Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | ADEODATO BROTAS | ||
Descritores: | CITAÇÃO INCAPACIDADE ACIDENTAL DO CITANDO | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 12/14/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
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Sumário: | 1–Decorre do artº 219º nº 1, 1ª parte, do CPC que é através do acto de citação que se dá a conhecer ao réu o conteúdo da petição inicial e se lhe possibilita o exercício do direito de defesa. 2–A efectivação da citação pressupõe que o destinatário, citando, esteja em condições, quer físicas quer mentais, de a receber e de entender o alcance do acto e as respectivas consequências. Ou seja, o citando tem de ter efectiva consciência da natureza do acto que lhes é comunicado e de apreender o seu sentido e finalidade. 3–Face ao objectivo tido em vista pelo legislador no artº 234º nº 1, é indiferente que se trate de incapacidade permanenteou temporária/acidental. 4–A lei, no artº 234º nº 1, realça a notoriedade da incapacidade sendo que essa notoriedade apenas se reporta ao momentoem que o funcionário judicial, agente de execução ou distribuidor do serviço postal, procurando citar o réu, constatam a notória incapacidade do citando. 5–Se o réu recebeu pessoalmente o expediente de citação, franqueou ao distribuidor do Serviço Postal o seu documento de identificação pessoal e, dentro do prazo para contestar fez chegar aos autos um requerimento, por si assinado, a dar nota de ter solicitado apoio judiciário nas modalidades de dispensa de pagamento de taxas de justiça e de nomeação de patrono e pagamento da respectiva compensação, apesar de padecer de uma Incapacidade Multiusos de 60%, que posteriormente passou a 80%, tem de concluir-se que o réu teve consciência da natureza do acto de citação e apreendeu o seu sentido e finalidade. | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam neste colectivo da 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa: I–RELATÓRIO(seguir-se-á, parcialmente, o relatório efectuado pela 1ª instância) 1–A, Sociedade, Lda., instaurou acção comum, contra PBM, pedindo: -Se declare resolvido o contrato de promessa de compra e venda que tem como objeto a fração autónoma designada pela letra “U”, que identifica, por incumprimento definitivo e culpa exclusiva do réu; e -Se condene o réu a reconhecer à autora o direito de fazer sua a quantia recebida a título de sinal. Em síntese, invocou o contrato-promessa celebrado entre as partes, apontando o seu objeto e obrigações dele decorrente para cada uma das partes; invoca o incumprimento definitivo desse contrato por parte do réu. 2–Citado através de carta registada como A/R, que recebeu a 14/6/2022 (aviso de recepção junto a 17/06/2022), veio o réu, através de requerimento de 07/07/2022, por ele assinado, juntar ao processo cópia do requerimento de apoio judiciário, nas modalidades de dispensa de pagamento de taxas de justiça e de nomeação de patrono que apresentou junto da Segurança Social. 3–Por ofício 27/07/2022, da Segurança Social, foi comunicado que o pedido de apoio judiciário solicitado pelo réu foi indeferido. 4–O réu não apresentou contestação. 5–Por despacho de 10/10/2022, foram considerados confessados, nos termos do artº 567º, os factos alegados pela autora. 6– A autora apresentou alegações nos termos d artº 567º nº 2. 7–Com data de 17/10/2022, foi proferida sentença, julgando a acção procedente e condenando o réu no pedido. 8–A sentença foi enviada para notificação por acto de 17/10/2022. 9–O réu, por requerimento de 07/11/2022, subscrito por advogado, com procuração forense, veio arguir a nulidade da citação, alegando, em síntese: - Que padece de deficiência que, em 28/10/2021 era de 60% e, actualmente, de 80%; - O distribuidor do correio, aquando da entrega da carta de citação, não se apercebeu da incapacidade do réu quanto ao alcance de tal ato; - Entende que àquela dada o réu não podia ter sido citado e, antes disso, o expediente haveria de ter sido devolvido com essa nota e, sequentemente, ao mesmo haveria de ser nomeado curador provisório a fim de contestar a acção. Juntou um atestado médico de Incapacidade Multiusos. 