Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
3142/09.3PBFUN-A.L1-5
Relator: FILOMENA CLEMENTE LIMA
Descritores: COMUNICAÇÕES ELECTRÓNICAS
SEGREDO DE TELECOMUNICAÇÕES
DIFAMAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/18/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO
Sumário: Iº Nos serviços de telecomunicações podem distinguir-se, fundamentalmente, três espécies ou tipologias de dados: os dados de base, os dados de tráfego e os dados de conteúdo;
IIº Os dados de base, são relativos à conexão à rede, os dados de tráfego, são os dados funcionais necessários ao estabelecimento de uma ligação ou comunicação e dados gerados pela utilização da rede, os dados de conteúdo, são os dados relativos ao conteúdo da comunicação ou da mensagem;
IIIº A identificação completa, morada e endereço de correio electrónico do titular de determinado blog, bem como o IP de criação desse blog e o IP onde foi efectuado determinado “post”, constituem dados de base, que embora cobertos pelo sistema de confidencialidade, podem ser comunicados a pedido de uma autoridade judiciária, aplicando-se o regime do art.135, do CPP, quando tenha sido deduzida escusa;
IVº Considerando que o bem jurídico protegido pelos crimes de injúria e difamação é o mesmo, deve entender-se que este é abrangido pela al.e, do nº1, do art.187, CPP, integrando, assim, os crimes de “catálogo” referidos nesse preceito;
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na 5ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa

1.
1.1. No âmbito do processo acima referido, foi proferido despacho judicial, cujo teor se transcreve:
“Requereu o Ministério Público que se solicite à "…” a identificação completa e morada das pessoas a quem foram atribuídos os IPs que identifica.
Os factos denunciados são integráveis no disposto nos arts. 180.º, n.º 1, 183.º, alínea a) e 184.º todos do Código Penal, como aliás resulta do despacho que antecede.
Nos termos do disposto no art. 4.º, n.º 2 da Lei 41/2004, de 18 de Agosto é proibida a
escuta, a instalação de dispositivos de escuta, o armazenamento ou outros meios de intercepção ou vigilância das comunicações e dos respectivos dados de tráfego por terceiros sem o consentimento prévio e expresso dos utilizadores, com excepção dos casos previstos na lei.
Para efeitos do art. 2.º da referida Lei, dados de tráfego são quaisquer dados tratados para efeitos de envio de uma comunicação através de uma rede de comunicações electrónicas ou para efeitos da facturação da mesma, sendo que o art.º 6.º do mesmo diploma legal inclui entre os dados de tráfego o número ou identificação, endereço e tipo de posto do assinante.
Os casos previstos na lei a que alude o mencionado art. 4.º são os previstos no art. 187.º do Código de Processo Penal, no qual se identifica nas várias alíneas do n.º 1, o catálogo de crimes relativamente aos quais é permitida a intercepção e a gravação de conversas ou comunicações telefónicas, sendo este preceito aplicável, por força do disposto no art. 189.º do mesmo diploma legal às conversações ou comunicações transmitidas por qualquer meio técnico diferente do telefone, designadamente correio electrónico ou outras formas de transmissão de dados por via telemática, mesmo que se encontrem guardadas em suporte digital e à intercepção de comunicações entre presentes.
Tendo em conta os factos em concreto denunciados, verifica-se que os mesmos não são integráveis em qualquer das alíneas do n.º 1 do art. 187.º do Código de Processo Penal, uma vez não são puníveis com pena de prisão, superior, no seu máximo, a 3 anos, não está em causa nenhum dos crimes previstos nas alíneas b) a d), f) ou g) e os mesmos não são também susceptíveis de ser configurados como injúria, ameaça, coacção, devassa da vida privada (neste caso porque respeitam à vida profissional do denunciante) ou perturbação da paz e sossego (por não serem também integráveis no disposto no art. 190.º do Código Penal).
Como tal, no caso específico dos autos não é legalmente admissível a promovida diligência, pelo que a indefiro.”

