessidades e a vontade dos AA.
(…)
51.-A falta de reembolso das aplicações dos AA., fruto das poupanças de toda uma vida de trabalho e sacrifícios, causou nestes um grande sofrimento.
(…)
67.-Acresce que o próprio Novo Banco assumiu essa responsabilidade para com os subscritores de ações preferenciais, como resulta necessariamente do Balanço de 2014, declarando que os fundos provenientes das aplicações dos clientes nas SPV’s em causa, in casu, os AA., aparecem no ativo, como “Recursos de Clientes”, como se pode ver a págs 140/141 do Balanço de 2014

Ora, nos termos do Artigo 640º, nº 1, do Código de Processo Civil,
«Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a)-Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b)-Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c)-A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.”

Existe divergência jurisprudencial no que tange a saber se os requisitos do ónus impugnatório previstos no Artigo 640º, nº1, devem figurar apenas no corpo das alegações ou se também devem ser levados às conclusões sob pena da rejeição do recurso (cf. Artigos 635º, nº2 e 639º, nº1, do Código de Processo Civil). Todavia, o Supremo Tribunal de Justiça tem vindo a sedimentar como predominante a posição que se expressa nos seguintes arestos. Assim, no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19.2.2015, Tomé Gomes, 299/05, afirma-se que «(…) enquanto a especificação dos concretos pontos de facto deve constar das conclusões recursórias, já não se afigura que a especificação dos meios de prova nem, muito menos, a indicação das passagens das gravações devam constar da síntese conclusiva, bastando que figurem no corpo das alegações, posto que estas não têm por função delimitar o objeto do recurso nessa parte, constituindo antes elementos de apoio à argumentação probatória.» Em sentido confluente, o mesmo STJ afirmou no Acórdão de 31.5.2016, Garcia Calejo, 1572/12 que: «Do art. 640º nº 1 al. b) não resulta que a descriminação dos concretos meios probatórios, constantes do processo ou da gravação realizada tenha que ser feita exclusiva e unicamente nas conclusões. / Tem sim, essa especificação de ser efetuada nas alegações. / Nas conclusões deve ser incluída a questão atinente à impugnação da matéria de facto, ou seja, aí deve introduzir-se, sinteticamente “os fundamentos por que pede a alteração (ou anulação) da decisão” (art. 639º nº 1), o que servirá para o recorrente afirmar que matéria de facto pretende ver reapreciada, indicando os pontos concretos que considera como incorretamente julgados, face aos meios probatórios que indica nas alegações.» No Acórdão de 11.4.2016, Ana Luísa Geraldes, 449/410, defendeu-se que servindo as conclusões para delimitar o objeto do recurso, deverão nelas ser identificadas com precisão os pontos de factos que são objeto de impugnação; quanto aos demais requisitos do ónus impugnatório, basta que constem de forma explícita na motivação do recurso. As conclusões do recurso não têm de reproduzir todos os elementos do corpo da alegação – cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27.1.2015, Clara Sottomayor, 1060/07.

O recorrente não satisfaz o ónus impugnatório quando omite a especificação dos pontos de facto que reputa incorretamente julgados bem como a decisão a proferir sobre cada um deles, limitando-se a discorrer sobre o teor dos depoimentos prestados com afloramentos de resultados probatórios que entendem ter sido logrados na produção da prova.[4]  O ónus imposto ao recorrente na al. b) do nº1 do Artigo 640º do Código de Processo Civil não se satisfaz com a simples afirmação de que a decisão devia ser diversa, antes exige que se afirme e especifique qual a resposta que havia de ser dada em concreto a cada um dos diversos pontos da matéria de facto controvertida e impugnados, pois só desta forma se coloca ao tribunal de recurso uma concreta e objetiva questão para apreciar.[5]
 
Por outro lado, o direito à impugnação da decisão de facto não subsiste a se mas assume um caráter instrumental face à decisão de mérito do pleito. Deste modo, por força dos princípios da utilidade, economia e celeridade processual, o Tribunal ad quem não deve reapreciar a matéria de facto quando o (s) facto (s) concreto (s) objeto da impugnação for insuscetível de, face às circunstância próprias do caso em apreciação e às diversas soluções plausíveis de direito, ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma atividade processual que se sabe, de antemão, ser inconsequente.[6]

Nas conclusões do recurso, os apelantes deixaram cair a factualidade adicional que reputaram provada no corpo das alegações com exceção dos três segmentos referidos. Contudo, quanto a estes três segmentos, verificamos que os dois primeiros derivam de alegações dos autores (artigos 24, 30, 254 a 260) que foram impugnadas pelos Réus nas suas contestações (cf. artigos 74º da contestação do Novo Banco e artigos 32º, 33º e 40º da contestação do BES, SA). Note-se que a alegação feita pelos autores no seu artigo 24º da petição ( «os Autores iniciaram a sua relação com o BES, ora 1º R, em 1985, tendo aberto conta na agência de Sendim (…)») nem corresponde ao teor textual do alegado na conclusão nº 38.

Acresce que o alegado no nº 51 das conclusões não integra – ao contrário do que pretendem os apelantes – um facto notório. Com efeito, nos termos do Artigo 412º, nº1, do Código de Processo Civil, não carecem de prova nem de alegação os factos notórios, devendo considerar-se como tais os factos que são do conhecimento geral.

A exigência do conhecimento geral atua em vários âmbitos:
-Na esfera pessoal, o facto notório tem de constar como certo ou falso para a generalidade de pessoas de cultura média entre as quais se encontra o juiz;
-Na esfera cognoscitiva, no sentido de que tal conhecimento deve integrar a cultura média, de acesso geral, e não ser constitutivo de um saber especializado próprio de um reduzido número de pessoas que se dedica a uma atividade comum;
-Na esfera espacial, no sentido de que tal facto deve ser conhecido no território que integra as instâncias de recurso. Não pode o facto ser notório para o juiz da primeira instância e desconhecido para o juiz conselheiro. Assim, um desastre nacional divulgado pela imprensa constitui um facto notório mas já não será facto notório os prejuízos causados pelo granizo numa comarca mesmo que tenham afetado pessoalmente o juiz.

Ora, atentos estes requisitos, não pode afirmar-se que «A falta de reembolso das aplicações dos Autores, fruto das poupanças de toda uma vida de trabalho e sacrifícios, causou nestes um grande sofrimento» constitua um facto notório porquanto não é um facto do conhecimento geral nos termos acima explicitados.

No que tange à conclusão nº 67, tal matéria foi alegada – de forma mais completa e circunstanciada – no artigo 124º da petição inicial, sendo objeto de impugnação especificada no artigo 74º da contestação do Novo Banco. Deste modo, não pode considerar-se tal factualidade provada conforme pretendem os Autores.

Quanto à demais factualidade tida como provada pelos apelantes no corpo das suas alegações, certo é que os apelantes – em sede de conclusões – não enunciaram, de forma concretizada e especificada, quais os factos que deviam ser julgados provados, razão pela qual se rejeita o recurso atinente à impugnação da matéria de facto tida como provada pelo tribunal a quo.

Ampliação do pedido.
Por requerimento formulado em 22.9.2016, os Autores vieram a ampliação do pedido formulado, alegando que, para além da aplicação em causa, subscreveram, em data que não sabem precisar, ações preferenciais da sociedade Poupança Plus 1 com o código ISIN Xs0140592451 (SCBESW0AE0266) no valor de € 90.00,00 - 1800 ações com o valor unitário de € 50.00 e Poupança Plus 6 08/2012 24 Re03, com o ISIN: SCBES0AE0217 – 280 ações, com o valor unitário de € 50.00, que corresponde a um valor de € 14.000,00, através da conta Depósitos à Ordem (D.O.) 622034680003 da Agência do Mogadouro dos quais são ambos cotitulares.
Para fundamentar a requerida ampliação, alegam corresponder esta a um desenvolvimento do pedido primitivo formulado nos autos.

Sobre tal pedido, recaiu o seguinte despacho:
«Dispõe o artº 265 nº2 do C.P.C. que o autor pode ampliar o pedido até ao encerramento da discussão em primeira instância, se a ampliação for o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo.
Constitui este preceito uma exceção ao disposto no artº 260 do mesmo código que, de acordo com o princípio da estabilidade da instância, proíbe em princípio desde a citação do R. as alterações ao pedido e à causa de pedir, ressalvando o mesmo artigo as possibilidades de modificação previstas na lei.
Existindo acordo das partes a ampliação ou alteração do pedido ou da causa de pedir, são sempre admissíveis, salvo se perturbarem inconvenientemente a instrução, discussão e julgamento da causa.
Não existindo acordo, este só pode ser alterado ou ampliado na réplica se o processo a admitir, ou se for o desenvolvimento ou consequência do pedido principal.
No entanto nos termos do artº 265 nº6 do C.P.C., admitindo-se a modificação do pedido e da causa de pedir em simultâneo, estipula-se como limite a “convolação para relação jurídica diversa da controvertida”.
Por outro lado, quer na ampliação do pedido quer na articulação superveniente de factos, não pode existir modificação do pedido e da causa de pedir.
Conforme se refere no sumário do Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido em 25/06/96, com o nº convencional JTRL00007164, disponível para consulta em www.dgsi.pt, “I-A ampliação do pedido há de estar contida virtualmente no pedido inicial, distinguindo-se da cumulação porque, enquanto aquela pressupõe que, dentro da mesma causa de pedir, a pretensão primitiva se modifica para mais, a cumulação com pedido novo dá-se quando a um pedido fundado em determinada causa de pedir se junta outro, fundado em causa de pedir diferente.”
Ora, no caso em apreço, o pedido formulado pelos AA. não constitui nem desenvolvimento, nem consequência de pedido anterior, mas antes constitui uma alteração da causa de pedir, acrescentando novos factos, subscrição de outras ações, em momentos temporais não coincidentes (não se referem ao mesmo ato), que fundamentam um novo pedido, com base nestes novos factos e, nessa medida, comportando a alegação de novos factos, só poderia ter lugar nos termos do disposto no artº 588 do C.P.C., se supervenientes (vide neste sentido ac. do T.R.Porto proferido em 26/06/08, no Proc. nº 0831515, disponível para consulta in www.dgsi.pt)
Assim sendo, por o requerido não se enquadrar no disposto no invocado artº 265 nº2 do C.P.C., não admito a referida ampliação
Os Autores recorrem desta decisão, insistindo na tese de que se trata de um desenvolvimento do pedido inicial, ocorrendo a venda de produtos pelo mesmo Réu nas mesmas circunstâncias. Mais alegaram que os Réus não se opuseram à ampliação do pedido, o que pode ser entendido como um acordo tácito.

Apreciando.

Nos termos do Artigo 265º, nº2 do Código de Processo Civil, o autor pode, em qualquer altura, reduzir o pedido e pode ampliá-lo até ao encerramento da discussão em primeira instância se a ampliação for o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo.

A ampliação há de ser o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo, ou seja, há de estar contida virtualmente no pedido inicial - A. DOS REIS, Comentário ao Código de Processo Civil, III, p. 193. É necessário que a ampliação ou o pedido cumulado seja desenvolvimento ou consequência do pedido primitivo e que por conseguinte tenham essencialmente origem comum e causa de pedir, senão totalmente idênticas, pelo menos integradas no mesmo complexo de factos - cf. CASTRO MENDES, Direito Processual Civil, 1987, II, pp. 427-428. Ou seja, a ampliação supõe que – dentro da mesma causa de pedir – a pretensão primitiva se modifica para mais; pelo contrário, a cumulação dá-se quando a um pedido, fundado em determinado facto ou ato, se junta outro, fundado em ato ou facto diverso – cf. Alberto dos Reis, Op. Cit., p. 94.

Entre nós, o estudo mais desenvolvido sobre a causa de pedir foi o feito por MARIANA FRANÇA GOUVEIA, A causa de pedir na ação declarativa, Almedina, Coleção Teses, 2004. Concluiu esta Autora que a causa de pedir se define “como o conjunto dos fundamentos de facto e de direito da pretensão alegada pelo autor. Integra a norma ou as normas alegadas, os factos principais alegados como substrato concreto dessas normas, os factos instrumentais alegados como substrato concreto destes factos principais” – Op. Cit., p. 529. Logo advertindo que este conceito não é operativo em concreto, sendo uma mera generalização que não dispensa aplicação em cada um dos institutos de um das quatro modalidades de causa de pedir encontradas nesse estudo.

Conforme bem se observou na decisão de primeira instância, o pedido formulado pelos Autores constitui uma alteração da causa de pedir na medida em que se reporta à aquisição de outras ações pelos Autores, em momento diferente, ou seja, os factos principais alegados são diversos dos factos inicialmente alegados. Assim, é manifesto que a ampliação do pedido deduzida não estava integralmente contida no pedido deduzido originariamente pelo que é inadmissível. O aditamento de novos factos à discussão dos autos só seria viável no âmbito de articulados supervenientes – cf. Artigo 588º do Código de Processo Civil.

Por outro lado, o acordo das partes a que se reporta o Artigo 264º do Código de Processo Civil é um acordo expresso e não tácito porquanto a não oposição dos Réus não tem valor declarativo (cf. Artigo 218º do Código Civil), não tendo aplicação a este tipo de requerimento o disposto no Artigo 567º, nº1, do Código de Processo Civil.

Termos em que improcede a apelação neste segmento.

Extinção da instância por inutilidade superveniente da lide quanto ao BES, SA, em Liquidação.
Insurgem-se os apelantes quanto à decisão do tribunal a quo que julgou extinta a instância quanto ao Réu BES, SA, por inutilidade superveniente da lide na sequência da revogação da autorização para o exercício da atividade.

Aduzem os apelantes, neste circunspecto, os seguintes argumentos:
a.-O regime do Artigo 128º do CIRE não é extensível às demais ações declarativas;
b.-A natureza célere e urgente dos processos de insolvência é incompatível com a tramitação e a necessária ponderação de direitos litigiosos complexos ou especializados, como é o caso;
c.-Os artigos 50º, nº1 e 181º do CIRE devem ser interpretados no sentido de qua condição suspensiva pode ser a própria decisão judicial;
d.-Não existe qualquer violação do princípio da igualdade dos credores;
e.-Os Autores reclamaram o seu crédito, subjacente à presente ação, no processo de insolvência do BES.

