Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
3321/2008-6
Relator: GRANJA DA FONSECA
Descritores: ALIMENTOS DEVIDOS A MENORES
INCUMPRIMENTO
DEVEDOR
FUNDO DE GARANTIA
SUB-ROGAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/08/2008
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: REVOGADA A DECISÃO
Sumário: 1 - A instituição do Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores encontra fundamento no direito das crianças à protecção, consagrado constitucionalmente, visando-se proporcionar-lhes condições de subsistência mínimas essenciais ao seu desenvolvimento e a uma vida digna.
2 – O Fundo intervém com carácter subsidiário e surge como garante legal do devedor principal (progenitor condenado a pagar alimentos), efectuando o pagamento das prestações alimentares, a partir do momento em que o progenitor relapso entra em situação de incumprimento, ficando sub - rogado em todos os direitos dos menores perante o devedor originário.
3 – Uma vez que a intervenção do Fundo tem por base o incumprimento do progenitor obrigado a prestar alimentos, este incumprimento só se pode aferir em relação às prestações vencidas, pois que, em relação às prestações vincendas, apenas se pode fazer um juízo de probabilidade, assente no anterior incumprimento e na situação sócio – económica desse devedor.
4 – O n.º 5 do artigo 4º do DL nº 164/99, de 13 de Maio não indica o momento em que nasce a obrigação pelo pagamento das prestações pelo Fundo, mas apenas estabelece o momento a partir do qual o Instituto da Segurança Social deve começar a pagar as prestações através do Fundo, revestindo tal norma um carácter essencialmente burocrático e administrativo.
5 – O momento em que nasce a obrigação a satisfazer pelo Fundo coincide com o momento em que o devedor deixou de pagar as prestações a que estava vinculado.
6 – Para que o Fundo fique adstrito ao pagamento das quantias vencidas, exige-se a verificação pelo Tribunal a quo do incumprimento do devedor e dos demais requisitos exigidos legalmente, condição indispensável para que o Fundo possa ser accionado.
GF
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:
1.
[M], mãe de [T] e de [D], deduziu contra [L], pai dos mesmos, o incidente do incumprimento estabelecido quanto a alimentos, no âmbito do acordo de regulação do exercício do poder paternal, homologado por decisão proferida em 23 de Abril de 2004, segundo o qual o requerido ficara obrigado a pagar aos filhos uma prestação mensal de € 200 a título de alimentos, sendo que certo que apenas liquidou as prestações correspondentes aos meses de Maio a Julho desse ano.

Verificado o incumprimento do exercício do poder paternal suscitado pela requerente quanto à prestação de alimentos a que o requerido se encontrava vinculado, considerou o Tribunal a quo que o Fundo devia suportar as prestações em dívida aos menores, uma vez que o agregado familiar não tinha rendimentos líquidos superiores ao salário mínimo nacional nem tão pouco a progenitora à guarda de quem se encontram.
Assim, e face às necessidades específicas dos menores, ambos estudantes, julgou-se procedente o pedido da prestação de alimentos a favor dos mesmos, que se fixou em € 250 (duzentos e cinquenta euros mensais) a cargo do Fundo de Garantia de Alimentos devidos a Menores, a efectuar por depósito ou transferência bancária, a partir de do trânsito em julgado da decisão.

