Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
9697/20.4T8LRS.L1-7
Relator: EDGAR TABORDA LOPES
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
ATROPELAMENTO
RESPONSABILIDADE CIVIL
VÍTIMA DE 23 ANOS
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
MONTANTE INDEMNIZATÓRIO
UNIFORMIDADE DA JURISPRUDÊNCIA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/20/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I–Para o Tribunal, num processo judicial, os valores indicados na Portaria n.º 377/2008, de 26 de Maio (alterada pela Portaria n.º 679/2009, de 25 de Junho), têm um carácter meramente adjuvante, sendo o seu âmbito de utilização directo, prévio à existência da acção, pelo que nada obsta a que o Tribunal fixe valores superiores pelos danos considerados provados.

II–Diante da ausência de uniformização terminológica nas decisões dos Tribunais, quanto à forma de contabilização dos danos (nomeadamente do dano biológico) e sua inserção em danos patrimoniais ou não patrimoniais (o que nem sempre facilita a comparação dos valores atribuídos), o essencial é que não haja duplicação de indemnizações pelas mesmas matérias e/ou danos.

III–Pese embora se procure lograr a maior uniformidade, previsibilidade e coerência entre os valores atribuídos pelos Tribunais a título de indemnização, não será nunca possível forçar uma equiparação de situações que serão sempre únicas e irrepetíveis em cada concreto processo: e é o Tribunal de 1.ª Instância que tem o primeiro, imediato e insubstituível olhar perante a prova que foi produzida (que depois é reverificado pelas instâncias superiores).

IV–Considerando o grau de culpa do condutor que originou o acidente (em zona com boa visibilidade atropelou, com o autocarro que conduzia, um peão que já tinha ultrapassado metade da passadeira), bem assim como a circunstância da vítima, de 23 anos, ter sofrido um défice funcional temporário total de 19 dias e parcial de 269 dias, uma repercussão temporária na actividade profissional total de 219 dias, uma repercussão temporária na actividade profissional parcial de 69 dias, um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 3 pontos (sem dano futuro), esforços acrescidos (embora as sequelas sejam compatíveis com actividade profissional e sem repercussão em actividades de lazer ou desportivas), um quantum doloris de grau 6 (em 7), um dano estético de grau 4 (em 7), tem-se como justa, adequada e equilibrada para o efeito, a atribuição de uma indemnização de € 50.000 a título de danos não patrimoniais.


Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 7.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa



RELATÓRIO



M… intentou a presente acção declarativa contra a G… peticionando a sua condenação a pagar-lhe a título de indemnização por danos patrimoniais, a quantia de €1.060,50; a título de danos não patrimoniais, a quantia de €40.000; e a título de dano estético, a quantia de €35.000, acrescidas dos juros de mora, contados desde a data da citação até integral e efectivo pagamento.

Posteriormente (a 13/10/2022), a Autora veio a reduzir o pedido de condenação da ré no pagamento da quantia de €50.000, considerando a data da alta clínica, os períodos de incapacidade, as diversas intervenções cirúrgicas, o quantum doloris de 6 em 7, o dano estético de 6 em 7 e demais informações constantes na perícia médico-legal.

Alega, em síntese, a Autora, que no dia 27/11/2014, ocorreu um acidente de viação – de que foi vítima – provocado pelo condutor do veículo com a matrícula ..--..--.., sendo que tal deu origem aos alegados danos patrimoniais e não patrimoniais e que, no contrato de seguro celebrado com a Ré, para ela fora transferida a responsabilidade civil pelos danos provocados por acidente de viação com intervenção do referido veículo.

Citada a Ré, apresentou Contestação, na qual impugnou a dinâmica do acidente e argumentou que a Autora já recebeu indemnização a título do dano biológico, qualificando de excessivo o valor peticionado a título de danos não patrimoniais.

Realizada Audiência Prévia, foi saneada a acção, reconhecida a regularidade da instância, fixado valor da acção, o objecto do litígio, bem como os temas da prova, sendo admitidas as provas solicitadas.

Realizada a audiência final foi proferida Sentença que decretou os factos provados e não provados e, a final, julgou a acção procedente, terminando-a com o seguinte Dispositivo:
“Nestes termos e com os fundamentos expostos, julga-se a presente acção procedente por provada e, em consequência, decide-se condenar a ré G… a pagar, à autora M…, a título de indemnização pelos danos não patrimoniais, a quantia de €50.000,00 (cinquenta mil euros), acrescida de juros moratórios à taxa legal, calculados à taxa legal de 4% ao ano – sem prejuízo de taxa diversa que venha a vigorar - , desde a data de hoje e até integral pagamento (Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril; artigos 559.º, n.º 1, 804.º, n.ºs 1 e 2, 805.º, n.ºs 2, al. b) e 3 e 806.º, n.ºs 1 e 2, todos do Código Civil).
Custas por ré (artigo 527.º n.º 1 do CPC)”.

É desta decisão que a Ré veio recorrer, apresentado as suas Alegações, onde lavrou as seguintes Conclusões:
1.–Na ponderação das particularidades e especificidades do caso concreto, o juízo de equidade deve socorrer-se de decisões jurisprudenciais as mais semelhantes possíveis, de forma a assegurar o principio da igualdade e proporcionalidade que impera na ponderação de uma indemnização a arbitrar a título de danos não patrimoniais.
2.–Sem conceder, não colhem os acórdãos invocados na sentença, pois que os parâmetros e referencias vivenciais dos sinistrados tratam situações distintas do caso em apreço, com exceção do acórdão do STJ de 12/01/2022, onde numa situação mais gravosa do que a da recorrida, foi fixada uma indemnização de danos não patrimoniais de € 25.000,00.
3.–À recorrida foi fixado um dano biológico quantificado em 3 pontos, défice funcional temporário idêntico (238 dias vs 269 dias), sem repercussão nas atividades desportivas e de lazer.
4.–O Quantum doloris 4 no caso em análise no acórdão de 12/1/2022 vs grau 6 no presente caso, e o dano estético de grau 1 vs grau 4 no presente caso, não justifica o agravamento de € 25.000,00 para € 50.000,00 que a sentença entendeu atribuir à recorrida.
5.–Tanto mais que no caso jurisprudencial em análise o lesado tinha um dano biológico de 8 pontos (superior em 5 pontos relativamente à recorrida) e ficou afetado em limitações funcionais permanentes de grau 3 nas atividades desportivas e de lazer, o que não acontece com a recorrida.
6.–Donde, nunca poderia o caso dos presentes autos ser fixado, sequer, em € 25.000,00 por danos não patrimoniais, por menos gravosos do caso acima referenciado.
7.–Por fim, e porque o acórdão do STJ de 21/4/2022, constante das alegações, se revela muito semelhante ao dos autos, desde logo pelo défice funcional permanente de 3 pontos, realça o desajuste do quantum indemnizatório fixado na sentença recorrida em € 50.000,00, quando ainda no ano de 2022, o STJ atribui em caso análogo € 24.000,00.
8.–Deve a sentença ser revogada, com a fixação de uma valor indemnizatório não superior a € 15.000,00.
9.–O Tribunal a quo violou, por erro de interpretação da prova, e erro de interpretação e aplicação dos preceitos constantes dos artigos artºs 8º, nº 3, 496º, nº 3, 494º e 562º todos do Código Civil”.

Quanto a este Recurso da Autora, a Autora apresentou Contra-Alegações, onde concluiu:
1ª–A determinação de quantum indemnizatório em sede de danos não patrimoniais resulta da análise de todas as circunstâncias do caso concreto, e da aplicação dos artigos 496º e 494º do Código Civil;
2ª–Como não existem tabelas concretas para a determinação de tais montantes indemnizatórios em sede de danos não patrimoniais, a equidade surge como base para tal determinação, respeitando os padrões de indemnização geralmente adoptados na Jurisprudência conjugados com a análise da real situação vivida pelo lesado e das sequelas que advêm da lesão;
3ª–No que respeita à ora Recorrida, a Recorrente apenas observou e defendeu o Dano Biológico (sequelas) de que esta ficou a padecer, olvidando as lesões, os tratamentos, o tempo de recuperação, o tipo de recuperação (intervenções cirúrgicas), as dores elevadas, o reflexo do sucedido na pessoa da Recorrida, a deformação estética permanente (cicatrizes na face e coxas), a idade da Recorrida e o acidente em concreto: atropelamento em plena passadeira de peões por veículo pesado de passageiros.
4ª–A douta sentença ora em crise, não violou qualquer normativo, antes observou os critérios legais determinativos do quantum indemnizatório e decidiu equitativamente, considerando e ponderando todos os factos que resultaram provados – e que não foram impugnados pela Recorrente – e a Jurisprudência, não merecendo qualquer censura, devendo ser mantida na íntegra”.

QUESTÕES A DECIDIR

São as Conclusões da Recorrente que, nos termos dos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, delimitam objectivamente a esfera de actuação do tribunal ad quem (exercendo uma função semelhante à do pedido na petição inicial, como refere, Abrantes Geraldes[1]), sendo certo que, tal limitação, já não abarca o que concerne às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (artigo 5.º, n.º 3, do Código de Processo Civil), aqui se incluindo qualificação jurídica e/ou a apreciação de questões de conhecimento oficioso.

In casu, e na decorrência das Conclusões da Recorrente, importará apreciar se o Direito se mostra bem aplicado aos Factos, nomeadamente no que se reporta ao valor da fixada indemnização por danos não patrimoniais.

Corridos que se mostram os Vistos, cumpre decidir.

FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A sentença sob recurso considerou como provada a seguinte factualidade:
1–Em 1 de Outubro de 2020, foi concluída a operação de fusão entre S…, enquanto entidade incorporante, e a Ré, sociedade incorporada, mantendo esta a sua designação social e a sua sede. Após a operação de fusão, a empresa que resultou da fusão alterou a sua denominação social para G...
2–Por contrato de seguro, titulado pela apólice 9............00, a Rodoviária de Lisboa transferiu para a Ré, a responsabilidade civil automóvel por sinistros ocorridos com intervenção do veículo com a matrícula ..--..--...
3–No dia 27/11/2014, cerca das 18h40m ocorreu um acidente de viação na Avenida ....., junto ao nº ... na zona ....., concelho de L_____.
4–No acidente foram intervenientes o veículo automóvel pesado de passageiros da Rodoviária de Lisboa, com a matrícula ..--..--.., conduzido por J…, no exercício das suas funções como motorista, e a Autora, enquanto peão.
5–O acidente ocorreu na passadeira de peões, localizada no início da Avenida ..... .
6–O local é uma recta, composta por duas hemifaixas de rodagem para cada sentido de trânsito e com separador central, com o limite de velocidade de 50 Km/hora.
7–Essa via possui boa visibilidade em toda a sua extensão.
8–A via - as duas hemifaixas de rodagem -, atento o sentido em que seguia o veículo com a matrícula ..--..--.., tem sete metros de largura.
9–A recta é precedida de uma rotunda.
10–Entre a saída dessa rotunda e a passadeira de peões mencionada no ponto 5 (onde se verificou o acidente), que se localiza no início da recta, distam cerca de três/cinco metros.
11–Aquando do acidente, chovia.
12–O piso encontrava-se em adequado estado de conservação.
13–Chegado à rotunda mencionada no ponto 9, o condutor parou o veículo com a matrícula ..--..--... Retomada a marcha, descreveu essa rotunda – mencionada no ponto 9 – e dirigiu-se no sentido da hemifaixa direita da via onde se localiza a passadeira de peões mencionada no ponto 5.
14–Nesse momento, a Autora, apresentando-se do lado esquerdo do condutor, atravessava a passadeira de peões, na referida Avenida ....., na via correspondente ao sentido em que seguia o veículo conduzido por J…e fazia-o a correr, com chapéu de chuva aberto, posicionado de forma inclinada, cobrindo parte do seu corpo.
15–Quando a Autora se encontrava a atravessar a passadeira de peões, já tendo percorrido 4,60m da via – ou seja, toda a hemifaixa do lado esquerdo do condutor e parte da faixa direita na qual este circulava -, foi embatida pelo veículo pesado de passageiros com a matrícula ..--..--.., que saia da rotunda localizada antes do início dessa Avenida ..... .
16–O embate ocorreu sobre a passadeira, na hemifaixa direita – na qual circulava o veículo -, a 2,40 metros de distância do passeio localizado do lado direito do condutor, atento o sentido do veículo.
17–Com o embate, a Autora foi projectada na diagonal para a hemifaixa esquerda dessa via, a cerca de 8 metros do local do embate.
18–O condutor do veículo não avistou a Autora a efectuar a travessia da passadeira de peões.
19–A Ré procedeu à indemnização da Autora dos danos por esta sofridos, relativamente à roupa e objectos que utilizava no momento do acidente.
20[2]No âmbito do processo especial de acidentes de trabalho nº 12520/15.8T8LRS cujos termos correram no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte – Juízo do Trabalho de Loures (Juiz 2), foi atribuída à autora, ao abrigo do contrato de seguro de acidentes de trabalho, o capital de remição de uma pensão anual de €298,27, desde 3 de Setembro de 2015, calculada com base na retribuição anual de €8.522,00, na idade da autora, à data do acidente, e na incapacidade parcial permanente para o trabalho de 5%.
20A[3] A Autora foi ressarcida de todas as quantias devidas pela incapacidade para o trabalho verificada até ao dia 2 de Setembro de 2015 (data da alta), tendo a indemnização sido calculada com base na retribuição mensal de €505.
21–A autora nasceu em 6 de Junho de 1991, tendo, à data do acidente, 23 anos de idade.
22–Na sequência do acidente ocorrido em 27/11/2014, foi transportada, no mesmo dia, para o Hospital de Santa Maria – Centro Hospitalar de Lisboa Norte, EPE, tendo-lhe sido diagnosticado:
(a)-traumatismo craniano com perda de conhecimento;
(b)-trauma da órbita da face esquerda com ferida;
(c)-fractura occipital à esquerda;
(d)-fractura do fémur do membro inferior direito; e
(e)-ferida no dorso do membro inferior esquerdo (pé).
23–Permaneceu no Serviço de Urgência do Hospital de Santa Maria até ao dia 29/11/2015, data na qual foi transferida para o Hospital Beatriz Ângelo, onde foi sujeita a intervenção cirúrgica para encavilhamento do fémur à direita.
24–Teve alta hospitalar do Hospital Beatriz Ângelo, no dia 12 de Dezembro de 2014, mantendo-se com acompanhamento médico.
25–A 7 de Janeiro de 2015, a autora deu entrada no Hospital Lusíadas, dado ter perda de substância no pé esquerdo, com vista à realização de enxerto com pele recolhida na face interna da coxa homolateral. Foi efectuado “enxerto de clivagem de pele… maior que 20cm2 …”, tendo tido alta a 8 de Janeiro de 2015.
26–Após as altas hospitalares, a autora foi sujeita a consultas de acompanhamento, com realização de exames de diagnóstico, nomeadamente TAC’S e RX.
27–No ano de 2015, a autora foi sujeita a várias sessões de tratamentos de fisioterapia, nomeadamente 180 sessões, pelo menos, entre 15/1/2015 e 21/7/2016, e diversos exames de diagnóstico de controlo.
28–A 21 de Novembro de 2016, a autora foi internada, novamente, no Hospital dos Lusíadas, para remoção de cavilha da coxa direita, tendo tido alta no dia 22 de Novembro de 2016.
29–Durante os internamentos, cirurgias e sessões de fisioterapia, a autora sofreu dores e mal-estar.
30–A consolidação médico-legal das lesões foi fixada em 02/09/2015.
31–Em consequência do acidente dos autos, a autora apresenta as seguintes sequelas:
- cicatriz na pálpebra superior e sobrancelha esquerda, "em T invertido", hipercrómica, plana e não aderente aos planos profundos, com eixo horizontal de 2cm de comprimento e vertical de 1,5cm de comprimento;
- membro inferior direito: cicatriz na face lateral do terço proximal da coxa, hipocrómica, com vestígios de pontos de sutura e ligeira depressão, de maior eixo vertical, com 8x1cm de maiores dimensões; cicatriz na face lateral do terço distal da coxa, hipocrómica, com vestígios de pontos de sutura, vertical, com 1,5cm de comprimento;
- membro inferior esquerdo: cicatriz na face medial do terço proximal da coxa, heterogénea, com a forma de um retângulo, com relevo, de maior eixo vertical, com 6,5x5cm de maiores dimensões; 2 cicatrizes na face anterior do terço proximal da coxa, hipocrómicas, punctiformes, com 1cm de distância entre elas;
- área cicatricial na face anterior do terço proximal da perna, hipocrómicas e irregulares, de maior eixo vertical, com 4,5x3cm de maiores dimensões; complexo cicatricial desde o maléolo lateral até o dorso do pé, hipocrómico, rosado, com vestígios de pontos de sutura, aderente aos planos profundos, de maior eixo vertical, com 13x6cm de maiores dimensões;
- abaulamento do maléolo lateral.
32–Em consequência deste acidente, a autora, em virtude do processo evolutivo das lesões no sentido da cura ou da consolidação, viu condicionada a sua autonomia na realização dos atos correntes da vida diária, familiar e social:
- por um período de 19 (dezanove) dias, com Défice Funcional Temporário Total, correspondendo aos os períodos de internamento e/ou de repouso absoluto, situados entre 27/11/2014 e 12/12/2014, entre 07/01/2015 e 08/01/2015 e um (1) dia de internamento para remoção de material de osteossíntese (22/11/2016);
- por um período de 269 (duzentos e sessenta e nove) dias, com Défice Funcional Temporário Parcial, correspondendo ao período que se iniciou logo que a evolução das lesões passou a consentir algum grau de autonomia na realização desses atos, ainda que com limitações e que se situa entre 13/12/2014 e 06/01/2015, entre 09/01/2015 e 02/09/2015 e o período de 7 dias, após a data de alta do internamento no Hospital dos Lusíadas, a 22/11/2016 (período de limitação da autonomia para os atos da vida diária, após procedimento cirúrgico).
33–Em consequência deste acidente, a autora viu condicionada a sua autonomia na realização dos actos inerentes à sua atividade profissional habitual:
- no período total de 219 dias, com Repercussão Temporária na Atividade Profissional Total, situado entre 27/11/2014 e 02/07/2015 e um (1) dia de internamento para remoção de material de osteossíntese (22/11/2016);
- no período total de 69 dias, com Repercussão Temporária na Atividade Profissional Parcial, situado entre 03/07/2015 e 02/09/2015 e o período de 7 dias, após a data de alta do internamento no Hospital dos Lusíadas, a 22/11/2016.
34–Entre a data do acidente e 02/09/2015, o quantum doloris (valoração do sofrimento físico e psíquico vivenciado pela vítima entre a data do evento e a consolidação das lesões) foi de grau 6 (seis) numa escala de 7 (sete) graus de gravidade crescente, “tendo em conta as múltiplas lesões resultantes, o período de recuperação funcional, com necessidade de uso de colar de Philadelphia, o tipo de traumatismo e os tratamentos efetuados que incluem várias intervenções cirúrgicas”.
35–Em consequência do acidente dos autos, a autora apresenta um Défice Funcional Permanente da sua Integridade Físico-Psíquica (com repercussão na vida diária, incluindo as familiares e sociais, e sendo independente das actividades profissionais) de 3 pontos (avaliado relativamente à capacidade integral do indivíduo em 100 pontos percentuais), não sendo de perspectivar a existência de dano futuro.
36–No que tange à Repercussão Permanente na Actividade Profissional (sequelas no exercício da atividade profissional habitual da autora, à data do evento) sofrida pela autora, em consequência do mesmo acidente, as sequelas são compatíveis com o exercício da atividade habitualmente desempenhada à data do evento, mas implicam esforços suplementares, dado como medicamente plausível o agravamento da dor na anca e perna direitas, devido à realização de ortostatismo prolongado, ao longo do dia de trabalho.
37–Em consequência do acidente dos autos, a autora apresenta um dano estético permanente (repercussão das sequelas, numa perspetiva estática e dinâmica, envolvendo uma avaliação personalizada da afetação da imagem da vítima, quer em relação a si próprio, quer perante os outros) fixado pelos Senhores Peritos, no grau 4, numa escala de 7 (sete) de gravidade crescente, “tendo em conta as múltiplas cicatrizes em várias áreas corporais e a sensação de fealdade verbalizada pela examinanda, em sede de exame pericial”.
38–As sequelas sofridas pela Autora, em consequência do acidente (dor na anca e pernas direita), não a impossibilitam de realizar as atividades desportivas e de lazer a que a antes do sinistro se dedicava aos fins-de-semana, nomeadamente caminhadas e passeios de bicicleta[4].
39–Não se verifica a necessidade de Dependências Permanentes de Ajudas.
40–No presente, sente dores e algum desconforto quando efectua alguns movimentos, apresentando “mobilidades da anca e do joelho direitos conservadas e simétricas; comprimento do membro inferior; comprimento do membro inferior medido desde crista ilíaca ântero-superior até ao bordo superior do maléolo interno: 86cm [contra-lateral: 87cm]; mobilidade do tornozelo com flexão plantar aos 50º e dorsal aos 20º, sem instabilidades; perímetro gemelar: 33,5cm bilateralmente; perímetro do tornozelo: 22,5cm bilateralmente”.
41–A autora, antes do acidente, era saudável, não tinha cicatrizes e vivia a vida compatível com a idade que tinha à data, 23 anos.
42–Após o acidente, a autora temeu pela sua vida.
43–Após o acidente, a autora teve perda de mobilidade decorrente das fraturas do fémur e da ferida no pé; tendo utilizado cadeira de rodas nas deslocações que efectuou ao hospital, durante duas semanas, pelo menos, após a alta em 12 de Dezembro de 2014; decorrido três semanas após a obtenção de alta, em Dezembro de 2014, e durante duas semanas, utilizou andarilho; e utilizou canadianas até, pelo menos, Abril de 2015.
44–Pelo menos, até final de Janeiro/princípio de Fevereiro de 2015, a autora esteve dependente de terceiros para as actividades de vida diárias, como tomar banho, deslocar-se, vestir-se, confecionar refeições e sair da habitação (sessões de fisioterapia e exames de controlo de diagnóstico).
45–Até final de Janeiro/princípio de Fevereiro de 2015, a autora não pôde sair de casa sozinha, dependendo de terceiros para as deslocações.
46–Devido às lesões sofridas no acidente, a autora não pode efectuar uma viagem agendada para o mês de Fevereiro de 2015, sendo o destino a Escócia.
47–As várias e visíveis cicatrizes no corpo da autora, em consequência do acidente, afectam a sua autoestima.
48–A autora, à data do acidente, prestava trabalho como vendedora, para a sociedade “Worten Equipamentos Para o Lar”, e auferia a quantia mensal de €505 (quinhentos e cinco euros).

