Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
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| Relator: | FÁTIMA GALANTE | ||
| Descritores: | CASO JULGADO PROCESSO DE JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA CONTRATO-PROMESSA PARTILHA INCUMPRIMENTO RESOLUÇÃO ALTERAÇÃO ANORMAL DAS CIRCUNSTÂNCIAS CONDIÇÃO SUSPENSIVA | ||
| Nº do Documento: | RL | ||
| Data do Acordão: | 12/19/2007 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
| Sumário: | I - Se no âmbito do processo de jurisdição voluntária, foi indeferida a autorização para proceder à partilha dos bens comuns, com fundamento, além do mais, em “impossibilidade jurídica de realização do negócio prometido” este caso julgado, que impede a “renovação” do pedido de autorização com os mesmos fundamentos, não pode vincular a apreciação da validade do contrato promessa no âmbito de outra acção porque não existe repetição da causa quanto aos sujeitos, pedido e causa de pedir. II - Na acção de autorização, o que está em causa é a concessão de autorização judicial para a prática de determinado acto, em representação do menor, importando apreciar os interesses patrimoniais dos menores ou incapazes, não autorizando aos seus legais representantes levar a cabo alienações de bens ou outras operações financeiras arriscadas ou pouco conscientes susceptíveis de comprometer gravemente os interesses daqueles. III - Para que a alteração das circunstâncias pressupostas pelos contraentes conduza à resolução do contrato ou à modificação do respectivo conteúdo, exige o art. 437º do CCivil, que se achem reunidos cumulativamente os seguintes requisitos: a) que a alteração considerada relevante diga respeito a circunstâncias em que se alicerçou a decisão de contratar, b) que essas circunstâncias fundamentais hajam sofrido uma alteração anormal; c) que a estabilidade do contrato envolva lesão para uma das partes, quer porque se tenha tornado demasiado onerosa, numa perspectiva económica, a prestação de uma das partes, quer porque a alteração das circunstâncias envolva, para o lesado, grandes riscos pessoais ou excessivos sacrifícios de natureza não patrimonial; d) que a manutenção do contrato ou dos seus termos afecte gravemente os princípios da boa fé negocial; e) que a situação não se encontre abrangida pelos riscos próprios do contrato. IV - Este instituto não se confunde com a teoria do erro acerca das circunstâncias existentes à data do contrato, apesar de haver uma estreita afinidade entre elas, pois uma diz respeito à base negocial objectiva e outra assenta na base negocial subjectiva. V - Ao passo que o erro vício se traduz numa representação inexacta ou na ignorância de uma qualquer circunstância de facto ou de direito que foi determinante na decisão de efectuar o negócio (é um erro na formação da vontade), por seu lado a pressuposição consiste na convicção por parte do declarante, decisiva para a sua vontade de realizar o negócio, de que certa circunstância se verificará no futuro ou de que se manterá um certo estado de coisas: não é um erro, mas uma imprevisão. VI - Tal como muitos outros contratos, também o contrato-promessa pode ser condicional (art. 270º CCivil). Sendo aposta ao negócio uma condição suspensiva, a produção dos efeitos do negócio fica paralisada ou suspensa enquanto se não verificar o acontecimento futuro e incerto a que as partes a condicionaram. Se a condição não se verificar, não se produzem os efeitos definitivos a que tendia o negócio, ficando sem efeito, como se nunca tivesse sido concluído e não contraíssem as obrigações próprias do contrato. Nesta situação, as partes ficam obrigadas a restituir o que, em função ou na expectativa da produção dos efeitos do contrato, tenham prestado. VIII - O direito de resolução depende do carácter objectivo, razoável ao comum da actuação negocial de pessoas normais, ou seja, de boa fé, de lisura e honestidade no trato contratual, ainda que em fase de mora (que não de ruptura definitiva), por parte de uma delas. (F.G) | ||
| Decisão Texto Integral: | ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DELISBOA I - RELATÓRIO Carla intentou acção declarativa comum sob a forma ordinária contra Ilda e outros, pedindo: a) que se decrete a resolução do contrato-promessa de divisão de coisa comum, assinado pela representante legal da ora A. e RR. em 3 de Maio de 2002 no 17° Cartório Notarial de Lisboa; b) que se declare o direito da A. a obter a satisfação integral de 250.000,00 € conforme estipulado na cláusula 5.a do contrato-promessa (cláusula penal); a condenação em juros sobre esta quantia desde a citação dos RR. e até integral pagamento. Alegou ser interessada em processo de inventário, no qual foi proferido despacho remetendo para os meios comuns a discussão acerca de duas verbas da relação de bens. Na sequência de uma das acções intentadas, foi celebrado um "protocolo de acordo", que constitui parte integrante dum "contrato-promessa de divisão de coisa comum", cuja resolução a A. pretende porque os RR. declararam, em conferência de interessados realizada no âmbito duma partilha adicional, que não o pretendiam cumprir, accionando por via desta acção a referida cláusula penal. Contestaram os RR., afirmando que não incumpriram o contrato mas antes procuraram alternativas para um erro em que incorreram ao enquadrarem juridicamente a titularidade dos bens. Assim, em reconvenção, pediram que se declare resolvido o contrato-promessa. Replicou a A. a fls. 172 invocando a má fé dos RR. e sustentando a improcedência do pedido reconvencional. Não se suscitando questões que obstassem à apreciação do mérito da causa, foi proferido saneador sentença que julgou a acção parcialmente provada e procedente, declarando resolvido o "contrato-promessa de divisão de coisa comum" e absolvendo os RR. dos pedidos formulados pela A. em B) e C); mais julgou provado e procedente o pedido reconvencional, acrescendo à declaração de resolução do contrato, a condenação da A. na restituição aos RR. da quantia de 199.519,16 €. Inconformada com a sentença, dela apelou a A., que, no essencial, formulou as seguintes conclusões: 1. A sentença recorrida sustenta erradamente que o "Contrato Promessa de Divisão de Coisa Comum" tem um objecto legalmente impossível. 