Inconformado, recorreu o Ministério Público, formulando as seguintes conclusões:
1ª – A instituição do Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores (doravante FGADM) encontra fundamento no direito das crianças à protecção, consagrado constitucionalmente no artigo 69º, visando-se proporcionar-lhes condições de subsistência mínimas essenciais ao seu desenvolvimento e a uma vida digna.
2ª – O FGADM intervém com carácter subsidiário e surge como garante legal do devedor principal (do progenitor condenado a pagar alimentos), efectuando o pagamento das prestações alimentares, a partir do momento em que o progenitor relapso entra em situação de incumprimento, ficando sub - rogado em todos os direitos dos menores perante o devedor originário.
3ª – Na Lei nº 75/98, de 19 de Novembro, e no DL 164/99, de 13 de Maio que a regulamenta, o legislador apenas refere que cabe ao Fundo assegurar o pagamento das prestações de alimentos, não distinguindo entre prestações vencidas e vincendas.
4ª – Consequentemente a sub – rogação do Fundo abrange todas as prestações devidas aos menores, ou seja, as prestações vencidas ou vincendas.
5ª – Uma vez que a intervenção do FGADM tem por base o incumprimento do progenitor obrigado a prestar alimentos, este incumprimento só se pode aferir em relação às prestações vencidas.
6ª – Com efeito, em relação às prestações vincendas apenas se pode fazer um juízo de probabilidade, assente no anterior incumprimento e na situação sócio – económica desse devedor.
8ª – Atenta a redacção do n.º 5 do artigo 4º do DL nº 164/99, de 13 de Maio, entendemos que não é indicado o momento em que nasce a obrigação pelo pagamento das prestações pelo Fundo, mas apenas é estabelecido o momento a partir do qual o Instituto da Segurança Social deve começar a pagar as prestações através do Fundo.
9ª – O nº 5 do artigo 4º do DL 164/99, de 13 de Maio, não estabelece qualquer delimitação temporal expressa, como pretende a decisão recorrida, apenas se limita a prescrever a data de início do pagamento das prestações alimentícias por parte do FGADM, revestindo tal norma um carácter essencialmente burocrático e administrativo.
10ª – Também neste artigo não se concretiza nem se distingue entre prestações vencidas e vincendas o que leva a concluir que ambas estão englobadas na obrigação por parte do Fundo.
11ª – Se o pensamento do legislador fosse o da fixação da prestação em causa só tomar em conta as prestações vincendas do obrigado relapso, tê-lo-ia dito expressamente, como fez no artigo 2006º do Código Civil, para as prestações de alimentos.
12ª – Não será justo e curial excluir as prestações vencidas, uma vez que, quando é instaurada uma acção de incumprimento do poder paternal, é lógico que os menores já se encontram carenciados de alimentos e é esta situação que se visa remediar.
13ª – Acresce que a tramitação processual por vezes se revela morosa, fruto não só das diligências necessárias para aferir as reais necessidades do alimentando e do seu agregado familiar no âmbito do processo, mas também de outros incidentes que possam ser despoletados e que poderão protelar a decisão.
14ª – Assim, a interpretação do tribunal a quo plasmada na decisão recorrida não se configura correcta, por violar o preceituado nos artigos 3º, n.º 1, 6º, n.º 3 da Lei 75/98, de 19 de Novembro, artigo 4º, n.º 5 do DL 164/99, de 13 de Maio, e artigo 2006º do Código Civil, não se harmonizando com o espírito e letra do DL n.º 164/99, de 13 de Maio, que consagra uma prestação social, nem com os princípios constitucionais e internacionais que norteiam a legislação citada.
15ª – Nesta conformidade, dever-se-á conceder provimento ao agravo, revogando-se parcialmente a decisão e substituindo-a por outra que fixe o início do pagamento da pensão de alimentos pelo FGADM no momento de instauração do incidente de incumprimento, in casu, Maio de 2005.

Não houve contra – alegações.

A Exc. ma Juiz sustentou a decisão recorrida.
2.
Com interesse para a decisão da causa, interessam os seguintes factos:
1º - Nos autos de regulação do exercício do poder paternal foi obtido por acordo que os menores ficavam confiados à guarda e cuidados da mãe.
2º - Nos termos de tal acordo, o pai [L] devia contribuir, mensalmente, com a quantia de 200 €, a título de alimentos para os menores.
3º - Este acordo foi homologado por decisão proferida a 23 de Abril de 2004.
4º - O referido [L], pai dos menores, apenas pagou durante três meses a prestação alimentar a que estava obrigado.
4º - O requerido apenas aufere uma pensão por invalidez no valor de 230,16 euros mensais e não tem bens móveis ou imóveis.
5º - A progenitora, por sua vez, aufere o rendimento de 350,01, como empregada doméstica e 63,34 €, referente ao abono das crianças.
6º - Todo o rendimento da progenitora é consumido na renda, água, luz e gás.
7ª – Os filhos [D e T] nasceram, respectivamente, em 28 de Novembro de 1988 e 3 de Novembro de 1995, sendo ambos estudantes.
4º - Deduzido o incidente de incumprimento da prestação de alimentos, e após a elaboração de relatório pelos serviços de reinserção social, foi proferida decisão, em 11 de Outubro de 2007, aclarada em 6 de Novembro de 2007, fixando no montante de 250 euros mensais a pensão de alimentos a suportar pelo FGADM.
4.
Porque um dos progenitores, o requerido, deixou de cumprir o que tinha sido decidido na acção de regulação do poder paternal, mantendo em atraso as prestações desde Agosto de 2004, inclusive, no valor global de € 200 mensais, às quais ficou vinculado pela decisão proferida nos autos de regulação do exercício do poder paternal, a mãe dos menores requereu ao tribunal as diligências necessárias para o cumprimento coercivo (artigo 181º da OTM).