FACTOS NÃO PROVADOS

Com interesse para a decisão da causa, resultaram não provados os seguintes factos:
a.-seja 192 o número de sessões de fisioterapia a que a autora foi sujeita;
b.-a autora em nada tenha contribuído para a eclosão do embate;
c.-a viagem que não realizou, em Fevereiro de 2015, tivesse sido agendada em Outubro do ano anterior;
d.-tivesse caminhado, durante meses, com o apoio de cadeira de rodas e andarilho;
e.-todos os demais danos, físicos ou psicológicos, alegados pela autora na sua petição inicial, para além dos que constam da matéria factual dada como provada

APRECIAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO

A matéria de facto apurada e não apurada não foi objecto de impugnação.

FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Estabilizado que está o que se reporta aos pressupostos da responsabilidade civil, a única matéria que se mostra sob discordância é mesmo a dos valores concretos atribuídos pelo Tribunal a quo aos danos patrimoniais e não patrimoniais considerados provados.

Na Sentença recorrida o Tribunal a quo seguiu o seguinte processo de raciocínio:
A–o objecto do litígio perfila-se no domínio da responsabilidade civil;
B–discute-se, por um lado, se a autora tem direito a ser indemnizada pelos danos não patrimoniais (na sequência da redução do pedido) que alegou ter sofrido em consequência do acidente dos autos e, em caso afirmativo, qual o quantum indemnizatório a que tem direito;
C–está em causa um acidente de viação ocorrido no dia 27/11/2014, no qual foram intervenientes o veículo automóvel pesado de passageiros da Rodoviária de Lisboa, com a matrícula ..--..--.., conduzido pelo seu motorista, J…, no exercício das suas funções, e o peão, ora autora;
D–a causa de pedir assume natureza complexa, sendo constituída pelo conjunto de factos exigidos pela lei para que surja o direito à indemnização e a correlativa obrigação de indemnizar e, sendo a acção intentada contra uma companhia de seguros, contratualmente obrigada ao pagamento da indemnização integra-se, ainda, na causa de pedir, o contrato de seguro, titulado pela correspondente apólice, do qual resultou a assunção pela seguradora da obrigação do lesante (segurado);
E–a responsabilidade civil consiste na obrigação em que fica constituída uma pessoa (o lesante), de indemnizar os danos causados a outrem (o lesado), verificados que sejam os seus elementos constitutivos;
F–de acordo com o artigo 483.º do Código Civil, os pressupostos que condicionam a responsabilidade (subjetiva) por factos ilícitos são o facto, a ilicitude, a imputação do facto ao lesante, o dano e o nexo de causalidade entre o facto e o dano;
G–todos esses pressupostos estão reunidos no caso dos autos, sendo que, quanto ao nexo de causalidade entre o facto praticado pelo agente e o dano sofrido pela vítima, tem de poder afirmar-se, à luz do direito, que o dano é resultante da violação do direito ou da disposição legal, preceituando o artigo 563.º do Código Civil que quem estiver obrigado a reparar um dano deve restituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação;
H–Para efeitos desse normativo, não basta que o evento tenha produzido certo efeito para que, de um ponto de vista jurídico, se possa considerar causado ou provocado por ele, antes sendo necessário que o primeiro seja uma causa adequada do segundo, manifestando-se o nexo, num juízo de imputação objectiva do dano ao facto de que emerge;
I–da prova produzida impõe-se concluir que o condutor do veículo contribuiu para a eclosão do acidente na medida em que atingiu o peão (autora) quando este já havia percorrido quatro metros e sessenta centímetros da via – com sete metros de largura - a partir do separador central, ou seja, já tinha atravessado a hemifaixa de rodagem do lado esquerdo e encontrava-se na hemifaixa de rodagem por onde circulava o veículo e a dois metros e quarenta do passeio para onde se dirigia. Ao condutor do veículo impunha-se ter imprimido ao veículo uma velocidade adequada às condições concretas em que estava a ser feita a circulação da via, mormente a pluviosidade, a circunstância de ser noite (18h40m no mês de Novembro) e às características da via, mormente que após contornar a rotunda, ia entrar numa via que tinha, no seu início, uma passadeira de peões, pelo que se encontrava vinculado a um especial dever de atenção e de cautela, relativamente aos peões que pudessem estar na referida passadeira e em pleno atravessamento da via, cuidado que não adoptou pois, só viu o peão quando se encontra sobre a passadeira;
J–assentes o facto, a ilicitude e a culpa e os danos, no que concerne ao nexo causal entre o facto e o dano no caso da responsabilidade por facto ilícito, este existe sempre que a conduta se não possa considerar de todo em todo indiferente para a verificação do dano, tendo-o provocado só por causa de circunstâncias excepcionais, anormais, extraordinárias ou anómalas (trata-se da chamada formulação negativa da causalidade adequada e que se reputa preferível no domínio da responsabilidade por facto ilícito);
K–por dano deve entender-se por um lado o prejuízo real que o lesado sofreu “in natura”, em forma de destruição, subtração ou deterioração dum certo bem corpóreo ou ideal;
L–quem se encontra constituído na obrigação de indemnizar deve reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação – artigo 562.º – compreendendo-se nessa reparação não só o prejuízo causado à lesada (danos emergentes), como também os benefícios que a mesma deixou de obter em consequência da lesão (lucros cessantes)– artigo 564.º;
M–decorre da teoria da diferença (consagrada no artigo 566.º, n.º 2), como forma de calcular o quantum da indemnização pecuniária a cargo do lesante, que esta tem como medida, em princípio, a diferença entre a situação (hipotética) em que o lesado se encontraria se não tivesse ocorrido o facto lesivo e a situação (real) em que ele se encontra na data mais recente que possa se atendida pelo tribunal;
N–quanto aos danos não patrimoniais (prejuízos insusceptíveis de avaliação pecuniária, porque atingem bens que não integram o património do lesado – por exemplo, a vida, a saúde, a liberdade, a beleza, etc., porque não atingem o património do lesado, a obrigação de os ressarcir tem mais uma natureza compensatória do que indemnizatória;
O–o chamado "dano de cálculo" não vale nesta sede e, por isso, é que a lei impõe, ainda que de uma forma genérica, que se atendam apenas aos danos não patrimoniais que pela sua gravidade mereçam a tutela do direito - artigo 496.º, n.º 1, gravidade essa que deve ser apreciada objetivamente;
P–os danos não patrimoniais são perdas suportadas quer no bem-estar físico, quer no equilíbrio psíquico (desgostos, desaparecimento da alegria de viver) e devem levar, na prática, à ponderação das dores sofridas, a quebra de reputação, a deformidade produzida, outro dano corporal, bem como o sofrimento moral produzido pela lesão;
Q–o montante da indemnização devida para a sua compensação deve ser fixado equitativamente, tendo em conta os factores referidos no artigo 494.º, importando ponderar os critérios da gravidade e da equidade plasmados nos n.ºs 1 e 4 do artigo 496.º e, ainda, as circunstâncias referidas no artigo 494.º: grau de culpa, situações económicas do lesante e do lesado e outras circunstâncias do caso.
R–importa estabelecer um justo grau de compensação, considerando, como é entendimento praticamente unânime, que a indemnização por danos não patrimoniais tem de assumir um papel significativo, devendo o juiz, ao fixá-la segundo critérios de equidade, procurar um justo grau de “compensação”, não se compadecendo com a atribuição de valores meramente simbólicos, nem com miserabilismos indemnizatórios;
S–devem ainda ser considerados os critérios jurisprudenciais vigentes e aplicáveis a situações semelhantes, fazendo-se a comparação do caso concreto com situações análogas equacionadas noutras situações judiciais, não se perdendo de vista a sua evolução e adaptação às especificidades do caso sujeito;
T–os danos sofridos pela Autora constituem, no seu conjunto, muito mais do que meros incómodos sem relevância jurídica e, pela sua gravidade, merecem a tutela do direito, pelos quais devendo ser indemnizada pela Ré, em conformidade com o estatuído no mencionado artigo 496.º, n.º 1;
U–mos termos do n.º 3 do artigo 496.º. o montante indemnizatório deve ser fixado pelo Tribunal de acordo com a equidade, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494.º do mesmo diploma legal, segundo o qual «quando a responsabilidade se fundar na mera culpa, poderá a indemnização ser fixada, equitativamente, em montante inferior ao que corresponderia aos danos causados, desde que o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso o justifiquem»;