O tribunal a quo fundamentou a decisão nestes termos:
«Nos termos do disposto no artº 4 nº1 a) do Regulamento do Conselho nº 1024/2013, cabe ao Banco Central Europeu, conceder e revogar a autorização para o exercício da atividade como instituição de crédito a instituições estabelecidas nos Estados Membros.
Nos termos do artº 8 nº2 do D.L. 199/2006 de 25/10 (alterado pelo D.L. nº 31-A/2012 de 10/02), a decisão e revogação de autorização para o exercício da atividade equivale à declaração de insolvência dessa entidade, que por não ter sido interposto recurso, nos termos do artº 263 do Tratado da União Europeia, nem anulada a deliberação do BCE, equivale à declaração de insolvência definitiva, da entidade bancária em apreço.
Com efeito dispõe este preceito legal que “O Tribunal de Justiça da União Europeia fiscaliza a legalidade dos atos legislativos, dos atos do Conselho, da Comissão e do Banco Central Europeu, que não sejam recomendações ou pareceres, e dos atos do Parlamento Europeu e do Conselho Europeu destinados a produzir efeitos jurídicos em relação a terceiros. O Tribunal fiscaliza também a legalidade dos atos dos órgãos ou organismos da União destinados a produzir efeitos jurídicos em relação a terceiros.
Para o efeito, o Tribunal é competente para conhecer dos recursos com fundamento em incompetência, violação de formalidades essenciais, violação dos Tratados ou de qualquer norma jurídica relativa à sua aplicação, ou em desvio de poder, interpostos por um Estado-Membro, pelo Parlamento Europeu, pelo Conselho ou pela Comissão.
O Tribunal é competente, nas mesmas condições, para conhecer dos recursos interpostos pelo Tribunal de Contas, pelo Banco Central Europeu e pelo Comité das Regiões com o objetivo de salvaguardar as respetivas prerrogativas.
Qualquer pessoa singular ou coletiva pode interpor, nas condições previstas nos primeiro e segundo parágrafos, recursos contra os atos de que seja destinatária ou que lhe digam direta e individualmente respeito, bem como contra os atos regulamentares que lhe digam diretamente respeito e não necessitem de medidas de execução.
Os atos que criam os órgãos e organismos da União podem prever condições e regras específicas relativas aos recursos interpostos por pessoas singulares ou coletivas contra atos desses órgãos ou organismos destinados a produzir efeitos jurídicos em relação a essas pessoas.
Os recursos previstos no presente artigo devem ser interpostos no prazo de dois meses a contar, conforme o caso, da publicação do ato, da sua notificação ao recorrente ou, na falta desta, do dia em que o recorrente tenha tomado conhecimento do ato.”
Assim, revogada a autorização para o exercício da atividade bancária de uma determinada instituição de crédito, ao Banco de Portugal cabe requerer nos prazos legalmente previstos, a sua liquidação nos tribunais competentes, no prazo e termos indicados nos n.ºs 3 e 4 do art. 8.º.
Requerida a liquidação, o juiz proferirá despacho de prosseguimento, se for o caso, o qual depende tão só da verificação do preenchimento dos requisitos enunciados no art. 8.º.
No despacho de prosseguimento o juiz nomeará o liquidatário ou a comissão liquidatária e tomará as decisões previstas nas alíneas b), c), e f) a n), do art. 36.º do CIRE, sendo aplicáveis, com as necessárias adaptações, as demais disposições do CIRE que se mostrem compatíveis com as especialidades constantes do DL n.º 199/2006 (n.º 3 do art. 9.º), excluindo-se expressamente os títulos IX e X do CIRE (parte final do n.º 3 do art. 9.º do DL n.º 199/2006)
Quaisquer questões sobre a legalidade da decisão de revogação da autorização apenas serão suscitáveis no processo de impugnação contenciosa que vier a ser deduzido nos tribunais administrativos (n.º 1 do art. 9.º e art. 15.º do DL n.º 199/2006).
Posto isto, sobre os efeitos gerais limitativos da declaração da insolvência em relação ao insolvente, rege o disposto no artigo 81º do CIRE.
Nos termos deste preceito, a declaração de insolvência priva imediatamente o insolvente, por si, ou no caso de pessoa coletiva, quanto aos órgãos que o representem, da administração e do poder de disposição dos seus bens presentes e futuros.
Na realização do interesse dos credores, os negócios jurídicos realizados pelo insolvente são ineficazes ou inoponíveis em relação à massa falida (artigo 81, do CIRE).
A declaração de insolvência implica a dissolução da insolvente e, consequentemente, a perda da sua personalidade jurídica e judiciária, pelo menos para a generalidade dos efeitos (artigos 141º, nº 1, alínea e), do Código das Sociedades Comerciais, e 11º do Código de Processo Civil).
Por outro lado, no procedimento falimentar funciona o princípio da universalidade, segundo o qual, no seu âmbito, todo o património do insolvente é apresentado para a massa e apreciada a respetiva responsabilidade obrigacional.
Dispõe o artº 90 do CIRE que “Os credores da insolvência apenas poderão exercer os seus direitos em conformidade com os preceitos do presente Código, durante a pendência do processo de insolvência.”
Como corolário do referido princípio, ainda que o credor tenha algum direito de crédito reconhecido por decisão judicial definitiva, tem que o reclamar no processo da ação de insolvência, se nele quiser obter pagamento.
Correspondentemente, podem os outros credores ou o insolvente contestar a existência ou o crédito reclamado, ainda que ele já esteja reconhecido definitivamente noutro processo por decisão judicial, de molde a proporcionar-se o pagamento das dívidas do insolvente, em tanto quanto for possível, através da liquidação do respetivo ativo.
Estando pendente ação contra a insolvente, ora R. há que atender ao disposto nos artºs 85 a 90 do CIRE, quanto aos efeitos processuais da insolvência sobre as ações pendentes.
Nestes termos, dispõe o artº 85º, nº 1 que “declarada a insolvência, todas as ações em que se apreciem questões relativas a bens compreendidos na massa insolvente, intentadas contra o devedor, ou mesmo contra terceiros, mas cujo resultado possa influenciar o valor da massa, e todas as ações de natureza exclusivamente patrimonial intentadas pelo devedor são apensadas ao processo de insolvência, desde que a apensação seja requerida pelo administrador da insolvência, com fundamento na conveniência para os fins do processo”.
Afirma-se, assim, o regime da plenitude da instância falimentar em relação às ações em que se apreciem questões relativas a bens compreendidos na massa insolvente intentadas contra o devedor ou mesmo contra terceiro, cujo resultado possa influenciar o valor da massa.
Não sendo o caso desta ação, ainda assim, deverão os credores do insolvente exercer os seus direitos no processo de insolvência se os quiserem ver apreciados e decididos, ainda que reconhecidos por decisão judicial.
Assim do disposto no artº 128 do CIRE, resulta que o credor que tenha o seu crédito reconhecido por decisão definitiva não está dispensado de o reclamar no processo de insolvência, se nele quiser obter pagamento.
Face ao teor desta norma, por maioria de razão se impõe a reclamação do crédito na insolvência quando ainda não exista sentença transitada a reconhecê-lo, sendo certo que a reclamação de créditos estrutura-se como uma verdadeira e própria ação declarativa, na qual se apreciará a existência e o montante do mesmo direito de crédito em discussão na ação declarativa (artºs 130º e seguintes).
Deste modo, os credores da insolvência, quaisquer que sejam, devem reclamar a verificação dos seus créditos, nos termos do art. 128º do CIRE, e dentro do prazo assinalado na sentença declaratória da insolvência (ou in casu na sentença que decretou o prosseguimento da liquidação judicial).
E mesmo o credor que tenha já reconhecido o seu crédito por decisão definitiva “não está dispensado de o reclamar no processo de insolvência, se nele quiser obter pagamento”, como resulta, expressamente, do disposto no nº 3 do art. 128.º
Deste preceito resulta evidente que com a declaração de insolvência do devedor, transitada em julgado, deixa de ter interesse o prosseguimento da ação para o reconhecimento de eventuais direitos de crédito, uma vez que os mesmos sempre terão de ser objeto de reclamação no processo de insolvência.
O que significa que mesmo proferida decisão de mérito nesta causa, ela de nada servirá à A. se não reclamar o seu crédito na falência e se nela não o vir reconhecido. Estando já reclamado este crédito, não existe interesse ou viabilidade na duplicação de decisões sobre esta matéria, uma vez que o juiz falimentar goza de competência plena para decidir estas questões, que se enquadram nos direitos de crédito sobre a insolvente.
Tal consideração, deu origem ao Ac. do STJ de Uniformização de Jurisprudência n.º 1/2014, de 08.05.2013, DR 39, Série I, de 25.02.2104, segundo o qual “Transitada em julgado a sentença que declara a insolvência, fica impossibilitada de alcançar o seu efeito útil normal a ação declarativa proposta pelo credor contra o devedor, destinada a obter o reconhecimento do crédito peticionado, pelo que cumpre decretar a extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide, nos termos da alínea e) do art. 287.º do C.P.C.”
Excluem-se deste caso, os créditos sujeitos a condição suspensiva, tendo em conta o disposto no artº 91, 94, 181 e o artº 50 do CIRE, o qual dispõe que
“1-Para efeitos deste Código consideram-se créditos sob condição suspensiva e resolutiva, respetivamente, aqueles cuja constituição ou subsistência se encontrem sujeitos à verificação ou à não verificação de um acontecimento futuro e incerto, por força da lei, de decisão judicial ou de negócio jurídico. 2 - São havidos, designadamente, como créditos sob condição suspensiva: a) Os resultantes da recusa de execução ou denúncia antecipada, por parte do administrador da insolvência, de contratos bilaterais em curso à data da declaração da insolvência, ou da resolução de atos em benefício da massa insolvente, enquanto não se verificar essa denúncia, recusa ou resolução; b) Os créditos que não possam ser exercidos contra o insolvente sem prévia excussão do património de outrem, enquanto não se verificar tal excussão; c) Os créditos sobre a insolvência pelos quais o insolvente não responda pessoalmente, enquanto a dívida não for exigível.”
Estes créditos cuja qualificação, no âmbito da insolvência, é muito mais abrangente, que o conceito do artº 270 do C.C., são aqueles cuja constituição está sujeita à verificação de um acontecimento futuro e incerto, que, por essa razão, não estão abrangidos pelo vencimento antecipado, constante do artº 90 nº1 do CIRE, sendo atendidos pelo seu valor nominal, devendo permanecer depositadas as quantias a que respeitam, até se verificar ou não a respetiva condição.
Ora, confundem manifestamente os AA., os créditos sob condição suspensiva e resolutiva, ou seja aqueles cuja subsistência está dependente de um acontecimento futuro e incerto, por força da lei, de negócio jurídico e também de decisão judicial, com créditos controvertidos.
Uns e outros não são manifestamente confundíveis, nem pretendeu o legislador englobar nestes créditos todos os peticionados em tribunal, muito menos considerar como acontecimento futuro ou incerto, a própria decisão judicial, ou melhor o resultado dessa decisão judicial que reconheça ou não o referido crédito.
Sendo invocado nos presentes autos a responsabilidade do BES enquanto instituição de crédito e intermediário financeiro, a verificação dos pressupostos desta responsabilidade e a determinação do valor a ressarcir e do sujeito devedor, equivale apenas ao reconhecimento da existência do crédito, por via judicial, mas não à declaração ou reconhecimento de uma condição suspensiva ou resolutiva.
Conforme referido no Ac. do T.R.Porto, de 05/03/09, proferido no proc. nº 565/08.9TYVNG, disponível para consulta in www.dgsi.pt, “Um crédito condicional não é um crédito controvertido, porquanto: crédito condicional é aquele que, existindo, não pode ainda ser exigido, pelo facto de não se ter ainda por verificada a condição; o crédito controvertido é “inexistente” – no sentido de não poder ser exigido –, até ser reconhecido, nomeadamente, por decisão transitada em julgado.”
Sendo este acórdão anterior à alteração introduzida ao artº 50 do CIR (Lei 12/2012 DE 20/04), mantém ainda a sua atualidade, em relação à distinção entre créditos condicionais e créditos controvertidos, não pretendendo o legislador com esta alteração considerar como créditos condicionais, todos os créditos discutidos por via judicial.
Se a configuração do crédito como condicional no âmbito da insolvência é mais abrangente do que a constante do artigo 270 do C.C., exige-se ainda e sempre que a constituição ou subsistência deste crédito esteja dependente da verificação de um acontecimento futuro e incerto.
Não é o caso, pelo que nenhuma razão existe, nem foi invocada, para considerar que este crédito invocado pelos AA., tem natureza condicional e assim, que a presente ação deva prosseguir os seus termos, contra a insolvente.
Conclui-se assim que, com a revogação da autorização para o exercício da atividade do BES (equiparada à declaração de insolvência), não impugnada nos termos previstos no artº 263 do TUE e assim definitiva, estamos perante uma inutilidade superveniente da lide, quanto a este R.»

A argumentação expendida pelo tribunal a quo não merece qualquer reparo.

Os apelantes confundem um crédito controvertido com um crédito condicional. Dispõe o Artigo 50º, nº1, do CIRE, que «Para efeitos deste Código consideram-se créditos sob condição suspensiva e resolutiva, respetivamente, aqueles cuja constituição ou subsistência se encontrem sujeitos à verificação ou à não verificação de um acontecimento futuro e incerto, por força da lei, de decisão judicial ou de negócio jurídico».

O segmento atinente à menção da decisão judicial foi introduzido pela Lei nº 16/2012. Conforme referem Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 3ª Edição, 2015, pp. 306-307, «Em boa verdade, a inserção da decisão judicial entre os títulos geradores da condição, tendo, embora, um sentido esclarecedor, em nada contende com o regime do preceito. / Com efeito, já na redação primitiva, onde se pudesse constatar que a sujeição do crédito a condição suspensiva ou resolutiva, no sentido e com o alcance do nº1, derivava de decisão judicial, o crédito não poderia deixar de ser havido como condicional, para os efeitos do Código, quando menos por aplicação analógica, e por manifesta identidade de ratio decidendi

A alteração da redação ocorrida no nº1 do Artigo 50º visou, pois, esclarecer que fonte da condição poderá provir de uma decisão judicial (a par da lei e do negócio jurídico), realidade diversa de afirmar- conforme pretendem os apelantes – que a decisão judicial  constitui em si uma condição suspensiva. Para efeitos do nº1 do Artigo 50º do CIRE, a decisão judicial não constitui um acontecimento futuro e incerto porquanto o crédito invocado pelos apelantes assenta em factos passados prévios à revogação da autorização para o exercício da atividade bancária pelo  BES. Tratando-se de uma ação declarativa de condenação, a proceder a mesma, o tribunal emite um juízo declarativo ( e não constitutivo) sobre a (in) existência do direito alegado pelos autores (que, a existir, se constituiu no passado) e, em conformidade, pode condenar os Réus na prestação duma coisa ou facto – cf. Lebre de Freitas, Introdução ao Processo Civil, 3ª edição, p. 31. De forma alguma, a prolação de uma sentença condenatória com os referidos moldes integra, de per si, uma condição suspensiva.

Não colhe também a interpretação que os apelantes fazem do Artigo 128º do CIRE. Conforme referem Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 3ª Edição, 2015, p. 520, «Da articulação do nº1 com o nº3, primeira parte, do artigo em anotação resulta que todos os credores da insolvência, qualquer que seja a natureza e fundamento do seu crédito, devem reclamá-lo no processo de insolvência, para aí poderem obter satisfação. / A formulação ampla da primeira parte do nº3 é corroborada pela sua segunda parte que, à semelhança do que estatuía o nº3 do art. 188º do CPEREF, não dispensa a reclamação dos créditos que tenham sido reconhecidos por decisão definitiva, se os seus titulares pretenderam ser pagos no processo, à custa da massa insolvente.»

O argumento estribado na celeridade do processo de insolvência é impertinente porquanto a lei é taxativa quanto à necessidade de reclamação, sendo o processo de insolvência o local próprio para tal efeito – cf. Artigo 128º e seguintes do CIRE. Mesmo que esta ação prosseguisse de nada valeria aos apelantes uma eventual sentença condenatória contra o BES porquanto, nos termos do Artigo 88º, nº1, do CIRE, os Autores não poderiam executar o BES ( «obsta à instauração ou ao prosseguimento de qualquer ação executiva intentada pelos credores da insolvência»).

Acresce que, a admitir-se o prosseguimento desta ação contra o BES, estar-se-ia a violar o princípio par conditio creditorum na medida em que os credores que obtivessem sentenças condenatórias contra o BES estariam numa situação privilegiada face àqueles que se limitassem (em cumprimento da lei) a reclamar os seus créditos no processo de insolvência, estando estes sujeitos a impugnação judicial ao contrário daqueles (cf. Artigo 130º, nº1 do CIRE). Tal bifurcação de vias de reclamação de créditos está expressamente vedada pelo Artigo 90º do CIRE do qual decorre que «para poderem beneficiar do processo de insolvência e aí obterem na medida do possível, a satisfação dos seus interesses, os credores têm de neles exercer os direitos que lhes assistem, procedendo, nomeadamente, à reclamação dos créditos de que sejam titulares, ainda que eles já se encontrem reconhecidos em outro processo (…)» - Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 3ª Edição, 2015, p. 438. Esta norma impõe, inelutavelmente, a concentração num único processo das pretensões de todos os credores, o que constitui uma consequência do princípio da par conditio creditorum.

O tribunal a quo fixou as “Custas da ação em partes iguais pelos Autores e pela massa insolvente, tendo em conta a data da entrada da ação e a data do trânsito da declaração de insolvência – artigo 536º, nº2, e) do Código de Processo Civil, a fixar afinal tendo em conta o decaimento das partes» (fls. 700).

O BES apresentou reclamação de tal condenação em custas, argumentando que as custas deverão ficar a cargo dos Autores porque a inutilidade superveniente da lide arguida nestes autos, resultante da revogação decidida pelo BCE que operou os efeitos da declaração de insolvência, não é imputável ao Réu (fls. 747).

Tal reclamação foi indeferida por despacho, considerando-se que a inutilidade não é imputável aos Autores não se podendo penalizar os Autores por uma inutilidade a que não deram qualquer causa, não sendo previsível a insolvência do BES (fls. 850). O BES não interpôs recurso de tal despacho nem requereu a ampliação do recurso nas suas contra-alegações.

Neste recurso, peticionam os autores que, a manter-se a decisão da primeira instância que decretou a inutilidade superveniente da instância, as custas fiquem a cargo apenas do BES.

Ora, em primeiro lugar, há que notar que o BES beneficia de apoio judiciário na modalidade de dispensa do pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo, consoante ofício do ISS junto a fls. 753 (13.12.2016).

Nos termos do Artigo 536º, nº1, do Código de Processo Civil, «Quando a demanda do autor ou requerente ou a oposição do réu ou requerido eram fundadas no momento em que foram intentada ou deduzidas e deixaram de o ser por circunstâncias supervenientes a estes não imputáveis, as custas são repartidas em partes iguais.» E, no nº2 do mesmo preceito, são estabelecidas presunções iure et de iure de casos em que se considera ter ocorrido alteração das circunstâncias não imputável às partes – cf. Salvador da Costa, Regulamento das Custas Processuais, 2013, p. 94. Dentro dessas presunções, avulta a prevista na alínea e), segundo a qual ocorre uma alteração de circunstâncias não imputável às partes «Quando se trate de ação tendente à satisfação de obrigações pecuniárias e venha a ocorrer a declaração de insolvência do réu ou executado, desde que, à data da propositura da ação, não fosse previsível para o autor a referida insolvência

Esta ação foi proposta em 1.1.2016, data em que já estava em vigor o Artigo 145º-L, nº2, do RGICSF com a seguinte redação:
«2 - Se o Banco de Portugal aplicar as medidas referidas nas alíneas a) ou b) do n.º 1 do artigo 145.º-E isoladamente e transferir apenas parte dos direitos e obrigações, que constituam ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão, deve revogar a autorização da instituição de crédito objeto de resolução num prazo adequado, tendo em conta o disposto no artigo 145.º-AP, seguindo-se o regime de liquidação previsto na lei aplicável.» (sublinhado nosso).

Decorre desta norma que, tendo ocorrido a resolução do BES por deliberação do Banco de Portugal de 3.8.2014, era previsível a revogação da autorização do BES a exercer a atividade bancária na medida em que tal já resultava inequivocamente do Artigo 145º-L, nº2, do RGICSF, estando apenas por determinar o momento de tal revogação, a que se seguiria obrigatoriamente a liquidação do BES (cf. supra). Nesta precisa medida, a situação em apreço não cai na previsão da alínea e) do nº2 do Artigo 636º do Código de Processo Civil porquanto era previsível para os autores, à data da propositura da ação, a insolvência/liquidação do BES.

Termos em que, afastada a regra da alínea e) do nº2 do Artigo 536º, deviam as custas ficar a cargo dos Autores nos termos do nº3 do mesmo Artigo 536º do Código de Processo Civil, sendo que o disposto neste nº3 é aplicável independentemente da natureza do facto que determine a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide em causa – cf. Salvador da Costa, Op. Cit., p. 97. Dizemos deviam porquanto – atento o princípio da proibição da reformatio in peius consagrado no Artigo 635º, nº5, do Código de Processo Civil – o julgamento do recurso não pode tornar pior a posição dos apelantes. Assim sendo, persiste a condenação em custas feita na primeira instância.

Termos em que improcede a apelação.
Absolvição do pedido quanto ao Réu Novo Banco
O tribunal a quo absolveu o Réu Novo Banco do pedido por ilegitimidade substantiva (fls. 738).