10–Notificada da invocada nulidade de citação, veio a autora pugnar pela respectiva improcedência, argumentando, em síntese, que o réu outorgou procuração forense a favor do seu mandatário; que o réu quando recebeu a citação estava ciente do alcance do acto, porque foi requerer apoio judiciário junto da Segurança Social, com pedido de nomeação de patrono, para contestar a acção. 11– Por requerimento de 10/11/2022, o réu pediu a sua audição nos autos e a requisição dos seus elementos clínicos ao Hospital do Divino Espírito Santo (HDES). Juntou ainda: - Informação clínica, datada de 4/11/2020, subscrita pelo Dr. AF, por via da qual avança a patologia detetada no R., neurosífilis, que lhe provoca uma deterioração muito acentuada das capacidades cognitivas; - Um relatório neuropsicológico datado de 9/5/2018, no qual a Dra. SGC, neuropsicóloga, conclui que o réu apresenta um defeito muito significativo, generalizado, das funções nervosas superiores, sendo preponderantes no quadro o défice mnésico (retenção e evocação auditiva e visual) …e executivo (tomada de decisão, controlo e flexibilidade mental). Revelando total ausência de capacidade crítica em relação ao compromisso cognitivo, funcional (AVD´s instrumentais do defeito evidente) e comportamental que apresenta. O perfil neuropsicológico é compatível com o quadro demencial ligeiro, com provável associação aos antecedentes clínicos recentes do examinado (neurosífilis); -Uma informação clínica datada de 21/9/2020 e subscrita pelo Dr. HF, psiquiatra, que revela ser o réu seguido em consultas de psiquiatria, no HDES, desde 2017 e no seguimento de internamento compulsivo…apontando para, desde então, uma deterioração cognitiva e funcional progressiva…irreversível; - Uma declaração médica subscrita pelo Dr. AF, datada de 19/10/2022, na qual avança no sentido do réu, pela patologia psiquiátrica de que padece desde 2017, ter a suas capacidades cognitivas afetadas desde então e com isso estar, de lá para cá, incapacitado de receber e interpretar notificações ou outras e de entender o alcance das mesmas; e - Uma informação clínica, datada de 20/10/2022, subscrita pela Dra. MB, psiquiatra, que dá nota de o réu estar a ser seguido desde 2017 na consulta de psiquiatria do HDES e em razão de patologia associada à neurosífilis. Revelando que o tempo tem levado a um declínio cognitivo do paciente, tornando-o incapaz de interferir nas atividades da sua vida diária, profissionais e sociais, incluindo trabalho e questões financeiras, com compromisso na capacidade de decisão. 12–Por despacho de 15/11/2022, foi determinado se oficiasse ao HDES para que remetesse cópia do processo clínico do réu. 13–A autora, solicitou a junção de diversos documentos e arrolou testemunhas. 14– Por via do ofício de 01/02/2023, o HDES fez chegar aos autos elementos clínicos do réu. 15–Foi designada data para audição do réu e das testemunhas. 16–Realizou-se, a 22/03/23, a primeira diligência de prova, com declarações do réus e inquirição de testemunhas. Porque o réu pôs em causa que a assinatura constante do A/R de citação fosse de sua autoria, foi designada data para inquirição do distribuidor do Serviço Postal, o que veio a acontecer na diligência de 12/04/2023 17–Com data de 27/04/2023, foi proferida sentença que decidiu: “Face ao exposto, remetendo para as razões de direito e de facto acima expostas, julgo improcedente a nulidade avançada pelo R.” 18–Inconformado, o réu interpôs recurso desta decisão, a 26/05/2023, formulando as seguintes CONCLUSÕES: 1º- O R, padece, desde 2017, de uma deterioração cognitiva funcional progressiva e irreversível que lhe retira a capacidade de entender e de compreender, ainda que não de forma absoluta, incapacidade de facto que compromete o exercício dos seus direitos processuais. 2º- No requerimento em que se alegou a nulidade da citação, o réu logo requerer a nomeação de curador provisório, com a incumbência de o representar neste processo. 3º- É do conhecimento geral uma neurosífilis provoca uma deterioração global, progressiva e irreversível de diversas funções cognitivas (memória, atenção, concentração, linguagem, pensamento entre outras), deterioração essa que tem como consequências alterações no comportamento, na personalidade e na capacidade funcional da pessoa, dificultando a realização das suas actividades de vida diária. 