Verificado o incumprimento, e as possibilidades económicas da requerente e do requerido, o Tribunal a quo considerou que competia ao FGADM substituir-se ao devedor, determinando que, após o trânsito em julgado da decisão, o Fundo prestasse alimentos aos referidos [T] e [D], fixando cada prestação em 250 € (duzentos e cinquenta euros) mensais.
Esta decisão foi proferida, em 11 de Outubro de 2007, discordando o Ministério Público, apenas, do segmento da decisão que fixou o pagamentos das prestações de alimentos devidos aos menores, a partir da data do trânsito em julgado desta decisão, quando, em seu entender, deveria ter sido a partir do momento de instauração do incidente de incumprimento.
Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões do recorrente, a única questão a decidir consiste em determinar o momento a partir do qual deve o Fundo garantir as prestações devidas aos referidos menores.

A Constituição da República Portuguesa estabelece no artigo 69º, sob a epígrafe, “Infância”, que «as crianças gozam da protecção da sociedade e do Estado, com vista ao seu desenvolvimento integral, especialmente contra todas as formas de abandono, de descriminação e de opressão e contra o exercício abusivo da autoridade na família e nas demais instituições”, acrescentando que o «Estado assegura especial protecção às crianças órfãs, abandonadas ou, por qualquer forma, privadas de um ambiente familiar normal”.
Embora estejamos perante uma norma programática, o Estado tem o dever de assegurar que as crianças tenham uma vida digna, traduzindo-se tal dever, para além do mais, na garantia do direito a alimentos.
O direito a alimentos como decorrência do direito à vida, “traduz-se no acesso a condições de subsistência mínimas, o que, em especial no caso das crianças, não pode deixar de comportar a faculdade de requerer à sociedade e, em última instância, ao próprio Estado as prestações existenciais que proporcionem as condições essenciais ao seu desenvolvimento e a uma vida digna[1]”.
Este direito social da criança à protecção transparece também em diversos instrumentos de direito internacional, designadamente a Recomendação do Conselho da Europa R(82) 2, de 4 de Fevereiro de 1982 e R(89) 1, de 18 de Janeiro de 1989 e a Convenção sobre os Direitos da Criança, assinada em 26 de Janeiro de 1990.

Como corolário dos princípios enunciados, a Lei 75/98, de 19 de Novembro, instituiu um mecanismo de garantia de alimentos, a suportar pelo Estado, sendo os pagamentos efectivamente assegurados pelo Fundo de Garantia de Alimentos devidos a Menores.

A criação do Fundo deveu-se ao elevado número de situações de incumprimento de pensões de alimentos devidos a menores, já judicialmente decretados, aliado à circunstância de o artigo 189º da OTM só prever uma medida pré – executiva relativamente aos devedores que trabalhem por conta de outrem ou que aufiram rendimentos certos e periódicos.

Quais as dívidas exigíveis ao Fundo de Garantia?
O Fundo de Garantia não visa substituir definitivamente uma obrigação legal de alimentos devida a menor, antes propiciar uma prestação a forfait de um montante, por regra equivalente ao que já fora fixado judicialmente, mas que pode ser menor, uma vez que as prestações atribuídas não podem exceder, mensalmente, por cada devedor, o montante de quatro unidades de conta de custas (artigo 2º, n.º 1 da Lei 75/98 artigo 3º, n.º 3 do DL 164/99, de 13/05).

Assim, o Fundo de Garantia deve satisfazer as dívidas por alimentos, devidas a menores, não estando, porém, vinculado senão ao pagamento de um montante que não ultrapasse, mensalmente, quatro unidades de conta de custas.

