Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
6158/11.6TBALM.L1-8
Relator: LUÍS CORREIA DE MENDONÇA
Descritores: ALIMENTOS A FILHO MAIOR
COMPETÊNCIA EM RAZÃO DA MATÉRIA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/19/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: I - Os Tribunais permitem que, na sequência de uma decisão de alimentos provisórios, a acção principal seja intentada, desde logo, no tribunal judicial, significando o decretamento de alimentos provisórios, por via do procedimento cautelar, uma situação de conflitualidade tão grande que se dispensa o recurso prévio á tentativa de conciliação entre as partes junto da Conservatória do Registo Civil para obtenção de acordo, uma vez que são claras neste contexto, a oposição de uma das partes e a impossibilidade de acordo.
II - Esta solução é a mais lógica e a mais justa, por razões de celeridade e de economia processual, bem como de protecção da parte mais fraca (o/a filho/a carecido/a de alimentos).
III - A exigir-se a tentativa de acordo mediante processo administrativo, na Conservatória do Registo Civil, estaria a praticar-se um acto inútil, com perda de tempo e de trabalho já desenvolvido pelo Tribunal, quando decretou os alimentos provisórios.
(ISM)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no tribunal da Relação de Lisboa

A.., maior, instaurou providência cautelar de alimentos provisórios contra B…, seu pai, pedindo que o requerido seja condenado a pagar-lhe alimentação provisória mensal no montante de € 850,00, a liquidar aao dia 5 de cada mês.
Alegou a sua situação de necessidade de alimentos a que o pai, apesar das suas possibilidades, se furta a prestar.
Esta petição foi liminarmente indeferida nos seguintes termos: «De acordo com o disposto no artigo 5.º, n.º1.alínea a ), do DL n.º 272/01, de 13/10 , os pedidos de alimentos a filhos maiores ou emancipados correm os seus termos perante o Conservador do Registo Civil territorialmente competente, tratando-se, por isso de uma matéria subtraída aos Tribunais – pelo menos numa fase inicial.
Nesta conformidade, entendemos que é legalmente inadmissível a providência cautelar de alimentos provisórios a filhos maiores ou emancipados. No sentido ora sufragado, veja-se Tomé D`Almeida Ramião, in Divórcio por Mútuo Acordo Anotado e Comentado e Legislação Complementar, 6.ª ed., pág. 36 e ss.
Com efeito, o pedido de alimentos é apresentado (obrigatoriamente) na Conservatória do Registo Civil com vista à obtenção de uma acordo entre as partes, nos termos do artigo 5.º, n.º 1, alínea a, 6.º e 7.º do citado diploma legal.
No caso de não ser obtido acordo, ou ser declarado procedente o pedido nos termos do artigo 7.º, n.º 3, a acção finda, ficando prejudicada a questão dos alimentos provisórios.
Não sendo obtido acordo e havendo oposição, segue-se o regime previsto no artigo 8.º, sendo as partes notificadas para, em 8 dias, alegarem e requererem a produção de novos meios de prova , sendo de seguida o processo remetido a tribunal, nos termos do artigo 9.º, após o que, o juiz ordena a produção de prova e designa dia para julgamento, aplicando-se o disposto nos artigos 1409.º a 1411.º do CPC, podendo ainda o juiz fixar provisoriamente a prestação de alimentos, ao abrigo do disposto no 2007.º, n.º 1, do CC, aplicável ex vi artigo 1412.º, n.º 1, do CPC.
Assim é este Tribunal materialmente incompetente para conhecer do pedido formulado na presente acção».
Inconformada, interpôs a requerente competente recurso, cuja minuta concluiu da seguinte forma:
«A) Nestes autos de Providência Cautelar de Alimentos a requerente apresentou p.i. no Tribunal de Família e Menores de Almada.
B. Havia já intentado semelhante acção no mesmo tribunal que se declarou (tal como agora) incompetente em razão da matéria para o apreciar.
C) Apresentada petição na Conservatória do Registo Civil de ... veio aquela declarar-se incompetente para apreciar a Providência Cautelar de Alimentos.
D) Apresentada a p.i. veio o Tribunal recorrido, e ainda que com conhecimento da decisão da Conservatória do Registo Civil declarar-se absolutamente incompetente para apreciar a Providência Cautelar.
E) Ao fazê-lo o Tribunal ignorou a decisão da Conservatória do Registo Civil.
F) Não corresponde à letra da lei a interpretação carreada para a decisão aqui impugnada.
G) É jurisprudência superior unânime que as Providências Cautelares de alimentos a favor de filho maior não são da competência das Conservatórias do Registo Civil.