4º- Tal leva a que esteja justificadamente impedido de se compreender o teor e alcance da mesma citação, sendo irrelevante, atenta a prova documental junta aos autos, se o carteiro se apercebeu ou não se o R. (se) encontrava impossibilitado de receber a citação. 5º- o despacho recorrido viola o artigo 257º, do Cód. Civil, e ainda os artigos 234º, 191º, 195º e 199º do Cód. Proc. Civil. 6º- Deverá ser julgada procedente a referida nulidade do acto de citação do R. e, anulando-se todo o processo posterior, ser nomeado curador provisório ao R. na pessoa de quem seja feita a citação. Termos em que, com o douto suprimento de V. Exas, deverá ser julgada procedente a invocada nulidade do acto de citação do R. e, anulando-se todo o processado posterior, sendo nomeado um curador provisório ao R. na pessoa de quem será feita a citação, por assim ser de Direito. *** 19–A autora contra-alegou, a 13/06/2023, pugnando pela improcedência do recurso, formulando as seguintes CONCLUSÕES: 1- Salvo o devido respeito, não tem qualquer razão o R./Recorrente, não merecendo a douta sentença recorrida qualquer censura, porquanto se encontra devidamente fundamentada, quer de facto, quer de direito. 2- Na verdade, importa dizer que o R./Recorrente, que alegou estar incapaz, sem o provar, para entender o acto de citação – pese embora na sequência dessa citação tenha preenchido e entregue o pedido de apoio judiciário nos serviços competentes, que posteriormente juntou aos autos, facto que por si só afastaria a incapacidade acidental, aliada ao facto de esta só ser relevante se constituir facto notório, entendendo-se este como aquele que uma pessoa de normal diligência o teria pedido notar (o carteiro é uma pessoa de normal diligencia e não notou qualquer incapacidade, de tal sorte que lhe entregou o AR de citação após aquele ter facultado os seus elementos de identificação). 3- Vale isto para dizer que, como é evidente, se o R. fosse efectivamente incapaz, que não é, seguramente (pelo próprio ou pela sua mãe, pessoa que, pelo menos, já desde 2018 acompanha o R. nos exames e consultas médicas, conforme ponto 18 do Relatório Neuropsicológico, que é o Doc. 2 junto ao requerimento ref. CITIUS 43839056, no qual se concluiu que o R. pode sofrer de um défice cognitivo ligeiro), já teria sido intentado o competente processo de acompanhamento de maior, tal como trataram da emissão do certificado de incapacidade multiusos para efeitos de benefícios, o que não fizeram (facto provado em 17). 4- Assim, ou o R./Recorrente não é incapaz (para efeitos civis), como entendeu, e bem, o Tribunal a quo, ou a sê-lo, o que não se concede, não pode dela aproveitar- se, para efeitos civis, substantivos e processuais, por a sua conduta – e da sua mãe – consistir num manifesto abuso de direito e fraude à lei, mantendo-se num limbo, procurando invocar uma incapacidade acidental somente quando lhe dá jeito e para o que lhe dá jeito, frustrando-se, dessa forma, à justiça. 5- Para além disso, mesmo que assim não fosse, que é, sempre se dirá que o R./Recorrente requereu a nulidade da citação, sem contudo expressamente invocar justo impedimento - que no acto da citação não tinha discernimento mental para compreender a citação recebida, estando incapaz de gerir adequadamente a sua vida, não conseguindo perceber o conteúdo desse acto. 6- A situação descrita pelo R./Recorrente, no seu recurso, não tem correspondência com a realidade dos factos provados: Tanto percebeu o conteúdo da citação, que logo após requereu apoio judiciário para contestar a acção para a qual tinha sido citado e requereu a junção aos autos do pedido de apoio judiciário que tinha efectuado. 7- No primeiro contacto com o processo – requerimento de junção aos autos do pedido do apoio judiciário -, o R./Recorrente nada arguiu ou invocou, dizendo, em audiência que foi um amigo que tratou de tudo!!!, confirmando, no entanto, que foi ele próprio quem assinou o pedido de apoio judiciário e elaborou e assinou o requerimento de junção aos autos desse pedido. 8- Desta norma resulta que o efeito do justo impedimento é o de suspender o termo de um prazo peremptório deferindo-o para o dia imediato àquele que tenha sido o último de duração do impedimento. 9- Mas para que assim funcione, a invocação do justo impedimento tem de ser feita logo que cesse a causa impeditiva, a prova do mesmo tem de ser oferecida de imediato, e o requerente tem que proceder à prática em simultâneo do acto em falta (Ac. T.R.C. de 18/07/2006, Relatado pelo Exmo. Desembargador Garcia Calejo). 