Os apelantes mostram-se irresignados perante tal decisão, argumentando designadamente que:
a.-O BES, ao vender aos Autores as ações preferenciais da SPV Poupança Plus, atuou simultaneamente como banqueiro e como intermediário financeiro, ficando sujeitos às correspondentes obrigações e responsabilidades;
b.-O BES incorreu em responsabilidade contratual e pré-contratual perante os Autores, designadamente ao violar o direito de informação, ao prestar informações falsas e ao promover, em conflito de interesses, as aplicações de fundos dos Autores numa SPV cominada pelo BES, situada nas Ilhas Jersey, com graves riscos (cf. Artigos 7º, 304º-A, nº2, 312º, nº2, 312º-A, nº1, Als. B), c) e d), 314º-A, nº3, 321º, nº3, do CVM e Artigos 75º, nº1, 77º e 77º-A do RGICSF);
c.-O BES criou nos Autores a falsa convicção de que estavam a aplicar poupanças em depósitos a prazo, ou produtos equivalentes, com capital e juros garantidos;
d.-A responsabilidade do BES perante os Autores é uma responsabilidade efetiva, não estando abrangida pelos passivos excluídos da transmissão de responsabilidades do BES para o Novo Banco, nos termos da deliberação do Banco de Portugal de 3.8.2014;
e.-Os artigos 145º-C, nº3, 145º-G, nº1 e 145º-H, nº1 do RGICSF, com a interpretação dada pela deliberação do Banco de Portugal de 3.8.2014 (retificada pela deliberação de 29.12.2015), integram normas inconstitucionais por violação do Artigo 62º da Constituição, por se tratar de um claro confisco ou expropriação sem justa contrapartida, significando tais normas que o Banco de Portugal tem poderes para eliminar ou restringir os direitos patrimoniais dos Autores;
f.-A interpretação dada àquelas disposições pela deliberação do Banco de Portugal de 29.12.2015 viola ainda o Artigo 101º da Constituição, por atentar manifestamente contra a segurança das poupanças dos Autores e as garantais dadas por aquele preceito constitucional;
g.-Nos termos em que foi realizada, a operação de resolução integra uma cisão-simples, havendo responsabilidade solidária do Novo Banco (Artigo 122º, nº2, do CSC);
h.-A avaliação do património do BES, segundo um critério de liquidação (Artigo 145º-D, nº1, al. c) e 12 do RGICSF), afeta substancialmente os direitos dos Autores e as garantias dos mesmos porquanto o Fundo de Resolução não dispõe de património líquido que possa servir de garantia aos credores/autores.

O tribunal a quo fundamentou a sua decisão nos seguintes termos:
«Tendo em conta que pelos AA. é invocada a violação dos deveres do BES ora insolvente enquanto instituição e crédito e a transmissão destes ativos para o NOVO BANCO enquanto banco de transição, entidade que inclusive apresentou uma proposta comercial aos AA. por estes rejeitada, formulando assim os seus pedidos de condenação solidária de ambas as entidades pelo valor do investimento realizado, em causa não está a ilegitimidade processual do NOVO BANCO, que conduziria à sua absolvição da instância, mas antes a ilegitimidade substantiva, que implica a apreciação das referidas deliberações, quer a deliberação de 3 de Agosto, quer a deliberação de 11 de Agosto, que veio retificar e alterar o Anexo 2, quer ainda as deliberações de Dezembro de 2015, que visaram esclarecer e retificar as deliberações de 3/08 e de 11/08 e retransmitir eventuais responsabilidades que viessem a ser imputadas ao NOVO BANCO, para o BES.
Assumindo as deliberações do Banco de Portugal, a natureza de atos normativos regulamentares, nos termos do disposto no art. 112.º, n.º 7, da Constituição da República Portuguesa, vigorando em pleno na ordem jurídica, enquanto não forem revogadas/anuladas ou declaradas inconstitucionais, as posteriores deliberações do Banco de Portugal, de 11/08 e de 29/12/15, revestem carácter interpretativo daquela deliberação, integrando-se na deliberação interpretada, de acordo com o disposto no art. 13.º, n.º 1, do Código Civil.
Sendo impugnáveis apenas por via administrativa, incumbe no entanto, ao tribunal comum proceder à sua interpretação, de acordo com os normativos legais aplicáveis e de acordo com as deliberações denominadas “perímetro” e “contingências”, com função interpretativa das primitivas deliberações de 3 de Agosto e de 11 de Agosto, cujo âmbito visaram esclarecer.
Posto isto, tendo em conta os factos alegados pelos AA. e os pedidos formulados, face ao teor da deliberação de 11 de Agosto de 2014, os créditos aqui reclamados pelos AA. estão excluídos dos ativos e passivos transmitidos para o banco de transição, como decorre dos pontos V) e VII) da mesma, ou seja, “(v) Quaisquer responsabilidades ou contingências, nomeadamente as decorrentes de fraude ou da violação de disposições ou determinações regulatórias, penais ou contraordenacionais;” bem como “(vii) Quaisquer obrigações, garantias, responsabilidades ou contingências assumidas na comercialização, intermediação financeira e distribuição de instrumentos de dívida emitidos por entidades que integram o Grupo Espírito Santo, sem prejuízos de eventuais créditos não subordinados resultantes de estipulações contratuais anteriores a 30 de Junho de 2014, documentalmente comprovadas nos arquivos do BES, em termos que permitam o controlo e fiscalização das decisões tomadas.”
A eventual obrigação de reembolso deste capital investido pelos AA. decorre da verificação dos pressupostos invocados, violação dos deveres cometidos ao BES na comercialização deste produto, enquanto instituição de crédito e intermediário financeiro, decorrendo ainda esta responsabilidade da comercialização, intermediação financeira e distribuição de instrumentos de dívida emitidos por entidades que integram, ou integraram o Grupo Espírito Santo.
Mas, se dúvidas existissem sobre o alcance e interpretação destas deliberações emitidas pelo BdP, a de 3 de Agosto e a retificação de 11 de Agosto, veio a entidade reguladora esclarecer nas referidas deliberações de 29 de Dezembro de 2015, que “7. O Banco de Portugal considerou ser proporcional e de interesse público não transferir para o banco de transição as responsabilidades contingentes ou desconhecidas do BES (incluindo responsabilidades litigiosas relativas ao contencioso pendente e responsabilidades ou contingências decorrentes de fraude ou da violação de disposições ou determinações regulatórias, penais ou contraordenacionais), independentemente de se encontrarem ou não registadas na contabilidade do BES nos termos da subalínea (v) a (vii) da alínea (b) do n.º 1 do Anexo 2 da Deliberação de 3 de agosto, uma vez que a certeza relativamente às responsabilidades do banco de transição é essencial para garantir a continuidade das funções críticas desempenhadas pelo Novo Banco e que anteriormente tinham sido desempenhadas pelo BES.”, mais clarificando que se considera não terem sido transferidos do BES para o Novo Banco “(i) Todos os créditos relativos a ações preferenciais emitidas por sociedades-veículo estabelecidas pelo BES e vendidas pelo BES;"
Veio ainda o Banco de Portugal alterar a redação da subalínea (vii) da alínea (b) do n.º 1 do Anexo 2, o qual passou a ter a seguinte redação: “Quaisquer obrigações, garantias, responsabilidades ou contingências assumidas na comercialização, intermediação financeira, processo de contratação e distribuição de instrumentos financeiros emitidos por quaisquer entidades, sem prejuízo de eventuais créditos não subordinados, cuja posição devedora não seja excluída por alguma das subalíneas anteriores, designadamente as subalíneas (iii) e (v), que (a) fossem exigíveis à data da medida de resolução em virtude de o respetivo prazo já se ter vencido ou, sendo os créditos condicionais, em virtude de a condição (desde que apenas desta dependesse o respetivo vencimento) já se ter verificado, e cumulativamente (b) resultassem de estipulações contratuais (negócios jurídicos bilaterais) anteriores a 30 de junho de 2014, que tenham cumprido as regras para a expressão da vontade e vinculação contratual do BES e cuja existência se possa comprovar documentalmente nos arquivos do BES, em termos que permitam o controlo e fiscalização das decisões tomadas.”
Ora, ao Banco de Portugal, enquanto entidade de supervisão, incumbem os poderes constantes dos artºs 139, 140 e 145 do RGICSF (na redação introduzida pelo D.L. 31-A/2012, de 10-02, vigente à data e objeto de sucessivas alterações legislativas, tendo em conta a necessidade de transposição da diretiva comunitária de regulação do sector).
Com efeito, como decorria do artº 139 acima citado, ao Banco de Portugal, enquanto entidade de supervisão, eram cometidos os poderes necessários para aplicação das medidas previstas nesse capítulo, “Tendo em vista a salvaguarda da solidez financeira da instituição de crédito, dos interesses dos depositantes ou da estabilidade do sistema financeiro”, exigindo-se que a adoção dessa medidas, fosse norteada pela sujeição “aos princípios da adequação e da proporcionalidade, tendo em conta o risco ou o grau de incumprimento, por parte da instituição de crédito, das regras legais e regulamentares que disciplinam a sua atividade, bem como a gravidade das respetivas consequências na solidez financeira da instituição em causa, nos interesses dos depositantes ou na estabilidade do sistema financeiro.”
Tendo em conta a necessidade de salvaguarda do sistema financeiro, dos interesses dos depositantes e da própria instituição de crédito, podia a entidade de supervisão, adotar qualquer das medidas que considerasse mais adequadas ao caso, nomeadamente a medida de “Resolução.”, conforme previsto no art. 144.º b) do RGICSF, na redação anterior à Lei n.º 23-A/2015, de 26-03, atribuindo-se assim plena liberdade à entidade de supervisão, de forma a atribuir maior eficácia a esta medida, dispensando-se inclusive qualquer ato de audiência prévia dos interessados/visados pela referida medida .
Assim se prevê no artº 145-A do referido diploma legal, que esta assume como finalidade
“a)-Assegurar a continuidade da prestação dos serviços financeiros essenciais;
b)-Acautelar o risco sistémico;
c)-Salvaguardar os interesses dos contribuintes e do erário público;
d)-Salvaguardar a confiança dos depositantes.”

Por sua vez, nos termos do disposto no art. 145.º-B do RGICSF, a entidade de supervisão deveria assegurar na aplicação destas medidas que
“a)-Os acionistas da instituição de crédito assumem prioritariamente os prejuízos da instituição em causa;
b)-Os credores da instituição de crédito assumem de seguida, e em condições equitativas, os restantes prejuízos da instituição em causa, de acordo com a hierarquia de prioridade das várias classes de credores;
c)-Nenhum credor da instituição de crédito pode assumir um prejuízo maior do que aquele que assumiria caso essa instituição tivesse entrado em liquidação. (…)”