H) Também assim da análise sistemática do DL n.º 272/2001 se verifica que só em caso de se vislumbrar a a possibilidade de acordo é de intentar acção na Conservatória do Registo Civil.
I) Nestes autos verifica-se pela descrição dos factos uma conflitualidade entre requerente e requerido, que nada faz crer que se obterá acordo.
J) Ao decidir pela incompetência absoluta do Tribunal recorrido a decisão impugnada violou o disposto nos artigos 5.º do DL 272/2001, o artigo 1412.º do CPC , e os artigos 186.º e 157.º da OTM.
K) Assim, revogando-se aquela e proferindo acórdão que declare a competência do tribunal de Família e Menores de Almada como competente em razão da matéria para a presente Providência Cautelar se fará Justiça».
Foi cumprido o disposto no artigo 234.º-A, n.º 3, do CPC, com apresentação de oposição por banda do requerido, mas sem contra-alegações.
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Trata-se tão-só de saber se o Tribunal recorrido é ou não competente em razão da matéria para conhecer do presente procedimento.
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Constituem factos relevantes para apreciação do recurso os que constam do relatório supra e bem assim os das alíneas B) a D) das conclusões das alegações da recorrente.
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É sabido de todos que na prossecução de uma política que pretendeu desonerar os tribunais de processos que não consubstanciassem verdadeiros litígios, o DL n.º 272/2001, de 13 de Outubro operou a uma verdadeira desjudicialização de alguns processos.
Procedeu-se assim à transferência de competências para as conservatórias de registo civil em matérias respeitantes a um conjunto de processos de jurisdição voluntária relativos a relações familiares, designadamente no que se refere a atribuição de alimentos devidos a filhos maiores (artigo 5,º. N.º 1, alínea)).
Não vale a pena relembrar a tramitação, junto das conservatórias, dos processos atinentes a esta matéria, até porque o despacho impugnado já o fez em síntese. Nem é esta tramitação que convoca os presentes autos.
Vale sim a pena – pois é isso que está em causa neste recurso – delimitar a competência da Conservatória e a do Tribunal, quando filho maior [ou emancipado] pretenda obter prestação alimentícia nos termos do artigo 1880.º do CC.
Ora, como se lê no ARP, de 26.10.2009, www.dgsi.pt, «do facto de, segundo o regime introduzido pelos artigos 5.º a 10.º do DL n.º 272/2001, de 13 de Outubro, o pedido de alimentos a filhos maiores – que integra a acção principal de que a providência de alimentos provisórios será dependência – se instaurar na Conservatória do Registo Civil ( e só transitar para o tribunal se ali houver oposição do requerido e constatar a impossibilidade de acordo – artigo 8,ºdaquele diploma) não decorre qualquer impossibilidade de o filho maior poder utilizar a providência cautelar em causa» até porque o procedimento específico regulado no DL 271/2001 «não prevê a possibilidade de decisões provisórias para situações de urgência, podendo decorrer vários meses desde a apresentação do requerimento atá à remessa do processo para o tribunal, pelo Conservador, na impossibilidade de acordo» (Maria Clara Sottomayor, Regulação do Exercício das Responsabilidades Parentais no Caso de Divórcio, , 5.ª ed., Almedina, Coimbra, 2011: 343).
Seguindo a análise desta autora e compulsando os acórdãos por ela citadas pode concluir-se que «os Tribunais permitem que, na sequência de uma decisão de alimentos provisórios, a acção seja principal seja intentada, desde logo, no tribunal judicial, significando o decretamento de alimentos provisórios, por via do procedimento cautelar, uma situação de conflitualidade tão grande que se dispensa o recurso prévio á tentativa de conciliação entre as partes junto da Conservatória do registo civil para obtenção de acordo, uma vez que são claras [como o são neste caso] neste contexto, a oposição de uma das partes e a impossibilidade de acordo. Esta solução é a mais lógica e a mais justa, por razões de celeridade e de economia processual, bem como de protecção da parte mais fraca (o/a filho/a carecido/a de alimentos). A exigir-se a tentativa de acordo mediante processo administrativo, na Conservatória do registo Civil, estaria a praticar-se um acto inútil, com perda de tempo e de trabalho já desenvolvido pelo Tribunal, quando decretou os alimentos provisórios» (op, cit:ibidem).
Assiste, pois, inteira razão à recorrente
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Pelo exposto acordamos em julgar procedente a apelação,e, consequentemente, em revogar a decisão impugnada que se substitui por outra que manda prosseguir o processo os seus adequados trâmites, no Tribunal de Almada.
Sem custas.
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Lisboa, 19 de Abril de 2012

Luís Correia de Mendonça
Maria Amélia Ameixoeira
A. Ferreira de Almeida