V–Assim, para decidir considera-se:
vi-a factualidade apurada, designadamente, o grau de culpa do condutor do veículo segurado na ré para a produção do acidente;
vii-a idade da autora (à data do acidente, 23 anos de idade);
viii-a gravidade das lesões sofridas pela autora:
(a)-traumatismo craniano com perda de conhecimento;
(b)-trauma da órbita da face esquerda com ferida;
c)-fractura occipital à esquerda;
(d)-fractura do fémur do membro inferior direito; e
(e)-ferida no dorso do membro inferior esquerdo (pé).
viv-o processo evolutivo da consolidação das lesões, com um período expressivo de cerca de dez meses, com sujeição a três intervenções cirúrgicas, tratamentos de fisioterapia, exames e acompanhamento médico:
a-acidente em 27/11/2014;
b-internamento no Hospital de Santa Maria até ao dia 29/11/2014;
c-internamento no Hospital Beatriz Ângelo, entre 29/11/2014 e 12/12/2014 (onde foi sujeita a 1.ª intervenção cirúrgica para encavilhamento do fémur à direita);
d-entrada no Hospital Lusíadas a 07/01/2015, com perda de substância no pé esquerdo, com vista à realização de enxerto com pele recolhida na face interna da coxa homolateral, tendo sido sujeita a uma 2.ª intervenção cirúrgica e tendo tido alta a 08/01/2015;
e-após as altas hospitalares, a Autora foi sujeita a consultas de acompanhamento, com realização de exames de diagnóstico;
f-nos anos de 2015 e 2016, a Autora foi sujeita a 180 sessões de tratamentos de fisioterapia, pelo menos, entre 15/1/2015 e 21/07/2016, e diversos exames de diagnóstico de controlo;
g-até final de Janeiro/princípio de Fevereiro de 2015, a autora esteve dependente de terceiros para as actividades de vida diárias, como tomar banho, deslocar-se, vestir-se, confecionar refeições e deslocar-se ao exterior (sessões de fisioterapia e exames de controlo de diagnóstico);
h-a 21/11/2016, a Autora foi internada, no Hospital dos Lusíadas, para uma 3.ª intervenção cirúrgica, para remoção de cavilha da coxa direita, tendo tido alta a 22/11/2016;
vv-a consolidação médico-legal das lesões foi fixada em 02/09/2015 (mais de dez meses depois da data do acidente);
vvi-o sofrimento físico e psicológico causado foi quantificado (por referência ao período de 27/11/2014 e 02/09/2015), num quantum doloris de grau 6 (numa escala de sete graus crescente), ou seja, bem próximo da graduação máxima (atribuído tendo em conta as múltiplas lesões resultantes, o período de recuperação funcional, com necessidade de uso de colar de Philadelphia, o tipo de traumatismo e os tratamentos efetuados que incluem várias intervenções cirúrgicas);
vvii-a repercussão na sua autonomia e na realização dos atos correntes da vida diária, familiar e social:
a-um período de 19 dias, com Défice Funcional Temporário Total, correspondendo aos os períodos de internamento e/ou de repouso absoluto, situados entre 27/11/2014 e 12/12/2014, entre 07/01/2015 e 08/01/2015 e um (1) dia de internamento para remoção de material de osteossíntese (22/11/2016);
b-um período de 269 dias, com Défice Funcional Temporário Parcial, correspondendo ao período que se iniciou logo que a evolução das lesões passou a consentir algum grau de autonomia na realização desses atos, ainda que com limitações, e que se situa entre 13/12/2014 e 06/01/2015, entre 09/01/2015 e 02/09/2015 e o período de 7 dias, após a data de alta do internamento no Hospital dos Lusíadas, a 22/11/2016 (período de limitação da autonomia para os actos da vida diária, após procedimento cirúrgico);
vviii-a repercussão permanente das sequelas de que a autora ficou a padecer em consequência do acidente, na sua autonomia para a realização dos actos correntes da vida diária, familiar e social e profissional e independente das actividades profissionais, sendo o Défice Funcional Permanente da sua Integridade Físico-Psíquica de 3 pontos percentuais, não sendo de perspectivar a existência de dano futuro;
vviv-a repercussão permanente sofrida pela Autora em termos de dano estético (dano estético permanente, fixado no grau 4 - numa escala de 7, de gravidade crescente - “tendo em conta as múltiplas cicatrizes em várias áreas corporais e a sensação de fealdade verbalizada pela examinanda, em sede de exame pericial):
a-cicatriz na pálpebra superior e sobrancelha esquerda, "em T invertido", com eixo horizontal de 2cm de comprimento e vertical de 1,5cm de comprimento;
b-no membro inferior direito, apresenta cicatriz na face lateral do terço proximal da coxa, hipocrómica, com vestígios de pontos de sutura e ligeira depressão, de maior eixo vertical, com 8x1cm de maiores dimensões, e cicatriz na face lateral do terço distal da coxa, hipocrómica, com vestígios de pontos de sutura, vertical, com 1,5cm de comprimento;
c-no membro inferior esquerdo, apresenta cicatriz na face medial do terço proximal da coxa, heterogénea, com a forma de um retângulo, com relevo, de maior eixo vertical, com 6,5x5cm de maiores dimensões, e duas cicatrizes na face anterior do terço proximal da coxa, hipocrómicas, punctiformes, com 1cm de distância entre elas; apresenta uma área cicatricial na face anterior do terço proximal da perna, hipocrómicas e irregulares, de maior eixo vertical, com 4,5x3cm de maiores dimensões; complexo cicatricial desde o maléolo lateral até o dorso do pé, hipocrómico, rosado, com vestígios de pontos de sutura, aderente aos planos profundos, de maior eixo vertical, com 13x6cm de maiores dimensões; e abaulamento do maléolo lateral;
W–secundando Maria Manuel Veloso, visto que o Código Civil não contém quaisquer tabelas que estabeleçam montantes de indemnização em função da gravidade dos danos e que a compensação devida pelos danos não patrimoniais prevista na Portaria n.º 377/2008, de 26 de Maio, serve para efeitos de apresentação aos lesados, por acidente automóvel, de proposta razoável para indemnização do dano corporal, por parte das seguradoras, não afastando a fixação de valores superiores aos aí previstos (n.ºs 1 e 2 do artigo 1.º da Portaria), os tribunais procuram alcançar a equidade, a proporcionalidade na fixação da indemnização, recorrendo ao que é decidido, especialmente pelo Supremo Tribunal de Justiça, em casos análogos, num caminho que tem apoio no n.º 3 do artigo 8.º do Código Civil (“nas decisões que proferir, o julgador terá em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito”) e no princípio constitucional da igualdade dos cidadãos perante a lei (n.º 1 do artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa);
X–por outro lado, os valores fixados por decisões judiciais anteriores, têm um valor indicativo, servindo de critério auxiliar do julgador, de linha de orientação na fixação equitativa do quantum indemnizatório, tendo sempre em atenção as semelhanças e dissemelhanças das situações factuais de cada caso;
Y–num acórdão do STJ foi atribuída uma indemnização de €20.000 por danos não patrimoniais, numa situação de dores físicas e psíquicas desde o acidente até à data da consolidação das lesões avaliadas no grau 4 (escala de 7), com dores no ombro face superior do ombro direito com as mudanças de temperatura e com os movimentos do braço direito nos últimos graus da abdução/antepulsão e rotação externa do ombro, com dano estético (cicatriz na omoplata direita), avaliado num grau 2 (escala de 7), com o desgosto pela cicatriz, com as limitações na actividade física e (por ter deixado de praticar futsal, actividade que lhe dava bem-estar e satisfação), com o condicionamento da sua autonomia na realização dos actos correntes da vida diária, familiar e social, que experimentou desde o acidente até à consolidação das lesões;
Z–noutro, do STJ, foi decidido fixar em € 25.000 a compensação ao sinistrado que, para além de ter experienciado o acidente de viação de que foi vítima e visto ofendida a sua integridade física e psíquica, (i) teve de suportar deslocação (com imobilização lateral e cervical) para o hospital; (ii) foi submetido a tratamentos médicos e a exames médicos; (iii) foi submetido a artroscopia ao joelho; (iv) sofreu dores (grau 4; (v) sofreu défice funcional temporário total de 238 dias e défice funcional temporário parcial de 98 dias; (vi) ficou a padecer de limitações funcionais permanentes (grau 3, nas atividades desportivas e de lazer; (vii) ficou afetado de dano estético permanente (grau 1); (viii) ficou a padecer de perturbações do sono; (ix) passou a isolar-se e a distanciar-se da família, amigos, colegas de trabalho e clientes;
AA–“apelando ao juízo da equidade, e tendo presente a vivência de uma situação de atropelamento, o quantum doloris fixado, bem próximo da graduação máxima, o dano estético fixado em grau que ultrapassa a metade da escala, a idade da autora e o processo evolutivo da consolidação das lesões durante cerca de dez meses, com sujeição a três operações cirúrgicas, julga este Tribunal como justa, proporcional e adequada a quantia de € 50.000,00 (cinquenta mil euros), a atribuir, à autora, a título de indemnização pelos danos não patrimoniais por si sofridos”;
AB–considerando o contrato de seguro celebrado com a ré, a responsabilidade civil emergente da circulação rodoviária do veículo estava transferida para aquela, pelo que será esta quem suporta a indemnização fixada.
*

Vale a pena começar por sublinhar o papel meramente adjuvante da Portaria n.º 377/20  08, de 26 de Maio (alterada pela Portaria n.º 679/2009, de 25 de Junho).

De facto, ela consagra no n.º 1 do seu artigo 1.º “critérios e valores orientadores para efeitos de apresentação aos lesados por acidente de automóvel, de proposta razoável para indemnização do dano corporal”, mas tem também o cuidado de acrescentar, logo no n.º 2, que “as disposições constantes da presente portaria não afastam o direito à indemnização de outros danos, nos termos da lei, nem a fixação de valores superiores aos propostos”.