10- Na verdade, na sua primeira intervenção processual, após citação, o R./Recorrente limitou-se a requerer a junção do apoio judiciário, nada mais tendo dito ou requerido, sabendo perfeitamente que contra ele corria acção judicial que importava contestar, acto para o qual requereu o benefício do apoio judiciário. 11- Também no seu requerimento, ref. CITIUS 43784521, de 07-11-2022, o R./Recorrente não apresentou de imediato qualquer prova relativa à sua incapacidade de facto à data da citação (uma vez que o alegado atestado que juntou, para além de não conter os necessários elementos de identificação, tornando-o de duvidosa veracidade, dele não se extrai qualquer incapacidade do R./Recorrente a nível intelectual e cognitivo no momento do acto de citação), nem apresentou Contestação (acto em falta). 12- Da decisão recorrida, decorre que o R./Recorrente não logrou provar que não tivesse tido conhecimento da citação, antes pelo contrário, pois que essa prova estava dependente da que obtivesse no incidente de justo impedimento. Quer dizer, apenas a prova deste permitiria que se admitisse que o desconhecimento dos efeitos da citação existisse nesse momento, e se tivesse mantido até à data da notificação da sentença, por facto que não lhe tivesse sido imputável. 13- Breve: o R./Recorrente foi citado regularmente e não contestou no prazo de que para o efeito dispunha - e porque, para além disso, não constituiu mandatário nem interveio de qualquer forma no processo (artigo 566º, nº 1 do C. P. Civil), há que concluir, como se concluiu nos autos, que entrou em revelia absoluta. 14- Assim, dúvidas não restam que deve ser mantida integralmente a douta Sentença recorrida, por se encontrar devidamente fundamentada e não violar qualquer princípio ou disposição legal. Nestes termos, julgando improcedente o recurso e mantendo na íntegra a douta sentença recorrida. 20–A solicitação do ora relator, foi junta aos autos de recurso certidão da sentença proferida no âmbito de processo especial de acompanhamento de maior, a favor do ora réu, proferida a 26/09/2023, no Proc. 1634/23.0T8PDL, transitada em julgado a 24/10/2023, que determinou: “III – Decisão Face a tudo o quanto ficou dito, julgo procedente a presente acção e assim: I.- Instituo ao Requerente PBM o regime do maior acompanhado, fixando-lhe as seguintes medidas de acompanhamento: a. Representação geral e administração total de bens, previstas no art. 145.º n.º 2 als. b) e c) do Código Civil, dispensando-se a constituição do conselho de família. II.- Designo como Acompanhante OBN, a quem competirá o cumprimento e execução das medidas de acompanhamento e o contacto permanente com o Acompanhado, nos termos do disposto no artigo 900.º n.º 2 do CPC. III.- A presente medida, torna-se conveniente a partir de 2017. IV.- A revisão periódica das medidas de acompanhamento ora aplicadas ocorrerá dentro de cinco anos devendo, para tanto, ser aberto termo de conclusão (cf. art.º 155.º do Código de Processo Civil).” 21–Paralelamente, na sequência da sentença proferida a 17/10/2022, que julgou a acção procedente e condenando o réu no pedido, foi interposto recurso de apelação e, por acórdão de 15/06/2023, desta 6ª Secção, foi julgado improcedente e confirmada a sentença que condenou o réu no pedido. *** II–FUNDAMENTAÇÃO. 1-Objecto do Recurso. É sabido que o objecto do recurso é balizado pelo teor do requerimento de interposição (artº 635º nº 2 do CPC) pelas conclusões (artºs 635º nº 4, 639º nº 1 e 640º do CPC) pelas questões suscitadas pelo recorrido nas contra-alegações em oposição àquelas, ou por ampliação (artº 636º CPC) e sem embargo de eventual recurso subordinado (artº 633º CPC) e ainda pelas questões de conhecimento oficioso cuja apreciação ainda não se mostre precludida. Assim, em face das conclusões apresentadas pelo recorrente, é a seguinte a questão que importa analisar e decidir: - Se há fundamento para revogar a decisão sob impugnação e, por consequência declarar nula a citação. *** 2- Factualidade Relevante. Para além dos elementos factuais mencionados no Relatório supra, importa ter presente a factualidade decidida pela 1ª instância e que, de resto, não foi objecto de impugnação: 1.–Em 7.6.2022, a A, Sociedade, Lda., intentou a presente ação comum contra PBM, pedindo que:
