Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | VIEIRA LAMIM | ||
Descritores: | REDUÇÃO OU DISPENSA DE MULTA | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 11/09/2021 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | NÃO PROVIDO | ||
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Sumário: | - A redução ou dispensa da multa pela prática de ato processual fora do prazo, prevista no nº8, do art.139, do CPC, é aplicável ao processo penal; - A situação de reclusão não constitui presunção de carência económica para efeitos daquele preceito legal, devendo o recluso alegar e provar factos que a demonstrem; - A carência económica, só por si, não é suficiente para a dispensa ou redução de pagamento da multa, devendo atender-se à natureza do ato e ao motivo pelo qual não foi respeitado o prazo, por forma a que a multa tenha a função desmotivadora da prática de atos para além do prazo fixado e se respeite o princípio da igualdade. (Sumariado pelo relator) | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Lisboa: Iº 1. No Processo Comum (Tribunal Coletivo) nº 17/18……, da Comarca de …. (Juízo Central Criminal de ……. – Juiz …), após julgamento, o tribunal proferiu acórdão em 10 de maio de 2021, condenando, entre outros, AA na pena única de 8 (oito) anos de prisão. Em 9 de julho de 2021, o Mmo Juiz proferiu o seguinte despacho: “… Fls. 6442 a 6484 – 5-7-2021 – Recurso do acórdão de fls. 5931 a 6260, interposto pelo arguido AA: O acórdão foi lido e assinado em 10-5-2021 e depositado na secretaria no mesmo dia, mas a assinatura da secretária de justiça só foi aposta no dia subsequente, pelo que o prazo de 30 dias para interposição do recurso previsto no artigo 411º, nº 1, alínea b) do Código de Processo Penal teve o seu termo normal em 11-6-2021, prazo, porém, que foi prorrogado por 20 dias para o recorrente, conforme despacho de 25-5-2021, pelo que o prazo máximo que lhe assistia para a interposição do recurso teve o seu termo em 1-7, sendo que apresentou o requerimento de recurso e motivação em 5-7, que corresponde ao 2º dia útil posterior ao termo desse prazo. Não invocou “justo impedimento” que obstasse à prática atempada e regular do acto, nem procedeu ao pagamento da respectiva multa, mas requereu a sua redução para metade, nos termos do artigo 139º, nº 8, do Código de Processo Civil, ex vi do artigo 4º do Código de Processo Penal, com fundamento no “circunstancialismo económico-financeiro em que vive o arguido, que está recluso” (fls. 6442/6443). Com efeito, a norma em questão prevê que, excepcionalmente, o juiz possa determinar a redução ou a dispensa da multa nos casos de manifesta carência económica ou quando o montante se revele manifestamente desproporcionado. Sem prejuízo de se poder admitir que a situação financeira do arguido recorrente não seja desafogada, pela mera circunstância de se encontrar preso não se conclui que seja manifesta a sua carência económica, bem assim o montante em questão não é considerável, pelo que se entende que não se verifica a excepcional razão para reduzir ou dispensar o recorrente da respectiva multa, sendo o requerimento indeferido. Assim, deve o recorrente, em 10 dias, proceder ao pagamento da quantia de 0,5 UC, correspondente a metade do valor da multa pela prática do acto no 2º dia útil posterior ao termo do prazo. Quanto à outra metade do valor da multa era suposto que a tivesse pago aquando da motivação do recurso, sendo injustificável que não o tivesse feito, atento a que mesmo que o seu requerimento merecesse procedência sempre lhe competiria pagar essa parte. Assim, confira se se mostra paga a parte correspondente a metade da multa prevista no artigo 107º-A, alínea b) do Código de Processo Penal e, caso tal não tenha sucedido, cumpra o disposto no artigo 139º, nº 6 do Código de Processo Civil e notifique o recorrente do presente despacho. ….”. 2. Desta decisão recorre o arguido AA, motivando o recurso com as seguintes conclusões: 1.