Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2508/2008-1
Relator: ANA GRÁCIO
Descritores: REGULAÇÃO DO PODER PATERNAL
ALIMENTOS
MAIORIDADE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/06/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ALTERADA A DECISÃO
Sumário: I – Com a maioridade cessa o poder paternal – art 1877º do CC - , pelo que não pode deixar de se entender que se extingue igualmente a obrigação de prestar alimentos fixada a favor dos filhos menores.
II – Se os filhos carecerem de alimentos para completarem a sua formação profissional, atingida a maioridade legal, deverão intentar nova acção, alegando os requisitos legais constantes do art 1880º do CC.
III - Sendo a omissão total o grau máximo da deficiência, deve a Relação anular oficiosamente, nos termos do art 712º nº4 do CPC, a sentença que não discrimina a matéria de facto em pedido de aumento das prestações alimentares fixada a favor dos filhos menores.
AG
Decisão Texto Integral: Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa
I – RELATÓRIO
1 – A veio requerer a alteração da regulação do poder paternal dos seus filhos G, nascido no dia 10-12-1988, e M, nascida a 24-02-1995, peticionando que a pensão de alimentos que lhes paga seja reduzida ao montante de €150,00 para ambos.
A requerida J sustentou que não existem razões para reduzir o montante da prestação de alimentos e requereu que a mesma seja aumentada para € 300,00 para cada um dos filhos.

2 – Em audiência de julgamento, foi suscitado um requerimento pelo filho G, que entretanto atingiu a maioridade, para efeito de fixação dos alimentos a cargo do pai, o qual foi indeferido, atento o facto de este ter atingido a maioridade e a consequente inviabilidade de prestação de alimentos devidos a filhos maiores, dada a distinta natureza das obrigações de alimentos em apreço.
Foi pedido esclarecimento sobre este despacho de indeferimento, o qual resultou num despacho a ordenar, dada a não oposição do Requerente, que os autos prossigam também para apreciação dos pedidos, quer da redução quer de aumento, relativos ao filho G com referência até à data da sua maioridade.

3 - Inconformado com este despacho, dele interpôs o filho G recurso de agravo, tendo, nas suas alegações oportunamente apresentadas, formulado as seguintes conclusões:
“a) A obrigação de alimentos não cessa com a maioridade do filho se não houver, este, complementado a sua formação profissional, nem a maioridade é causa de cessação automática da obrigação de alimentos fixada em anterior acção de regulação de poder paternal – é o que resulta designadamente dos art.s 1880º e 2013º do Código Civil.
b) A acção de regulação de poder paternal é o meio próprio para, além das demais questões atinentes ao poder paternal, definir a questão e a medida dos alimentos; do mesmo modo a acção de alteração da regulação de poder paternal quando restrita à questão da alteração da medida de alimentos, não deixa de ser uma verdadeira e própria acção de alteração de alimentos.
c) Tendo a instância de alteração tido início durante a menoridade do alimentando, tendo nesta instância sido assegurado plenamente a contraditório, reconhecendo o obrigado a alimentos que o alimentando reúne as condições previstas no art. 1880º do C.C. para deles continuar a beneficiar, e estando ambos de acordo em que os autos devem prosseguir para a apreciação do pedido do requerente-alimentando não obstante a maioridade, entretanto, deste, visto tudo isso não deve a instância ser dada por extinta ou restringida ao conhecimento da questão dos alimentos até ao momento da maioridade, devendo, ao invés, prosseguir para todos os pretendidos efeitos – assim o impõem, ademais, os princípios da economia, da simplificação e do aproveitamento dos actos processuais, tanto mais que ao tribunal assiste o poder e o dever de, nos termos do art. 265º-A do C.P.C., adequar a forma dos actos aos fins do processo.
d) Não há razões de diversidade de competências – no que respeita a alimentos a maiores e a alimentos a menores – porquanto os alimentos ao abrigo do artigo 1880º são como que uma extensão dos devidos enquanto menores, na linha e seguimento, e, por outro lado, e no presente caso, o tribunal é de competência genérica, nela incluindo, as das questões de família e menores, sendo, por isso, competente em ambos os casos e hipóteses.
e) O art. 1121º, nº 4, mostra-se perfeitamente respeitado e cumprido no caso em apreço.
f) A douta decisão recorrida fez inadequada interpretação e aplicação dos princípios e regras imanentes dos art.s 1880º e 2013º do Código Civil e 1121º, 4 do C.P.C., devendo ser substituída por outra que ordene o prosseguimento dos autos para efeitos do conhecimento da questão de alimentos no âmbito também do art. 1880º do Código Civil.”