3.–A carta referida em 2. foi, em 14.6.2022, entregue em mão ao R., que, em razão a contingência da pandemia, não assinou o respetivo AR, mas franqueou ao carteiro o seu cartão de cidadão o qual para tal documento transpôs o respetivo número e identificação; 4.–O AR referido em 3. foi devolvido aos autos em 17.6.2022 - refª 4696566; 5.–O R., através da peça com a refª 4727197, de 8.7.2022, que redigiu e assinou, juntou ao processo o comprovativo de ter solicitado junto da instituição a isso quadrada o respetivo apoio judiciário nas modalidades de dispensa do pagamento da taxa de justiça e demais encargos com o processo e nomeação e pagamento da compensação de patrono; 6.–Por ofício chegado aos autos em 29.7.2022 - refª 4755517 -, a Segurança Social dá nota do indeferimento do pedido de apoio formulado pelo R.; 7.–Em 10.10.2022, proferiu-se o despacho com a refª 53983754, através do qual se dá corpo ao imperativo legal apontado no artº.567º, nºs.1 e 2 do CPC e, nessa sequência, a A. alegou - refª 4846142; 8.–A sentença foi proferira em 17.10.2022 - refª 54031624 e dela foram, naturalmente, notificadas as partes - refªs 54036627 e 54036632, ambas de 17.10.2022; 9.–Notificada a sentença ao R., veio ele, através de requerimento assinado pelo Dr. FM, com procuração que juntou, apresentado em 7.11.2022 e com a refª 4880027, invocar a nulidade da citação em razão da sua incapacidade para compreender o sentido de tal ato; 10.–O R., através de atestado médico de Incapacidade Multiuso assinado pelo presidente da junta e emitido em 10.8.2022, declara-o portador de deficiência, desde 28.10.2021 que lhe acarreta um grau de incapacidade de 60%; 11.–O R. foi mandado internar, no âmbito da lei de saúde mental, em 16.6.2017, nessa situação permanecendo até 21.7.2017, altura em que passou a internamento facultativo; 12.–Desde 2017 e no seguimento de internamento compulsivo o R. tem vindo a ser seguido na psiquiatria do HDES, tendo-lhe sido diagnosticada neurossífilis, padecência que aponta para, desde então, uma deterioração cognitiva e funcional progressiva e irreversível; 13.–A doença de que padece o R., referida em 12., não é, só por si, de lhe retirar de forma absoluta a capacidade de entender e compreender; 14.–O R. enviou um e-mail, datado de 13.6.2022, endereçado ao gerente da A., a solicitar lhe uma declaração que atestasse o valor que dele recebeu para a aquisição do prédio aqui em causa; 15.–O R. entregou à funcionária da A e nas instalações desta, um manuscrito por si redigido à frente daquela, em 1.9.2022, onde escreve: “Sr. Pires eu preciso da caderneta predial do apartamento bem como uma declaração do valor que recebeu”; 16.–O R., na sequência de uma interpelação feita pela A. através de carta datada de 2.3.2021 e recebida pela progenitora dele que assinou o respetivo AR em 12.3.2021, procurou mandatário para a esse ato responder, fazendo-o em 12.3.2021 por intermédio do Dr. JFD; 17.–(O R. não está declarado interdito ou inabilidade e não pende contra ele qualquer processo de acompanhamento de maiores.) * eliminado face ao que consta do ponto 20 do Relatório supra. *** 3–A Questão Enunciada: se há fundamento para revogar a decisão sob impugnação e, por consequência declarar nula a citação. O apelante defende a nulidade da citação invocando que o réu, devido à doença de que padece, não estava em condições de entender o significado do acto. Será assim? A 1ª instância, fundamentou a sua decisão de improcedência da pretendida nulidade da citação, argumentando, no essencial: “A questão que cumpre dilucidar consiste em perceber se o R., na altura em que foi citado, estava incapaz de perceber esse ato e, se assim for, daí tirar a necessária consequência…declará-lo nulo tal como como os atos a esse subsequentes. (…) “A incapacidade acidental do autor do ato torna este anulável desde que, para além dos elementos integradores da situação de incapacidade, a incapacidade do declarante seja conhecida do declaratário ou, em alternativa, notória. O artº.257º do Código Civil limita-se a cominar a anulabilidade do ato, não fixando o seu regime, pelo que se deverá aplicar o regime geral do artº.287º do Código Civil, tendo legitimidade para pedir a anulação