Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
7427/2006-8
Relator: SILVA SANTOS
Descritores: RECLAMAÇÃO DE CRÉDITOS
PRECLUSÃO
SUSTAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 12/14/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário: O credor hipotecário que não reclamou o seu crédito uma vez citado nos termos do artigo 864.º do Código de Processo Civil, não pode, na sequência de sustação de execução nos termos do artigo 871.º do Código de Processo Civil, reclamar o crédito com base na referida garantia real apenas o podendo fazero com base na segunda penhora.

(SC)
Decisão Texto Integral:  ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA – SECÇÃO CÍVEL:

I.
A reclamante  “P.[…] SA”
veio por apenso ao autos de execução, que correm termos na 5ª vara cível de Lisboa, instaurados por Jorge […] contra  “M. […] Lda” e outros

reclamar um crédito , garantido com hipoteca , alegando que intentou execução que foi sustada pela pendência da que constitui os autos principais.

O exequente deduziu oposição.

II.
Após se sanear o processado, considerou-se assente a seguinte matéria de facto:

1. Nos autos de execução foi penhorada a fracção " H " , correspondente ao 4° andar dt° do prédio urbano sito […] Vila Franca  de Xira descrito na conservatória do registo predial […]
2. A penhora foi registada sob a inscrição […]  de 2001/06/08.
3. A fracção está ainda onerada com uma hipoteca C-ap.83 de 1997/09/22 .
4. A hipoteca tem como sujeito activo a reclamante.
5. A fracção mostra-se ainda onerada com penhora […] de 2004/03/23 , registada a favor de Banco […] S A .
6. A fracção mostra-se ainda onerada com penhora […] de 2005/08/30 registada a favor da reclamante.
7. A execução no âmbito da qual foi registada a e penhora em 6 foi sustada por pendência da penhora registada à ordem destes autos.
8. A reclamante, citada para reclamar o seu crédito hipotecário na execução, deduziu reclamação extemporânea.

III.
Perante estes factos proferiu-se a seguinte decisão de graduação de créditos:

«A graduação é a seguinte:
1. o crédito da FAZENDA NACIONAL e juros
2. o crédito do exequente MANUEL […] e juros ;
3. o crédito do credor reclamante BPI e juros ;
4. o crédito da reclamante PSA e juros».

IV.
É pois desta decisão que agora a recorrente PSA […] SA apela, pretendendo a sua revogação com os seguintes fundamentos:

1. A hipoteca a favor da Apelante e que se encontra registada sobre o prédio em causa nestes autos e cuja data de registo precede a de qualquer das penhoras registadas permanece em vigor, não se encontrando caducada, podendo ser exercidos os direitos que dela decorrem, designadamente, aquele que decorre do n.o 1º do Art.° 686° do C.C.;
2. Não se verificou, face a ela, qualquer das causas de extinção previstas pelo Art.° 730º do C.C., não se prevendo, nessa disposição, qualquer causa que determine a sua caducidade;
3. A falta de reclamação tempestiva do crédito, com base na garantia real que consubstancia a hipoteca, apenas preclude esse direito de reclamação, nos termos do Art.° 864° do C.P.C. e tal preclusão circunscreve os seus efeitos ao processo em que se verificou;
4. A Apelante não perdeu qualquer dos direitos substantivos que lhe são conferidos pela hipoteca, tendo, como se viu, apenas perdido o direito adjectivo de intervir nestes autos ao abrigo do Art.° 8640;
5. Mas, o registo da penhora na execução hipotecária que instaurou confere-lhe a faculdade processual de intervir nos presentes autos, reclamando o seu crédito ao abrigo do Art.° 871 do C.P.C., como tempestivamente o fez;
6. Não estando em causa já qualquer impossibilidade adjectiva de reclamação que até então a impedia, a reclamante pode exercer todos os direitos substantivos que lhe assistem, designadamente, aqueles que decorrem da hipoteca;
7. Aliás, a penhora que constituiu em processo autónomo, face ao carácter dessa execução, "tem como único efeito a perda dos poderes jurídicos do proprietário sobre o bem apreendido" (Maria Isabel Menéres Campos, Da Hipoteca, Almedina, 2003, pag. 204);
8. E está dependente da hipoteca que serviu de fundamento à execução, ligando-se a ela por um vínculo indissociável, o mesmo, que permite, face ao registo predial, que a sua natureza retroaja à data da hipoteca (Art.° 1010, n.o 1, alínea a) do C. R. Predial e parecer 76/96 R.P.4 da Direcção Geral de Registos e Notariado);
9. Por essa razão, como ensina Remédio Marques "na hipótese de em execução hipotecária constar registo de hipoteca anterior ao da penhora dos bens noutro processo deve sustar-se a execução em que o registo da penhora é posterior, sem prejuízo da prioridade do registo da hipoteca aproveitar ao credor hipotecário por ocasião da graduação de créditos na execução em que a penhora tiver sido registada em primeiro lugar (Curso de Processo Executivo, Almedina 2000, pag. 361, nota 1016) (vd. ainda Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 2000.01.31, proc. 9951457 in www.dgsi.pt citado pelo mesmo autor);
10. Decidindo em contrário a douta decisão as disposições que antes se referiram relativas ao regime substantivo da hipoteca.