2. Com efeito, a fim de dar cumprimento ao aludido contrato a representante da então menor - e hoje já maior – ora Recorrente, cumpriu com o estipulado na cláusula segunda do mencionado contrato, designadamente e requerer judicialmente a autorização para proceder à divisão a desistir da queixa-crime apresentada contra os Segundos Outorgantes. 3. Também com o objectivo de cumprir pontualmente com o estipulado, a representante da Recorrente requereu autorização judicial para outorgar a escritura definitiva em representação da então menor (C). 4. Em 13 de Maio de 2003, foi proferida decisão no âmbito do processo que correu termos no 2° Juízo Cível do Tribunal Judicial da Amadora, que considerou que " Para haver lugar à divisão de coisa comum, os bens em causa teriam já que estar partilhados, o que não acontece", (conforme decorre de fls. 241 e sgts.). 5. Os bens descritos nas alíneas D) e E) do "Contrato Promessa de Divisão de Coisa Comum" fazem parte da herança indivisa. 6. Sendo certo que, em 2 de Agosto de 2004, a Recorrente completou 18 anos, atingindo, assim, a maioridade, após essa data, caso os Recorridos tivessem vontade em cumprir o alegado no contrato, seria irrelevante outorgar Escritura de Divisão de Coisa Comum ou uma Escritura de Partilha. 7. Os Recorridos receberam contrapartida monetária idêntica à que recebeu a Recorrente, para além, de todos os activos em discussão em multiplas acções judiciais, conforme decorre da cláusula quarta do aludido "Contrato Promessa ...". 8. Dando como adquirido que o negócio celebrado entre a representante da Recorrente e os Recorridos - Contrato Promessa de Divisão de Coisa Comum - tem um objecto legalmente impossível, nem por isso o contrato promessa celebrado deixa de produzir os efeitos jurídicos que forem compatíveis com a natureza da obrigação assumida (art. 330° do Código Civil). 9. Aliás, ainda que o contrato promessa celebrado fosse nulo, de acordo com o princípio da conversão dos negócios jurídicos (art. 293° do Código Civil ) sempre haverá de retirar dele todos os efeitos que as partes – se acaso houvessem previsto a respectiva invalidade – teriam querido atribuir-lhe através de um qualquer negócio sucedâneo ("Ersatzgeschaft") que nesse caso seria a escritura de partilha. 10. Ao contrário do pugnado na Sentença Recorrida, a Recorrente pode invocar o Direito a obter a satisfação integral de 250.000,00, conforme estipula a cláusula quinta do aludido contrato, a titulo de cláusula penal, e nos termos do n.° 2 do art.° 801° do Código Civil - nos termos gerais da resolução – fazer sua a quantia entregue. 11. Pelo que, ao contrário do pugnado na Sentença Recorrida, o que existe é uma total justificação para que seja decretada judicialmente a resolução do contrato por parte da Recorrente, face ao incumprimento do estipulado no referido Protocolo de Acordo que é parte integrante do Contrato Promessa. Não foram apresentadas contra-alegações. Corridos os Vistos legais, Cumpre apreciar e decidir. Consabidamente, a delimitação objectiva do recurso emerge do teor das conclusões do recorrente, enquanto constituam corolário lógico-jurídico correspectivo da fundamentação expressa na alegação, sem embargo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer ex officio. Por outro lado, como meio impugnatório de decisões judiciais, o recurso visa tão só suscitar a reapreciação do decidido, não comportando, assim, ius novarum, i.e., a criação de decisão sobre matéria nova não submetida à apreciação do tribunal a quo(1). Importa, ainda, ter presente que o tribunal de recurso não está adstrito à apreciação de todos os argumentos produzidos em alegação, mas apenas – e com liberdade no respeitante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito – de todas as “questões” suscitadas, e que, por respeitarem aos elementos da causa, definidos em função das pretensões e causa de pedir aduzidas, se configurem como relevantes para conhecimento do respectivo objecto, exceptuadas as que resultem prejudicadas pela solução dada a outras(2). Em causa está, no essencial, decidir do destino do contrato-promessa dos autos, designadamente se existe fundamento para a sua resolução e se a A. tem direito a exigir dos RR. a cláusula penal inserida no contrato-promessa ou se estes têm direito à restituição da quantia entregue. II – FACTOS PROVADOS Atendendo aos documentos juntos aos autos, designadamente ao denominado “contrato-promessa de divisão de coisa comum”, certidão das peças processuais relativas ao processo de inventário que corre termos na 2ª Vara Cível de Lisboa, com relevância para a acta de conferência de interessados de 6.12.2004, sentença com nota de transito em julgado proferida no âmbito dos autos de autorização judicial para proceder à partilha dos bens comuns e tendo presente o disposto no art. 712º CPC, têm-se como assentes os seguintes factos: 1. A A. é filha de João, tendo nessa qualidade sido interessada no processo de inventário obrigatório aberto por sua morte, que corre termos na 2.a secção do 2.