4 - Realizado o julgamento, foi a final proferida sentença (cfr pags 315 a 320), pela qual se decidiu:
“...julgar improcedentes, quer o pedido de redução do montante da pensão de alimentos devida por A aos seus filhos G e M, que o pedido de aumento dessa mesma pensão de alimentos.
…”
5 – É desta sentença que a Requerida interpõe recurso de apelação, concluindo as suas alegações pela forma seguinte:
“A) Mostrando-se a regulação em vigor – na vertente de alimentos a menores – fixado por acordo entre os progenitores homologado por sentença, acordo e homologação para os quais não foi exigida nem era exigível a alegação e demonstração da factualidade subjacente. Sendo essa regulação de há vários anos, ocorrendo entretanto uma óbvia alteração das circunstâncias e condições pessoais dos alimentandos, e sendo alegada matéria atinente às circunstâncias pessoais, familiares e sociais de todos os envolvidos – progenitores e filhos – mormente nas vertentes financeiras, económicas e das carências de cada um deles, sendo, para mais, do conhecimento geral a irrecusável dinâmica e mutação quer das características e condições dos envolvidos, inerentes à sua própria natureza, quer do meio social envolvente, inerentes à sua própria natureza, quer do meio social envolvente, mostrando-se tudo isso, dizia-se, e do que resulta um juízo no sentido da desproporcionalidade entre os meios do obrigado a alimentos e a necessidade daqueles que hão-de recebê-los, o tribunal não pode deixar de averiguar essa factualidade e, em consequência, proferir decisão quanto à questão que lhe é colocada – ou seja, quanto à actualização/alteração da medida dos alimentos.
B) Não é necessário, em tal contexto, que o requerente de alimentos faça prova não só da desproporcionalidade actual, como também da factualidade que existia ao momento da decisão a alterar, tanto mais que, como dito, a alegação e prova dessa factualidade nem sequer foi exigida, então.
C) A natureza dos interesses e direitos envolvidos – porque de menores se trata, excluídos da livre disponibilidade dos seus titulares – nem sequer permitem que, por razões formais, se pretira a regulação de fundo, substantiva – tanto mais que se está no domínio de processo de jurisdição voluntária.
D) Não averiguando da matéria, fundante, alegada e, em consequência, denegando conhecer do pedido, a sentença recorrida incorreu na nulidade prevista na alínea d) do nº1 do art 668º do C.P.C, que há-de ser suprida por via da sua anulação ao abrigo e nos termos do nº4 do art 712º do mesmo diploma, com a consequente ampliação e conhecimento da matéria de facto omitido.
E) Não se deu, por tudo, o exposto, acolhimento e aplicação ao princípio contido no nº1 do art 2004º do Código Civil, nessa medida se denegando a justiça que deve ser reparada pela via atrás enunciada.”

6 – O MºPº apresentou contra-alegações, pugnando pela manutenção das decisões recorridas.

Colhidos os vistos legais, e tudo visto, cumpre apreciar e decidir.

II – AS QUESTÕES DO RECURSO
São as conclusões da alegação do recorrente que, em princípio, atento o disposto nos arts 684º nºs 3 e 4 e 690º nº1 do CPC, delimitam o objecto do recurso.
Estão aqui em causa dois recursos: o primeiro, de agravo, respeitante ao despacho que indeferiu o requerimento do filho maior, e o outro, de apelação da sentença final, com o qual aquele agravo subiu.
Nos termos do art 710º do CPC, a apelação e os agravos que com ela tenham subido são julgados pela ordem da sua interposição, pelo que importa conhecer primeiro o agravo e, depois, a apelação.