Com vista à prossecução destas finalidades, previa o artº 145-C do RGICSF que o Banco de Portugal poderia aplicar as seguintes medidas de resolução:
“a)-Alienação parcial ou total da atividade a outra instituição autorizada a desenvolver a atividade em causa;
b)-Transferência, parcial ou total, da atividade a um ou mais bancos de transição.(…)”
Por sua vez, de acordo com o disposto no art. 145.º-F do RGICSF, na versão em vigor à data da resolução, o Banco de Portugal poderia determinar a alienação, parcial ou total, de ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão de uma instituição de crédito a uma ou mais instituições autorizadas a desenvolver a atividade em causa (n.º 1), convidando o Banco de Portugal os potenciais adquirentes a apresentarem propostas de aquisição, procurando assegurar, em termos adequados à celeridade imposta pelas circunstâncias, a transparência do processo e o tratamento equitativo dos interessados (n.º 2), nomeadamente de acordo com o disposto no artº 145º-G do RGICSF (titulado “Transferência parcial ou total da atividade para bancos de transição”):
“1.-O Banco de Portugal pode determinar a transferência, parcial ou total, de ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão de uma instituição de crédito para um ou mais bancos de transição para o efeito constituídos, com o objetivo de permitir a sua posterior alienação a outra instituição autorizada a desenvolver a atividade em causa.
2.-O Banco de Portugal pode ainda determinar a transferência, parcial ou total, dos ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão de duas ou mais instituições de crédito incluídas no mesmo grupo para um ou mais bancos de transição, com a mesma finalidade prevista no número anterior.
3.-O banco de transição é uma instituição de crédito com a natureza jurídica de banco, cujo capital social é totalmente detido pelo Fundo de Resolução.
4.-O capital social do banco de transição é realizado pelo Fundo de Resolução com recurso aos seus fundos. (…)”
E que ao Banco de Portugal cabe a seleção destes “ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão a transferir para o banco de transição”, decorre expressamente do disposto no art. 145.º-H do RGICSF, devendo na sua seleção “ser objeto de uma avaliação, reportada ao momento da transferência, realizada por uma entidade independente designada pelo Banco de Portugal, em prazo a fixar por este, a expensas da instituição de crédito, devendo a mesma avaliação, para efeitos do disposto no n.º 3 do artigo 145.º-B, incluir também uma estimativa do nível de recuperação dos créditos de cada classe de credores, de acordo com a ordem de prioridade estabelecida na lei, num cenário de liquidação da instituição de crédito originária em momento imediatamente anterior ao da aplicação da medida de resolução.”
Por outro lado, mesmo “5. Após a transferência prevista no n.º 1, o Banco de Portugal pode, a todo o tempo:
a)-Transferir outros ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão da instituição de crédito originária para o banco de transição;
b)-Transferir ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão do banco de transição para a instituição de crédito originária.
6.-O Banco de Portugal determina a natureza e o montante do apoio financeiro a conceder pelo Fundo de Resolução, caso seja necessário, para a criação e o desenvolvimento da atividade do banco de transição, nomeadamente através da concessão de empréstimos ao banco de transição para qualquer finalidade, da disponibilização dos fundos considerados necessários para a realização de operações de aumento do capital do banco de transição ou da prestação de garantias.
(…)
11.-A decisão de transferência prevista no n.º 1 produz efeitos independentemente de qualquer disposição legal ou contratual em contrário, sendo título bastante para o cumprimento de qualquer formalidade legal relacionada com a transferência.
12.-A decisão de transferência prevista no n.º 1 não depende do prévio consentimento dos acionistas da instituição de crédito nem das partes em contratos relacionados com os ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão a transferir, não podendo constituir fundamento para o exercício de qualquer direito de vencimento antecipado estipulado nos contratos em causa.
13.-A eventual transferência parcial dos ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão para o banco de transição não deve prejudicar a cessão integral das posições contratuais da instituição de crédito originária, com transmissão das responsabilidades associadas aos elementos do ativo transferidos, nomeadamente no caso de contratos de garantia financeira, de operações de titularização ou de outros contratos que contenham cláusulas de compensação ou de novação.”
Destes preceitos acima referidos decorre expressamente que ao Banco de Portugal, enquanto entidade de supervisão, incumbe expressamente a adoção das medidas necessárias à salvaguarda da instituição de crédito, dos depositantes e do sistema financeiro, aplicando medidas consideradas adequadas e proporcionais, sendo-lhe dada ampla liberdade de decisão na escolha das medidas mais adequadas e eficazes e, adotando a medida de resolução, a faculdade de selecionar os ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão a transferir para o banco de transição no momento da sua constituição, conforme o disposto no artº 145-H nº1 do RGICSF, bem como a faculdade de posteriormente retransmitir estes ativos e passivos para a instituição originária (nº 5).
Ou seja, não se tratam estas de medidas estáticas, podendo a todo o tempo a entidade de supervisão, alterar estas medidas e retransmitir ativos e passivos, de uma instituição para outra.
Estes poderes cometidos à entidade de regulação e supervisão bancária, resultam também da DRRB [Diretiva da Resolução e Recuperação Bancária], consagrada na Lei n.º 23-A/2015, de 26 de Março, em vigor desde 31 de Março de 2015.
Nesta Diretiva comunitária prevê-se que “A utilização dos instrumentos e dos poderes de resolução previstos pela presente diretiva pode interferir nos direitos dos acionistas e dos credores. Em especial, o poder das autoridades para transferir as ações e a totalidade ou parte dos ativos de uma instituição para um adquirente privado sem o consentimento dos acionistas afeta os direitos de propriedade desses mesmos acionistas. Além disso, o poder de decidir quais os passivos a transferir de uma instituição em situação de insolvência com o objetivo de garantir a continuidade dos serviços e de evitar efeitos negativos para a estabilidade financeira pode afetar a igualdade de tratamento dos credores. Por conseguinte, só deverão ser tomadas medidas de resolução caso tal seja necessário para a defesa do interesse público, e qualquer interferência nos direitos dos acionistas e dos credores resultante das medidas de resolução deverá ser compatível com a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia («Carta»). Em especial, caso os credores de uma mesma categoria sejam tratados de forma diferente no âmbito de uma medida de resolução, essa distinção deverá justificar- -se por razões de interesse público, deverá ser proporcionada em relação aos riscos em causa e não deverá ser direta nem indiretamente discriminatória por motivos de nacionalidade.” (DIRETIVA 2014/59/UE DO PARLAMENTO EUROPEU E DO CONSELHO de 15 de maio de 2014)
Em consonância com este princípio, no artº 40 prevê-se a concessão de poderes à entidade de resolução para transferir para uma instituição de transição: “a) Ações ou outros instrumentos de propriedade emitidos por uma ou mais instituições objeto de resolução; b) A totalidade ou parte dos ativos, direitos ou passivos de uma ou mais instituições objeto de resolução.”, bem como para “6. Na sequência da aplicação do instrumento de criação de uma instituição de transição, a autoridade de resolução pode: a) Voltar a transferir direitos, ativos ou passivos da instituição de transição para a instituição objeto de resolução, ou ações ou outros instrumentos de propriedade para os seus titulares iniciais, sendo a instituição objeto de resolução ou os titulares iniciais obrigados a aceitar a devolução desses ativos, direitos ou passivos, ou ações ou outros instrumentos de propriedade, desde que estejam reunidas as condições previstas no n.o 7;”.
Ou seja, pode a entidade de resolução, no caso em apreço o BdP, transferir a totalidade ou parte dos ativos, direitos ou passivos para uma instituição de transição, tendo como princípios orientadores o interesse público e a estabilidade do sistema financeiro, ainda que dessa transferência parcial de ativos, direitos e passivos possam resultar prejuízos para credores ou afetada a igualdade de tratamento dos mesmos (desde que tal seja justificado tendo em conta os princípios orientadores da referida diretiva, acima referidos entre outros).
E, nessa medida e dentro destes mesmos princípios se conferem poderes à entidade de resolução, para, a qualquer momento, retransmitir ativos, passivos ou direitos à instituição originária.
Esta Diretiva veio a ser transposta em sucessivas alterações já referidas aos artºs 145 e segs. do RGICSF, sendo que estas medidas, em parte já contempladas nas anteriores versões deste diploma legal, vinculam o Estado Português.
E se com tais medidas, podem ser afetados direitos constitucionais de credores/acionistas, pretendeu-se com este conjunto de regras uma maior estabilidade financeira, uma maior confiança nos bancos e no sistema financeiro em causa, uma melhor proteção dos depositantes e dos fundos públicos e o bom funcionamento do mercado interno dos serviços financeiros, que o justifique.
Por outro lado, a adoção destas medidas na ordem interna, foi cometida ao Banco de Portugal, conforme disposto no artº 17 da Lei Orgânica do Banco de Portugal (D.L. 142/2013 de 18/10),
“1-Compete ao Banco de Portugal exercer a supervisão das instituições de crédito, sociedades financeiras e outras entidades que lhe estejam legalmente sujeitas, nomeadamente estabelecendo diretivas para a sua atuação e para assegurar os serviços de centralização de riscos de crédito, bem como aplicando -lhes medidas de intervenção preventiva e corretiva, nos termos da legislação que rege a supervisão financeira.
2-Compete ainda ao Banco de Portugal participar, no quadro do Mecanismo Único de Supervisão, na definição de princípios, normas e procedimentos de supervisão prudencial de instituições de crédito, bem como exercer essa supervisão nos termos e com as especificidades previstas na legislação aplicável.”
Nos termos do disposto no artº 17.º -A “Compete ao Banco de Portugal desempenhar as funções de autoridade de resolução nacional, incluindo, entre outros poderes previstos na legislação aplicável, os de elaborar planos de resolução, aplicar medidas de resolução e determinar a eliminação de potenciais obstáculos à aplicação de tais medidas, nos termos e com os limites previstos na legislação aplicável.”
A criação de um banco de transição, estava já prevista no Aviso do Banco de Portugal n.º 13/2012, de 08-10-2012, nos termos do qual (n.º 1 do art. 2.º do mesmo Aviso), se dispunha que “os bancos de transição são instituições de crédito com duração limitada, com a natureza jurídica de banco e a forma de sociedade anónima, que se regem pelos estatutos aprovados por deliberação do Banco de Portugal, pelas disposições legais e regulamentares que lhes são especialmente aplicáveis, pelas normas aplicáveis aos bancos e, subsidiariamente, pelo Código das Sociedades Comerciais, com as adaptações necessárias aos objetivos e natureza destas instituições.”
Acrescenta o n.º 3 que “Os bancos de transição são criados para receberem e administrarem a totalidade ou parte dos ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão de uma instituição originária, desenvolvendo todas ou parte das atividades dessa instituição com vista à prossecução das finalidades enunciadas no artigo 145.º-A do RGICSF.”
Ou seja, de acordo com este quadro legal (e comunitário), a entidade de supervisão, pode adotar medidas para salvaguarda da solidez financeira das instituições de crédito, dos interesses dos depositantes e da estabilidade do sistema financeiro, sendo que, de entre as várias medidas previstas, encontra-se a medida de “Resolução”, cujas finalidades, princípio orientador e aplicação se encontram previstas nos arts. 145.º-A, 145.º-B e 145.º-C, do mesmo diploma.
E expressamente prevista se encontra também a faculdade de serem selecionados ativos, direitos e passivos a serem transmitidos para o denominado banco de transição (estabelecendo a distinção entre “bons ativos” e “maus ativos”) e a faculdade de retransmissão destes mesmos ativos ou passivos, desde que norteado e dentro dos mesmos princípios de salvaguarda do interesse público, do sistema financeiro e da salvaguarda dos depositantes, a ser apreciado pela instituição com poderes de supervisão.
E os AA. pese embora invoquem que essa escolha introduz uma desigualdade de tratamento entre credores do banco, não justificável, equivalente a um confisco (em violação de direitos consagrados nos artºs 13 e 62 da nossa Constituição), não invocam factos dos quais decorra a ilegalidade e inconstitucionalidade desta medida, sendo certo que na escolha destes ativos e passivos é atribuída ao banco ampla liberdade de escolha (balizada pelos princípios acima referidos), de forma a atribui eficácia à mesma.
Nesta medida, não são estas medidas inconstitucionais, ainda que verdadeiramente conforme referido, possam afetar o direito de propriedade dos depositantes ou acionistas e a igualdade de tratamento de credores, pois o que se pretende é a salvaguarda do sistema e estabilidade financeira e o superior interesse público, balizados pelos normativos acima referidos, atribuindo-se à entidade de supervisão plena liberdade na escolha destes ativos, passivos e elementos extrapatrimoniais, de forma a atribuir eficácia a esta medida.
Recorde-se que a adoção destas medidas, que nunca são inócuas e sem custos, justifica-se ab initio, pela deterioração da situação financeira e prudencial da referida instituição de crédito, que punha em estabilidade do sistema financeiro nacional, visando isolar os ativos, passivos ou direitos problemáticos da instituição de crédito objeto da medida (contendo estes ativos maus), com vista à sua posterior liquidação, concentrando o essencial da atividade da instituição numa entidade devidamente capitalizada, que pudesse prosseguir a atividade, até à sua posterior alienação, conforme aliás o refere nas suas deliberações, o Banco de Portugal.
Se os custos desta medida são suportados em primeira linha pelos acionistas e credores da instituição abrangida (que em todo o caso estariam afetados pela situação da referida instituição e sua previsível insolvência) e posteriormente pelo fundo de resolução, salvaguarda (ou visa salvaguardar) o sistema financeiro, o erário público e os contribuintes, justificando-se assim a sua adoção. Igual posição é defendida no Acórdão da Relação de Lisboa, de 06-10-2016, Proc. n.º 1387-15.6T8PRT-A.L1-8, disponível para consulta integral in www.dgsi.pt, do qual resulta o entendimento de que “é manifesto que o Banco de Portugal, desde a deliberação do Conselho de Administração de 03/08/2014, teve a preocupação de delimitar estreitamente o património transferido do Banco Espírito Santo para o Novo Banco, enumerando diversas categorias contratuais e obrigacionais não objeto de transmissão. É igualmente nítido o esforço do Banco de Portugal de as ir concretizando cada vez com maior grau de precisão, procedendo igualmente à retransmissão para o BES de quaisquer passivos que, por qualquer razão – mesmo decisões judiciais – tivessem sido incorporados no património do Novo Banco.(…) eventuais responsabilidades contratuais – mesmo o dolo ou o abuso de direito invocados – não foram transferidos para o Novo Banco, permanecendo no BES. Acresce que a discussão sobre a legalidade das sucessivas Deliberações do Banco de Portugal não pode ser aqui discutida. O art. 39º da Lei Orgânica do Banco de Portugal, estipula que “dos atos praticados pelo governador, vice-governadores, conselho de administração e demais órgãos do Banco, ou por delegação sua, no exercício de funções públicas de autoridade, cabem meios de recurso ou ação previstos na legislação própria do contencioso administrativo, incluindo os destinados a obter a declaração de ilegalidade de normas regulamentares”. Decorre ainda do art. 12º nº 2 do RGICSF que, no âmbito da impugnação de deliberações do Banco de Portugal, se presume, até prova em contrário, que a suspensão da eficácia de tais deliberações determina grave lesão do interesse público. Assim, o debate relativo à legalidade das deliberações que parcialmente transcrevemos, só poderá ser efetuado no âmbito da jurisdição administrativa e não pelos tribunais judiciais.”
Embora este acórdão proferido no âmbito de procedimento cautelar se inclinasse para a inutilidade da lide, tendo em conta as referidas deliberações, entende-se que estas responsabilidades aqui invocadas pelos AA. estão afastadas da transmissão para o NOVO BANCO, tendo em conta as medidas de resolução adotadas e as posteriores deliberações de clarificação e retransmissão datadas de 29/12/15 e assim permanecem na esfera jurídica do BES, sendo causa de ilegitimidade substantiva.
A este entendimento não obsta a proposta comercial apresentada aos AA. e por estes aliás recusada, não constituindo esta proposta nem o reconhecimento da transmissão do referido crédito (expressamente excluído pelo BdP, única entidade com poderes para o efeito), nem assunção de dívida (que os AA. também não alegam).
Pelo exposto, por ilegitimidade substantiva passiva, absolvo o R. NOVO BANCO do pedido, nos termos do disposto no artº 576 nº1 e 3 do C.P.C.»

Vejamos.

À data da deliberação do Banco de Portugal de 3 de agosto de 2014, encontrava-se em vigor o Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RGICSF), com a seguinte redação:

Artigo 139.º
Princípios gerais
1-Tendo em vista a salvaguarda da solidez financeira da instituição de crédito, dos interesses dos depositantes ou da estabilidade do sistema financeiro, o Banco de Portugal pode adotar, a todo o tempo, as medidas previstas no presente título.
2-A aplicação das medidas previstas no presente título está sujeita aos princípios da adequação e da proporcionalidade, tendo em conta o risco ou o grau de incumprimento, por parte da instituição de crédito, das regras legais e regulamentares que disciplinam a sua atividade, bem como a gravidade das respetivas consequências na solidez financeira da instituição em causa, nos interesses dos depositantes ou na estabilidade do sistema financeiro.
(…)

Artigo 145.º-A
Finalidades das medidas de resolução
O Banco de Portugal pode aplicar, relativamente às instituições de crédito com sede em Portugal, as medidas previstas no presente capítulo, com o objetivo de prosseguir qualquer das seguintes finalidades:
a)-Assegurar a continuidade da prestação dos serviços financeiros essenciais;
b)-Acautelar o risco sistémico;
c)-Salvaguardar os interesses dos contribuintes e do erário público;
d)-Salvaguardar a confiança dos depositantes.

Artigo 145.º-B
Princípio orientador da aplicação de medidas de resolução
1-Na aplicação de medidas de resolução, tendo em conta as finalidades das medidas de resolução estabelecidas no artigo anterior, procura assegurar-se que:
a)-Os acionistas da instituição de crédito assumem prioritariamente os prejuízos da instituição em causa;
b)-Os credores da instituição de crédito assumem de seguida, e em condições equitativas, os restantes prejuízos da instituição em causa, de acordo com a hierarquia de prioridade das várias classes de credores;
c)-Nenhum credor da instituição de crédito pode assumir um prejuízo maior do que aquele que assumiria caso essa instituição tivesse entrado em liquidação.
2-O disposto no número anterior não abrange os depósitos garantidos nos termos do disposto nos artigos 164.º e 166.º
3-Caso se verifique, no encerramento da liquidação da instituição de crédito objeto da medida de resolução, que os credores dessa instituição cujos créditos não tenham sido transferidos para outra instituição de crédito ou para um banco de transição assumiram um prejuízo superior ao montante estimado, nos termos da avaliação prevista no n.º 6 do artigo 145.º-F e no n.º 4 do artigo 145.º-H, que assumiriam caso a instituição tivesse entrado em processo de liquidação em momento imediatamente anterior ao da aplicação da medida de resolução, têm os credores direito a receber essa diferença do Fundo de Resolução.
 
Artigo 145.º-C
Aplicação de medidas de resolução
1-Quando uma instituição de crédito não cumpra, ou esteja em risco sério de não cumprir, os requisitos para a manutenção da autorização para o exercício da sua atividade, o Banco de Portugal pode aplicar as seguintes medidas de resolução, se tal for indispensável para a prossecução de qualquer das finalidades previstas no artigo 145.º-A:
a)-Alienação parcial ou total da atividade a outra instituição autorizada a desenvolver a atividade em causa;
b)-Transferência, parcial ou total, da atividade a um ou mais bancos de transição.
2-As medidas de resolução são aplicadas caso o Banco de Portugal considere não ser previsível que a instituição de crédito consiga, num prazo apropriado, executar as ações necessárias para regressar a condições adequadas de solidez e de cumprimento dos rácios prudenciais.

3-Para efeitos do disposto no n.º 1, considera-se que uma instituição de crédito está em risco sério de não cumprir os requisitos para a manutenção da autorização para o exercício da sua atividade quando, entre outros factos atendíveis, cuja relevância o Banco de Portugal apreciará à luz das finalidades enunciadas no artigo 145.º-A, se verifique alguma das seguintes situações:
a)-A instituição de crédito tiver tido prejuízos ou haja fundado razões para considerar que a curto prazo possa vir a ter prejuízos suscetíveis de consumir o respetivo capital social;
b)-Os ativos da instituição de crédito se tornem inferiores ou haja fundadas razões para considerar que a curto prazo se tornem inferiores às respetivas obrigações;
c)-A instituição de crédito estiver impossibilitada de cumprir as suas obrigações, ou haja fundadas razões para considerar que a curto prazo o possa ficar.

4-A aplicação de medidas de resolução não depende da prévia aplicação de medidas de intervenção corretiva.
5-A aplicação de uma medida de resolução não prejudica a possibilidade de aplicação, a qualquer momento, de uma ou mais medidas de intervenção corretiva. 

Num contexto de dificuldades de uma instituição financeira, há duas abordagens paradigmáticas que podem ser prosseguidas: a recuperação através de medidas, previamente estabelecidas, que combatam a situação de crise e impulsionem a restauração do capital, liquidez e diminuição do risco (cf. Artigos 141º e 142º do RGICSF); ou a resolução que visa a preparação do fracasso da instituição e têm como objetivo o planeamento ex ante de medidas para a resolução controlada e efetiva. Entre as três medidas possíveis a aplicar pelo Banco de Portugal, não há qualquer relação de precedência, podendo o Banco de Portugal optar por uma ou combiná-las. Todavia, o Banco de Portugal «deve orientar-se, na solução que aplique, pelos princípios da proporcionalidade e adequação, tendo em conta o risco de incumprimento por parte da instituição financeira e a gravidade das consequências de cada uma delas em relação às finalidades prosseguidas» - Mafalda Miranda Barbosa, “A Propósito do Caso BES: Algumas Notas Acerca da Medida de Resolução”, in Boletim de Ciências Económicas, Coimbra, Vol. 58 (2015), p. 189. A medida de resolução é uma medida de último recurso. Conforme refere esta autora, «(…) sem a medida de resolução, o destino imediato da instituição de crédito seria a liquidação. Por isso, uma vez mais afirmamos que, a detetar-se uma violação normativa, ela deve ser procurada a montante, isto é, no momento da decisão da aplicação da medida de resolução. Designadamente, haverá de se determinar se os fundamentos da resolução, de facto, se verificaram ou se era possível procurar soluções alternativas.» (p. 236).
Ou seja, há que distinguir entre (i) a verificação dos pressupostos da medida da resolução e (ii) os efeitos da medida de resolução. A discussão daqueles tem de ser feita, necessariamente, na jurisdição administrativa. Com efeito, nos termos do  

Artigo 145.º-N
Meios contenciosos e interesse público
1-Sem prejuízo do disposto no artigo 12.º, as decisões do Banco de Portugal que adotem medidas de resolução estão sujeitas aos meios processuais previstos na legislação do contencioso administrativo, com ressalva das especialidades previstas nos números seguintes, considerando os interesses públicos relevantes que determinam a sua adoção.
2-Gozam de legitimidade ativa em processo cautelar apenas os detentores de participações que atinjam, individualmente ou em conjunto, pelo menos 10 % do capital ou dos direitos de voto da instituição visada.
3-A apreciação de matérias que careçam de demonstração por prova pericial, relativas à valorização dos ativos e passivos que são objeto ou estejam envolvidos nas medidas de resolução adotadas, é efetuada no processo principal.
4-O Banco de Portugal pode, em execução de sentenças anulatórias de quaisquer atos praticados no âmbito do presente capítulo, invocar causa legítima de inexecução, nos termos conjugados do n.º 2 do artigo 175.º e do artigo 163.º do Código do Processo dos Tribunais Administrativos, iniciando-se, nesse caso, de imediato, o procedimento tendente à fixação da indemnização devida de acordo com os trâmites previstos nos artigos 178.º e 166.º daquele mesmo Código.
5-Notificado nos termos e para os efeitos do n.º 1 do artigo 178.º Código do Processo dos Tribunais Administrativos, o Banco de Portugal comunica ao interessado e ao tribunal os relatórios das avaliações de ativos efetuados por entidades independentes em seu poder que tenham sido requeridos com vista à adoção das medidas previstas no presente capítulo.

Assim, a discussão sobre a legalidade da medida de resolução no cotejo com os seus pressupostos legais deve ser feita em sede de jurisdição administrativa, extravasando a competência material dos tribunais da jurisdição civil. O instrumento legal para o efeito será designadamente a ação administrativa especial de impugnação da legalidade da deliberação do Banco de Portugal – cf. Cabral de Moncada, Os Poderes de Resolução do Banco de Portugal e o Banco Espírito Santo, Abreu & Marques, 2015, p. 61.
O enfoque de discussão nestes autos radica nos efeitos da medida de resolução face ao direito invocado pelos autores, mais concretamente em aferir se as disposições legais - que fundam a medida de resolução adotada – são inconstitucionais por violação dos Artigos 62º  e 101º da Constituição.