° Juízo do Tribunal Cível de Lisboa, sob o n.° 3538/94 (documento de fls. 15). 2. Habilitaram-se, como interessados, a viúva, a 1.a Ré Ilda, e os três irmãos consanguíneos da A., os 2°, 4° e 6° RR.. 3. Em 15-03-1996 a Sr.a Juíza proferiu o despacho documentado de fls. 16 a 18, através do qual remeteu para os meios comuns os imóveis as verbas n.°s 1 (sociedade "Sucateira) e 16 (estabelecimento comercial denominado "João") da relação de bens. 4. Em face desta decisão a representante legal e mãe da A. propôs contra os ora la, 2a, 4a e 6° RR. as seguintes acções: a) Proc. n.° 352/2001, que correu termos no 2° Juízo Cível do Tribunal Judicial de Alenquer; b) Procedimento criminal no DIAP. 5. A representante legal da A. e a ora Ré Ilda, por si e em representação do 2°, 4° e 6° RR., efectuaram o "Protocolo de Acordo" datado de 26 de Abril de 2002, reproduzido a fls. 32 e segts. 6. A representante da A. comprometeu-se a desistir do pedido efectuado no processo n.° 352/2001, como de facto fez. 7. A contrapartida para a A. da desistência de todas as acções em curso e registos prediais pendentes, acrescida do montante a atribuir pelas partes à "quota-parte na compropriedade dos prédios rústicos denominados Pinhal dos Frades sito no Seixal e Quinta da Chemina... situada em Alenquer", foi à data calculada em 311.748,69 €, conforme documento de fls. 32 datado de 26 de Abril de 2002. 8. Aquando da assinatura do protocolo de acordo, a representante legal da A. recebeu a quantia de 199.519,16 €. 9. O remanescente, a quantia de 112.229,53 €, seria entregue após a obtenção de autorização judicial que concedesse autorização à representante legal da A. a cumprir o "acordo de divisão dos bens comuns" dos bens relacionados nas verbas n.°s 1 e 16. 10. O "Protocolo de Acordo" é parte integrante de um "Contrato Promessa de Divisão de Coisa Comum", assinado no dia 3 de Maio de 2002 no 17° Cartório Notarial de Lisboa, entre a mãe e Tutora da ora A. e todos os Interessados e cônjuges ora RR. (documento de fls. 26 e seguintes). 11. Das suas cláusulas primeira e segunda consta, nomeadamente, o seguinte: 1.1. A Primeira Outorgante promete dividir amigavelmente e os Segundos aceitam a divisão dos bens referidos em D2 e D3 vendendo a Primeira a sua quota parte aos Segundos na proporção do direito de cada um, com o activo e passivo”. 1.2. As Partes estabelecem e aceitam que a quota da Menor – Primeira Outorgante – nos bens referidos no Preâmbulo, na alínea D, é no montante global de €311.748,69 (…). 1.3. Deste montante a Menor, através de sua Mãe e Tutora recebeu, em 26 de Abril de 2002, a aquntia de € 199,519,16 (…), de que deu quitação. 1.4. O remanescente, ou seja 112.229, 53 € (…) serão pagos na data do trânsito em julgado da sentença que dê autorização judicial à menor para outorgar a escritura de divisão de coisa comum, relativa aos bens imóveis referidos na alínea D) do preâmbulo e a cessão da parte da quota da sociedade referida em E). 1.5. A primeira outorgante beneficiará na proporção do seu quinhão hereditário (9,375%) do pagamento do imposto sucessório previsto no acordo de 30 de Outubro de 2001, celebrado entre a cabeça-de-casal e a sociedade "Quinta do Brandão, Investimentos Imobiliários, S.A., nos termos em que aí estão previstos, bem como o que se refere à contribuição autárquica. (…) 2.1. A primeira outorgante obriga-se a, no prazo de 15 (quinze) dias, a contar da assinatura do presente contrato, requerer judicialmente a autorização para proceder à divisão conforme aqui estabelecido, necessária nos termos do art.° 1889 n.° 1 al. n, ex vi art.° 1938 C.C. 12. Na cláusula 5.a do citado contrato promessa ficou estipulado que "A parte que incumpra este acordo fica sujeita ao pagamento de uma quantia no valor de € 250.000, 00 (...) a título de cláusula penal". 13. A mãe da A. intentou, no 2° Juízo Cível do Tribunal Judicial da Amadora, uma acção que correu termos sob o n.°…, na qual pediu autorização para, em representação da filha, “proceder à partilha dos bens comuns conforme estipulado no contrato promessa celebrado em 3 de Maio de 2002 alíneas D2 e D3, no montante de 112.229, 53€” (documento de fls. 241). 14. Em 13 de Maio de 2003 foi proferida decisão, transitada em julgado, nos seguintes termos: "dada a impossibilidade jurídica de realização do negócio prometido e porque, mesmo que assim não fosse, os termos do negócio são equívocos e até “contraditórios entre si, indefiro a requerida autorização para a prática de acto em representação da menor". 15. Em 2 de Agosto de 2004, a A. (C)completou 18 anos de idade. 16. Em 5 de Fevereiro de 2004 a Ré Ilda requereu partilha adicional das verbas n.°s 1 e 16 da relação de bens do inventário obrigatório com o n.° 3538/94, na 2.a secção da 2a Vara do Tribunal Cível da Comarca de Lisboa (documento de fls. 19). 17. Na conferência de interessados realizada em 6 de Dezembro de 2004 estiveram presentes Laurinda, em representação da A., e os RR. (documento de fls. 39). 18. A primeira propôs o cumprimento do acordo de 26 de Abril de 2002, declarando que “se opõe a qualquer licitação que a cabeça a cabeça de casal e demias interessados proponham” (cfr. acta da conferência de interessados, junta a fls. 39). 