Mas não basta a existência de uma dívida por alimentos, devida aos menores. A lei faz depender este dever de prestar do Estado da verificação cumulativa de vários requisitos, a saber:
a) – Existência de uma sentença que fixe os alimentos devidos a menores, ainda que esses alimentos tenham sido fixados no quadro de uma acção de regulamentação do exercício do poder paternal ou de divórcio;
b) – Residência do devedor em território nacional;
c) – Inexistência de rendimentos líquidos do alimentando superiores ao salário mínimo nacional;
d) – Que o alimentado não beneficie, na mesma quantidade, de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre, entendendo a lei que o menor não beneficia de rendimentos da pessoa a cuja guarda se encontre, superiores ao salário mínimo nacional, sempre que a capitação de rendimentos desse agregado familiar não exceda aquele salário (artigo 3º, n.º 2 do DL 164/99).
e) – Não pagamento, total ou parcial, por parte do devedor, das quantias em dívida através de uma das formas previstas no artigo 189º da OTM.

E quando pode ser requerida a intervenção do Fundo de Garantia?
A intervenção do Fundo de Garantia de Alimentos devidos a Menores reveste natureza subsidiária, visto ser pressuposto legitimador a não realização coactiva da prestação alimentícia já fixada através das formas previstas no artigo 189º OTM. Mister é, por isso, determinar o momento a partir do qual pode ser requerida, no quadro do processo de incumprimento (artigo 181º da OTM, ex vi do artigo 3º, n.º 1 da Lei 75/98), a fixação do montante que o Estado, em substituição do devedor, deva prestar[2].
Bastará que o devedor não seja localizado, ou que o tribunal o tenha condenado em acção de regulação do exercício do poder paternal ou em acção autónoma de alimentos?
Como refere o citado autor[3], a lei exige, a mais da falta de pagamento voluntário, a não satisfação das quantias em dívida pelas formas previstas no artigo 189º da OTM, pelo que o Ministério Público ou a pessoa à guarda de quem o menor se encontre devem alegar e provar o exercício, sem sucesso ou só parcialmente sucedido, das vias pré – executivas, constantes do citado normativo, ou que esse exercício nem, tão – pouco, é possível na medida em que o devedor não aufere qualquer dos rendimentos aí mencionados. Não é preciso que o requerente mostre que, em execução especial por alimentos (artigo 1118º e seguintes do CPC), não foi possível realizar coactivamente a prestação de alimentos.

E a partir de quando as prestações em dívida à menor são exigíveis do Fundo de Garantia?
A exigibilidade da dívida do Fundo de Garantia só ocorre a partir da prolação da decisão na primeira instância, atento o efeito meramente devolutivo do recurso contra ela eventualmente interposto (artigo 3º, n.º 4 da Lei 75/98), ou da decisão provisória que o juiz profira após tomar conhecimento do processo e proceder liminarmente às diligências da prova, contanto que o requerente justifique os motivos da urgência[4] (artigo 3º, n.º 2 da Lei 75/98), mais precisamente a partir do mês seguinte ao da notificação da decisão do tribunal ao Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social (artigo 4º, n.º 4 do DL 164/99). Por isso se prescreve que este Instituto deve comunicar de imediato a decisão do tribunal ao centro regional de segurança social da área da residência do alimentado, para o efeito de este iniciar o pagamento das prestações a partir do mês seguinte ao da notificação.

A sub – rogação do Fundo de Garantia:

Posto que o Fundo de Garantia entregue as prestações pecuniárias à pessoa cuja guarda o menor se encontre, ele fica titular do mesmo direito de crédito que pertencia ao menor (artigo 6º, n.º 3 da Lei 75/98 e artigo 5º, n.º 1 do DL 164/99), sendo-lhe, pois, lícito exigir do devedor de alimentos uma prestação igual ou equivalente àquela com que tiver sido satisfeito o interesse do menor (credor).

Pode, de resto, suceder que a sub – rogação seja, tão – só, parcial: isto ocorrerá sempre que o montante a que o Fundo seja condenado a pagar ao devedor não satisfaça integralmente os direitos de crédito que o menor dispõe contra o obrigado a alimentos, atento o limite máximo das prestações, constantes do n.º 1 do artigo 2º da Lei 75/98, a que o estado, na pessoa do referido Fundo, pode ser condenado a pagar.