Até ao Decreto-lei nº 31-A/2012, o regime de liquidação aplicável às instituições de crédito dividia-se entre a dicotomia saneamento/ liquidação. Conforme refere Joana Rócio, A Medida de Resolução no Caso BES, Universidade Católica Portuguesa, 2015, pp. 21-22,
«A resolução assenta num processo que permite isolar os ativos problemáticos de determinada IC, tendo em vista a sua posterior liquidação. Tem como principal finalidade, para além da proteção do sistema financeiro, a continuação e preservação da atividade da instituição em causa.
(…)

Relativamente aos fins que se pretende atingir com a aplicação de medidas de resolução, estes assentam sobretudo na proteção e no reforço da atividade bancária e consequente estabilização do sistema financeiro. Estas finalidades vêm estabelecidas no Art. 145º-A do RGICSF. Segundo este diploma, as principais finalidades pretendidas com a aplicação de medidas de resolução são: a) assegurar a continuidade da prestação dos serviços essenciais; b) acautelar o risco sistémico; c) salvaguardar os interesses dos contribuintes e do erário publico e d) salvaguardar a confiança dos depositantes. A nível comunitário, as mesmas vêm descritas nos considerandos 1 a 6 da Diretiva e no seu Art. 31º. Assim, estas medidas visam proteger as instituições de processos de insolvências que ponham em risco a preservação dos serviços de importância sistémica das instituições em causa, evitando esses procedimentos de intervenção e as repercussões negativas de eventuais impactos sistémicos.

Procuram, assim, assegurar o bom funcionamento e estabilidade dos mercados financeiros, ao reconhecer a importância do sistema bancário para essa mesma estabilidade, dada a sua interligação e integração com os mercados financeiros, sendo que o impacto de uma instituição em dificuldades poderá ter repercussões negativas noutras. A Diretiva também reforça, no considerando 6, a ideia central por detrás da criação destas medidas que se baseia na aceitação da inevitabilidade das crises bancárias, sendo que a única forma de as atenuar ou prevenir é regulando procedimentos de recuperação e resolução de forma a preparar os Estados de métodos de reação para lidarem, de forma precoce e rápida, com estas situações.

Isto porque já se reconheceu que os processos normais de insolvência aplicados às empresas, nem sempre são os mais apropriados para as IC, ao não garantirem uma rapidez suficiente, nem a preservação e continuidade das funções críticas das IC. A opção por estes mecanismos também evita que se recorra à injeção de fundos públicos na instituição em causa, de forma a suprir eventuais insuficiências, o que se revela catastrófico para a economia de um País (…)»

Enquanto a medida de liquidação da instituição bancária visa, em primeira linha, a salvaguarda dos interesses dos credores da instituição, a medida de resolução cumpre as finalidades enunciadas. A medida de resolução implica uma intromissão acrescida do poder público no tecido empresarial privado num contexto económico de crise no intuito de evitar, tanto quanto possível, que os bancos sejam resgatados por capitais públicos, entendendo-se que não se pode “continuar a vier num horizonte referencial em que os lucros são privados e os prejuízos são públicos” – Ana Mafalda Barbosa, “A Relevância da Natureza do Crédito Detido pelo Cliente de uma Instituição Bancária Objeto de uma Medida de Resolução”, in Boletim de Ciências Económicas, Coimbra, V. 59 (2016), p. 69, Nota 7.

Assim, nos termos do regime da resolução, são chamados a suportar os prejuízos os acionistas da instituição financeira objeto da medida de resolução e os credores da instituição, em condições equitativas e de acordo com a hierarquia das várias classes de credores. Nos termos do
 
Artigo 145.º-B
Princípio orientador da aplicação de medidas de resolução
1-Na aplicação de medidas de resolução, tendo em conta as finalidades das medidas de resolução estabelecidas no artigo anterior, procura assegurar-se que:
a)-Os acionistas da instituição de crédito assumem prioritariamente os prejuízos da instituição em causa;
b)-Os credores da instituição de crédito assumem de seguida, e em condições equitativas, os restantes prejuízos da instituição em causa, de acordo com a hierarquia de prioridade das várias classes de credores;
c)-Nenhum credor da instituição de crédito pode assumir um prejuízo maior do que aquele que assumiria caso essa instituição tivesse entrado em liquidação. 
2-O disposto no número anterior não abrange os depósitos garantidos nos termos do disposto nos artigos 164.º e 166.º
3-Caso se verifique, no encerramento da liquidação da instituição de crédito objeto da medida de resolução, que os credores dessa instituição cujos créditos não tenham sido transferidos para outra instituição de crédito ou para um banco de transição assumiram um prejuízo superior ao montante estimado, nos termos da avaliação prevista no n.º 6 do artigo 145.º-F e no n.º 4 do artigo 145.º-H, que assumiriam caso a instituição tivesse entrado em processo de liquidação em momento imediatamente anterior ao da aplicação da medida de resolução, têm os credores direito a receber essa diferença do Fundo de Resolução.

Nos termos desta alínea c) e do nº4, os credores da instituição não ficam totalmente desprotegidos. Os Artigos 145º-H, nº4 e 145º-F, nº6, preveem os termos da realização da avaliação referida. “Esta avaliação permite perceber quanto é que cada credor receberia caso o banco fosse liquidado naquele momento e, consequentemente, os prejuízos que assumiriam. A regra é a de que nenhum credor pode assumir um prejuízo superior ao que ficou estimado.” - Ana Mafalda Barbosa, “A Relevância da Natureza do Crédito Detido pelo Cliente de uma Instituição Bancária Objeto de uma Medida de Resolução”, in Boletim de Ciências Económicas, Coimbra, V. 59 (2016), p. 79. A avaliação em causa foi realizada consoante resulta do Ponto Três da Deliberação do Banco de Portugal de 3 de agosto de 2014.

Note-se ainda – no âmbito da proteção - que o Decreto-lei nº 222/99, de 22 de junho, veio instituir o Sistema de Indemnização de Investidores tendo em vista proteger os pequenos investidores, tendo como limite de indemnização o valor de € 25.000 (Artigo 10º, nº1).

Através da Deliberação de 3 de agosto de 2014, cujo teor está provado sob 3, o Banco de Portugal aplicou a medida de resolução ao BES. Consoante refere Joana Rócio, A Medida de Resolução no Caso BES, Universidade Católica Portuguesa, 2015, pp. 39-40,
«No que concerne à medida de resolução aplicada ao BES, o BP optou, no caso em apreço, pelo instrumento de criação de uma instituição de transição (ou banco de transição).

Com o BES, considerado um banco com impacto sistémico na economia, temia-se que o seu colapso financeiro originaria um efeito too big to fail (este efeito nefasto no sistema financeiro como um todo é reconhecido a bancos que, pela sua extensão e interligação com outros, se encontrem em uma situação de insolvência). Foram estes fatores que levaram o BP a dar como preenchidos os pressupostos de aplicação das medidas de resolução, que exigem que a IC esteja em risco ou que já não esteja de todo a cumprir as suas obrigações no âmbito da sua atividade.

Assim, a 3 de Agosto de 2014, foi ordenada, pelo BP, a aplicação de uma medida de resolução ao BES, sob a modalidade de criação de um banco de transição. Consequentemente, o capital do BES, bem como a sua atividade, foram transferidos para uma entidade criada para o efeito, o Novo Banco (banco de transição), que assumirá natureza jurídica de uma IC, apta a praticar as funções bancárias, de acordo com o elenco do Art.4º do RGICSF. Esta operação foi feita com base na divisão entre dois bancos: o antigo BES, considerado o “banco mau”, que suportará o passivo e os ativos tóxicos, cujas perdas serão suportadas pelos seus acionistas e credores; e o “banco bom”, o chamado Novo Banco, expurgado dos ativos tóxicos, e financiado pelo Fundo de Resolução.»

Nos termos da Deliberação do Banco de Portugal de 11 de agosto de 2014, foi retificado o anexo 2 à deliberação de 3 de agosto de 2014, considerando excluídos da transmissão para o Novo Banco:
“(v)-Quaisquer responsabilidades ou contingências, nomeadamente as decorrentes de fraude ou da violação de disposições ou determinações regulatórias, penais ou contraordenacionais;
(vi)-Quaisquer responsabilidades ou contingências do BES relativas a ações, instrumentos ou contratos de que resultem créditos subordinados perante o BES;
(vii)-Quaisquer obrigações, garantias, responsabilidades ou contingências assumidas na comercialização, intermediação financeira e distribuição de instrumentos de dívida emitidos por entidades que integram o Grupo Espírito Santo, sem prejuízo de eventuais créditos não subordinados resultantes de estipulações contratuais anteriores a 30 de Junho de 2014, documentalmente comprovadas nos arquivos do BES, em termos que permitam o controlo e fiscalização das decisões tomadas.”

Posteriormente, em 29 de dezembro de 2015, o Banco de Portugal adotou a denominada Deliberação Contingências, nos termos da qual «ao abrigo da competência conferida pelo RGICSF para selecionar os ativos e passivos a transferir para o banco de transição, delibera o seguinte:

A)-Clarificar que, nos termos da alínea (b) do número 1 do Anexo 2 da deliberação de 3 de agosto, não foram transferidos do BES para o Novo Banco quaisquer passivos ou elementos extrapatrimoniais do BES que, às 20:00 horas do dia 3 de agosto de 2014, fossem contingentes ou desconhecidos (incluindo responsabilidades litigiosas relativas ao contencioso pendente e responsabilidades ou contingências decorrentes de fraude ou da violação de disposições ou determinações regulatórias, penais ou contraordenacionais), independentemente da sua natureza (fiscal, laboral, civil ou outra) e de se encontrarem ou não registadas na contabilidade do BES;
B)-Em particular, desde já se clarifica não terem sido transferidos do BES para o Novo Banco os seguintes passivos do BES:
(i)-Todos os créditos relativos a ações preferenciais emitidas por sociedades-veículo estabelecidas pelo BES e vendidas pelo BES;
(ii)-Todos os créditos, indemnizações e despesas relacionados com ativos imobiliários que foram transferidos para o Novo Banco;
(iii)-Todas as indemnizações relacionadas com o incumprimento de contratos (compra e venda de ativos imobiliários e outros), assinados e celebrados antes das 20h00 do dia 3 de agosto de 2014;
(…)
(vi)-Todas as indemnizações e créditos resultantes de anulação de operações realizadas pelo BES enquanto prestador de serviços financeiros e de investimento; e
(…)
C)-Na medida em que, não obstante as clarificações acima efetuadas, se verifique terem sido efetivamente transferidos para o Novo Banco quaisquer passivos do BES que, nos termos de qualquer daquelas alíneas e da Deliberação de 3 de agosto, devessem ter permanecido na sua esfera jurídica, serão os referidos passivos retransmitidos do Novo Banco para o BES, com efeitos às 20 horas do dia 3 de agosto de 2014

Esta deliberação integra um ato regulamentar do Banco de Portugal, o qual não está abrangido pelo numerus clausus que é imposto pelo Artigo 112º, nº5, da Constituição aos atos legislativos (cf. Teixeira de Sousa, Introdução ao Direito, 2013, p. 148), podendo Banco de Portugal interpretar, com eficácia externa, as suas anteriores deliberações.

No que tange ao segmento C) da deliberação supra, a admissibilidade do mesmo decorre do Artigo 145º-H, nº5, do RGICSF nos termos do qual : «5 - Após a transferência prevista no n.º 1, o Banco de Portugal pode, a todo o tempo:
(…)
b)-Transferir ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão do banco de transição para a instituição de crédito originária.»

Atento o teor da Deliberação do Banco de Portugal de 3 de agosto de 2004 e o Anexo 2 retificado nos termos da deliberação de 11 de agosto de 2014, clarificados pela Deliberação Contingências de 29 de dezembro de 2015, com especial relevo para as partes que sublinhámos, infere-se que o crédito a que os Autores se arrogam nesta ação não se transferiu para o Novo Banco porquanto o crédito alegado pelas Autores emerge alegadamente do incumprimento de disposições regulatórias atinentes aos deveres negociais do BES, atuando enquanto banqueiro e intermediário financeiro. O caso em apreço subsume-se, em pleno, aos segmentos referidos sob B) (i), (iii) e (vi).

A exclusão do principal (créditos relativos a ações preferenciais) abarca também por maioria de razão a exclusão do acessório (danos patrimoniais e não patrimoniais alegadamente emergentes da pretensa situação de erro que o BES criou nos apelantes de que estariam a aplicar poupanças em depósitos a prazo, sendo que esta situação também está contemplada em B) (vi)).

Mafalda Barbosa, “A Relevância da Natureza do Crédito Detido pelo Cliente de uma Instituição Bancária Objeto de uma Medida de Resolução”, in Boletim de Ciências Económicas, Coimbra, V. 59 (2016), sustenta que nada na disciplina legal de resolução obsta a que sejam convocados os regimes privatísticos no quadro de atuação de uma instituição bancária objeto de uma medida de resolução, designadamente o regime dos vícios da vontade (dolo ilícito e/ou erro – vício) e a violação dos deveres de informação por parte da instituição bancária (pp. 104, 115, 124 e 129).[7] Note-se – desde logo - que esta posição foi expressa sem se considerar o teor das deliberações do Banco de Portugal de 29.12.2015. Esta brecha encontrada por esta Autora – admissível em tese – fica precludida,  definitivamente, a partir do momento em que, na Deliberação Contingências de 29.12.2015, o Banco de Portugal estipulou que: «Na medida em que, não obstante as clarificações acima efetuadas, se verifique terem sido efetivamente transferidos para o Novo Banco quaisquer passivos do BES que, nos termos de qualquer daquelas alíneas e da Deliberação de 3 de agosto, devessem ter permanecido na sua esfera jurídica, serão os referidos passivos retransmitidos do Novo Banco para o BES, com efeitos às 20 horas do dia 3 de agosto de 2014.».Ou seja, mesmo a autonomizar-se os fundamentos da pretensão dos autores para o regime dos vícios da vontade, a indemnização pelos mesmos peticionada sempre se subsumiria a este segmento da deliberação do Banco de Portugal (poder de retransmissão), constituindo um passivo do BES e não do Novo Banco.

No sentido de que a responsabilidade do BES por violação dos deveres de informação e esclarecimento não foi transferida pelo Banco de Portugal para o Novo Banco, cf. ainda o Acórdão da Relação de Coimbra de 25.10.2016, Ferreira Lopes, 2088/15, www.colectaneadejurisprudencia.com.

Da inconstitucionalidade dos Artigos 145º-B, nº3, 145º-G, nº1 e 145º-H do RGICSF

Sustentam os autores que os artigos 145º-B, nº3, 145º-G, nº1 e 145º-H, nº1 do RGICSF, com a interpretação dada pela deliberação do Banco de Portugal de 3.8.2014 (retificada pela deliberação de 29.12.2015), integram normas inconstitucionais por violação do Artigo 62º da Constituição, por permitirem um claro confisco ou expropriação sem justa contrapartida, significando tais normas que o Banco de Portugal tem poderes para eliminar ou restringir os direitos patrimoniais dos Autores. Mais argumentam que a interpretação dada àquelas disposições pela deliberação do Banco de Portugal de 29.12.2015 viola ainda o Artigo 101º da Constituição, por atentar manifestamente contra a segurança das poupanças dos Autores e as garantias dadas por aquele preceito constitucional.

Recordemos que nos termos do Artigo 145º-G, nº1, «O Banco de Portugal pode determinar a transferência, parcial ou total, de ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão de uma instituição de crédito para um ou mais bancos de transição para o efeito constituídos, com o objetivo de permitir a sua posterior alienação a outra instituição autorizada a desenvolver a atividade em causa.» E, nos termos do Artigo
 
Artigo 145.º-H
Património e financiamento do banco de transição
1-O Banco de Portugal seleciona os ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão a transferir para o banco de transição no momento da sua constituição.
(…)

Finalmente, o Artigo 145º-B,nº3, dispõe que:
«3-Caso se verifique, no encerramento da liquidação da instituição de crédito objeto da medida de resolução, que os credores dessa instituição cujos créditos não tenham sido transferidos para outra instituição de crédito ou para um banco de transição assumiram um prejuízo superior ao montante estimado, nos termos da avaliação prevista no n.º 6 do artigo 145.º-F e no n.º 4 do artigo 145.º-H, que assumiriam caso a instituição tivesse entrado em processo de liquidação em momento imediatamente anterior ao da aplicação da medida de resolução, têm os credores direito a receber essa diferença do Fundo de Resolução.»

Apreciando.

A propósito da não transmissibilidade de certas posições passivas para a nova instituição financeira, refere pertinentemente Mafalda Barbosa, “A Relevância da Natureza do Crédito Detido pelo Cliente de uma Instituição Bancária Objeto de uma Medida de Resolução”, in Boletim de Ciências Económicas, Coimbra, V. 59 (2016), p. 90, que:
«(…) se todos os ativos e passivos fossem transmitidos para a instituição de transição (no caso de ser esta a medida concretamente aplicável), teríamos de concluir que de nada serviria a atuação saneadora do Banco de Portugal. Operar-se-ia uma modificação subjetiva global das relações jurídicas tituladas pela instituição financeira, à qual sucederia uma outra entidade que passaria a experimentar as mesmíssimas dificuldades que determinaram a resolução. Por outro lado, a não transmissibilidade vem dar cumprimento à ideia de que serão os acionistas, em primeiro lugar, e os credores, em segundo lugar, aqueles que devem suportar as perdas.

Do ponto de vista positivo, a não transmissibilidade a que se alude funda-se em dois planos distintos: no plano legislativo, resulta da existência de proibições expressas de transmissibilidade de certas obrigações; no plano administrativo, resulta do exercício dos poderes de conformação da medida de resolução por parte do Banco de Portugal, que pode decidir livremente quais os ativos e passivos objeto de transferência para a instituição de transição.»

Explicitada, assim, a razão de ser da seleção dos ativos e passivos a transmitir, resta apreciar se do regime emergente de tais artigos, na interpretação dada pelo Banco de Portugal em 3.8.2014 (retificada pela deliberação de 29.12.2015), decorre uma inconstitucionalidade material por violação do Artigo 62º da Constituição, ao alegadamente permitir-se um confisco ou expropriação sem justa contrapartida.