19. Os RR através de mandatário, declararam, na conferência de interessados, no que respeita ao acordo e “na parte respeitante aos valores em dinheiro” que o acordo ainda não fora “cumprido por duas razões:” “1º Falta de disponibilidade financeira resultante da stuação difícil da Urbanização de Alenquer cujas vendas estão paralisadas há mais de dois anos bem como a queda dos preços dos referidos lotes. 2º O cumprimento seria consentâneo da aceitação pela interessada Carla de que os bens objecto da partilha adicional seriam adjudicados aos demais interesados. Face à dificuldade enumerada em primeiro lugar a cabeça de casal propôs em alternativa o cumprimento do acordo por meio de entrega lo tole 141 da Urbanização de Alenquer, um dos dois que não foram penhorados pelas Finanças para garantia de pagamento de dívidas fiscais do comprador da Urbanização. A nãp aceitação desta proposta pela interessada Carla deverá conduzir ao prosseguimento imediato do processo de inventário para partolha adicional dos bens agora em causa, procedendo-se a licitações nesta conferência (…)”. 20. Pelo sr. juiz foi, então, proferido o seguinte despacho: "Ninguém invocou que tal contrato promessa não esteja em vigor, pelo que a partilha adicional deverá, em principio, ser efectuada de acordo com o mesmo contrato promessa. Assim, para discutirem da validade do mesmo contrato, sua resolução, cumprimento, incumprimento definitivo, ou mora, remeto os interessados para os meios comuns, suspendendo esta instância até trânsito em julgado da decisão a proferir nesse processo". IV – O DIREITO A sentença recorrida considera que a A. não pode sustentar o incumprimento do contrato-promessa por parte dos RR. com a finalidade de exigir a indemnização prevista na cláusula 5.a (cláusula penal), porque, para existir incumprimento, têm de existir condições objectivas para que tal situação possa ocorrer e um juízo de imputação a título de culpa como pressuposto do dever de indemnizar. Contudo, a partir do momento em que, por sentença transitada em julgado, foi indeferida a autorização para a prática de actos em representação da menor com fundamento na impossibilidade jurídica de realização do negócio prometido, tal decisão constitui caso julgado. Se o tribunal não permite a execução do contrato-promessa, ou seja não permite o cumprimento a uma das partes, não existe justificação legal para imputar o incumprimento aos RR. e accionamento da referida cláusula penal de 250.000,00€. Refere, também, a sentença recorrida que, atendendo à impossibilidade de execução ou cumprimento do contrato, deixa de existir uma causa justificativa para a A. ficar com a quantia de 199.519,16 € que a sua mãe, na qualidade de sua legal representante, recebeu, aquando da assinatura do "protocolo de acordo" que constitui parte integrante do "Contrato Promessa de Divisão de Coisa Comum", com fundamento no princípio da retroactividade. Mais se adianta na referida sentença que sempre se chegaria à mesma conclusão, com fundamento na resolução, independentemente da apreciação do motivo invocado, visto que ambas as partes requereram expressamente a resolução do contrato-promessa, assim prevalecendo a vontade comum de ambas as partes, mediante declarações unilaterais e receptícias assentes na estatuição do art.° 436°, n.° 1, do Código Civil, sempre com a consequente devolução da quantia recebida, face ao princípio da retroactividade do n.° 1 do art.° 434° do CCivil. Por seu lado, a Apelante defende que existe justificação para que seja decretada judicialmente a resolução do contrato por parte da Recorrente, face ao incumprimento do estipulado no referido "Protocolo de Acordo" que é parte integrante do Contrato Promessa em causa. 1. Do caso julgado A sentença recorrida afirma que a partir do momento em que, por sentença transitada em julgado, foi indeferida a autorização para a prática de actos em representação da menor com fundamento na impossibilidade jurídica de realização do negócio prometido, tal decisão constitui caso julgado. O caso julgado é a não susceptibilidade de impugnação de uma decisão judicial decorrente do seu trânsito em julgado, porque queda indiscutível a situação derivada da aplicação do direito ao caso concreto pelo tribunal (artigo 677º do Código de Processo Civil). Com efeito, transitada em julgado a sentença, a decisão sobre a relação material controvertida tem força obrigatória nos limites fixados pelos artigos 497º e 498º do Código de Processo Civil (artigo 671º, n.º 1, do Código de Processo Civil). A excepção do caso julgado depende da repetição de uma causa que foi decidida por sentença que não admita recurso ordinário (artigo 497º, n.º 1, do Código de Processo Civil). A referida repetição pressupõe a proposição de uma acção idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir (artigo 498º, n.