o próprio incapaz, cessando a situação de incapacidade, ou o seu representante, se o houver. A incapacidade acidental, prevista e regulada no artº.257º do Código Civil, exige, para a anulabilidade do ato, que: . no momento da prática do ato, haja uma incapacidade de entender o sentido da declaração negocial ou falte o livre exercício da vontade; e . que a incapacidade natural existente seja notória ou conhecida do declaratário (passível de apreensão por uma pessoa média, colocada na posição do declaratário), assim se tutelando a boa-fé deste último e a segurança jurídica.” A carta, por quem de direito, foi-lhe entregue segundo as regras formais a isso concernentes, sendo certo que o carteiro, pessoa que o contatou e que conhecia de outras entregas anteriores de correspondência nunca impugnadas, nada de extraordinário nesse momento nele viu para além do que sempre nele observou e que há muito o tinham alertado para uma afetação cognitiva que, em razão da qualidade do contato que com ele nesse momento teve, não entendeu impeditiva dele compreender o ato que levava a cabo…dando- lhe, inclusivamente nota da identidade do remetente. O carteiro, tal como o afirmou em audiência, não vislumbrou no R. qualquer sinal de incompreensão do ato que praticava e, face a isso, não convocou um qualquer terceiro ou mobilizou o incidente a que sempre daria curso se assim não fosse. Não tendo sido alegada qualquer causa concomitante com o ato capaz de afetar para lá do ordinário a capacidade de compreender ao R., vemos, também, que à pessoa que o contatou e com ele praticou o ato aqui em causa…não era óbvia a incapacidade que o R. aqui alega. Para lá disso…percebemos que o R., perante a citação, logo por si, ainda que apoiado por um amigo como alegou, logo tomou nota do assunto que a citação trazia a si, logo apontou a necessidade de contestar e, perante a falta de meios para constituir mandatário, logo procurou formular pedido de apoio judiciário no sentido de lhe ser nomeado e desse pedido deu nota nos autos com o fito de suster o prazo que corria. O primeiro ato do R. subsequente à citação não foi a alegação da sua incapacidade…antes o ideal ao fito defensivo que logo sentiu aquando da entrega da carta. É verdade que, depois, deixou cair o procedimento de apoio…contudo, essa circunstância, não releva para o que aqui nos ocupa porque a incapacidade que alega haveria de se verificar no momento da prática do ato e nesse, como bem o referiu a testemunha JV..., não a notou.” Vejamos então. Como é sabido, o artº 219º do CPC, com epígrafe “Funções da citação e da notificação” determina que: “1- A citação é o acto pelo qual se dá a conhecer ao réu de que foi proposta contra ele uma determinada acção e se chama ao processo para se defender;…” Desta noção e da função que lhe está associada, a citação constitui o meio processual privilegiado para garantir um dos princípios basilares e essenciais do processo civil: o princípio do contraditório. Quer dizer, é através do acto de citação que se dá a conhecer ao réu o conteúdo da petição inicial e das pretensões deduzidas pelo autor contra ele e se lhe possibilita o exercício do direito de defesa, apresentando, querendo, a contestação, enunciando as razões por que se opõe àquela pretensão do autor, exercendo, desse modo o seu direito ao contraditório. Igualmente, pela citação é o réu advertido das consequências da falta de contestação, ou seja, do efeito cominatório associado à falta de contestação no prazo que lhe é indicado. Como é bom de ver, daquela noção e da função da citação resulta que o destinatário da citação, além de a receber efectivamente – a falta de citação, nas situações indicadas no artº 188º levam à anulação do processado após a petição inicial (artº 187º) – deve, rectius, tem de estar em condições, sejam físicas sejam mentais, de entender o alcance do acto e as respectivas consequências. Ou seja, o citando tem de ter efectiva consciência da natureza do acto que lhes é comunicado e de apreender o seu sentido e finalidade. Se o citando não tiver essa capacidade, a citação não deve ser realizada. Justamente por assim dever ser, o artº 234º, com epígrafe “Incapacidade de facto do citando”, determina que: “1- Se a citação não puder realizar-se por estar o citando impossibilitado de a receber, em consequência