Nos termos do Artigo 62º da Constituição:
«1.-A todos é garantido o direito à propriedade privada e à sua transmissão em vida ou por morte, nos termos da Constituição.
2.-A requisição e a expropriação por utilidade pública só podem ser efetuadas com base na lei e mediante o pagamento de justa indemnização.»

No que tange à delimitação da tutela imposta por este Artigo, acolhemos os ensinamentos do Tribunal Constitucional designadamente, em primeiro lugar, no seu Acórdão nº 257/92 de 13.7.92, Monteiro Diniz, de que extratamos os seguintes passos:
«Este preceito constitucional, como aliás sucede com qualquer outro, não pode ser apercebido na sua exata dimensão, independentemente dos contextos em que se inscreve, onde se distinguem vários e significativos índices da «função social» que naquele direito avultam.

Garante-se ali tanto o direito de propriedade — a propriedade stricto sensu e qualquer outro direito patrimonial — como o direito à propriedade, ou direito de acesso a uma propriedade.
Citando Sousa Franco, Noções de Direito da Economia, vol. i, 1982-1983, pp. 208 e segs., pode dizer-se que «como direito fundamental de carácter económico ‘a todos reconhecido’, o direito à propriedade privada (artigo 62.º, n.º 1, tanto na CR 76 como na CR 82) visa intencionalmente cobrir, quer a propriedade como direito real sobre bens, quer o direito de apropriação — ou seja, o direito pessoal de apropriar bens de que a pessoa carece. Nem de outra forma poderia entender-se a consagração do uso da expressão ‘direito à propriedade’, em vez de direito de propriedade. Embora no quadro de uma filosofia profundamente social, quiçá socializante, esta fórmula vem pois a reencontrar as duas dimensões do direito de propriedade que o Código Civil do visconde de Seabra (de 1867) consagrava no seu artigo 366.º, e que os artigos 1302.º e seguintes do atual Código Civil refletem numa perspetiva mais limitada e estática: a da proteção da esfera de autonomia pessoal no uso e fruição dos bens apropriados; e fá-lo, parece-nos, com referência à sua função social».

Embora não fazendo parte do elenco dos «direitos, liberdades e garantias» o direito de propriedade privada goza do respetivo regime, naquilo que nele reveste natureza análoga à daqueles direitos, liberdades e garantias beneficiando assim da força jurídica a que se reporta o artigo 18.º da Constituição.

Há de porém dizer-se que, não obstante o particular regime de que beneficia, o direito de propriedade privada está sujeito a diversas restrições.

A este respeito, poderá afirmar-se que além dos limites estabelecidos pela própria Constituição (no que respeita à propriedade de meios de produção), deve entender-se que o direito de propriedade está indiretamente sob reserva das restrições estabelecidas por lei, dado que a Constituição remete em vários lugares para a lei (cf. artigos 82.º, 87.º e 99.º). Aliás, o próprio artigo 62.º, inclui, ele mesmo, uma cláusula geral de expropriação por utilidade pública (n.º 2) sendo esta evidentemente um caso limite das possíveis restrições legais ao direito de propriedade privada.

Por outro lado, a garantia do direito de propriedade não inclui, só por si, a garantia da liberdade de empresa, pois a Constituição estabelece uma clara distinção entre direito de propriedade e iniciativa económica privada (cf. artigo 85.º). Em todo o caso, terá de se considerar que os limites constitucionais estabelecidos para a iniciativa económica privada implicam uma autorização constitucional para as necessárias restrições ao uso e fruição da propriedade.

Finalmente, o próprio projeto económico, social e político da Constituição implica um estreitamento do âmbito de poderes tradicionalmente associados à propriedade privada e à admissão de restrições, quer a favor do Estado ou da coletividade, quer a favor de terceiros, das liberdades de uso, fruição e disposição (cf. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Coimbra, 1978, pp. 163 e 164).

Com efeito, uma coisa é a promoção do acesso de todas as pessoas à propriedade, outra o acesso de todos a todos os bens ou a qualquer extensão de bens, assim como uma coisa é o acesso à propriedade e o direito de transmissão de bens em vida ou por morte, outra a não dependência dessa transmissão de quaisquer regras ou de quaisquer condições ou a não consideração na formulação das regras de outros interesses e valores.

Quando o artigo 62.º garante o direito à propriedade privada «nos termos da Constituição» quer sublinhar que o direito de propriedade não é garantido em termos absolutos, mas dentro dos limites e nos termos previstos e definidos noutros lugares do texto constitucional.»

No Acórdão do Tribunal Constitucional nº 187/01 de 2.5.2001, Mota Pinto, a delimitação da tutela constitucional do direito de propriedade foi assim desenvolvida:
«O Tribunal Constitucional tem, na verdade, salientado repetidamente, já desde 1984, que o direito de propriedade, garantido pela Constituição, é um direito de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias, beneficiando, nessa medida, nos termos do artigo 17º da Constituição, da força jurídica conferida pelo artigo 18º e estando o respetivo regime sujeito a reserva de lei parlamentar (…)

Importa, porém, discernir, dentro do direito de propriedade privada, o núcleo ou conjunto de faculdades que revestem natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias, uma vez que nem todas elas se podem considerar como tal (para a exclusão dos direitos de urbanizar, lotear e edificar, v. os Acórdãos n.ºs 329/99 e 517/99, publicados na II série do DR, respetivamente de 20 de Julho e 11 de Novembro de 1999).

Desse núcleo, dessa dimensão que tem natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias, faz, seguramente, parte (como se diz, por exemplo, nos arestos por último citados e no também já referido Acórdão n.º 431/94; v. ainda, por exemplo, o Acórdão n.º 267/95, in ATC, vol. 31º, pp. 305 e ss.) o direito de cada um a não ser privado da sua propriedade, salvo por razões de utilidade pública – e, ainda assim, tão só com base na lei e mediante o pagamento de justa indemnização (artigo 62º, n.ºs 1 e 2, da Constituição). Trata-se, aqui, justamente de um aspeto verdadeiramente significativo do direito de propriedade e determinante da sua caracterização também como garantia constitucional – a garantia contra a privação –, autonomizada no n.º 2 do artigo 62º (assim, com referência à remição da colonia, o Acórdão n.º 404/87). Para além disso, a outras dimensões do direito de propriedade, "essenciais à realização do Homem como pessoa" (nestes termos, o citado Acórdão n.º 329/99), poderá também, eventualmente, ser reconhecida natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias, beneficiando do seu regime.

Do que, porém, já pode duvidar-se, é que tal natureza análoga seja ainda de reconhecer a um genérico direito de apropriação – enquanto direito de acesso à propriedade – de todos os bens, incluindo empresas e outros meios de produção, tendo em conta, além do mais, que a constituição e aquisição de empresas representa fundamentalmente um exercício da liberdade de iniciativa económica privada, que, como vimos, a própria Lei Fundamental subordina aos "quadros definidos pela Constituição e pela lei e tendo em conta o interesse geral" [Artigo 61º, nº1, da Constituição]. O regime de tal liberdade não pode ser confundido com o do direito de propriedade – mesmo enquanto este inclui uma dimensão de acesso à propriedade.

E também, por outro lado, a liberdade genérica de transmissão do direito de propriedade, sem condicionamentos, não constitui uma dimensão do direito de propriedade à qual se aplique o regime dos direitos, liberdades e garantias (assim, recentemente, o Acórdão n.º 425/2000, in DR, II Série, de 14 de Dezembro de 2000, que não julgou inconstitucionais normas que preveem indisponibilidades relativas – tal como algumas das normas em questão no presente processo preveem a limitação de transmissão a quem não é farmacêutico).

Logo, portanto, quem, considerando o paralelo com o regime da liberdade de iniciativa económica privada, negar a natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias ao direito de propriedade, na dimensão ora em causa, negará igualmente a aplicação do regime do artigo 18º da Constituição, e, portanto, a verificação, no presente caso, de uma violação do princípio da "proibição do excesso" consagrado no seu n.º 2.

Seja, porém, como for quanto ao regime da dimensão do direito de propriedade enquanto direito de apropriação, em causa no presente caso, importa ainda considerar que, como já se referiu, tal direito apenas é garantido pelo artigo 62º, n.º 1, "nos termos da Constituição".

Está tal direito de propriedade, reconhecido e protegido pela Constituição, na verdade, bem afastado da conceção clássica do direito de propriedade, enquanto ius utendi, fruendi et abutendi – ou, na formulação impressiva do Código Civil francês (artigo 544), enquanto direito de usar e dispor das coisas "de la manière la plus absolute".

Assim, o direito de propriedade deve, antes do mais, ser compatibilizado com outras exigências constitucionais (para o direito à habitação, veja-se, por exemplo, o Acórdão nº 4/96, ATC, vol. 33º, pp. 109 e ss.). Salientou-se no Acórdão n.º 866/96 (ATC, vol. 34º, pp. 53 e ss.):
"Não definindo o texto constitucional o que deva entender-se por direito de propriedade, nem sempre têm sido pacíficas as conclusões atingidas pelos seus intérpretes a propósito da dimensão e contornos daquele conceito, sendo, porém, seguro que a velha conceção clássica da propriedade, o jus fruendi ac abutendi individualista e liberal, foi, nomeadamente nas últimas décadas deste século, cedendo o passo a uma conceção nova daquele direito, em que avulta a sua função social.
Como quer que seja, o direito de propriedade constitucionalmente consagrado não beneficia de uma garantia em termos absolutos, havendo de conter-se dentro dos limites e nos termos definidos noutros lugares do texto constitucional (...)"

Por outro lado, o n.º 1 do artigo 62º da Constituição não protege de forma absoluta o direito de propriedade privada, o qual, como se ponderou no citado Acórdão n.º 257/92, está também, indiretamente, sob reserva de restrições estabelecidas por lei, dado que a Constituição remete em vários pontos para a lei (cf. artigos 82º, 86º e 87º da Constituição).»

Releva ainda a jurisprudência expressa no Acórdão do Tribunal Constitucional nº 491/2002, Paulo Mota Pinto, 26.11.2002, de que extratamos os passos mais pertinentes:

«No Acórdão n.º 404/87 (in ATC, 10º vol., 1987, pp. 401-402) entendeu-se e escreveu-se o seguinte:
"Relembrar-se-á, em todo o caso, no tocante à pretensa violação da garantia do direito de propriedade [pela remição da colonia], que a mesma é afastada quando se considere tal garantia, consignada no artigo 62º da Constituição, não isoladamente, mas no contexto global da lei fundamental. Na verdade, se essa garantia exclui em princípio, atenta a sua mesma natureza e o seu núcleo essencial (cf., de resto, artigo 62º, n.º 2), a possibilidade de um particular obter coativamente de outro a alienação em seu favor de coisa pertencente ao primeiro (e a uma hipótese deste tipo, há de reconhecer-se, se reconduz o direito de remição em causa), ela não pode, todavia, deixar de compaginar-se com os princípios constitucionais dos quais decorrem mais ou menos extensos limites, ou a possibilidade de mais ou menos extensas restrições, ao seu conteúdo e alcance – e tais princípios dão suficiente cobertura à restrição ou limite em que se traduz o direito de remição da terra concedida ao colono-rendeiro. Por outras palavras: o direito de propriedade só se acha garantido, como se diz no próprio artigo 62º, n.º 1, «nos termos da Constituição», mas estes termos autorizam aquela restrição ou limite a esse direito.
(…)

O Tribunal Constitucional tem, pois, afastado a ideia de que os únicos atos "ablativos" do direito de propriedade (os quais naturalmente configuram a restrição máxima que esse direito pode sofrer) consentidos pela Constituição sejam os previstos no artigo 62º, nº 2, desta última. Pode haver outros, inclusive no interesse de privados: ponto é que encontrem cobertura ou justificação constitucional.

No mesmo sentido, pode, ainda, invocar-se o Acórdão n.º 205/2000 (publicado no DR, II série, de 30 de Outubro de 2000), no qual não se julgou inconstitucional a norma do n.º 1 do artigo 1340º do Código Civil. Nele se afirmou que "o artigo 62.º, n.º 2, da Constituição não pode, portanto, ser visto como um obstáculo ao funcionamento do mecanismo da acessão, ainda que nele se verifique a extinção forçada do direito de propriedade". E isto, para além de a acessão também não dever, a nenhum outro título, ser "qualificada como uma restrição do direito de propriedade, subsumível ao n.º 2 do artigo 18.º e, portanto, aos requisitos de admissibilidade aí previstos, nomeadamente ao princípio da autorização constitucional expressa."

A propósito justamente da perda da titularidade de participações sociais, importa ainda referir o Acórdão n.º 391/02 (ainda inédito), pelo qual se não considerou inconstitucional a norma do artigo 108º, n.º 2, do Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência, que prevê a alienação de participações sociais no quadro da gestão controlada, como medida de recuperação da empresa, mesmo contra a vontade dos seus titulares. Afirmou-se aí que a Constituição admite limitações ao direito à propriedade para além do caso de expropriação por utilidade pública, e que, no caso, seria antes a não concretização da alienação, impedindo a recuperação económica da empresa, que "implicaria uma afetação do próprio direito de propriedade dos titulares das ações (no caso, o seu valor económico)."
(…)

Como já se disse, a participação social deve ser configurada como objeto de uma propriedade necessariamente mediatizadapela organização própria da corporação social – no plano das relações internas, o poder de disposição terá o conteúdo e o alcance que resultam do próprio quadro legal-estatutário instituinte da corporação social que está na sua génese. E este quadro poderá implicar, perante determinadas vicissitudes da vida da sociedade – ou, no limite, perante a extinção desta –, não só compressões como, mesmo, consequências para a titularidade das participações, que para aquela possam resultar. Em sentido semelhante, diz-se, aliás, na doutrina, que "afirmar a essencialidade do direito à manutenção da posição social não significa declarar a existência absoluta do direito do sócio a manter essa qualidade", antes "significa dizer que o sócio só pode ser afastado da sociedade contra a sua vontade quando a lei ou o contrato social especificamente o autorizem" (João Labareda, Das ações das sociedades anónimas, cit., pp. 202-203).
(…)

Numa observação final, poderá, ainda, dizer-se, relativamente às dimensões do artigo 62º da Constituição da República que avultam relativamente à definição desta espécie de elementos "conformativos" de cada tipo de "propriedade", que, de entre as várias nele discerníveis, a que sobressai como atingida não é (ou não será tanto) a "garantístico-subjectiva" (expressa, máxima e nuclearmente, no direito à não desapropriação), mas, antes, a de "garantia de instituto" – dimensão, esta outra, que redunda na imposição, dirigida ao legislador e a todos os poderes constituídos, de assegurarem a existência da "propriedade privada", nas suas múltiplas manifestações, enquanto elemento necessariamente integrante e determinante da ordem jurídica infraconstitucional, e na imposição, dirigida especificamente ao legislador ordinário, no sentido de assegurar que a conformação da "propriedade" se há de fazer "em obediência aos valores que [a Constituição] ela própria inscreve "nos [seus] termos’" (cf., neste preciso sentido, Maria Lúcia Amaral, ob. cit., p. 559; e cf., ainda, Gomes Canotilho, Direito constitucional e teoria da Constituição, 4ª ed., Coimbra, 2000, pp. 391-392, e Jorge Miranda, Manual de direito constitucional, tomo IV, 2ª ed., 1993, pp. 69 e 467).

Só que, nesta outra dimensão, agora posta em relevo, o artigo 62º Constituição da República – se bem que não desligando o legislador do dever de respeito pelos valores constitucionais a que genericamente se acha vinculado – deixa-lhe, de todo o modo, uma larguíssima margem de escolha e definição de soluções.»

Na doutrina, Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, Coimbra Editora, 2005, pp. 628-629, pronunciam-se neste sentido: «(…) o artigo 62º contempla a propriedade, “nos termos da Constituição”. Isto implica não tanto que ela só seja garantida dentro dos limites e dos termos previstos e definidos noutros lugares da Constituição quanto que ela não é reconhecida aprioristicamente, como princípio independente e autossuficiente; ela é reconhecida e salvaguardada no âmbito da Constituição e em sintonia com os princípios, valores e critérios que a enformam. (…) Se a Constituição a todos confere o direito de adquirir a propriedade e outros direitos patrimoniais, não pode deixar de a todos igualmente conceder a segurança contra privações arbitrárias. Não poderia, naturalmente, oferecer a conservação ad aeternum de todos os direitos subjetivos de propriedade ou de todos os direitos patrimoniais em concreto dos particulares; o que lhes concede é consistência e garantia, não permitindo que a sua ablação ocorra a não ser por motivos de utilidade pública, nos termos da lei e mediante justa indemnização. Nisto consiste o segundo elemento ínsito no artigo 62º da Constituição.»

Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, I Vol., 4ª Edição, 2014, p. 801, afirmam que: «O direito de propriedade é garantido “nos termos da Constituição” ( nº1, in fine). A fórmula parece supérflua, mas não o é: trata-se de sublinhar que o direito de propriedade não é garantido em termos absolutos, mas sim dentro dos limites e com as restrições previstas e definidas noutros lugares da Constituição ( e na lei, quando a Constituição possa ela remeter ou quando se trate de revelar limitações constitucionalmente implícitas) por razões ambientais, de ordenamento territorial e urbanístico, económicas, de segurança, de defesa nacional.» E, mais adiante, afirmam: «estas restrições estão sujeitas aos limites das leis restritivas de direitos, liberdades e garantias, dado o “carácter análogo” do direito de propriedade, podendo as restrições vir a revelar-se injustificadas por violação dos princípios da adequação, necessidade e proporcionalidade (…)» (p. 803).