º 1, do Código de Processo Civil). Há identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica. Existe identidade de pedido quando numa e noutra causa se pretenda obter o mesmo efeito jurídico (artigo 498º, nºs 2 e 3, do Código de Processo Civil). Surge identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas acções procede do mesmo facto jurídico, sendo que nas acções constitutivas ela se traduz no facto concreto invocado para se obter o pretendido efeito (artigo 498º, nº 4, do Código de Processo Civil). Resulta, assim, dos mencionados normativos que o que se pretende é evitar que o tribunal seja colocado em situação alternativa de reproduzir ou contrariar uma decisão anterior, pressupõe a identidade do objecto da decisão transitada em julgado e daquele que faz parte do processo posterior, ou seja, é necessário que em ambos haja sido formulado o mesmo pedido alicerçado na mesma causa de pedir. No caso em análise, verifica-se que no âmbito do processo de jurisdição voluntária, veio a mãe da A., enquanto sua legal representante, pedir autorização para proceder à partilha dos bens comuns conforme estipulado no contrato promessa. Mas, como se viu, foi proferida sentença que indeferiu a requerida autorização, com fundamento, além do mais, em “impossibilidade jurídica de realização do negócio prometido”. No entanto, este caso julgado, que impede a “renovação” do pedido de autorização com os mesmos fundamentos, não pode vincular a apreciação da validade do contrato promessa no âmbito da presente acção, desde logo porque não existe repetição da causa quanto aos sujeitos, pedido e causa de pedir. Com efeito, nos termos do nº 1 do artigo 1889º do CC, como representantes dos filhos, não podem os pais, sem autorização do tribunal, além do mais, alienar ou onerar bens, aceitar herança, doação ou legado com encargos, ou convencionar partilha extrajudicial. Portanto, para que os pais possam praticar validamente estes actos têm de pedir autorização ao tribunal. Na acção de autorização, o que está em causa é apenas e tão só a concessão de autorização autorização judicial para a prática de determinado acto, em representação do menor, importando apreciar os interesses patrimoniais dos menores ou incapazes, não autorizando aos seus legais representantes levar a cabo alienações de bens ou outras operações financeiras arriscadas ou pouco conscientes, operações susceptíveis de comprometer gravemente os interesses daqueles. Na presente acção está em causa a análise do próprio contrato e apurar se estamos perante o incumprimento, definitivo ou não, do contrato promessa, quem deu causa a esse incumprimento e quais as consequências desse incumprimento. A conclusão é, por isso, no sentido de que nas acções em confronto se não verifica a identidade de sujeitos, pedido e causa de pedir a que se reporta o artigo 498º do Código de Processo Civil. 2. Contrato promessa/Contrato prometido Cabe referir que, tal como defende a Recorrente e também a sentença recorrida, o contrato promessa em causa é válido, pois que dele emergem apenas efeitos obrigacionais, comportando somente um conteúdo obrigacional de prestação de facto. Através do contrato promessa, o promitente apenas se obriga à celebração futura do contrato. Sendo válida a promessa, os promitentes assumem as obrigações derivadas do contrato, incluindo as decorrentes da falta de cumprimento que lhe seja imputável. Neste pressuposto analisemos, então, o presente contrato promessa. A qualificação de um contrato pressupõe interpretação, que se analisa em determinar o conteúdo das declarações de vontade e, consequentemente, os efeitos que o negócio visa produzir, em conformidade com essas declarações, prevalecendo, em princípio, a vontade real do declarante, sempre que for conhecida pelo declaratário (arts. 236º nº. 2 e 238º, nº. 2 do CC). Integram o domínio de liberdade do juiz a indagação, interpretação e aplicação das regras de direito, tendo presentes os arts. 664º e 660º, nº 2 do CPC. Em sede de interpretação das declarações negociais vigora no nosso direito, por força do disposto no art. 236º, nº 1, do Código Civil, a denominada teoria da impressão do destinatário, que estabelece como regra que "o sentido da declaração negocial é aquele que seria apreendido por um declaratário normal, isto é, um declaratário medianamente instruído e diligente, colocado na posição do declaratário real, em face do comportamento do declarante"(3). Constituem circunstâncias atendíveis para a interpretação dos termos do negócio os interesses em jogo e a consideração de qual seja o seu mais razoável tratamento, a finalidade prosseguida pelo declarante, as negociações prévias, as precedentes relações negociais entre as partes, enfim, todos os elementos que um declaratário medianamente instruído, diligente e sagaz, na posição do declaratário efectivo, teria tomado em conta(4). À luz destes ensinamentos e das citadas disposições, fácil é concluir que, as partes, com a celebração do contrato-promessa que denominaram de “divisão de coisa comum”, pretenderam acordar na forma à partilha. Seja como for, o certo é que, sendo um dos interessados menor, para a efectivação da pretendida partilha mostrava-se necessário obter a autorização para a efectivar, autorização essa que, mal ou bem, não foi concedida, tendo transitado em julgado essa decisão. “Impossibilitada” ficou, então, a menor de obter a autorização judicial em causa. 