Relativamente a estes recursos, suscitam os recorrentes estas questões:
Recurso de agravo – saber se, por força da maioridade atingida por menor no decurso de um processo de alteração dos alimentos fixados a menor, não cessa automaticamente a obrigação de prestação de alimentos por parte do progenitor a eles obrigado por decisão judicial proferida na mesma acção.
Recurso de apelação – a sentença padece da nulidade prevista na alínea d) do nº1 do art 668º do CPC, por não ter averiguado da matéria alegada no que respeita ao aumento da pensão e, em consequência, denegando conhecer do pedido.

III – FUNDAMENTOS DE FACTO
A 1ª Instância considerou provada e não provada a seguinte a matéria de facto:
“Consideram-se não provados os seguintes factos com interesse para a decisão da causa:
1 - Por acordo homologado por sentença proferida em 11.11.2002 nos autos de alteração de regulação de poder paternal no apenso "B" foi estabelecido que os menores G e M ficariam confiados à mãe e que o pai contribuiria com a prestação mensal de € 149,64 para cada um dos filhos a título de pensão de alimentos;
2 - Aquando da celebração daquele acordo os menores encontravam-se a residir em Évora, local onde ainda hoje reside o requerente A;
3 - Posteriormente os menores passaram a residir com a mãe em Torres Vedras;
4 - De Évora a Torres Vedras distam cerca de 169 kms, pelo que, em cada fim-de-semana que o requerente vem buscar e entregar os filhos a Torres Vedras tem de percorrer 4 vezes essa distância;
5- Nessas quatro viagens, efectuando o percurso em auto-estrada despende cerca de € 40,00 de portagens e cerca de € 50,00 em gasóleo;
6 - Em encargos bancários com empréstimos relacionados com a aquisição de habitação o requerente paga €1.189,47 por mês, e em seguros multiriscos e de vida associados a esses empréstimos, a quantia de €107,43;
7- Tem despesas de energia eléctrica na ordem dos €147,78 por mês;
8 - Despende € 35,57 por mês com o serviço de Internet;
9 - Por motivos profissionais o requerente tem de almoçar fora de casa durante a semana
10 - O requerente aufere um salário base de € 2.994,00, do que resulta o rendimento líquido de € 2.238,86. incluindo ajudas de custo no valor de € 277,20 mensais;
11. Recebe, além disso, como incentivos de vendas, um prémio de produtividade que, em
Outubro de 2006, Janeiro de 2007, e Julho de 2007, foi de € 300,00;
12. Dispõe de telemóvel da empresa que suporta os respectivos encargos e de veículo da
empresa a qual suporta todos os encargos com seguros, revisões, reparações e combustível, excepto quando o veículo é utilizado para uso particular;
13. Apesar do G já ter atingido a maioridade em 10.12.2006, continua a concluir a sua formação escolar, frequentando o 12° ano de escolaridade;
14 – M frequenta o 6° ano de escolaridade;

Discriminação dos factos que se consideram não provados:
1 - Em cada viagem o requerente tenha de fazer uma refeição no caminho;
2 - Despende por mês € 26,68 em TV Cabo e € 74,40 em gás;
3 - O requerente gasta em média €15,00 por cada refeição fora de casa;
4 - O requerente está a pagar aos filhos a pensão mensal de € 335,52;
5 - O requerente vive em união de facto com outra mulher;
6 - O requerente vive em economia comum com o pai;
7 - O requerente retira rendimentos do prédio misto que era propriedade do casal”

IV – APRECIAÇÃO
Recurso de Agravo
Saber se, por força da maioridade atingida por menor no decurso de um processo de alteração dos alimentos fixados a menor, proposto ao abrigo do art 186º da OTM, não cessa automaticamente a obrigação de prestação de alimentos por parte do progenitor a eles obrigado por decisão judicial proferida na mesma acção
Ao recorrente foi judicialmente fixada, enquanto menores, uma pensão de alimentos, pois, pelos art 36º nºs 3 e 5 da CRP e 1878º nº1 do CC (de que serão todos os normativos legais que a seguir se citarem sem referência a diploma de origem), compete aos pais o dever de prestar alimentos aos filhos menores, assegurando o seu sustento e sendo responsáveis pelas despesas inerentes à sua saúde e educação, definindo o art 2003º nº1 como os alimentos como tudo o que é indispensável ao sustento, habitação e vestuário, neles se compreendendo também as despesas de instrução e de educação.