Estes parâmetros da doutrina e da jurisprudência do Tribunal Constitucional confluem com os parâmetros da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e da Jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem. Com efeito, nos termos do Artigo 1º do Protocolo adicional à Convenção de Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, de 20.3.1952,
«Qualquer pessoa singular ou coletiva tem direito ao respeito dos seus bens. Ninguém pode ser privado do que é sua propriedade a não ser por utilidade pública e nas condições previstas pela lei e pelos princípios gerais do direito internacional.
As condições precedentes entendem - se sem prejuízo do direito que os Estados possuem de pôr em vigor as leis que julguem necessárias para a regulamentação do uso dos bens, de acordo com o interesse geral, ou para assegurar o pagamento de impostos ou outras contribuições ou de multas

O TEDH interpreta a noção de bens de forma lata de modo a abranger ações, direito à reforma, direito à renda ou mesmo direitos associados a uma atividade comercial – cf. Aida Grgic, Zvomir Mataga, Matija Longar e Ana Vilfan, Le Droit à La Propriété Dans La Convention Européenne des Droits de l’Homme, Précis sur les droits de l’Homme, nº 10, 2007, p. 7. Segundo o TEDH, o direito à proteção ao direito de propriedade não é absoluto, podendo ser objeto de restrições desde que: (i) estas sejam previstas por lei; (ii) no interesse geral e (iii) se a medida se mostra necessária numa sociedade democrática. Caso falte uma destas três condições, a Convenção é considerada violada.

A exigência da legalidade da ingerência no direito de propriedade demanda que a ingerência ocorra ao abrigo de legislação subordinada, de tratados internacionais ou de instrumentos legislativos comunitários, exigindo-se um certo nível de previsibilidade em função da área em questão, do estatuto e número de pessoas envolvidas.

A ingerência deve perseguir um interesse geral legítimo. O TEDH reconhece uma margem ampla de conformação deste interesse geral às autoridades nacionais na medida em que estas estão melhor colocadas e conhecem melhor a sociedade de modo a definir o interesse público. A margem nacional de apreciação depende das circunstâncias do caso, da natureza do direto afetado, do objetivo prosseguido com a ingerência assim como da amplitude desta. O TEDH respeita esta margem ampla de conformação salvo se a decisão nacional se revelar manifestamente mal fundada – cf. Aida Grgic Et. Al, Op. Cit., p. 14.  No caso Sporrong and Lönnroth v. Sweden, o TEDH afirmou que: «Because of their direct knowledge of their society and its needs, the national authorities are in principle better placed than the international judge to appreciate what is “in the public interest”. Under the system of protection established by the Convention, it is thus for the national authorities to make the initial assessment both of the existence of a problem of public concern warranting measures of deprivation of property and of the remedial action to be taken… Here as in other fields to which the safeguards of the Convention extend, the national authorities accordingly enjoy a certain margin of appreciation.» - Monika Carss-Frisk, The Right to Property, Human Rights Handbooks, Nº 4, 2001, p. 27.

No que tange ao terceiro requisito (proporcionalidade), a medida em causa deve preservar um justo equilíbrio entre as exigências do interesse geral da comunidade e os direitos fundamentais da pessoa, ocorrendo uma inobservância deste justo equilíbrio nos casos em que o proprietário de um bem é levado a suportar um encargo especial e exorbitante. O TEDH considera que a ablação do direito de propriedade sem compensação só se justifica em circunstâncias excecionais – Monika Carss-Risk, Op. cit., p. 28.  O TEDH enfatiza, assim, que o artigo 1º não garante a total compensação em todas as circunstâncias. No § 54 do caso Sporrong and Lönnroth v. Sweden, o TEDH afirmou que: « Legitimate objectives of ’public interest’, such as are pursued in measures of economic reform or measures designed to achieve greater social justice, may call for less than reimbursement of the full market value.»

Resulta desta jurisprudência do Tribunal Constitucional e do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, bem como dos ensinamentos da doutrina  que:
i.-O direito de propriedade não é absoluto, devendo compatibilizar-se com outras exigências constitucionais, assumindo o direito de propriedade uma função social;
ii.-Podem ocorrer atos ablativos do direito de propriedade, inclusive no interesse de privados, desde que encontrem cobertura ou justificação constitucional;
iii.-O Artigo 62º da Constituição, mais do que uma garantia subjetiva, integra uma garantia do instituto propriedade privada, impondo ao legislador ordinário que assegure a conformação da propriedade em obediência aos valores inscritos na Constituição;
iv.-O Artigo 62º da Constituição deixa ao legislador ordinário uma ampla margem de conformação do direito de propriedade desde que as soluções encontradas respeitem os princípios da adequação, necessidade e proporcionalidade.
Esta jurisprudência constitucional evidencia que ao legislador ordinário é conferida uma grande latitude na conformação do direito de propriedade quando este não incide sobre os direitos reais clássicos – cf. Lourenço Vilhena de Freitas, “Da Constitucionalidade e Legalidade da Medida de Resolução do Banco de Portugal Relativamente ao BES”, in Liber Amicorum Manuel Simas Santos, Rei dos Livros, 2016, pp. 824 e 829.

Isto posto, a questão que emerge é a seguinte: as normas dos Artigos 145º-B, nº3, 145º-G, nº1 e 145º-H, nº1, do RGICSF - que habilitaram o Banco de Portugal a tomar a medida de resolução de 3 de agosto de 2014, na interpretação feita pelo Banco de Portugal que lhe permitiu selecionar os ativos e os passivos a transmitir ao Novo Banco - padecem de inconstitucionalidade material por integrarem violação do direito de propriedade (mais concretamente, direito de crédito dos autores a obterem o pagamento da venda de ações preferenciais – cf. facto 2) ou, pelo contrário, não integram tal vício por se subsumirem na liberdade de conformação do legislador e por respeitarem os princípios da adequação, necessidade e proporcionalidade?

Entre os valores e interesses constitucionalmente protegidos e que poderão impor uma restrição do direito de propriedade estão a especificidade da atividade bancária e, sobretudo, a confiança no sistema bancário que justificam a imposição de medidas que evitem o risco sistémico e protejam a segurança dos depósitos – cf. Artigos 101º («O sistema financeiro é estruturado por lei, de modo a garantir a formação, a captação e a segurança das poupanças, bem como a aplicação dos meios financeiros necessários ao desenvolvimento económico e social») e 102º da Constituição. Conforme referem Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, I Vol., 4ª Edição, 2014, p. 1081, «As atividades financeiras estão naturalmente vocacionadas para um denso sistema de regulação e supervisão pública, não somente para prevenir riscos sistémicos que abalem a confiança no sistema (crashes bolsistas, falências bancárias, etc.) mas também para suprir as “falhas de mercado” próprias deste setor, nomeadamente assimetria de informação entre aforradores, investidores, instituições e empresas.» (sublinhado nosso).

Há aqui que recapitular os objetivos que presidem à adoção de uma medida de resolução, e que são:
a)-Assegurar a continuidade da prestação dos serviços financeiros essenciais;
b)-Acautelar o risco sistémico;
c)-Salvaguardar os interesses dos contribuintes e do erário público;
d)-Salvaguardar a confiança dos depositantes (cf. Artigo 145º-A do RGICSF).

Quanto ao primeiro objetivo, é de relembrar que as instituições de crédito providenciam serviços financeiros vitais aos cidadãos, às empresas e à economia, designadamente através de contas de depósito, concessão de crédito e prestação de serviços de pagamento. “A interrupção abrupta desses serviços por parte de uma instituição de crédito tem, assim, um impacto muito relevante no funcionamento da economia real e no bem-estar da sociedade (…) ” – Pedro Lobo Xavier, “Das Medidas de Resolução de Instituição de Crédito em Portugal – Análise do Regime dos Bancos de Transição”, in Revista da Concorrência e Regulação, Ano V, nº 18, abril-junho 2014, p. 158. No que tange ao risco sistémico, o mesmo é definido na alínea c) do Artigo 2º do Regulamento nº 1092/2010, do Parlamento e do Conselho, como um “risco de perturbação do sistema financeiro suscetível de ter consequências negativas graves no mercado interno e na economia real”. O mesmo varia em função da dimensão da instituição de crédito, tanto a nível de volume de depósito como quanto ao tipo de serviços prestados e à sua implantação territorial. A finalidade de salvaguarda dos interesses dos contribuintes e do erário público implica que se evite “ a afetação de fundos públicos para solucionar problemas bancários, nomeadamente através da nacionalização ou pagamento do Estado aos credores de instituições de crédito em dificuldades” – Pedro Lobo Xavier, Ob. Cit., p. 159. A injeção de fundos deverá ocorrer através do Fundo de Resolução e do Fundado de Garantia de Depósitos, os quais são financiados pelo sistema financeiro. Finalmente, «a aplicação de medidas de resolução deverá contribuir para preservar a confiança dos depositantes, evitando-se, assim, o efeito dominó habitual associado à quebra dessa confiança, podendo originar “corridas aos depósitos”, afetando outras instituições do sistema financeiro e provocando, em consequência, um efeito de retração do crédito com impacto na economia real» – Pedro Lobo Xavier, Op. Cit., p. 160.

A deliberação do Banco de Portugal, sucessivamente aditada e interpretada, teve por efeito a manutenção do crédito dos Autores na esfera jurídica do BES e a redução das garantias do crédito dos autores na precisa medida em que foram reduzidos os ativos do BES que constituam garantia geral dos credores. Atento o regime supra analisado (cf. Artigos 145º-B, nº1, alínea c) e nº4, 145º-F, nº6 e 145º-H, nº4, do RGICSF), não se pode falar de uma ablação total do direito de crédito dos autores porquanto está garantido que os mesmos receberão sempre o que receberiam caso o BES tivesse entrado em liquidação/insolvência à data da resolução, ou seja existe apenas uma compressão ablatória do direito de propriedade dos autores. O que há que cuidar é saber se esta restrição ao direito dos credores/autores, consistente em beneficiar da tutela do património do devedor enquanto garantia geral do seu crédito, viola o princípio da proporcionalidade em sentido lato.

Conforme refere Mafalda Barbosa, “A Propósito do Caso BES. Algumas Notas Acerca da Medida de Resolução”, in Boletim de Ciências Económicas, V. 58 (2015), pp. 230-231, não existe um direito de cada um ao seu próprio património, não se podendo falar também de um direito dos credores ao património do devedor. Enquanto garantia geral das obrigações, o património do devedor é tutelado de modo a salvaguardar a posição do credor, v.g., Artigo 610º do Código Civil, regras da cessão da posição contratual e da transmissão de dívidas.

No Acórdão nº 491/2002, Paulo Mota Pinto, acessível em www.tribunalconstitucional.pt., o princípio da proporcionalidade foi explicitado nos seguintes termos que se acolhem:

«Conforme se escreveu no Acórdão n.º 634/93 (in ATC, 26º Vol., p. 211):
"o princípio da proporcionalidade desdobra-se em três subprincípios: princípio da adequação (as medidas restritivas de direitos, liberdades e garantias devem revelar-se como um meio adequado para a prossecução dos fins visados, com salvaguarda de outros direitos ou bens constitucionalmente protegidos); princípio da exigibilidade (essas medidas restritivas têm de ser exigidas para alcançar os fins em vista, por o legislador não dispor de outros meios menos restritivos para alcançar o mesmo desiderato); princípio da justa medida, ou proporcionalidade em sentido estrito (não poderão adotar-se medidas excessivas, desproporcionadas para alcançar os fins pretendidos)."

Todavia, previamente à apreciação da norma impugnada à luz destes critérios, torna-se necessário fazer uma precisão sobre o alcance do princípio da proporcionalidade como parâmetro de controlo jurisdicional da atividade legislativa, em contraposição com o alcance do mesmo princípio quando encarado como parâmetro da atividade administrativa.

A este propósito, afirmou-se, com amplos desenvolvimentos, no citado Acórdão n.º 187/01, o seguinte:
"Não pode contestar-se que o princípio da proporcionalidade, mesmo que originariamente relevante sobretudo no domínio do controlo da atividade administrativa, se aplica igualmente ao legislador. Dir-se-á mesmo – como o comprova a própria jurisprudência deste Tribunal – que o princípio da proporcionalidade cobra no controlo da atividade do legislador um dos seus significados mais importantes. Isto não tolhe, porém, que as exigências decorrentes do princípio se configurem de forma diversa para a atividade administrativa e legislativa – que, portanto, o princípio, e a sua prática aplicação jurisdicional, tenham um alcance diverso para o Estado-Administrador e para o Estado-Legislador.
Assim, enquanto a administração está vinculada à prossecução de finalidades estabelecidas, o legislador pode determinar, dentro do quadro constitucional, a finalidade visada com uma determinada medida. Por outro lado, é sabido que a determinação da relação entre uma determinada medida, ou as suas alternativas, e o grau de consecução de um determinado objetivo envolve, por vezes, avaliações complexas, no próprio plano empírico (social e económico). É de tal avaliação complexa que pode, porém, depender a resposta à questão de saber se uma medida é adequada a determinada finalidade. E também a ponderação suposta pela exigibilidade ou necessidade pode não dispensar essa avaliação.
Ora, não pode deixar de reconhecer-se ao legislador – diversamente da administração –, legitimado para tomar as medidas em questão e determinar as suas finalidades, uma "prerrogativa de avaliação", como que um "crédito de confiança", na apreciação, por vezes difícil e complexa, das relações empíricas entre o estado que é criado através de uma determinada medida e aquele que dela resulta e que considera correspondente, em maior ou menor medida, à consecução dos objetivos visados com a medida (que, como se disse, dentro dos quadros constitucionais, ele próprio também pode definir). Tal prerrogativa da competência do legislador na definição dos objetivos e nessa avaliação (com o referido "crédito de confiança" – falando de um "Vertrauensvorsprung", v. Bodo Pieroth/Bernhard Schlink, Grundrechte. Staatsrecht II, 14ª ed., Heidelberg, 1998, n.ºs 282 e 287) afigura-se importante sobretudo em casos duvidosos, ou em que a relação medida-objetivo é social ou economicamente complexa, e a objetividade dos juízos que se podem fazer (ou suas hipotéticas alternativas) difícil de estabelecer.
Significa isto, pois, que, em casos destes, em princípio o Tribunal não deve substituir uma sua avaliação da relação, social e economicamente complexa, entre o teor e os efeitos das medidas, à que é efetuada pelo legislador, e que as controvérsias geradoras de dúvida sobre tal relação não devem, salvo erro manifesto de apreciação – como é, designadamente (mas não só), o caso de as medidas não serem sequer compatíveis com a finalidade prosseguida –, ser resolvidas contra a posição do legislador.
Contra isto não vale, evidentemente, o argumento de que, perante o caso concreto, e à luz do princípio da proporcionalidade, ou existe violação – e a decisão deve ser de inconstitucionalidade – ou não existe – e a norma é constitucionalmente conforme. Tal objeção, segundo a qual apenas poderia existir "uma resposta certa" do legislador, conduz a eliminar a liberdade de conformação legislativa, por lhe escapar o essencial: a própria averiguação jurisdicional da existência de uma inconstitucionalidade, por violação do princípio da proporcionalidade por uma determinada norma, depende justamente de se poder detestar um erro manifesto de apreciação da relação entre a medida e seus efeitos, pois aquém desse erro deve deixar-se na competência do legislador a avaliação de tal relação, social e economicamente complexa.»

Quando se aprecia a proporcionalidade de uma restrição a um direito fundamental, avalia-se a relação entre o bem que se pretende proteger ou prosseguir com a restrição e o bem jusfundamentalmente protegido que resulta, em consequência, desvantajosamente afetado - cf. JORGE REIS NOVAIS, Os Princípios Constitucionais Estruturantes da República Portuguesa, Coimbra Editora, 2004, p. 178. O meio restritivo escolhido, pressuposto que seja apto e indispensável, só tem que ser não desproporcional. Existirá inconstitucionalidade se a restrição foi desproporcionada, não já se houver um outro meio que, no entender do órgão de controlo, seja, não menos restritivo, mas simplesmente mais adequado ou mais oportuno. “Esse será um juízo essencialmente político que extravasa os limites do princípio jurídico-constitucional da proibição do excesso das restrições aos direitos fundamentais” – Op. Cit., p. 183.