ª. O arguido ora recorrente está recluso e não aufere quaisquer rendimentos, contando apenas com o salário da sua companheira, com o qual suporta sozinha as necessidades básicas do casal e dos filhos menores. 2.ª. O arguido encontra-se em manifesta carência económico-financeira. 3.ª. Confrontando a situação económica que o arguido apresenta com o preceituado no n.° 8 do artigo 139° do Código de Processo Civil ex vi artigo 4° do Código de Processo Penal, deve ao arguido ser aplicada a redução ou a isenção da pena de multa. 4.ª. O Tribunal recorrido entendeu que tal fundamento não é suficiente para o arguido beneficiar do regime jurídico constante do artigo 139° n.°8 do Código de Processo Civil, conflituando com a garantia constitucional de acesso ao direito e aos tribunais consagrado no artigo 20° da Constituição da República Portuguesa. 3. O recurso foi admitido a subir imediatamente, em separado e com efeito suspensivo, após o que o Ministério Público respondeu, concluindo pelo seu não provimento. 4. Neste Tribunal, a Exma. Srª. Procuradora-geral Adjunta pronunciou-se no sentido de os presentes autos terem por objeto dois recursos (o interposto em 5/07/2021 do acórdão de 10/05/2021 e o interposto em 10/08/2021 do despacho de 9/07/2021) e de os mesmos constituírem também objeto do processo 17/18…….. distribuído a esta mesma Secção, concluindo pela manutenção da decisão recorrida. 5. Com o devido respeito, ao contrário do defendido no douto parecer da Ex.ma PGA, não há qualquer coincidência entre o objeto do presente recurso e o do Pº 17/18……., também pendente nesta Secção. Este último tem como objeto recursos interpostos por vários arguidos do acórdão final, mas nenhum deles é o aqui recorrente. O aqui recorrente, AA, também interpôs recurso desse acórdão condenatório, mas tal recurso ainda não foi admitido, como resulta do despacho de 18set.21, a que acedemos via citius. O aqui recorrente apresentou o seu recurso para além do termo do respetivo prazo, pediu redução da respetiva multa, o que foi indeferido pelo despacho de 9 de julho de 2021, que constitui objeto do presente recurso, mas só depois da decisão do presente recurso a 1ª instância proferirá despacho a admitir ou não o recurso interposto pelo aqui recorrente do acórdão condenatório. Os presentes autos de recurso não abrangem, assim, o recurso que este arguido interpôs em 5/07/2021 do acórdão de 10/05/2021, mas tão só o recurso que interpôs em 10/08/2021 do despacho de 9/07/2021. Realizou-se a conferência. 6. O objeto do recurso, tal como se mostra delimitado pelas respetivas conclusões, reconduz-se à questão de saber se existe fundamento para redução da multa devida pelo recorrente, nos termos do art.139, n°8 do Código de Processo Civil. * II. Tendo apresentado recurso para além do termo do respetivo prazo (prazo normal de 30 dias, prorrogado por 20 dias), o recorrente AA requereu redução da multa nos termos do art.139, nº8, CPC ex vi art.4, do CPP. Aquele nº 8, dispõe “O juiz pode excecionalmente determinar a redução ou dispensa da multa nos casos de manifesta carência económica ou quando o respetivo montante se revele manifestamente desproporcionado, designadamente nas ações que não importem a constituição de mandatário e o ato tenha sido praticado diretamente pela parte”. Como decidiu o Acórdão de Fixação de Jurisprudência nº 4/2020 (Diário da República n.º 96/2020, Série I de 2020-05-18) “O n.º 8 do art.º 139.