Ou seja, o seu âmbito de utilização é prévio à existência de acção judicial e não obsta a que o Tribunal fixe valores superiores pelos danos considerados provados[5].

De seguida, importa assinala que a Autora reduziu o seu pedido ao montante de 50.000 euros reportados apenas a danos não patrimoniais.

Por outro lado, há que considerar que a Ré Recorrente nada mais põe em causa na Sentença objecto de recurso que a concreta fixação do valor da indemnização, que considera excessiva em face dos valores que entende serem normalmente fixados pelos Tribunais superiores, entendendo que ela não deveria ser superior a € 15.000.

A Ré Recorrente para além de outros Acórdãos que cita, baseia-se em especial num que entende conter a apreciação de uma situação idêntica à dos presentes autos (o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21 de Abril de 2022-Processo n.º 96/18.9T8PVZ.P1.S1-Fernando Baptista de Oliveira).

O conceito de idêntico é, aqui, algo abusivamente utilizado pois, como bem assinala a Recorrida, a situação aí apreciada tem contornos bem distintos: a vítima tinha 52 anos, sofreu traumatismo cervical, retomou parcialmente a sua actividade profissional quatro meses depois do acidente e foi sujeita a tratamento conservador e fisioterapia, não tendo sofrido qualquer dano estético, tendo o Dano Biológico de 3 pontos sido atribuído em contexto de queixas álgias (depois do Tribunal da Relação ter atribuído uma indemnização de € 20.173,55 a título de danos patrimoniais e dano biológico, acrescida de juros e de € 15.000,00 a título de compensação por danos não patrimoniais, acrescida de juros, o Supremo apenas alterou para € 26.173,55 o valor da indemnização a título de danos patrimoniais e dano biológico - € 22.000 pelo dano biológico, € 3.250 a título de perdas salariais e € 923,55 referente a despesas).

Vejamos então, em concreto, se o valor atribuído a título de danos não patrimoniais[6]se mostra adequado.

Nos termos do artigo 496.º, n.º 1, do Código Civil, na fixação da indemnização correspondente a este tipo de danos deve atender-se aos que pela sua gravidade mereçam a tutela do direito, sendo o seu montante fixado equitativamente[7], tendo em atenção (nos termos do artigo 494.º, ex vi do artigo 496.º, n.º 4, ambos do Código Civil), grau de culpabilidade do agente (1), situação económica deste e do lesado (2), natureza e intensidade do dano (3) e demais circunstâncias do caso (4).

Diferentemente da avaliação dos danos patrimoniais, cabe aqui ao Tribunal o papel de verificar não "quanto as coisas valem", mas sim que encontrar "o quantum necessário para obter aquelas satisfações que constituem a reparação indirecta" possível (Galvão Telles[8]): o prejuízo, na sua materialidade, não desaparece, mas é economicamente compensado ou, pelo menos, contrabalançado: o dinheiro não tem a virtualidade de apagar o dano, mas pode este ser contrabalançado, "mediante uma soma capaz de proporcionar prazeres ou satisfações à vítima, que de algum modo atenuem ou, em todo o caso, compensem esse dano"[9].
É por isso que - de há muito - o Supremo Tribunal de Justiça tem sublinhado que o artigo 496.º do Código Civil fixa "não uma concepção materialista da vida, mas um critério que consiste que se conceda ao ofendido uma quantia em dinheiro considerada adequada a proporcionar-lhe alegrias ou satisfações que, de algum modo, contrabalancem as dores, desilusões, desgostos, ou outros sofrimentos que o ofensor tenha provocado"[10].

Tudo isto é conseguido através dos juízos de equidade referidos no artigo 496.º, n.º 4, do Código Civil[11], o que, evidentemente "importará uma certa dificuldade de cálculo"[12], mas que não poderá servir de desculpa para uma falta de decisão[13]: é um risco assumido pelo sistema judicial (necessariamente temperado por padrões de indemnização adoptados pela jurisprudência , ou seja, deverão sempre ser ponderados os valores fixados noutras decisões jurisprudenciais[14] ).

Como pano de fundo, acresce, importa sempre ter em consideração que na fixação da indemnização por danos não patrimoniais os tribunais não se devem guiar por critérios miserabilistas, devendo a compensação ser significativa, que não meramente simbólica: como se refere lapidarmente no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10 de Outubro de 2012 (Processo n.º 6628/04.2TVLSB.L1.S1-Gregório de Jesus), na “esteira da jurisprudência do STJ, pode dizer-se unânime, na fixação da indemnização por danos não patrimoniais os tribunais não se devem guiar por critérios miserabilistas. Tal compensação deverá, então, ser significativa e não meramente simbólica. A prática deste Supremo Tribunal vem cada vez mais acentuando a ideia de que está ultrapassada a época das indemnizações simbólicas ou miserabilistas para compensar danos não patrimoniais. Mas também não deve nem pode representar negócio”, vincando-se, em todo o caso, que “indemnização significativa não quer dizer indemnização arbitrária”.

Por outro lado, “os aumentos dos seguros obrigatórios estradais e seus valores actuais de cobertura, e aumento dos respectivos prémios, justificantes do aumento das indemnizações”[15], constitui ainda um factor que não pode ser subestimado.