2.1. Diz a Apelante que agora, sendo maior, poderia realizar o negócio prometido, isto é, a partilha. Porém, isso era no pressuposto de se ter por irrelevante o tempo para cumprir o contrato prometido. Contudo, afigura-se que, tendo as partes a preocupação de convencionar um prazo curto de 15 dias para o pedido judicial de autorização para a “divisão dos bens”, comprometendo-se a A., então menor, a requerer essa autorização, no aludido prazo, condicionando, as partes, o cumprimento do contrato à obtenção dessa autorização com transito em julgado, seria essencial que o contrato prometido fosse celebrado, num espaço de tempo curto, decisivamente inferior ao necessário para a menor atingir a maioridade. Doutro modo, se o tempo não fosse essencial para os RR., as partes limitar-se-iam a aguardar, calmamente, cerca de dois anos, que a A. perfizesse os 18 anos … Mas os RR. não tinham esse tempo todo. Queriam rapidamente partilhar os bens para assim fazerem face aos inúmeros encargos que se avolumavam após o falecimento do marido da cabeça de casal. Ainda assim, aguardaram, cerca de um ano, a decisão de concessão da autorização. Não tendo a A. logrado obter a necessária autorização, a cabeça de casal requereu, então, a partilha adicional, no âmbito do processo de inventário. E na conferência de interessados que, na sequência, se realizou, a cabeça de casal, veio, através do seu mandatário, justificar o motivo pelo qual não era possível cumprir o acordo, “referente aos valores em dinheiro”: 1º Falta de disponibilidade financeira resultante da situação díficil da Urbanização de Alenquer cujas vendas esão paradas há mais de dois anos (…). 2º. O cumprimento seria consentâneo com a aceitação pela interessada (C de que os bens objecto da partilha adicional seriam adjudicados aos demais interessados. Face à dificuldade enumerada em primeiro lugar a cabeça de casal propôs em alternativa o cumprimento do acordo por meio da entrega do lote 141 da Urbanização de Alenquer, um dos dois que não foram penhorados pelas Finanças para garantyia de pagamento de dívidas fiscais do comprador da Urbanização. A não aceitação desta proposta pela interessada Carla deverá conduzir ao prosseguimento imediato do processo de inventário para partilha adicional dos bens agora em causa, procedendo-se a licitações (…).(5) E em sede de pedido reconvencional vieram os RR, pedir a resolução do contrato por erro nas circunstâncias que serviram de base ao negócio. 3. Da alteração das circunstâncias Para que a alteração das circunstâncias pressupostas pelos contraentes conduza à resolução do contrato ou à modificação do respectivo conteúdo, exige o art. 437º do CCivil, que se achem reunidos cumulativamente os seguintes requisitos: a) que a alteração considerada relevante diga respeito a circunstâncias em que se alicerçou a decisão de contratar, isto é, a circunstâncias que, ainda que não determinantes para ambas as partes, se apresentem como evidentes, segundo o fim típico do contrato, ou seja, que se encontrem na base do negócio, com consciência de ambos os contraentes ou razoável notoriedade - como representação mental ou psicológica comum patente nas negociações (base subjectiva), ou condicionalismo objectivo apenas implícito, porque essencial ao sentido e aos resultados do contrato celebrado (base objectiva); b) que essas circunstâncias fundamentais hajam sofrido uma alteração anormal, isto é, imprevisível ou, ainda que previsível, afectando o equilíbrio do contrato; c) que a estabilidade do contrato envolva lesão para uma das partes, quer porque se tenha tornado demasiado onerosa, numa perspectiva económica, a prestação de uma das partes (conquanto não se exija que a alteração das circunstâncias coloque a parte numa situação de ruína económica, a manter-se incólume o contrato), quer porque a alteração das circunstâncias envolva, para o lesado, grandes riscos pessoais ou excessivos sacrifícios de natureza não patrimonial; d) que a manutenção do contrato ou dos seus termos afecte gravemente os princípios da boa fé negocial; e) que a situação não se encontre abrangida pelos riscos próprios do contrato, isto é, que a alteração anómala das circunstâncias não esteja compreendida na álea própria do contrato, isto é, nas suas flutuações normais ou finalidade ou nos riscos concretamente contemplados pelas partes no acordo contratual. Importa ter presente que este instituto não se confunde com a teoria do erro acerca das circunstâncias existentes à data do contrato, apesar de haver uma estreita afinidade entre elas, pois uma diz respeito à base negocial objectiva e outra assenta na base negocial subjectiva. Ao passo que o erro vício se traduz numa representação inexacta ou na ignorância de uma qualquer circunstância de facto ou de direito que foi determinante na decisão de efectuar o negócio (é um erro na formação da vontade), por seu lado a pressuposição consiste na convicção por parte do declarante, decisiva para a sua vontade de realizar o negócio, de que certa circunstância se verificará no futuro ou de que se manterá um certo estado de coisas: não é um erro, mas uma imprevisão. Todavia, a lei também não exige que a alteração seja imprevisível, mas o requisito da anormalidade conduzirá praticamente quase aos mesmos resultados (6). 3.1. Reconhecendo as partes que o objectivo visado pelo contrato-promessa era o de partilhar os bens da herança, possibilitando que cada um dos interessados no inventário viesse a dispôr livremente dos bens adjudicados, mostra-se duvidoso, atenta a facticidade provada, que estejam reunidos os pressupostos relativos à alteração das circunstâncias. É certo que durante anos a A. (através de sua representante legal) e os RR., enredaram-se em inúmeros e morosos litígios processuais, sendo perceptíveis as dificuldades decorrentes da impossibilidade de livre disposição dos bens da herança, que se reflectiram e afectaram o património dessa herança. Porém, o que se verifica é que as partes arriscaram na rápida possibilidade de partilha dos bens, não sendo aceitável, que ignorassem e que não tivessem previsto, quando o contrato promessa foi celebrado, que a autorização poderia não ser deferida. Pode, assim, dizer-se que a outorga do contrato