de notória anomalia psíquica ou de outra incapacidade de facto, o agente de execução ou o funcionário judicial dá conta da ocorrência, dela se notificando o autor.” Ora bem, há situações em que a incapacidade para receber a citação e compreender o seu alcance e efeitos são manifestos, por ser notória a falta de capacidade física ou mental do citando. Nesses casos, o agente que realiza a citação, seja funcionário, seja agente de execução, seja funcionário do serviço postal – embora a lei não o refira expressamente a analogia da situação aconselha a que esteja alertado para o efeito, como o decidiu o acórdão do TRC, de 12/02/2022, Teresa Albuquerque – deve abster-se de realizar o acto de citação e dar conta da ocorrência e dela notificando o autor, sendo o processo concluso ao juiz que decide da existência da incapacidade (nº 2). Pode suceder que a incapacidade de facto não seja evidente. Ainda assim, a verificação de anomalia psíquica ou de qualquer outra incapacidade de facto apenas deve levar ao acionamento do mecanismo alternativo à citação directa do citando quando se apresentem com suficiente gravidade capaz de comprometer o exercício dos seus direitos processuais: receber a citação e compreender a finalidade do acto (Cf. Abrantes Geraldes, Temas Judiciários, I Vol. 1998, pág. 74). E continua este autor: “…podem determinar a citação do demandado em pessoa diversa, com base na incapacidade, consoante a sua gravidade, as seguintes circunstâncias: a)- Anomalia psíquica (grave) que impossibilite o citando de receber (e perceber) a citação; b)- Outra incapacidade permanente que, pela sua gravidade, impeça o recebimento (e a compreensão da citação; c) Incapacidades temporárias, desde que impeçam o recebimento da citação ou o exercício tempestivo dos direitos de defesa.” (A e ob. Cit., pág. 75). Face ao objectivo tido em vista pelo legislador no artº 234º nº 1, é indiferente que se trate de incapacidade permanente ou temporária/acidental. Desde que a finalidade imediata da citação – recebimento e compreensão – ou objectivos que visa assegurar – faculdade do exercício oportuno do direito de defesa – não possam ficar suficientemente salvaguardados, há que recorrer à citação do réu noutra pessoa nos termos dos artºs 234º nº 3 e 17º. Seja como for, a lei, no artº 234º nº 1, realça a notoriedade da incapacidade e, essa notoriedade apenas se reporta ao momento em que o funcionário, agente de execução ou distribuidor do serviço postal, procurando citar o réu, constatam a notória incapacidade do citando. (Cf. Abrantes Geraldes, Temas…, cit. pág. 75 nota 96). Pois bem, feitas estas considerações, vejamos o caso dos autos. A carta para citação foi entregue pelo carteiro, em mão, ao réu que franqueou o seu documento de identificação pessoal àquele funcionário do Serviço Postal (ponto 3 dos factos provados); o réu, através de requerimento que assinou e juntos aos autos a 08/07/2022, deu a conhecer ter solicitado apoio judiciário, junto da Segurança Social, nas modalidades de dispensa do pagamento de taxas de justiça e de nomeação de patrono e pagamento da respectiva compensação (ponto 5 dos factos provados) indicando no requerimento apresentado na Segurança Social que se destinava a contestar “Acção Declarativa de Condenação, com Processo Comum, nº 1448/22.5T8PDL do juízo central cível e criminal de P. Delgada.” Ora, desde factos resulta, que o réu recebeu a citação e compreendeu a finalidade desse acto processual: solicitou apoio judiciário para contestar a acção e comunicou ao tribunal ter solicitado esse apoio judiciário. A esta luz, resta concluir que o réu não se mostrava incapaz de receber a citação nem de compreender a respectiva finalidade e efeitos. Assim, somos a entender que não há fundamento para alterar a decisão da 1ª instância. Em suma: o recurso improcede. *** III–DECISÃO. Em face do exposto, acórdão neste colectivo da 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa, julgar o recurso improcedente e, por consequência, confirmam a decisão impugnada. Custas, nesta instância, pelo réu/apelante, na vertente de custas de parte (as custas na vertente de taxas de justiça mostram-se previamente satisfeitas e não foram praticados nos autos actos tributáveis como encargos). Lisboa, 14/12/2023 (Adeodato Brotas) (João Brasão) Teresa Soares) |