Como referenciais, podemos partir da resenha de decisões do Supremo Tribunal de Justiça e dos Tribunais de Relação citada no Acórdão da Relação de Lisboa de 11 de Fevereiro de 2022 (Processo n.º 2312/18.8T8CSC[16]): “«Ac. do STJ de 18-09-2012, em que é relator Azevedo Ramos entendeu-se adequado o montante indemnizatório de € 8.000,00 pelos danos não patrimoniais sofridos, referente a lesado com 41 anos de idade à data do acidente, ficou com uma IPP equivalente a 2%, compatível com o exercício da sua actividade, mas implicando algum esforço suplementar, sofreu perda de consciência, cefaleia frontal, dor no joelho esquerdo e estiramento cervical, foi assistido em serviço de urgência hospitalar, usou colar cervical e sofreu dores de grau 3 numa escala de 1 a 7, teve incapacidade temporária profissional total durante 33 dias e continua a sofrer de cervicalgias residuais, o que lhe causa desgosto;
«Ac. do STJ de 28-06-2012, em que é relator Sérgio Poças, entendeu-se adequado o montante indemnizatório de € 10.000,00 pelos danos não patrimoniais sofridos, referente a lesada com 46 anos de idade à data do acidente, foi sujeita a internamentos hospitalares com exames médicos, passou a apresentar dificuldades de flexão e extensão da coluna e rigidez do ombro esquerdo com abdução a 90º, esteve cerca de um mês impedida de fazer a sua vida diária e profissional, sofre um quantum doloris de grau 2 e IPP de 6 pontos, deixou de fazer caminhadas e cultivo do campo e sente frustração, passando a ser ríspida com os familiares;
«Ac. TRG, de 10-07-2018, em que é relatora Eugénia Cunha, entendeu-se adequado o montante indemnizatório de € 8.500,00 pelos danos não patrimoniais sofridos, referente a lesada com 71 anos de idade à data do acidente. Após o embate foi transportada, de ambulância, para a Unidade de Saúde do Alto Minho, EPE, de Viana do Castelo, onde lhe foram prestados os primeiros socorros no respectivo Serviço de Urgência e foi submetida a TAC CE e aplicado um colar cervical e onde se manteve internada durante um dia e uma noite, após o que foi transferida de ambulância para o Hospital de Braga, onde realizou novamente TAC CE e esteve internada durante um período de tempo de dois dias. Regressou novamente à Unidade de Saúde do Alto Minho, EPE, de Viana do Castelo, onde esteve internada mais uma semana, finda a qual obteve alta hospitalar e regressou ao domicílio. E aí permaneceu em convalescença no leito pelo período de duas semanas. Viu-se na necessidade de tomar medicação analgésica e anti-inflamatória e sofreu dores e incómodos inerentes aos períodos de internamento, acamamento, ao uso do colar cervical e tratamentos a que teve de se sujeitar. No momento do embate e nos instantes que o precederam, sofreu um enorme susto. A data da consolidação das sequelas sofridas pela autora ocorreu em 28-08-2013.Em virtude do embate e das lesões sofridas, a autora apresenta agravamento ligeiro do anterior quadro psiquiátrico (humor depressivo). As lesões sofridas pela autora determinaram um período de défice funcional temporário total fixável em 11 dias; a um período de défice funcional temporário parcial fixável em 92 dias e a um período de repercussão temporária na atividade profissional total fixável em 103 dias. Ainda em consequência do embate e das lesões sofridas, a autora padece de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 4 pontos, sendo as sequelas compatíveis com o exercício da actividade habitual. E sofreu um “quantum doloris” no grau 3, numa escala de 1/7;
«Ac. TRE, de 17-11-2016, em que é relatora Florbela Moreira Lança, entendeu-se adequado o montante indemnizatório de € 10.000,00 pelos danos não patrimoniais sofridos, referente a lesado que sofreu traumatismo crânio-encefálico sem perda de conhecimento, traumatismo cervical e traumatismo da grelha costal direita; luxação IF do polegar esquerdo, tendo sido efetuada redução ortopédica; traumatismo da coluna cervical com raquialgia, embora sem alterações neurológicas; traumatismo do tornozelo; cervicalgia de predomínio esquerdo; discretas alterações degenerativas disco-ligamentares sem outras alterações; torcicolo pós-traumático; fratura do 9.º arco costal direito, recebeu assistência hospitalar e esteve imobilizado no leito, em casa, durante cerca de 30 dias, por dificuldade na marcha e por dores. Na recuperação das lesões efetuou 30 sessões de fisioterapia. Sofreu: i) um período de défice funcional temporário total de 22 dias; ii) um período de défice funcional temporário parcial de 88 dias; iii) um período de repercussão temporária na atividade profissional total de 110 dias; e iv) um quantum doloris fixado no grau 3/7. Passou a padecer de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica fixável em 3 pontos, correspondente a: dor cervical moderada com contractura muscular paravertebral de predomínio esquerdo, com ligeira limitação das rotações e lateralidade esquerdo sem alterações neurológicas; e rigidez moderada da IF do polegar esquerdo, sendo a repercussão permanente nas atividades desportivas e de lazer, considerando que o Autor praticava ciclismo e futebol. Terá de realizar tratamentos médicos regulares e fisioterapia. Na sequência do acidente, tem-se sentido triste e frustrado, para além do sofrimento causado pelas dores sentidas;
«Ac. TRG, de 11-05-2010, em que é relator Henrique Andrade, entendeu-se adequado o montante indemnizatório de € 7.500,00 pelos danos não patrimoniais sofridos, referente a lesado com 61 anos à data do acidente, que sofreu, em consequência do acidente, vários ferimentos na cabeça, fratura da bacia, traumatismo da anca direita e fratura dos ramos isqui-ileopúbicos direitos; por via dessas lesões, passou a sofrer dores, passando a tomar medicamentos para lhe atenuar essas dores; esteve internado no serviço de ortopedia do Hospital de Braga entre 22-11-2006 e 30-11-2006; regressou então a casa onde ficou acamado, praticamente imóvel, por causa das dores intensas na bacia; viu-se obrigado a andar de muletas durante dois meses; desde a data do acidente que jamais deixou de ter dores na bacia, que o incomodam e obrigam a tomar medicação para tolerar essas dores; tem, por via dessa lesão na bacia, dificuldades em arranjar posição para dormir; o que lhe afeta negativamente o sono, o descanso e o lazer; no momento do acidente o Autor passou por enorme pânico e teve medo de morrer e, nos meses que se lhe seguiram, sofreu dores intensas, angústias, temores e medos, a que acrescem dores por que passa e só consegue atenuar com medicação; foi-lhe atribuída uma I.P.G. de 2% e um quantum doloris de grau 4, na escala de 0 a 7»”.
Recolhidos no Acórdão da Relação de Coimbra de 20 de Janeiro de 2020 (Processo n.º 5370/17.9T8VIS.C1-Alberto Ruço) estão ainda estes Acórdãos:
STJ de 19 de setembro de 2019, no processo n.º 2706/17.6T8BRG.G1.S1 (Maria do Rosário Morgado), considerou-se que «…IV - Resultando dos factos provados que: (i) o recorrente foi sujeito a exames médicos e vários ciclos de fisioterapia, bem como uma intervenção cirúrgica; (ii) ficou afetado com um défice funcional permanente de 32 pontos; (iii) sofreu dores quantificáveis em 5 numa escala de 7 pontos; (iv) sofreu um dano estético quantificado em 3 numa escala de 7 pontos; (v) a repercussão das sequelas sofridas nas atividades desportivas e de lazer é quantificada em 3 numa escala de 7 pontos; (vi) o recorrente sofreu um rebate em termos psicológicos, em virtude das lesões e sequelas permanentes, designadamente por não poder voltar a exercer a sua profissão habitual e/ou outra no âmbito da sua formação profissional; revela-se ajustado o montante de €50 000,00 para compensar os danos não patrimoniais por aquele sofridos» (sumário).
No acórdão do STJ de 19-2-2015 no processo n.º 99/12.7TCGMR (Oliveira Vasconcelos), foi fixada uma indemnização de €25 000,00 relativamente a uma incapacidade permanente parcial de 12 pontos compatível com o exercício da atividade profissional habitual, sem redução da capacidade de ganho e a quantia de €20 000 arbitrada a título de danos não patrimoniais «…tendo em atenção que (i) à data do acidente o autor tinha 43 anos de idade; (ii) em consequência do acidente sofreu traumatismo do ombro direito, com fractura do colo do úmero, fractura do troquiter, traumatismo do punho direito, com fractura do escafóide, traumatismo do ombro esquerdo, com contusão, (iii) foi submetido a exames radiológicos e sujeito a imobilização do ombro com “velpeau”; (iv) foi seguido pelos Serviços Clínicos em Braga e submetido a uma intervenção cirúrgica ao escafóide; (v) foi submetido a tratamento fisiátrico; (vi) mantém material de osteossíntese no osso escafóide; (vii) teve de permanecer em repouso; (viii) ficou com cicatriz com 5 cms, vertical, na face anterior do punho; (ix) teve dores no momento do acidente e no decurso do tratamento; e (x) as sequelas de que ficou a padecer continuam a provocar-lhe dores físicas, incómodos e mal-estar que o vão acompanhar toda a vida e que se acentuam com as mudanças do tempo, sendo de quantificar o quantum doloris em grau 4 numa escala de 1 a 7».
No acórdão do STJ de 26-1-2017, processo n.º 1862/13.7TBGDM (Oliveira Vasconcelos), ponderou-se que «…VII - Resultando da matéria fáctica provada que a autora: (…)  (vi) o quantum doloris foi fixado no grau 4; (vii) é casada e tem a seu cargo dois filhos menores; (viii) antes do acidente era uma pessoa alegre, enérgica, trabalhadora e ativa, sendo agora uma pessoa triste, angustiada, revoltada e nervosa; (ix) apresenta uma atitude apelativa e pitiática, humor lábil de tonalidade depressiva, expressando desgosto pelas dificuldades de mobiliação com que ficou, queixando-se do evitamento para a condução e revivências do acidente; (x) não brinca com a filha, nem a ajuda nos estudos, o que antes fazia; e (xi) deixou de fazer desporto, caminhadas e de andar de bicicleta, o que a deixa nervosa e desgostosa, é correto, de acordo com a equidade, o montante de €30 000 fixado pela Relação a título de indemnização pelos danos de natureza não patrimonial (arts. 494.º e 496.º do CC).
No acórdão do STJ de 13-7-2017 no processo n.º 3214/11.4TBVIS (Tomé Gomes) atribuiu-se uma indemnização €60.000,00 a título de danos não patrimoniais, relevando um quantum doloris de 7 pontos numa escala crescente de 1 a 7; dano estético de 4 pontos em igual escala; repercussão na atividade sexual de 4 pontos na mesma escala e prejuízo para a afirmação pessoal de 4 pontos numa escala de 1 a 5.
(…)Por exemplo, no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 6-10-2016 no processo 1043/12.7TBPTL, «Ponderadas a idade do autor (35 anos), as circunstâncias em que ocorreu o acidente (sem qualquer culpa sua), a extrema gravidade das lesões sofridas por este, os dolorosos tratamentos a que foi sujeito, a incomodidade daí resultante, o longo período dos tratamentos e as deslocações que teve que realizar para curativos e consultas, quer ao Porto quer a Viana do Castelo, as sequelas anátomo-funcionais, que se traduzem num deficit funcional de razoável grau (07 pontos) e de menor grau (01), em termos estéticos, as dores sofridas e o desgosto de, na força da vida, se ver fisicamente limitado, considera-se ajustada, equilibrada e adequada a indemnização de € 20 000,00, a título de dano não patrimonial»(…)
Vejamos agora algumas decisões da Relação de Coimbra.
Assim, no acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 11-06-2019, no processo n.º 107/17.5T8MMV.C1 (Emídio Santos), considerou-se «I– É equitativo compensar com o montante de € 10 000,00 [dez mil euros] o défice de 2 pontos na integridade física de uma jovem com 22 anos de idade, estudante do Curso de Ciências do Desporto e Educação Física, quando esse défice funcional, embora compatível com a sua condição de estudante, limita-a quando estejam em causa actividades desportivos em que haja contacto físico intenso ou outras que exijam um maior esforço do membro superior direito. II– É equitativa a indemnização de vinte mil euros [€ 20 000,00] no seguinte quadro de danos não patrimoniais: a) dores físicas e psíquicas avaliadas no grau 4, numa escala de 7 graus de gravidade crescente; b) dores na face superior do ombro direito com as mudanças de temperatura e com os movimentos do braço direito nos últimos graus da abdução/antepulsão e rotação externa do ombro; c) dano estético, representado por cicatriz na omoplata direita, avaliado num grau 2, numa escala de 7 graus de gravidade crescente; d) desgosto pelo facto de ter ficado com cicatriz na omoplata; e) limitações na actividade física e de lazer, resultantes do facto de ter deixado de praticar futsal, actividade que contribuía para o seu bem-estar e satisfação; f) condicionamento da sua autonomia na realização dos actos correntes da vida diária, familiar e social, desde o acidente até à consolidação das lesões; g) ausência de culpa quanto à produção dos danos.
No acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 12-02-2019, no processo n.º 1209/16.0T8CBR (Vitor Amaral), foi atribuída uma indemnização de €22.000.00 numa situação em que o quantum doloris era de grau 5, mas foram consideradas outras circunstâncias como o facto da «… autora, sexagenária mas pessoa extremamente activa, e profissional muito competente e trabalhadora, que adorava a sua profissão, ter deixado de trabalhar e “antecipado” a sua reforma relativamente às suas expectativas - que seriam de laborar até aos seus 70 anos- por força do acidente, tendo ainda repercussão substancial na sua vida social, familiar e lúdica, sendo certo ainda que o mesmo obrigou à sua saída de casa e a deixar de acompanhar e apoiar a sua mãe; ainda a sua perda de autonomia e deslocalização, sendo que a 31 de Dezembro de 2013 foi transferida para ( ...) , onde mora a sua filha, porquanto se tornou absolutamente dependente de terceiros para poder satisfazer as mais básicas necessidades do dia-a-dia, porquanto em ( ...) não tinha o apoio e suporte necessários; o facto de logo após o acidente, ter sido necessário acompanhamento permanente de dia e de noite, uma vez que o seu estado físico e psicológico posteriormente ao acidente não permitia que a mesma ficasse sozinha; esteve totalmente dependente da ajuda de terceiros para as tarefas mais elementares e diárias, como por exemplo, precisava que a levassem à casa de banho, lhe dessem banho, a auxiliassem nas tarefas mais básicas, como vestir, despir, pentear, entre outras, motivo pelo qual foi necessário contratar apoio domiciliário para tais tarefas e bem ainda acompanhamento à fisioterapia e consultas na CRIA - situação esta que perdurou até meados de Junho de 2014, altura em que a autora foi transferida para a sua residência sita em ( ...); ainda deve, nesse particular, relevar-se um dano sexual diminuto (parâmetro autónomo) - numa escala de 1 em 7, devido ao joelho doloroso e em particular ao quadro ango-depressivo, determinante de uma diminuição de libido- podendo interferir no quadro psicológico; mas também a desfiguração decorrente da amiotrofia e da cicatriz mencionada e geradora de dano estético permanente afectando a sua imagem, quer em relação a si próprio, quer perante os outros, e que se fixou em grau 2- [cicatriz cirúrgica nacarada na perna direita, com cerca de 15 cm e amiotrofia da coxa e perna de 0,5 e 1,5 cm, respectivamente]».
No acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 22-01-2019, no processo n.º 342/17.6T8CBR  (Moreira do Carmo), ponderou-se que «…3. No que respeita ao dano biológico, provado que a A. ficou com sequelas compatíveis com o exercício da actividade habitual, que implicam esforços suplementares, e tendo-se em conta a idade da mesma, de 33 anos, a incapacidade geral permanente de 7 pontos, a mediana gravidade das lesões e sequelas físicas (com perspectiva de agravamento futuro) e psíquicas do acidente, a longevidade de vida previsível, estimada em 83 anos para as mulheres, é adequado e ajustado a indemnização de 30.000 € (…) 6. No que respeita ao dano moral, provando-se que a A. ficou curada em cerca de 400 dias, sendo de 35 dias o período de défice funcional temporário total, que a mesma sofreu um quantum doloris médio de grau 4/7 e dano estético de grau médio-baixo de 2/7, além do défice funcional permanente da integridade físico-psíquica fixável de 7 pontos, bem como repercussão permanente nas actividades de lazer de grau médio de 4/7, ponderando tais elementos, o disposto nos arts. 496º, nº 4, 1ª parte, e 494º do CC, sem esquecer o disposto no art. 8º, nº 3, do CC (que aponta para o julgador levar em conta o paralelismo de casos análogos, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito), considera-se justo e équo a indemnização no valor de 20.000 €».
No acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 19-12-2018, no processo n.º 762/15.0T8LRA. (Emídio Santos) considerou-se que «… III– É equitativa a indemnização de dez mil euros [€ 10.000,00] pelos seguintes danos não patrimoniais: sofrimento físico e psíquico vivido pelo autor, fixado, no grau 4, défice funcional permanente da integridade física ou psíquica, fixado em 1 ponto, e desgosto causado pelo facto de a vítima ter deixado, durante vários meses, de andar de bicicleta e de jogar futebol, actividades que eram do agrado dela».