promessa e do respectivo contrato prometido, ocorreram, assim, numa margem de álea que o direito abandona à lógica do comércio privado, sendo que a exigência das obrigações decorrentes da celebração do mesmo está coberta pelos riscos próprios do negócio e não afecta os princípios da boa fé. 4. Do incumprimento do contrato-promessa Ainda assim, não pode defender-se como pretende a A./Apelante que foram os RR. que incumpriram o contrato-promessa, com a finalidade de exigir a indemnização prevista na cláusula 5.a (uma cláusula penal, nos termos do art. 810° do Código Civil) porque, para existir incumprimento, têm de existir condições objectivas para que tal situação possa ocorrer e um juízo de imputação a título de culpa como pressuposto do dever de indemnizar. Ora, a haver incumprimento culposo, este seria imputável à própria A. que não obteve, em tempo, a autorização necessária para a outorga do contrato prometido, pelo que, ao tempo em que atingiu a maioridade, já a A. estava em incumprimento. Não esqueçamos que, mal ou bem, conforme consta do relatório da sentença, a acção de autorização foi intentada para "proceder à partilha dos bens comuns conforme estipulado no contrato promessa celebrado em 3 de Maio de 2002 alíneas D2 e D3, no montante de 112.229, 53 €”. Se o tribunal não permite a execução do contrato-promessa, ou seja não permite o cumprimento a uma das partes, que, aliás, não recorreu da decisão, não tem justificação legal, como se afirma na sentença recorrida, a imputação do incumprimento aos RR. e accionamento da referida cláusula penal de 250.000,00 €, como pretende a A./Apelante. Afinal foi a A. que, por não ser maior, “impediu” ao tempo do acordo, a efectivação da partilha consensual dos bens. Portanto, não pode configurar recusa de cumprimento imputável aos RR, a intenção de resolver o contrato, , tendo em consideração as declarações prestadas na acta de conferência de interessados e queos RR formalizaram no pedido deduzido em reconvenção, com a restituição do valor monetário entregue à A., no âmbito do contrato-promessa. Ora, os RR cumpriram a sua parte no acordo, procedendo à entrega da quantia de 199.519,16, por conta da quota da A. avaliada em 311.748,69€. Também a A. diligenciou no sentido da obtenção da autorização, tal como executou as restantes diligências a que se obrigara no âmbito do Protocolo de Acordo pondo termo às acções pendentes. Apesar disso, como se viu não foi possível obter a autorização judicial, condição necessária ao cumprimento do contrato. 4.1. Como decorre do art. 270º do CCivil, as partes podem subordinar a um acontecimento futuro e incerto a produção dos efeitos do negócio jurídico. É a denominada condição suspensiva, ou seja, “a cláusula por virtude da qual a eficácia de um negócio (o conjunto de efeitos que ele pretende desencadear) é posta na dependência dum acontecimento futuro e incerto, por maneira que ou só verificado tal acontecimento é que o negócio produzirá os seus efeitos (condição suspensiva), ou então só nessa eventualidade é que o negócio deixará de os produzir (condição resolutiva).(7) Ora, tal como muitos outros contratos, também o contrato-promessa pode ser condicional, se bem que o contrato-promessa não seja o mesmo que o contrato definitivo subordinado a um condição suspensiva. Este último tem a sua eficácia dependente da verificação da condição; aquele não tem, salvo se for também condicional"(8). No caso, os promitentes acordaram que o cumprimento do contrato, com a entrega do capital em falta seria consentâneo com a aceitação pela interessada Carla, aqui Apelante, de que os bens objecto da partilha adicional seriam adjudicados aos demais interessados. Para o efeito comprometeu-se, nos termos do contrato promessa, através de sua mãe, a obter autorização judicial para a partilha dos bens e só com o transito em julgado desta sentença seria pago o remanescente. Poderá, assim, dizer-se que as partes subordinaram a produção de efeitos do contrato promessa à autorização judicial de partilha. Esta era, de facto, a obrigação principal do contrato-promessa, o seu objectivo: a partilha de bens da herança. Diligenciando a A., como se comprometera, pela autorização foi esta negada pelo tribunal. Donde, será caso para se concluir que não se verificou a condição, tornando-se impossível da prestação da A. Efectivamente, em caso que apresenta similitudes com o dos autos, foi decidido que, “sendo aposta ao negócio uma condição suspensiva, a produção dos efeitos do negócio fica paralisada ou suspensa enquanto se não verificar o acontecimento futuro e incerto a que as partes a condicionaram. Enquanto a condição se não verificar não se produzem os efeitos próprios do negócio. Se a condição não se verificar, não se produzem os efeitos definitivos a que tendia o negócio, ficando sem efeito, como se nunca tivesse sido concluído [Ver Manuel de Andrade, ob. cit., 382, Mota Pinto, ob. cit., 569, Vaz Serra, RLJ 112/163] e não contraíssem as obrigações próprias do contrato”. “Nesta situação, as partes ficam obrigadas a restituir o que, em função ou na expectativa da produção dos efeitos do contrato, tenham prestado.”(9) No caso dos autos, tendo ficado subordinada a produção dos efeitos da promessa à verificação da condição suspensiva e não se verificando essa condição, não têm as partes a obrigação de contratar. De acordo com este entendimento, as partes não beneficiariam do direito potestativo de resolução do contrato promessa, cuja produção de efeitos estava suspensa. Não verificada a condição a que as partes subordinaram a produção dos efeitos típicos deste, fica sem efeito, deixando de produzir os efeitos a que tendia. Não verificada a condição, fica sem efeito o contrato e os RR. têm direito a reaver da A. o que houver sido prestado. 