Neste circunspecto, é oportuno recapitular o enquadramento factual que determinou a adoção da medida de resolução por parte do Banco de Portugal.
Com efeito, nos considerandos que justificaram a adoção da medida de resolução, explicitou o Banco de Portugal o seguinte:
«No dia 30 de julho de 2014, o Banco Espirito Santo, SA. divulgou, mediante comunicação a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM), os resultados do Grupo Banco Espirito Santo relativos ao primeiro semestre de 20 14, que registam um prejuízo de 3577,3 milhões de euros.
Os resultados divulgados em 30 de julho refletiram a prática de atos de gestão gravemente prejudiciais aos interesses do Banco Espirito Santo, SA. e a violação de determinações do Banco de Portugal que proibiam o aumento da exposição a outras entidades do Grupo Espirito Santo. Estes factos tiveram lugar no decurso do mandato da anterior administração do Banco Espirito Santo, SA., decorrendo essencialmente de atos praticados num momento em que a substituição da anterior administração estava já anunciada e traduziram-se num prejuízo adicional na ordem de 1500 milhões de euros face ao expectável na sequência da comunicação do Banco Espirito Santo, SA. ao mercado datada de 10 de julho.
Estes prejuízos referidos foram justificados pelo Banco Espirito Santo, SA com diversos fatores de natureza excecional ocorridos ao longo do semestre, com particular incidência no último trimestre (3488,1 milhões de euros). Uma parte substancial destes fatores e das correspondentes perdas, não reportados anteriormente ao Banco de Portugal, determinaram que os prejuízos atingissem um valor largamente superior a almofada ("buffer") de capital de que o banco dispunha por determinação do Banco de Portugal.
2.-As perdas registadas vieram alterar substancialmente os rácios de capital do BES, a nível individual e consolidado, colocando-os globalmente em níveis muito inferiores aos mínimos exigidos pelo Banco de Portugal, que se situam atualmente nos 7% para os rácios Common Equity Tier 1 (CET1) e Tier 1 (T1) e nos 8%
para o rácio total, conforme documenta o quadro abaixo:
(…)
Verifica-se assim um grave incumprimento dos requisites mínimos de fundos pr6prios do Banco Espirito Santo, SA, em base consolidada, não respeitando, deste modo, os rácios mínimos de capital exigidos pelo Banco de Portugal, nos termos do artigo 94º do Regime Geral das Instituições de Credito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-Lei nº 298/92, de 31 de dezembro (RGICSF), do artigo 92º do Regulamento (UE) nº 575/2013, de 26 de junho e do Aviso do Banco de Portugal 6/2013.
4.-Em 31 de julho, o Banco Espirito Santo, SA. comunicou ao Banco de Portugal a impossibilidade de promover uma solução de recapitalização do banco, nos termos e nos prazos solicitados pelo Banco de Portugal.
5.-Salienta-se que o Banco Espirito Santo, SA se encontra em situação de grave insuficiência de liquidez, sendo que, desde o fim de junho ate 31 de julho, a posição de liquidez do Banco Espirito Santo, SA diminuiu em cerca de 3.350 milhões de euros. Na impossibilidade de esta acentuada pressão sobre a liquidez do BES poder ser acomodada pela instituição com o recurso a fundos obtidos em operações de politica monetária, por esgotamento dos ativos de garantia aceites para o efeito e também pela limitação imposta pelo BCE em relação ao aumento do recurso do BES as operações de politica monetária, o Banco Espirito Santo, SA, viu-se forçado a recorrer a cedência de liquidez em situação de emergência (ELA -Emergency Liquidity Assistance) por um valor que atingiu, na data de 1 de agosto, cerca de 3.500 milhões de euros.
6.-No dia 1 de agosto, o Conselho do Banco Central Europeu (BCE) decidiu suspender o estatuto de contraparte do Banco Espirito Santo, SA., com efeitos a partir de 4 de agosto de 2014, a par da obrigação de este reembolsar integralmente o seu crédito junto do Eurosistema, de cerca de 10 mil milhões de euros, no fecho das operações no dia 4 de agosto.
Assim, a decisão do BCE de suspensão do Banco Espirito Santo, SA, como contraparte de operações de política monetária tomou insustentável a situação de liquidez deste, que já o tinha obrigado a recorrer excecionalmente, com especial incidência nos últimos dias, a cedência de liquidez em situação de emergência
por parte do Banco de Portugal.
7.-Os factos descritos nos números anteriores colocaram o Banco Espirito Santo, SA, numa situação de risco sério e grave de incumprimento a curto prazo das suas obrigações e, em consequência, dos requisitos para a manutenção da autorização para o exercício da sua atividade, nos termos do n°s 1 e 3, alínea c) do artigo 145º-C do Regime Geral das Instituições de Credito e Sociedades Financeiras (RGICSF), pelo que, não sendo tomada, com urgência, a medida de resolução ora adotada, a instituição caminharia inevitavelmente para a suspensão de pagamentos e para a revogação da autorização nos termos do artigo 23.0 do RGICSF, com a consequente entrada em processo de liquidação, o que representaria um enorme risco sistémico e uma seria ameaça para a estabilidade financeira.
8.-Tal situação tomou imperativa e inadiável uma medida de defesa dos depositantes, de forma a evitar uma ameaça a segurança dos fundos depositados. Alem deste objetivo primordial, e imprescindível ter em conta que a dimensão do Banco Espirito Santo, SA, a sua qualificação como instituição de credito significativa para efeitos de supervisão europeia e a sua importância no sistema financeiro nacional e no financiamento a economia, são fatores que tê associado um inequívoco risco sistémico.
9.-Com efeito, o Banco Espirito Santo, SA detém, em Portugal, uma quota de mercado substancial no segmento da captação de depósitos e no segmento da concessão de crédito. No que respeita a captação de depósitos, o BES detém uma quota de mercado correspondente a cerca de 11,5% no total dos depósitos captados junto de pessoas ou entidades residentes ou com sede em Portugal. No que respeita ao total de depósitos constituídos por pessoas ou entidades residentes ou com sede fora de Portugal, o Banco Espirito Santo, SA detém uma quota de mercado que corresponde a cerca de 20% do total.
Por seu turno, no que respeita a quota de mercado detida pelo Banco Espirito Santo, SA na concessão de empréstimos, considera-se de sublinhar o facto de o Banco Espirito Santo, SA deter cerca de 14% do total de credito concedido em Portugal, sendo especialmente relevante o facto de a quota do seu financiamento a atividades financeiras e seguradoras ascender a 31%, revelando a forte interatividade como resto do sistema financeiro o risco sistémico dai derivado. Note-se, ademais, que o Banco Espirito Santo, SA detém um total de 19% do crédito concedido a sociedades não financeiras.» (sublinhados nossos).

Recorde-se que o rigor das asserções fácticas expressas nestes considerandos, e que justificaram a adoção da medida de resolução, só pode ser discutido em sede de jurisdição administrativa nos termos do Artigo  145º-N do RGICSF.
Deste conjunto de considerandos fácticos e das finalidades legais da medida de resolução (cf. Artigo 145º-A do RGICSF) infere-se que:
a)-A medida de resolução constituiu o meio adequado para a prossecução da tutela da estabilidade e segurança do sistema financeiro, para prevenir o risco sistémico e a corrida aos depósitos, valores e princípios constitucionalmente protegidos (cf. Artigo 101º da Constituição), observando-se o princípio da adequação;
b)-As medidas alternativas de intervenção corretiva e de administração provisória (cf. Artigos 139º, 141º e 144º, alínea a), do RGICSF) não constituíam alternativas tempestivas e eficazes para atingir os mesmos desideratos referidos em a), atento a situação em que estava o BES (cf. partes sublinhadas dos considerandos supra), observando-se o princípio da exigibilidade;
c)-A transferência de ativos e passivos feita pelo Banco de Portugal para o Novo Banco, no âmbito da medida de resolução, foi condição sine qua non do êxito da medida porquanto, já visto supra, sem tal transferência seletiva a situação ficaria na mesma (princípio da proporcionalidade em sentido estrito).

Pugnando os Autores pela inconstitucionalidade em apreciação, cabia aos mesmos demonstrar que as normas em causa foram interpretadas e aplicadas pelo Banco de Portugal de molde a constituir uma restrição desproporcionada do seu direito de crédito/direito de propriedade, o que não lograram, tanto mais que ainda não está apurado o valor que os autores poderão receber nos termos do Artigo 145º-B, nº1, alínea c) do RGICSF . Face ao que fica dito e analisado, infere-se que os Artigos 145ºB, nº3, 145º-G, nº1 e 145º-H, nº1, do RGICSF foram interpretados e aplicados com respeito pelo princípio da proporcionalidade em sentido amplo (cf. Artigo 18º,nº2, da Constituição), não ocorrendo o vício da inconstitucionalidade de tais normas, estando – igualmente- observados os parâmetros de apreciação propugnados pelo TEDH.

Não colhe a argumentação dos Autores no sentido de que a interpretação dada àquelas disposições pelo Banco de Portugal de 29.12.2015 viola o Artigo 101º da Constituição, por atentar manifestamente contra a segurança das poupanças dos Autores e as garantias dadas por aquele preceito constitucional.

Conforme referem Gomes Canotilho e Vital Moreira, Op. Cit., p. 1082, o Artigo 101º da Constituição «constitui uma amplíssima credencial constitucional para a intervenção, regulação e supervisão pública das atividades financeiras, com as necessárias limitações restrições da liberdade económica nesta área, com a extensão e a intensidade que os interesses em causa podem justificar (desde a autorização administrativa para a entrada na atividade até, no limite, a intervenção na gestão de instituições financeiras).» Mais acrescentam que «Este preceito constitucional representa uma típica norma-tarefa, contendo uma obrigação constitucional de legislação, com vista à consecução de certos objetivos, deixando ao legislador uma ampla margem de escolha dos meios e mecanismos para os atingir.»

O que acima se expôs e analisou a propósito da tutela constitucional do direito de propriedade aplica-se, mutatis mutandis, a propósito da interpretação deste Artigo 101º. Ou seja, a Constituição não consagra uma tutela da intangibilidade absoluta das poupanças, dando liberdade ao legislador ordinário para escolher mecanismos para os fins que institui, conferindo ao legislador a “prerrogativa de avaliação” das situações e adoção subsequente de soluções, desde que estas se justifiquem para tutela de outros bens constitucionalmente protegidos e observem o princípio da proporcionalidade, o que ocorreu consoante já foi demoradamente analisado.

Note-se ainda que a compra e venda de ações preferenciais (factos 1 e 2), mais do que uma poupança em sentido estrito, integra um investimento de caráter financeiro por parte dos autores – cf. Paulo Olavo Cunha, Direito das Sociedades Comerciais, 2006, p. 293.

Também não colhe o argumento de que a avaliação do património do BES, segundo um critério de liquidação (Artigo 145º-D, nº1, alínea c) e nº 12 do RGICSF), afeta substancialmente os direitos dos autores e as garantias dos mesmos porquanto o Fundo de Resolução não dispõe de património líquido que possa servir de garantia aos credores/autores.

Em primeiro lugar, anteriormente à adoção da medida de resolução, a garantia do crédito dos Autores era a garantia geral dos credores (o património do devedor) não gozando os autores de qualquer garantia específica, real ou pessoal.
Em segundo lugar, o Fundo de Resolução constitui uma pessoa coletiva de direito público, dotada de autonomia financeira e administrativa com recursos próprios consoante resulta do

Artigo 153.º-F
Recursos financeiros do Fundo de Resolução
1 - O Fundo dispõe dos seguintes recursos:
a)-As receitas provenientes da contribuição sobre o sector bancário;
b)-Contribuições iniciais das instituições participantes;
c)-Contribuições periódicas das instituições participantes;
d)-Importâncias provenientes de empréstimos;
e)-Rendimentos da aplicação de recursos;
f)-Liberalidades;
g)-Quaisquer outras receitas, rendimentos ou valores que provenham da sua atividade ou que por lei ou contrato lhe sejam atribuídos.
2-Os empréstimos previstos na alínea d) do número anterior não podem ser concedidos pelo Banco de Portugal.
E, nos termos do

Artigo 153.º-M
Disponibilização de recursos
1-O Fundo disponibiliza os recursos determinados pelo Banco de Portugal para efeitos da aplicação de medidas de resolução.
2-Os recursos disponibilizados nos termos do disposto no número anterior que não sejam utilizados para a realização do capital social do banco de transição conferem ao Fundo um direito de crédito sobre a instituição participante que seja objeto da medida de resolução, sobre o banco de transição ou sobre a instituição adquirente, conforme os casos, no montante correspondente a esses recursos e beneficiando dos privilégios creditórios previstos no n.º 3 do artigo 166.º-A.
3-A disponibilização de recursos financeiros nos termos do presente artigo processar-se-á com observância das regras e orientações da União Europeia em matéria de auxílios de Estado.
Atento este regime legal do Fundo de Resolução, infere-se que o Fundo de Resolução tem condições para adquirir liquidez para honrar os compromissos que lhe são legalmente atribuídos. Da mesma forma que, antes da resolução, os autores não podiam exigir evidência de liquidez imediata ao seu devedor também não o podem fazer face ao Fundo de Resolução.

Por fim, é manifestamente impertinente o argumento expendido pelos autores no sentido de que a operação de resolução integra uma cisão-simples entre o BES e o Novo Banco, havendo que aplicar-se o Artigo 122º, nº2, do CSC, persistindo responsabilidade solidária do Novo Banco perante os autores.

A cisão de sociedade «constitui uma instrumento jurídico de reorganização e reestruturação societária que opera uma divisão da sociedade em duas ou mais sociedades, sendo nesse medida uma forma de desconcentração da empresa social originária. (…) Constituem elementos definidores do conceito (amplo) de cisão a divisão e transmissão de parte (cisão parcial) ou da totalidade (cisão total) do património de uma sociedade (cindida) a uma ou várias sociedades beneficiárias, incorporantes ou constituídas em resultado da própria operação, e a integração dos sócios da sociedade cindida nas sociedades beneficiárias, mediante a atribuição de participações sociais correspondentes à transmissão patrimoniais efetuada.» - AA.VV., Código das Sociedades Comerciais em Comentário, II Vol., Almedina, 2011, p. 406. 

Pelo contrário, a medida de resolução bancária consiste na reestruturação de uma instituição de modo a garantir a continuidade das suas funções essenciais, preservar a estabilidade financeira e repor a viabilidade da totalidade ou de parte dessa mesma instituição, podendo as medidas de resolução ser de dois tipos: alienação (total ou parcial) da atividade de uma instituição que se encontrem em dificuldades a outra instituição autorizada a desenvolver a atividade transferida; constituição de um (ou mais) banco e transferência (total ou parcial) do património da instituição que se encontre em dificuldades para esse banco de transição – cf. Pedro Lobo Xavier, Op. Cit., pp. 164-165.

Como se vê, a cisão societária do direito comercial e a medida de resolução não são sobreponíveis, tratando-se de realidades distintas. Sendo o capital do Novo Banco detido pelo Fundo de Resolução (cf. Artigo 4º dos Estatutos do Novo Banco, anexos à Deliberação de 3.8.2014), não ocorre um requisito essencial da cisão, qual seja o da integração dos anteriores acionistas na nova sociedade. Tanto basta para demonstrar que a figura bancária da resolução adotada pelo Banco de Portugal nada tem a ver com a cisão societária do Código das Sociedades Comerciais.

Por todo o exposto, improcede o recurso.

DECISÃO:

Pelo exposto, acorda-se em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas pelos apelantes.



Lisboa, 7.3.2017


                                  
(Luís Filipe Pires de Sousa)
(Carla Câmara)                                  
(Maria do Rosário Morgado)



[1]Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, pp. 84-85.
[2]Abrantes Geraldes, Op. Cit., p. 87.
Conforme se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7.7.2016, Gonçalves Rocha, 156/12, «Efetivamente, e como é entendimento pacífico e consolidado na doutrina e na Jurisprudência, não é lícito invocar nos recursos questões que não tenham sido objeto de apreciação da decisão recorrida, pois os recursos são meros meios de impugnação das decisões judiciais pelos quais se visa a sua reapreciação e consequente alteração e/ou revogação». No mesmo sentido, cf. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 4.10.2007, Simas Santos, 07P2433, de 9.4.2015, Silva Miguel, 353/13.
[3]Os factos agora enumerados sob 7 a 11 foram dado como provados autonomamente para efeitos do dispositivo enunciado sob b) ( fls. 691-692)
[4]Cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22.10.2015, Tomé Gomes, 212/06.
[5]Cf. Acórdão da Relação do Porto de 16.5.2005,Cunha Barbosa, 0550879.
[6]Cf. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 27.5.2014, Moreira do Carmo, 1024/12.
No Acórdão da mesma Relação de 24.4.2012, Beça Pereira, 219/10, escreveu-se a este propósito:
«A impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto, consagrada no artigo 685.º-B, visa, em primeira linha, modificar o julgamento feito sobre os factos que se consideram incorretamente julgados. Mas, este instrumento processual tem por fim último possibilitar alterar a matéria de facto que o tribunal a quo considerou provada, para, face à nova realidade a que por esse caminho se chegou, se possa concluir que afinal existe o direito que foi invocado, ou que não se verifica um outro cuja existência se reconheceu; ou seja, que o enquadramento jurídico dos factos agora tidos por provados conduz a decisão diferente da anteriormente alcançada. O seu efetivo objetivo é conceder à parte uma ferramenta processual que lhe permita modificar a matéria de facto considerada provada ou não provada, de modo a que, por essa via, obtenha um efeito juridicamente útil ou relevante.
Se, por qualquer motivo, o facto a que se dirige aquela impugnação for, "segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito", irrelevante para a decisão a proferir, então torna-se inútil a atividade de reapreciar o julgamento da matéria de facto, pois, nesse caso, mesmo que, em conformidade com a pretensão do recorrente, se modifique o juízo anteriormente formulado, sempre o facto que agora se considerou provado ou não provado continua a ser juridicamente inócuo ou insuficiente.
Quer isto dizer que não há lugar à reapreciação da matéria de facto quando o facto concreto objeto da impugnação não for suscetível de, face às circunstância próprias do caso em apreciação, ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma atividade processual que se sabe, antemão, ser inconsequente, o que contraria os princípios da celeridade e da economia processual consagrados nos artigos 2.º n.º 1, 137.º e 138.º.»
No acórdão da mesma Relação de 14.1.2014, Henrique Antunes, 6628/10, a mesma ideia é assim expressa:
«De harmonia com o princípio da utilidade a que estão submetidos todos os atos processuais, o exercício dos poderes de controlo da Relação sobre a decisão da matéria de facto da 1ª instância só se justifica se recair sobre factos com interesse para a decisão da causa (artº 137 do CPC de 1961, e 130 do NCPC).
Se o facto ou factos cujo julgamento é impugnado não forem relevantes para nenhuma das soluções plausíveis de direito da causa é de todo inútil a reponderação da decisão correspondente da 1ª instância. Isso sucederá sempre que, mesmo com a substituição, a solução o enquadramento jurídico do objeto da causa permanecer inalterado, porque, por exemplo, mesmo com a modificação, a factualidade assente continua a ser insuficiente ou é inidónea para produzir o efeito jurídico visado pelo autor, com a ação, ou pelo réu, com a contestação.
Portanto, a reponderação apenas deve incidir sobre os factos que sejam relevantes para a decisão da causa, segundo qualquer das soluções plausíveis da questão de direito, i.e., segundo todos os enquadramentos jurídicos possíveis do objeto da ação.»
[7]Afirma esta autora, p. 89:« É que responder pelos prejuízos, libertando o sistema financeiro e o erário público dos riscos envolventes, só corresponde a uma solução justa se o crédito que detêm tiver emergido de um contrato que se possa reputar como válido. Na verdade, o contrato cria um risco para o investidor, mas esse risco só é por ele titulado se o contrato não padecer de
qualquer vício que o perturbe ab initio