Dada a dificuldade de encontrar critérios que conduzam a indemnizações uniformes, desde logo porque os casos são diferentes uns dos outros, sendo ainda certo que os lesados, em regra, ficam insatisfeitos, ao que não será estranho o facto de não conseguirem passar para as palavras e transmitir para os processos todo o dano que padeceram, apesar disso afigura-se que tendo em conta que o quantum doloris correspondente ao sofrimento físico e psíquico padecido pela Autora durante o período de incapacidade temporária foi fixado no grau 5, numa escala de 7 graus de gravidade crescente,  e aos casos relativos às decisões que antecedem, é ajustado ao caso subir a indemnização para €20.000”.

A estes, e a título exemplificativo, podemos acrescentar outras três referências que temos como úteis:
- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15 de Fevereiro de 2018 (Processo n.º 866/11.9TBABT.E1.S1-Roque Nogueira, sumário disponível em https://www.stj.pt/wp-content/uploads/2019/06/civel2018-1.pdf): (i) autora com 56 anos; (ii) lesões consequência do embate sobretudo na cabeça e rosto; (iii) dores de grau 5 e dano estético de grau 4; (iv) dores persistentes e relevantes, com sequelas e repercussão na vida quotidiana - valor indemnizatório € 35.000;
- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça DE 23 de Setembro de 2021 (Processo n.º 162/19.3T8VRS.E1.S1-Catarina Serra): um dia na urgência do hospital; 2 meses de limitação de tarefas diárias e actividades desportivas (andar de bicicleta, nadar, jogar futebol), dores, com restrições de movimento do ombro e dificuldades em levantar e carregar pesos; encurtamento de 3 cm do ombro esquerdo e artrose na articulação do ombro e desenvolvimento de pseudoartrose; no futuro, dificuldade em levantar pesos e, ocasionalmente, dores e sensibilidade na zona da lesão) – valor indemnizatório € 10.000.
- Acórdão da Relação de Lisboa de 11 de Janeiro de 2022 (Processo n.º 2312/18.8T8CSC com os mesmos subscritores do presente Acórdão): vítima mulher muito activa, que sofre hematoma subdural, com traumatismo na cabeça face e pescoço, tem perda de consciência, dores físicas (grau 3, em 7), tonturas e sonolência prolongada, tem de fazer quatro deslocações a instituições de saúde, tem um défice funcional temporário total de 2 dias e um parcial de 18 dias (ficando com um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 2 em 10), está durante cerca de dois meses acamada, só se levantando e cuidando com ajuda da filha, sem conseguir executar trabalhos domésticos, sofrendo ainda ansiedade e amargura, bem como o receio de entrar em automóveis – valor indemnizatório de € 12.500 (€ 2.500 - internamentos, € 5.000 - quantum doloris, € 5.000 - restantes danos não patrimoniais).
Importa referir que, pese embora se procure lograr a maior uniformidade, previsibilidade e coerência entre os valores atribuídos pelos Tribunais a título de indemnização, não será nunca possível forçar uma equiparação de situações que serão sempre únicas e irrepetíveis em cada concreto processo: e é o Tribunal de 1.ª Instância que tem o primeiro, imediato e insubstituível olhar perante a prova que foi produzida (que depois é reverificado pelas instâncias superiores).  
Por outro lado, é importante evitar duplicação de indemnizações pelas mesmas matérias e/ou danos e que assistimos muitas vezes, quer na doutrina, quer nas acções, quer nas decisões de 1.ª Instância, da Relação e do Supremo, é a uma ausência de uniformização terminológica quanto à forma de contabilização dos danos (o que nem sempre facilita a comparação dos valores nestas últimas atribuídos e permite leituras múltiplas aos valores atribuídos)[17].
Essencial será evitar distorções ostensivas, critérios manifestamente arbitrários e atribuição de valores indemnizatórios que se mostrem claramente insensatos.
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O valor atribuído em concreto na Sentença sob recurso não pode dizer-se que seja manifestamente insensato como pretende a Recorrente, importando - todavia – reflectir sobre a necessidade de merecer algum ajustamento.
A situação dos autos tem uma vítima de 23 anos, atropelada por um autocarro, em plena passadeira originando um défice funcional temporário total de 19 dias, um défice funcional temporário parcial de 269 dias, uma repercussão temporária na actividade profissional total de 219 dias, uma repercussão temporária na actividade profissional parcial de 69 dias, um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 3 pontos (sem dano futuro), esforços acrescidos (embora as sequelas sejam compatíveis com actividade profissional e sem repercussão em actividades de lazer ou desportivas), um quantum doloris de grau 6 (em 7), um dano estético de grau 4 (em 7).

Dentro da jurisprudência já referida, talvez as situações mais próximas para comparação de valores, sejam as do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13-7-2017 (Processo n.º 3214/11.4TBVIS.C1.S1-Tomé Gomes - €60.000 para não patrimoniais, com quantum doloris de grau 7, dano estético de grau 4, repercussão na atividade sexual de 4 pontos na mesma escala e prejuízo para a afirmação pessoal de grau 4 (em 5) – e do Acórdão da Relação de Lisboa de 11 de Janeiro de 2022 (Processo n.º 2312/18.8T8CSC-com os mesmos subscritores do presente Acórdão) – € 12.500 para danos não patrimoniais, com quantum doloris de grau 3, défice funcional temporário total de 2 dias, parcial de 18 dias e permanente grau 2 (em 10).

Perante este circunstancialismo e verificando os valores atribuídos a título de danos não patrimoniais cremos não assistir qualquer razão à Ré, pois o valor fixado à Autora reflecte a gravidade das consequências (quantum doloris próximo do máximo, dano estético acima de metade da escala) e própria gravidade da culpa do condutor do veículo causador do acidente (que é um dos factores que o referido artigo 496.º refere expressamente como essencial para a fixação dos valores a este título e que – curiosamente – ambas as partes se esquecem de constatar).

Sublinha-se aqui: alguém que, tendo a responsabilidade de conduzir uma viatura como a dos autos, num local com boa visibilidade, atropela um peão que já tinha percorrido metade da passadeira, sem explicação plausível, tem de considerar-se com uma culpa muito elevada.

Temos como evidente que, se um qualquer acidente é susceptível – pelo inesperado – de deixar marcas, um acidente que ocorra num contexto destes é susceptível de as causar muito mais profundas, sem que qualquer dos danos apurados corresponda a qualquer matéria que possa indiciar ou constituir de alguma forma um capricho não indemnizável: repare-se que aos 23 anos a Autora sofreu uma experiência que só podemos caracterizar como cruel, que lhe alterou a vida de forma inesperada atirando-a, durante quase um ano, para a situação de impotência perante as consequências do ocorrido, com marcas para a vida, circunstâncias que não podem ser escamoteadas.

Assim, 50.000 euros é um valor adequado ao ressarcimento da Autora.

Em consequência do exposto, a bem e consistentemente elaborada Sentença merece ser confirmada, assim improcedendo o recurso.
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DECISÃO

Com o poder fundado no artigo 202.º, n.ºs 1 e 2, da Constituição da República Portuguesa, e nos termos do artigo 663.º do Código de Processo Civil, acorda-se, nesta 7.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, face à argumentação expendida e tendo em conta as disposições legais citadas, em julgar improcedente o recurso e, em consequência, confirmar a Sentença em análise.
Custas a cargo da Recorrente.
Notifique e, oportunamente remeta à 1.ª Instância (artigo 669.º CPC).
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Lisboa, 20 de Junho de 2023