Termos em que, deve ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se a douta sentença recorrida e graduando-se o crédito da Apelante na ordem que tem por força da garantia hipotecária de que está dotado.

Contra alegou apenas o exequente entendendo que deve ser negado provimento ao recurso, fundamentalmente, porque se deve considerar que caducou o direito da recorrente de fazer valer hipoteca nos autos.

V.
É sabido e tem sido jurisprudência dos nossos tribunais superiores a conclusão de que o objecto do recurso é limitado pelas conclusões insertas nas alegações do recorrente pelo que em princípio só abrange as questões aí contidas, como resulta aliás do disposto no art. 690 do CPC.

Assim, face às conclusões das alegações da apelante o objecto do recurso resume-se:

· Beneficia ou não a reclamante de prioridade de graduação do crédito em virtude de ser titular de hipoteca sobre imóvel penhorado mas cuja reclamação foi considerada extemporânea na execução, isto é, o crédito reclamado pela recorrente deve ser graduado com base na hipoteca ou na penhora?

O tribunal entendeu  que …« o reclamante tem direito a reclamar o seu crédito com base apenas na penhora tendo caducado o seu direito de fazer valer a hipoteca».

A recorrente ao contrário entende que …«Não estando em causa já qualquer impossibilidade adjectiva de reclamação que até então a impedia, a reclamante pode exercer todos os direitos substantivos que lhe assistem, designadamente, aqueles que decorrem da hipoteca…».

VI.
A matéria de facto é aquela assente pelo tribunal de 1ª instância – art. 713 nº 6 do CPC.

Daí se retira este facto indispensável para a decisão do recurso e que constitui o seu pressuposto essencial: “A reclamante, citada para reclamar o seu crédito hipotecário na execução, deduziu reclamação extemporânea”.

O art. 864, 1, a) do CPC – redacção anterior e aplicável (art. 12 do C. C.) -  determina que, junta a certidão de ónus ou encargos inscritos, são citados os "credores com garantia real, relativamente aos bens penhorados".

"Credores com garantia real "são os titulares activos" da penhora (art. 822 do CC)," da hipoteca (686 do CC)..."  


A hipoteca confere ao credor o direito de ser pago pelo valor de certas coisas imóveis, ou equiparadas, pertencentes ao devedor ou a terceiro com preferência sobre os demais credores que não gozem de privilégio especial ou de prioridade de registo” art. 686 nº 1 do C. C..

Por sua vez, o art.º 822º, n.º 1 do mesmo Código estabelece que salvo nos casos especialmente previstos na lei, o exequente adquire pela penhora o direito de ser pago com preferência a qualquer outro credor que não tenha garantia real anterior.

Acontece, porém, que estas prioridades das garantias estabelecidas pela lei civil têm de ser equacionadas com as regras processuais decorrentes da execução dos bens sobre que as mesmas incidem.

A citada norma do art. 864 cria no processo de execução uma fase de concurso de credores que permite a estes e aos que gozem de garantia real sobre os bens penhorados, reclamar os seus créditos a fim de uma vez reconhecidos poderem ser devidamente graduados.