Nesta eventualidade, o menor (credor primitivo) conserva os respectivos direitos de crédito (remanescentes) contra o obrigado a alimentos (artigo 593º, n.º 2 CC).

Portanto, o Fundo pode ser condenado a pagar integralmente ao menor (credor de alimentos) os direitos de crédito de que este dispõe contra o obrigado a alimentos ou pode satisfazer parcialmente esses direitos, atendendo ao limite máximo das prestações fixado pelo n.º 1 do artigo 2º da Lei 75/98.
Ora, a substituição do devedor pelo Fundo de Garantia só pode dar-se em relação a direitos subjectivos existentes ou constituídos e não em relação a meras expectativas de aquisição dum direito.

Daí que, verificados os requisitos e comprovada a existência da dívida do progenitor em relação aos menores, o Fundo de Garantia, por força da sub – rogação, assume o pagamento dessa dívida ao credor (menor), substituindo-se ao devedor.

In casu, como ficou provado, não só se verifica a existência de um crédito dos menores por incumprimento da obrigado à prestação de alimentos, como também se encontram verificados todos os requisitos de que a lei faz depender este dever de prestar do Estado.
Por sua vez, as obrigações do Fundo de Garantia encontram-se directamente relacionadas com a obrigação a que o devedor de alimentos estava adstrito.
Logo, deveria o Fundo de Garantia ser chamado a satisfazer a quantia fixada, contanto que não ultrapassasse os limites fixados legalmente e depois de verificados todos os requisitos de que a lei faz depender a sua intervenção, a partir do momento em que o devedor tivesse deixado de satisfazer as prestações a que estava adstrito.

Como o recorrente pretende, apenas, que Fundo seja chamado a pagar a pensão de alimentos a partir da instauração do incidente de incumprimento, assim delimitando o objecto do recurso, não poderemos ir mais além do que foi peticionado.
Concluindo:
1ª – O FGADM intervém com carácter subsidiário e surge como garante legal do devedor principal (progenitor condenado a pagar alimentos), efectuando o pagamento das prestações alimentares, a partir do momento em que o progenitor relapso entra em situação de incumprimento, ficando sub - rogado em todos os direitos dos menores perante o devedor originário.
2ª – A sub – rogação do Fundo abrange todas as prestações devidas aos menores, ou seja, as prestações vencidas ou vincendas.
3ª – Uma vez que a intervenção do FGADM tem por base o incumprimento do progenitor obrigado a prestar alimentos, este incumprimento só se pode aferir em relação às prestações vencidas, pois que, em relação às prestações vincendas, apenas se pode fazer um juízo de probabilidade, assente no anterior incumprimento e na situação sócio – económica desse devedor.
4ª – O n.º 5 do artigo 4º do DL nº 164/99, de 13 de Maio não indica o momento em que nasce a obrigação pelo pagamento das prestações pelo Fundo, mas apenas estabelece o momento a partir do qual o Instituto da Segurança Social deve começar a pagar as prestações através do Fundo, revestindo tal norma um carácter essencialmente burocrático e administrativo.
5ª – O momento em que nasce a obrigação a satisfazer pelo Fundo coincide com o momento em que o devedor deixou de pagar as prestações a que estava adstrito.
6ª – Para que o Fundo fique adstrito ao pagamento das quantias vencidas, exige-se a verificação pelo Tribunal a quo do incumprimento do devedor e dos demais requisitos exigidos legalmente, condição indispensável para que o Fundo possa ser accionado.
5.
Pelo exposto, concedendo provimento ao agravo, revoga-se a decisão recorrida e substitui-se por outra que fixa o início do pagamento da pensão de alimentos pelo FGADM no momento de instauração do incidente de incumprimento, in casu, Maio de 2005.
Sem custas, por não serem devidas.