4.2. Por último, cabe realçar, como faz notar a sentença recorrida, que, ambas as partes pretendem a resolução do contrato-promessa. De acordo com o art. 808º do CC, se o credor, em consequência da mora, perder o interesse que tinha na prestação, ou esta não for realizada no prazo que razoavelmente for fixado pelo credor, considera-se para todos os efeitos não cumprida a obrigação, mas essa perda do interesse é apreciada objectivamente. Assim, “o direito de resolução depende do carácter objectivo, razoável ao comum da actuação negocial de pessoas normais, ou seja, de boa fé, de lisura e honestidade no trato contratual, ainda que em fase de mora (que não de ruptura definitiva), por parte de uma delas”(10). Com o decurso do tempo e atendendo às várias vicissitudes ocorridas pode dizer-se que ambas as partes incumpriram e desinteressaram-se do negócio. Daí a possibilidade de resolução do contrato, por perda do interesse na sua execução, objectivamente apreciada, comum a ambos os contraentes. Para existir o direito de resolução, basta a verificação do incumprimento objectivamente valorado, se apresente suficientemente relevante, segundo os princípios da boa fé. Como, perante a referida decisão judicial, ficou vedada a autorização para outorga do contrato definitivo, prevalece a vontade comum de ambas as partes, mediante declarações unilaterais e receptícias assentes na estatuição do art. 436°, n.° 1, do Código Civil. Por conseguinte, assiste às partes o direito à resolução do contrato, verificado que está o seu incumprimento definitivo, com a consequente restituição, em singelo, da quantia entregue à A., face ao princípio da retroactividade do n.° 1 do art.° 434° do CCivil. 5. Da restituição Seja como for, em qualquer das hipóteses perspectivadas, a consequência da invalidade/ineficácia do contrato promessa sempre será a da restituição do que tiver sido prestado, não havendo lugar ao funcionamento da cláusula penal, com a obrigação de restituição da quantia recebida pela A., com base no princípio da retroactividade ou do enriquecimento sem causa. Alega a Apelante que, ao decidir no sentido de a condenar a restituir a quantia recebida, aquando da outorga do "Contrato promessa de Divisão de Coisa Comum", a sentença recorrida desconsiderou que os Recorridos também receberam idêntica quantia monetária. Contudo, pese embora remeta para documento junto aos autos denominado “Conta corrente de João dos Santos Moura, Herdeiros”, do mesmo não pode retirar-se, sem mais, essa conclusão, o que ademais será irrelevante já que a invalidade do contrato promessa não põe em causa os direitos da A. na partilha, tudo se passando, afinal, como se jamais este contrato tivesse sido celebrado. Por outro lado, pese embora a A. tenha cumprido parte das obrigações acessórias constantes do Protocolo, desistindo dos mencionados processos, a verdade é que tal desistência não pode ser “remunerada” além de que apenas se pode dizer que, nas referidas acções pendentes, a A. tinha uma mera expectativa de procedência das mesmas e não o reconhecimento de um qualquer direito. Trata-se de obrigações meramente instrumentais sendo certo que o fim último do contrato-promessa, de que o dito protocolo faz parte, era a partilha dos bens da herança, por todos os interessados incuindo a A. Destruídos os efeitos do contrato-promessa, tudo se passa como se este não tivesse sido celebrado, com salvaguarda, naturalmente, dos direitos da A. na partilha dos bens. Em suma, como consequência da impossibilidade de execução ou cumprimento do contrato, deixa de existir uma causa justificativa para a A. ficar com a quantia de 199.519,16 € que a sua mãe, na qualidade de sua legal representante, recebeu aquando da assinatura do "protocolo de acordo" que constitui parte integrante do "Contrato Promessa de Divisão de Coisa Comum". Falecem, deste modo as alegações de recurso. Se bem que por razões não inteiramente coincidentes, a decisão recorrida deve manter-se. IV – DECISÃO Termos em que se acorda em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida. Custas pela Recorrente. Lisboa, 19.12.2007 Fátima Galante Gilberto Jorge Graça Araújo ___________________ 1 - Acórdãos do STJ de 15ABR93 (CJ-STJ, 2/93, 62) e da RL de 2NOV95 (CJ, 5/95, 98). Cf., ainda, Amâncio Ferreira, Manual dos recursos em Processo Civil, 5ª Ed., 2004, pg. 141. 2 - Cf. artigos 713º, nº 2,, 660º, nº 2, e 664º do CPC, acórdão do STJ de 11JAN2000 (BMJ, 493, 385) e Rodrigues Bastos, Notas ao Código de Processo Civil, III, 247 3 - Galvão Telles, "Direito das Obrigações", 6ª edição, Coimbra, 1989, pag. 83. 4 - Mota Pinto, "Teoria Geral do Direito Civil", 3ª edição, Coimbra, pag. 444. 5 - Cfr. Acta de Conferência de Interessados, a fls. 39-41 dos autos. 6 - Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 3ª ed. pág. 505/507; Anotação de Vaz Serra ao Ac. S.T.J. de 17-2-80, R.L.J. Ano 113-306. 7 - Manuel de Andrade, "Teoria Geral da Relação Jurídica", vol. II. Reimpressão, Coimbra, 1992, pag. 356. 8 - Abel Pereira Delgado, "Do Contrato-Promessa", Lisboa, 1978, pag. 101 9 - Porto, 22 de Setembro de 2005 (José Manuel Carvalho Ferraz), www.dgsi.pt/jtrp. 10 - Ac. STJ de 10 de Março de 2005, (Neves Ribeiro), www.dgsi.pt. |