Daí que, pendendo mais de uma execução com penhora sobre os mesmos bens, será sustada aquela em que a penhora é posterior para que o exequente possa reclamar o seu crédito no processo em que a penhora seja mais antiga.
A reclamação deve ser apresentada dentro do prazo facultado para dedução dos direitos de crédito, a menos que o reclamante não tenha sido citado pessoalmente nos termos do citado art.º 864º, caso em que pode deduzi-la nos 15 dias posteriores à notificação do despacho de sustação (art.º 871º, n.º 2 do CPC).

Por fim, após o pagamento do preço e do imposto devido, serão mandados cancelar oficiosamente os registos dos direitos reais que caducam, nos termos do art.º  824º, n.º 2 do Código Civil (art.º 888º do CPC).

VII.
Ora,

Esta actividade destina-se a que os bens sejam transmitidos livres dos direitos de garantia que os onerarem, bem como, dos demais direitos reais que não tenham registo anterior ao de qualquer arresto, penhora ou garantia, com excepção dos que, constituídos em data anterior, produzam efeitos em relação a terceiros independentemente de registo, sendo que os direitos de terceiro que caducarem nestes termos transferem-se para o produto da venda dos respectivos bens (citado art.º 824º, n.ºs 2 e 3).

Relativamente aos direitos de garantia, caducam todos com a venda executiva, como resulta do n.º 2 do citado art.º 824º, uma vez que os bens são transmitidos livres de todos eles, sejam de constituição anterior ou posterior à penhora e tenha havido ou não reclamação na execução dos créditos que garantem
(Eurico Lopes Cardoso, Manual da Acção Executiva, 3ª ed., 1964, pág. 623; Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. II, 2ª ed., pág. 87; José Alberto dos Reis, Processo de Execução, vol. 2º, reimpressão, 1982, pág. 404).

Assim, é da conjugação das regras que se acabaram de expor resulta que a falta de reclamação pelo credor que tenha sido citado, nos termos do art.º 864º do CPC, do seu crédito com garantia real, conduz à caducidade dessa garantia, pois só assim se compreende que os bens sejam transmitidos livres de direitos reais de garantia (cfr., neste sentido, Anselmo de Castro, A Acção Executiva Singular Comum e Especial, 1977, págs. 186 e 274; José Alberto dos Reis, Processo de Execução, ob. cit., pág. 409; e acórdãos do STJ de 7/12/51 e de 3/2/56, publicados no BMJ n.ºs 28º, pág. 264 e 54º, pág. 287, e de 3/10/95, na CJ – STJ -, ano III, tomo III, pág. 41).

A orientação acima expressa segue de perto o conteúdo do citado Ac. do S.T.J.  de 03/10/1995, no qual se concluiu:

· A falta de reclamação pelo credor que tenha sido citado, do seu crédito com garantia real, leva à caducidade dessa garantia;
· esta caducidade não pode ser torneada pela circunstância de o credor que não se aproveitou da garantia hipotecária vir instaurar processo executivo onde obtenha penhora posterior que conduza à sustação da execução e o leve a apresentar reclamação no primeiro processo, pretendendo aproveitar-se da garantia já caducada.
VIII.

Por conseguinte, o credor que tenha deixado caducar o direito real de garantia por não haver reclamado o crédito na acção executiva instaurada por terceiro na qual foi penhorado o imóvel sobre que incidia aquele direito, não pode, na sequência da sustação da execução que instaurou contra o devedor, reclamar o crédito, com base na referida garantia, na acção executiva em que omitiu a reclamação, apenas o podendo fazer com base em segunda penhora (cfr. Salvador da Costa, em O Concurso de Credores, 1998, pág. 265 e citado acórdão do STJ de 3/10/95).

Se se atentar nos factos supra considerados e dados como assentes pode igualmente concluir-se que é precisamente o caso em recurso.

Assim sendo, improcedem as conclusões do recurso o que determina a sua improcedência.

IX.
Deste modo e pelo exposto, na improcedência da apelação, mantém-se a decisão impugnada.

Custas pela recorrente.

Registe e notifique.

Lisboa, 14 de Dezembro de 2006

(Silva Santos)
(Bruto da Costa)
(Catarina Manso)