Lisboa, 8 de Maio de 2008.
Manuel F. Granja da Fonseca
Fernando Pereira Rodrigues
Carlos Fernando Valverde (vencido conforme declaração de voto que junto)
*****
DECLARAÇÃO DE VOTO
O art° 1° da Lei n° 75/98, de 19/11, estabelece que:
"Quando a pessoa judicialmente obrigada a prestar alimentos a menor residente em território nacional não satisfizer as quantias em dívida pela formas previstas no art. 189° do DL. n° 314/78, de 27 de Outubro, e o alimentado não tenha rendimento líquido superior ao salário mínimo nacional, nem beneficio nessa medida de rendimentos de outrem, a cuja guarda se encontre, o Estado assegura as prestações previstas na presente lei até ao início do efectivo cumprimento da obrigação...".
Por sua vez, o art. 2°prescreve que:
"1. as prestações atribuídas nos termos da presente lei são fixadas pelo tribunal e não podem exceder, mensalmente, por cada devedor, o montante de 4 UC's.
2. Para a determinação do montante referido no número anterior, o tribunal atenderá à capacidade económica do agregado familiar, ao montante da prestação de alimentos fixada e às necessidades específicas do menor".
A concretização deste escopo legal é feita através do Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores, gerido pelo Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, sendo que o pagamento das prestações alimentares assim asseguradas só se inicia no mês seguinte ao da notificação da necessária decisão judicial arts. 2° e 4° do DL n0 164/99, de 13/5 - diploma regulamentador da Lei 75/98.
Na interpretação destes normativos se terá de encontrar a resposta à questão que se enunciou.
Prescreve o n° 1, do art° 9° do C.G. que á actividade interpretativa não basta o elemento literal das normas e que é essencial a vontade do legislador, captável no quadro do sistema jurídico, das condições históricas da sua formulação e, numa perspectiva actualista, na especificidade do tempo em que são aplicadas.
No n° 2 estabelece-se, por seu turno, que a determinação da vontade legislativa não pode abstrair da letra da lei, isto é, do significado da sua expressão verbal.
Finalmente, no n° 3, dispõe-se, por apelo a critérios de objectividade, que o intérprete, na determinação do sentido prevalente da lei, deve presumir o acerto das soluções consagradas e a expressão verbal adequada (Pires de Lima e Antunes Varela, CC Anotado, vol. 1, 3a ed., pág. 58).
No fundo, o referido normativo expressa os princípios doutrinários consagrados ao longo do tempo sobre a interpretação das leis, designadamente o apelo ao elemento literal, por um lado, e aos de origem lógica - meus legís ou fim da lei, histórico ou sistemático - por outro.
Interpretar uma lei não é mais do que fixar o seu sentido e o alcance com que ela deve valer, ou seja, determinar o seu sentido e alcance decisivos; o escopo final a que converge todo o processo interpretativo é o de pôr a claro o verdadeiro sentido e alcance da lei (Manuel de Andrade, Ensaio sobre a Teoria da Interpretação das Leis, págs. 21/26).
Interpretar, em matéria de leis, quer dizer não só descobrir o sentido que está por detrás da expressão, como também, dentro das várias significações que estão cobertas pela expressão, eleger a verdadeira e decisiva (Pires de Lima e Antunes Varela, Noções Fundamentais do Direito Civil, vol. 1°, 6a ed., pág. 145).
Daí que, perante as regras de interpretação da lei que resultam do art. 9° do Código Civil, a regra não é a de que onde a lei não distingue não pode o intérprete distinguir, mas, ao invés, a de que onde a lei não distingue deve o intérprete distinguir sempre que dela resultem ponderosas razões que o imponham.
Parece-nos apodíctico que a finalidade da legislação em referência foi a da consagração de uma garantia de alimentos a menores deles carecidos e desprotegidos pelo incumprimento dos respectivos devedores, motivado, as mais das vezes, peia precaridade da situação sócio-económica destes.
Tal, de resto, se retira do preâmbulo do DL 164/99, onde, nomeadamente, se adianta: "Este direito (direito a alimentos) traduz-se no acesso a condições de subsistência mínimas, o que, em especial no caso das crianças, não pode deixar de comportar a faculdade de requerer à sociedade e, em última instância, ao próprio Estado as prestações existenciais que proporcionem as condições essenciais ao seu desenvolvimento (da criança, enquanto pessoa em formação) e a uma vida digna (...)". E mais adiante: "De entre os factores que relevam para o não cumprimento da obrigação de alimentos assumem frequência significativa a ausência do devedor e a sua situação sócio económica, seja por motivo de desemprego ou de situação laborai menos estável, doença ou incapacidade decorrentes, em muitos casos, da toxicodependência, e o crescimento de situações de maternidade ou paternidade na adolescência que inviabilizam, por vezes, a assunção das respectivas responsabilidades parentais".