Cessando o poder paternal e os deveres que integram o seu conteúdo com a maioridade (art 1877º), a partir desse momento, os filhos ficam habilitados a reger a sua pessoa e a dispor dos seus bens (art 130º).
Mas o fundamento da obrigação de alimentos dos pais em relação aos filhos não é apenas a menoridade destes, mas também a sua carência económica depois de atingirem a maioridade e enquanto prosseguem os seus cursos universitários ou a sua formação técnico-profissional (Maria Clara Sottomayor, Regulação do Exercício do Poder Paternal nos Casos de Divórcio, pag 128). Mantém-se a obrigação dos pais a que se refere o art 1879º, obrigados a prover ao sustento dos filhos e de assumirem as despesas relativas à segurança, saúde e educação, na medida em que seja razoável exigir aos pais o seu cumprimento e pelo tempo normalmente requerido para que aquela formação profissional se complete (art 1880º).
A circunstância de neste se estabelecer a persistência da obrigação de prestar alimentos no âmbito dos poderes/deveres correspondentes ao conteúdo do poder paternal quando o filho atinge a maioridade, assume natureza excepcional (Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol V, pag 339).
Daí o poder afirmar-se, com apoio em determinada corrente jurisprudencial, que uma tal obrigação de alimentos radica, não no poder paternal em si mesmo considerado, pois já se extinguira, mas num dever moral e ético de assistência, com vista à completa formação profissional do filho maior (Ac Relação do Porto de 26-01-2004, www.dgsi.pt.).
“I - O que está na base do normativo do art. 1880º do Código Civil é a incapacidade económica do filho maior para prover ao seu sustento e educação, quando as circunstâncias impõem aos pais, não obstante a maioridade do filho, a obrigação de, em nome do bem-estar e do futuro deste, continuar a suportar tais despesas.
II) - A obrigação excepcional prevista neste normativo tem um carácter temporário, balizado pelo “tempo necessário” ao completar da formação profissional do filho, e obedece a um critério de razoabilidade – é necessário que, nas concretas circunstâncias do caso, seja justo e sensato, exigir dos pais a continuação da contribuição a favor do filho agora de maioridade” - Ac STJ 08-04-2008, www.dgsi.pt.
A regra no sentido de que o direito a alimentos do filho menor no confronto dos respectivos progenitores cessa com a respectiva maioridade, mas o filho maior tem, porém, direito à manutenção da referida obrigação alimentar, no mesmo ou em diferente montante, conforme as circunstâncias, para completar a sua formação profissional.
No caso do art 1880º, este não prevê o protelar de uma situação de menoridade, mas antes encerra uma específica obrigação dos pais de carácter temporário (pelo tempo necessário), para completar a formação profissional. A continuação da obrigação da prestação alimentar não é automática sempre que se atinja a maioridade, não está inserida nos poderes típicos característicos que integram a autoridade paterna, não depende da prova de requisitos que não se integram no contexto do poder paternal atinente a filhos menores, mas apenas o manter-se a obrigação específica de sustento e de custeio das despesas de segurança, saúde e de instrução do filho já maior.
A regulação do poder paternal abrange diversos aspectos de que os alimentos são apenas um (guarda ou destino, visitas e alimentos – art 1877º e ss), mas os alimentos a maiores têm por fundamento coisas diferentes e só parcialmente coincidentes – estar o filho maior nas condições do art 1880º (cfr. 1879º).
No pedido de alimentos a maiores seguir-se-á, com as necessárias adaptações, os termos de alimentos a menores (art 1412º do CPC), e não de regulação do poder paternal – art 174º e ss OTM. Os fundamentos são os do art 1880º, e não os do art 1905º a 1908º.