º do Código de Processo Civil, no qual se estabelece a possibilidade excecional da redução ou dispensa da multa pela prática de ato processual fora do prazo, é aplicável em processo penal”. Esta possibilidade de redução ou dispensa da multa devida pela prática extemporânea de atos processuais, excecionalmente permitida pelo art.139, nº 8, do CPC, visa assegurar plenamente os princípios da proporcionalidade e da igualdade substancial das partes, facultando ao juiz a concreta adequação da sanção patrimonial ao grau de negligência ou à situação de carência económica do beneficiário do exercício do direito. Uma situação de carência económica comprovada não é sinónimo de dispensa ou redução de pagamento de uma multa de forma automática, devendo atender-se à natureza do ato e ao motivo pelo qual não foi respeitado o prazo inicial estabelecido[1]. A dispensa ou redução, sem mais, do pagamento da multa em causa em todos os casos de carência económica, descaracterizá-la-ia na sua função desmotivadora da prática dos comportamentos que se pretendem evitar e uma tal interpretação redundaria num alargamento injustificado dos prazos estabelecidos para quem se encontrasse numa situação de carência económica, com o que se poderia violar até o princípio da igualdade[2]. No caso, o recorrente apenas alegou como fundamento da pretendida redução “… atento o circunstancialismo económico-financeiro em que vive o arguido, que está recluso”. Ora, embora se reconheça que a reclusão tem normalmente consequências negativas para a situação económica de quem a ela fica sujeito, a verdade é que a lei não estabelece qualquer presunção de carência económica de quem está recluso e, no caso, o montante em questão não é considerável, como assinala o tribunal recorrido. Por outro lado, além do prazo normal para apresentar recurso (30 dias), o recorrente beneficiou de proprogação desse prazo (mais 20 dias), o que torna incompreensível a não apresentação do recurso em tempo e justifica o sancionamento da prática intempestiva do ato, só assim cumprindo a multa a sua função desmotivadora da prática de atos processuais para além do prazo e se respeitando aqueles que, confrontados com a necessidade de prática de idêntico ato processual, o fizeram dentro do prazo previsto na lei. Concluindo: a) A redução ou dispensa da multa pela prática de ato processual fora do prazo, prevista no nº8, do art.139, do CPC, é aplicável ao processo penal; b) A situação de reclusão não constitui presunção de carência económica para efeitos daquele preceito legal, devendo o recluso alegar e provar factos que a demonstrem; c) A carência económica, só por si, não é suficiente para a dispensa ou redução de pagamento da multa, devendo atender-se à natureza do ato e ao motivo pelo qual não foi respeitado o prazo, por forma a que a multa tenha a função desmotivadora da prática de atos para além do prazo fixado e se respeite o princípio da igualdade; * IIIº DECISÃO: Pelo exposto, os juízes do Tribunal da Relação de Lisboa, após conferência, negando provimento ao recurso do arguido, AA, acordam em confirmar o despacho recorrido. Condena-se o recorrente em 3Ucs de taxa de justiça. Lisboa, 9 de novembro de 2021 Vieira Lamim Artur Vargues _______________________________________________________ [1] Ac. deste Tribunal da Relação de 07-01-2017(5688/15.5TAMD-A.L1-9, Relator Filipa Lourenço). [2] Neste sentido, Ac. do TRG de 15-09-2016 (Pº1363/03.1TBBGC-B.G1, Relator PURIFICAÇÃO CARVALHO) “I – As multas previstas, quer no nº 5, quer no nº 6 do artigo 145º do CPC/ actual 139º, têm a natureza de uma sanção civil de natureza processual integrada num sistema que, não pretendendo ser demasiado rígido, visa, no entanto, obstar à extensão indiscriminada dos prazos fixados na lei. II. A dispensa ou redução, sem mais, do pagamento dessas multas em todos os casos de alegada e comprovada carência económica descaracterizá-las-iam na sua função desmotivadora da prática dos comportamentos que pretendem evitar e uma tal interpretação redundaria num alargamento injustificado dos prazos estabelecidos para quem se encontrasse numa situação de carência económica, com o que se poderia violar até o princípio da igualdade. III. Impõe-se, por isso, que, para além da verificação da carência económica, se atenda também à natureza do acto e ao motivo pelo qual não foi respeitado o prazo inicial estabelecido e, no caso do nº 6, à razão pela qual o requerimento não foi apresentado em simultâneo com a prática do acto”. |