Edgar Taborda Lopes
Luís Filipe Pires de Sousa
José Capacete



[1]António Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 6.ª edição Atualizada, Almedina, 2020, página 183.
[2]Desdobramento do Facto 20, tal como vinha na Sentença objecto de recurso de forma a facilitar a compreensão dos factos.
[3]Redacção do Facto 20 constante da Sentença expurgada dos aspectos conclusivos.
[4]Redacção corrigida neste Tribunal: Conforme escreve Tomé Gomes (Da Sentença Cível, Centro de Estudos Judiciários, Lisboa, 2014, página 23), «o teor dos enunciados de facto correspondentes aos juízos probatórios deve ser depurado de referências aos meios de prova ou às respectivas fontes de conhecimento, sendo de banir dizeres como provado apenas que “a testemunha... viu o réu a entrar na casa do autor” ou, no caso em se discuta a origem de um incêndio, provado apenas que “os bombeiros verificaram não existir no local sinais do foco de incêndio”. Estas referências aos meios de prova, quando muito, podem constituir argumento probatório, a consignar na motivação, para fundamentar um juízo afirmativo ou negativo, pleno ou restritivo, do facto em causa.
Nessa linha, o que se requer é que o julgador assuma uma posição clara sobre o julgamento de facto, decidindo o que deve decidir, sem evasivas. Por exemplo, se o que está em causa é apurar a origem de um incêndio, o que o juiz tem de ajuizar é se o facto para tal alegado está ou não provado, sendo que a verificação pelos bombeiros de não existir sinais do foco de incêndio é apenas um dos meios de prova nesse sentido. Igualmente, se o que está em discussão é indagar sobre a vontade real, expressa ou tácita, manifestada num contrato escrito, o que tem de ser decidido é se está ou não provada a alegada vontade real, pelo que, muitas vezes, o dar como provado apenas o que consta do documento se traduz numa forma evasiva de julgar aquela questão».
[5]“A aplicabilidade de tais critérios esgota-se na fase extrajudicial de contratualização do valor da indemnização” (Acórdão da Relação de Lisboa de 05 de Março de 2013 – Processo n.º 201/10.3TBTBU.C1-Henrique Antunes).
[6]E vale a pena aqui recorrer ao aludido Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21 de Abril de 2022 (Processo n.º 96/18.9T8PVZ.P1.S1-Fernando Baptista de Oliveira) – muito assente nas considerações de Maria Manuel Veloso (in “Danos não patrimoniais”, Comemorações dos 35 anos do Código Civil e dos 25 anos da reforma de 1977, Volume III – Direito das Obrigações, Coimbra Editora, 2007), para sublinhar que “tem sido salientado que o dano não patrimonial não se reconduz a uma única figura, tendo vários componentes e assumindo variados modos de expressão, abrangendo:
(i) o chamado quantum (pretium) doloris, que sintetiza as dores físicas e morais sofridas no período de doença e de incapacidade temporária, com tratamentos, intervenções cirúrgicas, internamentos, a analisar através da extensão e gravidade das lesões e da complexidade do seu tratamento clínico;
(ii) o “dano estético” (pretium pulchritudinis), que simboliza o prejuízo anátomo-funcional associado às deformidades e aleijões que resistiram ao processo de tratamento e recuperação da vítima;
(iii) o “prejuízo de distracção ou passatempo”, caracterizado pela privação das satisfações e prazeres da vida, vg., com renúncia a actividades extra-profissionais, desportivas ou artísticas;
(iv) o “prejuízo de afirmação social”, dano indiferenciado, que respeita à inserção social do lesado, nas suas variadas vertentes (familiar, profissional, sexual, afectiva, recreativa, cultural, cívica), integrando este prejuízo a quebra na “alegria de viver”;
(v) o prejuízo da “saúde geral e da longevidade”, em que avultam o dano da dor e o défice de bem estar, e que valoriza as lesões muito graves, com funestas incidências na duração normal da vida;
(vi) os danos irreversíveis na saúde e bem estar da vítima e o corte na expectativa de vida;
(vii) o prejuízo juvenil “pretium juventutis”, que realça a especificidade da frustração do viver em pleno a chamada primavera da vida, privando a criança das alegrias próprias da sua idade;
(viii) o “prejuízo sexual”, consistente nas mutilações, impotência, resultantes de traumatismo nos órgãos sexuais;
(ix) o “prejuízo da auto-suficiência”, caracterizado pela necessidade de assistência duma terceira pessoa para os actos correntes da vida diária, decorrente da impossibilidade, de se vestir, de se alimentar”.
[7]AUJ n.º 4/2002, de 9 de Maio de 2002 (DR I-A, de 27 de Junho de 2002) e Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 04 de Junho de 2015 (Processo n.º 1166/10.7TBVCD.P1.S1-Maria dos Prazeres Pizarro Beleza):
“III - O critério fundamental para a fixação, tanto das indemnizações atribuídas por danos patrimoniais futuros (vertente patrimonial do chamado dano biológico) como por danos não patrimoniais (dano biológico e demais danos não patrimoniais), é a equidade.
IV - A utilização de critérios de equidade não impede que se tenham em conta as exigências do princípio da igualdade. A prossecução desse princípio implica a procura de uma uniformização de critérios, naturalmente não incompatível com a devida atenção às circunstâncias do caso.
- Os critérios seguidos pela Portaria n.º 377/2008, de 26-05, com ou sem as alterações introduzidas pela Portaria n.º 679/2009, de 25-06, destinam-se expressamente a um âmbito de aplicação extra-judicial e, se podem ser ponderados pelo julgador, não se sobrepõem ao critério fundamental para a determinação judicial das indemnizações fixado pelo Código Civil.
VI - É sabido que a limitação funcional, ou dano biológico, em que se traduz uma incapacidade é apta a provocar no lesado danos de natureza patrimonial e de natureza não patrimonial.
VII - Os danos patrimoniais futuros decorrentes de uma lesão física não se reduzem à redução da capacidade de trabalho, já que, antes de mais, se traduzem numa lesão do direito fundamental do lesado à saúde e integridade física, pelo que não pode ser arbitrada uma indemnização que apenas tenha em conta aquela redução e a perda de rendimento que dela resulte, ou a necessidade de um acréscimo de esforço para a evitar.
VIII
- Para calcular a compensação a atribuir por danos não patrimoniais, nos termos do n.º 1 do art. 496.º do CC, o tribunal decide segundo a equidade, tomando em consideração “o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso”, o que, desde logo, revela a natureza também sancionatória da obrigação de indemnizar.
IX- Tendo ficado provado que as sequelas decorrentes de um acidente ocorrido em 2005 determinaram para a autora, então com 17 anos de idade, uma incapacidade parcial permanente para o trabalho de 16,9 pontos – e, por isso, com efectiva repercussão na actividade laboral –, nada há a censurar à utilização de tabelas e à introdução das correcções habitualmente citadas na jurisprudência, nem ao recurso ao valor de € 800,00 ilíquido auferido pela lesada a título de salário, a partir de 2013, para fixar o valor da indemnização devida por danos patrimoniais futuros em € 55 000,00, como decidiu a Relação.
X- Tendo em consideração: (i) as circunstâncias do acidente, o sofrimento que implicou, os tratamentos médicos, intervenções, internamentos e períodos que se lhe seguiram que se prolongaram no tempo, tendo a lesada apenas tido alta mais de 4 anos depois do acidente; (ii) a repercussão não patrimonial da incapacidade parcial permanente fixada à autora; (iii) as sequelas do acidente, as repercussões estéticas, as dores e demais sofrimento que se prolongarão pela vida da autora, que à data do acidente era saudável e tinha apenas 17 anos, e, finalmente; (iv) o grau de culpa da condutora do veículo causador do acidente que resultou de uma infracção séria às regras de circulação automóvel, traduzidas no desrespeito de um sinal de stop colocado à entrada de um cruzamento, mostra-se ajustado fixar a indemnização devida à autora por danos não patrimoniais em € 40 000,00, como decidiu a Relação”.
[8]Galvão Telles, Direito das Obrigações, 6.ª edição, Coimbra Editora, 1989, página 377.
[9]Pinto Nonteiro, Sobre a Reparação dos Danos Morais, Revista Portuguesa do Dano Corporal, Setembro 1992, n.º 1, 1.º ano, APADAC, página 20.
[10]Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16 de Abril de 1991 (Cura Mariano, publicado no Boletim do Ministério da Justiça n.º 406, página 618).
[11]Acórdão da Relação de Lisboa de 18 de Setembro de 2014 (Processo n.º 3765/03.4PCAD.L1-2-Ezaguy Martins): “Parte-se assim de um padrão objetivo, conquanto a apreciação deva ter em linha de conta as circunstâncias de cada caso, segundo regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida”.
[12]Acórdão citado, página 621.
[13]Como se refere no Acórdão do STJ de 20 de Maio de 2021 (Processo n.º 826/18.9T8CTB.C1.S1-Ilídio Sacarrão Martins), o montante dos danos não patrimoniais “será fixado equitativamente pelo tribunal tendo em conta as circunstâncias referidas no artigo 494º (artigo 496º nº 4 do Código Civil), designadamente as lesões sofridas e os correspondentes sofrimentos, não devendo esquecer-se ainda, para evitar soluções demasiadamente marcadas pelo subjectivismo, os padrões de indemnização geralmente adoptados na jurisprudência.
Importa, essencialmente, garantir que a compensação por danos não patrimoniais, para responder actualísticamente ao comando do artigo 496º, do Código Civil e constituir uma efectiva possibilidade compensatória, seja de forma a viabilizar um lenitivo para os danos suportados e, porventura, a suportar” (sublinhado e carregado nossos).
[14]Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 08 de Março de 2007 (Processo n.º 06B3988-Pereira da Silva).
Sendo certo ainda que, como se refere no Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 15 de Abril de 2021 (Processo n.º 162/19.3T8VRS.E1-Paulo Amaral) – confirmado pelo Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23 de Setembro de 2021 (Processo n.º 162/19.3T8VRS.E1.S1-Catarina Serra), as “orientações jurisprudenciais sobre determinadas matérias não impedem que outros tribunais (ou até o mesmo tribunal) tomem decisão diferente em casos análogos (cfr. Oliveira Ascensão, O Direito Introdução e Teoria Geral, 10.ª ed, Almedina, Coimbra, 1997, pp. 311-313) nem impede que um juiz, nem que seja só um, também tome uma decisão discordante da orientação jurisprudencial dominante, sob pena de a sua independência decisória ser gravemente coartada (veja-se o exemplo descrito por Castro Mendes em «Nótula sobre o artigo 208.º da Constituição Independência dos juízes», in Estudos Sobre a Constituição, vol. III, Livraria Petrony, Lisboa, 1979, p. 658)”.
[15]Acórdão da Relação de Coimbra de 27 de Setembro de 2016 (Processo n.º 2206/11.8TBPBL.C1-Moreira do Carmo).
[16]Acórdão subscrito pelos mesmos aqui Relator e Adjuntos.
A recolha jurisprudencial fora inicialmente feita em Sentença da Comarca de Faro e transcrita no já citado Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 15 de Abril de 2021.
[17]O caso do dano biológico (que tem uma parte que constitui dano patrimonial e outra dano não patrimonial) pode até dificultar a apreciação de algumas decisões, por exemplo na consideração do quantum doloris.