“A obrigação de alimentos a filhos que atinjam a maioridade tem de ser fixada na acção prevista no artº 1412º do CPC, mediante a alegação e prova, por banda do impetrante, dos pressupostos vazados no artº 1880º do CC, não se mantendo, consequentemente, tal vinculação judicialmente fixada, em razão da maioridade, enquanto os progenitores não requererem a respectiva cessação” – Ac STJ de 22-04-2008, www.dgsi.pt.
Se os filhos – como o agravante – carecerem de alimentos para completarem a sua formação profissional, atingida a maioridade legal, deverão intentar nova acção, articulando e provando os factos integrantes da causa de pedir concernente ao direito substantivo previsto no art 1880º - que não constam da sentença do processo principal de regulação do exercício do poder paternal, enquanto menores -, isto é, demonstrando que o seu direito a alimentos se mantém.
Improcedem as conclusões da alegação do recurso de agravo.

Recurso de apelação
Na sentença padece da nulidade prevista na alínea d) do nº1 do art 668º do CPC, por não ter averiguado da matéria alegada no que respeita ao aumento da pensão e, em consequência, denegando conhecer do pedido
Deve acentuar-se que qualquer que seja a decisão do presente recurso, fica intocada, seja qual for a fundamentação, a parte da sentença que não foi recorrida, isto é, a decisão que julgou improcedente o pedido de redução do montante da pensão de alimentos - art 684º nº4 do CPC.
Na motivação quanto à decisão de facto, o Mmº Juiz concluiu o seguinte:
“Não se consideraram os factos articulados pela requerida quanto à sua situação económica e encargos pessoais porquanto é irrelevante para a decisão a tomar. Na verdade essa situação não é alegada pelo requerente para baixar a pensão e, quanto ao pedido da requerente para a aumentar não alega a mesma qualquer alteração da sua condição económica para justificar a alteração.
Nessa medida as testemunhas por si arroladas (…), suas colegas de trabalho e amigas, nada de relevante trouxeram aos autos com os seus depoimentos na medida em que acima de tudo vieram retratar as condições de vida da requerida. Quanto a concretas necessidades dos filhos da requerente, circunstâncias novas que justifiquem um aumento das suas despesas ou agravamento de circunstâncias pré-existentes, factos esses que seriam os essenciais para apreciação do pedido de aumento da pensão de alimentos, nada referiram.”
E quanto à indicação, interpretação e aplicação das normas jurídicas correspondentes, diz o seguinte:
“Já a requerida, quanto ao pedido de aumento dessa pensão não faz alusão a quaisquer circunstâncias supervenientes que tornem necessário alterar o que está estabelecido. Na verdade a mesma limita-se, na prática, a alegar o simples aumento da idade dos menores, encontrando-se agora (na altura das alegações) o mais velho na adolescência e a mais nova em pré-adolescência e "ambos em fase de rápida evolução e transformação física e psíquica, em que os gastos se multiplicam, renovam e crescem exponencialmente". Ora tal alegação não passa de uma mera conclusão que depois não é acompanhada da alegação de quaisquer factos concretos que a sustentem, nomeadamente, quaisquer as despesas que os menores agora acarretam e que antes não existiam, quaisquer necessidades que tenham agora e que não tivessem antes. Dizer-se que agora gasta € 603,50 em medicamentos, € 612,97 em material escolar nada revela para efeitos de alteração, ou será que antes não eram já efectuadas despesas com medicamentos e com material escolar?
Da mesma forma também de nada releva esclarecer qual é a sua situação económica actual e quais os encargos que a mãe dos menores suporta se o tribunal não conhece a realidade existente no momento do acordo.
Assim sendo, quanto ao pedido de aumento da pensão de alimento, inexiste fundamento legal para alterar a regulação do poder paternal, sendo o pedido manifestamente infundado por falta de alegação de factos que permitissem concluir pela alteração superveniente das circunstâncias que justificassem tal aumento.”
O Mmº Juiz, entendendo que a matéria de facto alegada pela Requerida era conclusiva e genérica, proferiu sentença, onde, apreciando os fundamentos invocados como causa de pedir do requerimento de aumento das pensões, julgou este improcedente.