Todavia, o Estado não se substitui ao devedor de alimentos no cumprimento da obrigação alimentar anteriormente fixada a este, isto é, não se está aqui perante uma qualquer assunção de dívidas do obrigado alimentar pelo Estado, antes este se propõe a satisfazer as necessidades básicas de subsistência e desenvolvimento do menor, sempre que tal não possa ser assegurado, por um motivo ou outro, pelos seus progenitores.
Daí que, a prestação social de que aqui se trata revista carácter autónomo em relação à prestação alimentar incumprida pelo progenitor a eia obrigado, apenas encontrando na impossibilidade da realização coactiva desta (art' 189' da OTM) o seu pressuposto legitimador.
Como se refere no Ac. desta Relação de 8-3--2005, de que fomos subscritor, foi intenção do legislador ficar a cargo do Estado apenas o pagamento de uma nova prestação de alimentos, a fixar pelo tribunal dentro de determinados parâmetros, uma prestação autónoma e actual que não visa substituir definitivamente a anterior obrigação de alimentos, mas antes proporcionar ao menor, de forma autónoma e subsidiária, a satisfação de uma necessidade actual de alimentos (CJ, XXX, II, 74) e isto, desde logo, porque só a verificação judiciai da impossibilidade parental faz desencadear a obrigação social do Estado de assegurar alimentos ao menor deles carenciado, devendo a respectiva decisão ser precedida da realização das diligências consideradas indispensáveis à determinação do respectivo montante alimentar, que pode ser diferente do anteriormente fixado no âmbito da regulação do poder paternal ou da acção de alimentos (art° 2' da lei 75/98).
Por isso, só a partir da verificação dessa impossibilidade, o Estado está em condições de garantir e deve garantir as prestações alimentares a que se obriga nos termos da legislação em referência.
E se a finalidade desta legislação, como se deixou sobredito, é a da satisfação das carências actuais alimentares do menor, o pagamento de alimentos respeitantes a períodos anteriores tenderia não a cumprir essa finalidade, mas antes a de satisfazer os créditos daquele (progenitor ou outro) que durante esses períodos suportou unilateralmente as despesas alimentares do menor, o que não se coaduna com os critérios interpretativos que supra se enunciaram, nomeadamente com o definido no n° 3 do art° 9° do CC " na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados".
Em conclusão, não se nos oferecendo dúvidas de que a actuação do Fundo é genética e basicamente determinada por razões de política social do Estado, a sua obrigação apenas nasce com a decisão de oportunidade do tribunal e a sua exigibilidade ocorre tão só no mês seguinte ao da respectiva notificação (cfr., neste sentido, o Ac. do STJ de 27-9-2007, CJ-STJ, 111, 62).
E nem se diga que a intervenção do Fundo apenas no período pós-sentença é colocar as necessidades básicas do menor ao sabor das vicissitudes da lide processual, pois a própria lei prevê a possibilidade da fixação provisória de uma prestação alimentar, justificada na urgência desta, sendo que os recursos nestes processos têm sempre efeito devolutivo (art° 3°, 2 e 5 da Lei 75/98), não fazendo sentido, por outro lado e salvo o devido respeito, esgrimir com a violação, na interpretação defendida, do princípio constitucional da igualdade, pois a vinculação jurídico-material do legislador ao princípio da igualdade é perfeitamente conforme com o estabelecimento de regras divergentes para situações que apresentem especificidades merecedoras de tratamento desigual. Doutro modo, a garantia de igualdade pensada na Constituição não tem um significado absoluto, conformando-se com as discriminações ou desigualdades que sejam devidamente fundamentadas.
E tal é o caso.
Negaria, pois, provimento ao agravo, confirmando a decisão recorrida.
________________________________
[1] Preâmbulo do DL 164/99, de 13 de Maio
[2] Remédio Marques, Algumas Notas Sobre Alimentos (devidos a Menores), (...), Coimbra Editora, 222.
[3] Remédio Marques, obra citada, 222.
[4] Tratar-se-á, neste caso, de uma medida provisória, típica dos procedimentos cautelares, enxertada na própria acção de incumprimento em que se pede a condenação do referido Fundo de Garantia.