Mas nas suas alegações no processo, a Requerida, quanto ao pedido de redução dos alimentos, refere a vivência física, psíquica e escolar dos filhos, as necessidades e despesas dos filhos, os gastos em actos médicos e apoio medicamentoso, em livros e material escolar e em roupas, a retribuição mensal da Requerida, as despesas relativamente a renda de casa, água, electricidade, gás, prestação do carro, carregamentos de telemóveis dos filhos, refeições escolares de quatro semanas, Seguros Novojovem de acidentes pessoais dos filhos, etc, etc…
Quanto ao pedido de aumento dos alimentos que a Requerida contrapõe ao pedido de redução de seu ex-marido , esta refere as actuais circunstâncias etárias dos filhos, a progressão escolar, as necessidades de apoio e acompanhamento médico-medicamentoso e todos os demais encargos acima aludidos, para pedir o montante global de € 600, 00.
Ora, e como prescreve o disposto no art 659º nº2 do CPC, o Juiz, na sentença, deve discriminar os factos considerados provados, aplicando a posteriori as normas jurídicas inerentes ao caso sob análise e concluindo pela decisão final. Ou seja, exigindo a lei que o Juiz discrimine " (...) os factos que considera provados (...)", impõe-se concluir que na sentença de 1ª Instância deve figurar o elenco dos factos dados como assentes, para que aos mesmos possa ser aplicado o direito. E tal discriminação tem de ser explícita relativamente a todos e cada um dos factos provados indispensáveis ao conhecimento de meritis.
Só face a essa indicação discriminada dos factos provados é que a Relação poderá entrar na apreciação e julgamento do recurso interposto da sentença do tribunal recorrido, pois só assim se afigura possível averiguar a correcta aplicação do direito aos factos e a correcção ou incorrecção da decisão proferida.
Com efeito, não se achando discriminada a factualidade tida por assente pelo Tribunal de 1ª Instância, na sentença não pode a Relação exercer esse poder censório.
Acontece que a sentença impugnada não discriminou os factos provados relativamente à Requerida, nele não se indicando, concretamente, quais os factos materiais que se têm como assentes quanto ao pedido de aumento das pensões.
Ou seja, foi julgado improcedente o aumento da pensão, mas com absoluta omissão da decisão sobre a matéria de facto provada.
A apelante entende que foi prematura a decisão, por o processo não conter ainda todos os elementos indispensáveis para uma decisão conscienciosa, defendendo que há nulidade por omissão de pronúncia prevista na alínea d) do nº1 do art 668º do CPC.
Há omissão de pronúncia quando, desrespeitando o comando fixado no n°2 do art 660° do CPC, o Juiz deixa de pronunciar-se sobre questões que as partes submeteram à sua apreciação, sendo que as “questões que deva apreciar” são as respeitantes ao pedido e causa de pedir, não abarcando as alegações das partes no tocante à indagação, interpretação ou aplicação das regras de direito.
Ora, a sentença recorrida pronunciou-se sobre todas as questões que lhe foram colocadas, inclusive a questão do aumento das pensões pedida pela Requerida, pelo não ocorre qualquer nulidade por omissão de pronúncia.
Estamos perante um caso de omissão total da matéria de facto relativamente ao aumento das pensões, que precede e é substrato da decisão final, dando origem a uma natural falta de especificação dos fundamentos de facto da alínea b) do nº 1 do art 668º do CPC, nulidade esta extensível a qualquer decisão.
Esta nulidade (conexionada com a disposição geral contida no art 158º do CPC e, mais amplamente, com o art 205º nº1 da CRP), não foi arguida pelas partes perante o Tribunal que proferiu a decisão, nem foi objecto de recurso, podendo sê-lo, nos termos do nº3 do citado art 668º.
No entanto, estendendo-se o poder censório da Relação previsto no art 712º nº4 do CPC a todos os casos em que se verifique um julgamento de facto (ou em que este deva verificar-se), se este Tribunal pode e deve anular, mesmo oficiosamente, a decisão proferida na 1ª Instância, quando repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, ou quando considere indispensável a ampliação desta, o mesmo terá de acontecer nos casos em que se verifique uma total ausência de fixação da mesma matéria de facto na sentença.
Se houver uma total ausência de decisão sobre a matéria de facto, não pode este Tribunal exercer o poder censório, não só quanto à matéria de facto provada, como também sobre o direito aplicado e aplicável. É que os conflitos de interesses entre as partes e as relações materiais controvertidas traduzem-se em factos, aplicando-se o Direito aos factos alegados e provados, pelo que, faltando a matéria de facto provada, falta um dos pressupostos necessários de julgamento, ignorando-se e não sendo possível conhecer se foi aplicado bem ou mal o Direito correspondente.
Deste modo, sendo a omissão total da matéria de facto o grau máximo da deficiência, deve considerar-se oficiosamente nula, nos termos do art 712º nº4 do CPC, a sentença recorrida quanto ao aumento das pensões, devendo ser proferida nova decisão relativamente ao aumento das pensões, fixando-se os factos provados com cumprimento integral do art 659º do CPC.
O Mmº Juiz considerou que “…quanto ao pedido de aumento dessa pensão não faz alusão a quaisquer circunstâncias supervenientes que tornem necessário alterar o que está estabelecido. (..) inexiste fundamento legal para alterar a regulação do poder paternal, sendo o pedido manifestamente infundado por falta de alegação de factos que permitissem concluir pela alteração superveniente das circunstâncias que justificassem tal aumento”.
Isto é mera opinião do Mmº Juiz, pois entende que a alteração não redunda do simples decurso de tempo.
Mas, a opinião desta Relação pode ser outra…
E, ainda que se reconheça que o facto em que se refere "ambos em fase de rápida evolução e transformação física e psíquica, em que os gastos se multiplicam, renovam e crescem exponencialmente" tem pendor conclusivo, há que ponderar que não constitui “mera conclusão que depois não é acompanhada da alegação de quaisquer factos concretos que a sustentem”, contendo também matéria de facto, Aliás, como se já disse, a Requerida alegou despesas, necessidades e a sua situação económica…
Mas mais. Estamos, indubitavelmente, em face de um processo de jurisdição voluntária (art 1409º e ss do CPC e art 150º da OTM), em que predomina o princípio do inquisitório, ao dispor do Tribunal, em detrimento do princípio do dispositivo (art 1409º nº2) e o princípio da equidade sobre o princípio da legalidade estrita (art 1410º), aliando aquele à busca de uma solução de conveniência e de oportunidade.
Deste modo, pelos motivos apontados, existe fundamento para anular a sentença recorrida, com a limitação apontada, sendo procedentes, no essencial, as conclusões do recurso intentado pela apelante.
Resta, portanto, determinar que os autos baixem à 1ª Instância, para ser proferida nova decisão, sendo possível, pelo mesmo Mmº Juiz, na qual se discrimine a matéria de facto que se julgue provada relativamente ao aumento das pensões.

Concluindo:
I – Com a maioridade cessa o poder paternal – art 1877º do CC - , pelo que não pode deixar de se entender que se extingue igualmente a obrigação de prestar alimentos fixada a favor dos filhos menores.
II – Se os filhos carecerem de alimentos para completarem a sua formação profissional, atingida a maioridade legal, deverão intentar nova acção, alegando os requisitos legais constantes do art 1880º do CC.
III - Sendo a omissão total o grau máximo da deficiência, deve a Relação anular oficiosamente, nos termos do art 712º nº4 do CPC, a sentença que não discrimina a matéria de facto em pedido de aumento das prestações alimentares fixada a favor dos filhos menores.

V – DECISÃO
Nesta conformidade, e pelos fundamentos expostos:
a) julga-se o agravo improvido;
b) consideram-se, no essencial, procedentes as conclusões do recurso de apelação e anula-se a sentença recorrida, na parte em que julgou improcedente o pedido de aumento das pensões (ressalvando-se, portanto, a parte que julgou improcedentes o pedido de redução das pensões), para ser proferida nova decisão, sendo possível pelo mesmo Mmº Juiz, na qual se discrimine a matéria de facto que se julgue provada, para que se apurem as questões supra enunciadas.
Custas do agravo pelo recorrente.
(Processado por computador e integralmente revisto pela relatora) Lisboa, 6.5.2008
(ANA GRÁCIO)
(PAULO RIJO)
(AFONSO HENRIQUES)