1.2. O Ministério Público veio recorrer deste despacho apresentando as seguintes conclusões à sua motivação
1. Por decisão de fls. 109, proferida pela Mmª. Juíza de Instrução Criminal junto do Tribunal Judicial do …, foi indeferida a promoção do Ministério Público de solicitar ao operador de telecomunicações “….” os elementos atinentes aos dados de tráfego relativos ao blog “…”.
2.Nos presentes autos investiga-se a prática de um crime de difamação previsto e punido pelo artigos 180º, nº 1, 182º, 183º, nº. 1, al. a) e 184º, com referência ao art. 132º, al. l), todos do Código Penal.
3. Torna-se imprescindível para a investigação criminal obter junto do fornecedor das comunicações electrónicas nacionais – …, proprietária da …. a identificação completa, morada e endereço de correio electrónico do titular do blog http://......pt, bem como o IP de criação do referido blog e o IP onde foi efectuado o “post”., sendo que sem tais elementos não será possível avançar com a investigação nos presentes autos.
4. Entendeu a Mm. Juíza de Instrução Criminal que estando sujeita a sua obtenção às regras dos crimes de catálogo previstos no artigo 187º, nº 1, do CPP, aplicável ex vi por força do artigo 189º do CPP, no presente caso fica vedado o acesso a tais dados em razão de os factos em causa nos autos não serem susceptíveis de integrar nenhum dos crimes ai previstos, nem crime punível com pena de prisão que seja superior, no seu máximo, a 3 anos.
4.Salvo o devido respeito, não podemos concordar com tal entendimento, nomeadamente de exclusão dos crimes de catálogo referidos no artigo 187º do CPP o crime de difamação previsto no artigo 180º do CP.
5. Como refere o douto Acórdão do Tribunal da relação de Guimarães, “o argumento é exactamente o da equiparação do crime de difamação ao crime de injúria (crê-se, aliás, que quando o legislador se refere a injúria o faz em sentido literal de desonra e não com o sentido jurídico-penal), sob pena de, doutra forma, como se diz naquela douta peça, a prática dum crime de injúrias por via telemática só seria possível aquando duma videoconferência, situação completamente restritiva e injustificada quando num qualquer crime de difamação em causa estão precisamente os mesmos bens jurídicos que no crime de injúrias”.
6. Ao fazer referência ao crime de injúrias o legislador quis também ai englobar o crime de difamação pois este tem subjacente o mesmo bem jurídico – honra e consideração.
7. A decisão da Mm. Juíza de Instrução Criminal violou o disposto nos arts. 26º, nº. 1 da C.R.P. e artigos 187º a 190º, 268º e 269º do Código de Processo Penal e 2º da Lei n.º 41/2004, de 18 de Agosto.
Nestes termos, e noutros que V. Exas. doutamente suprirão, deverá ser dado provimento ao recurso ora apresentado, devendo a decisão proferida pela Mm.ª Juíza de Instrução Criminal ser revogada e substituída por outra que ordene à Portugal Telecom o fornecimento dos elementos pretendidos pelo Ministério Público.
.
1.3.
O recurso foi devidamente admitido, a subir imediatamente em separado e com efeito suspensivo.
Subiram os autos a este Tribunal, onde no Parecer a que se refere o art. 416º do CPP, a Exma. Procuradora - Geral Adjunta veio secunda a posição do recorrente devendo conceder-se desta forma provimento ao recurso.
Efectuado exame preliminar, foram os autos remetidos para conferência.
Colhidos os vistos cumpre apreciar.
2.
Importa averiguar nos presentes autos qual o tipo de informação que o MP pretende.
Investiga-se nos presentes autos de inquérito a prática de um crime de difamação previsto e punido pelo artigos 180º, nº 1, 182º, 183º, nº. 1, al. a) e 184º, com referência ao art. 132º, al. l), todos do Código Penal.
Tal ilícito foi cometido através da inserção de um “post” no blog “….” (identificado a fls. 4 dos autos).
Ora, como refere a Polícia Judiciária no relatório junto aos autos a fls. 91, torna-se imprescindível para a investigação criminal obter junto do fornecedor das comunicações electrónicas nacionais – …, proprietária da … a identificação completa, morada e endereço de correio electrónico do titular do blog http://......pt, bem como o IP de criação do referido blog e o IP onde foi efectuado o “post”.
Sem a obtenção de tais elementos não será possível avançar com a investigação nos presentes autos uma vez que só através dessa informação é que será possível identificar a pessoa ou pessoas que publicaram o referido “post” no blog “….”.
A Mmª. Juíza de Instrução Criminal entende que tais elementos integram a tipologia de dados de tráfego, nos termos do artigo 4º da Lei 41/2004, de 18 de Agosto, estando por isso sujeitos ao sigilo das comunicações electrónicas, podendo apenas ser fornecidos nos casos expressamente previstos na lei.
Entendeu, ainda, que, estando sujeita a sua obtenção às regras dos crimes de catálogo previstos no artigo 187º, nº 1, do CPP, aplicável ex vi por força do artigo 189º do CPP, no presente caso fica vedado o acesso a tais dados em razão de os factos em causa nos autos não serem susceptíveis de integrar nenhum dos crimes ai previstos nem crime punível com pena de prisão que seja superior, no seu máximo, a 3 anos.
Questiona-se se os dados pretendidos se integram no conceito de dados de tráfego nos termos da Lei citada pela decisão recorrida.
No domínio das comunicações convêm referir que se entende por telecomunicações a transmissão, recepção ou emissão de sinais, representando símbolos, escrita, imagens, sons ou informações de qualquer natureza, por fios, meios radioeléctricos, ópticos ou outros sistemas electromagnéticos.


O acórdão desta Relação no processo 405/08.9 PBLRS_A.L1 relatado pela Juíza Desembargadora Margarida Blasco, concluiu que estando em causa a obtenção da identidade do utilizador de determinado computador e de determinado e-mail entendemos que a obtenção destes dados de base se subsumem, em caso de recusa no seu fornecimento, ao disposto no art.135.° do CPP.”
Defende a referida decisão que:
Nos serviços de telecomunicações podem distinguir-se, fundamentalmente, três espécies ou tipologias de dados ou elementos, a saber:
-os dados de base, que são os relativos à conexão à rede, e cobertos pelo sistema de confidencialidade, a solicitação do assinante; nestes há que ter em consideração que o sigilo profissional em causa releva de um simples interesse pessoal do utilizador que não contende com a respectiva esfera privada; os correspondentes elementos de informação poderão ser comunicados, a pedido de qualquer autoridade judiciária, para fins de investigação criminal, em ordem ao prevalecente dever da colaboração com a administração da justiça;
-os dados de tráfego que são os dados funcionais necessários ao estabelecimento de uma ligação ou comunicação e os dados gerados pela utilização da rede; e por último,
-os dados de conteúdo que são os dados relativos ao conteúdo da comunicação ou da mensagem.
E, citando Paulo Pinto de Albuquerque in Comentário do Código de Processo Penal, pode ler-se no comentário ao art. 190°do CPP, o seguinte: A obtenção dos dados de base, isto é, dos dados de conexão à rede, tais como a identidade do titular do telefone, a sua morada e o número do telefone, ainda que cobertos pelo sistema de confidencialidade a solicitação do assinante, obedece ao regime do artigo 135 do CPP. Estes elementos estão a coberto do sigilo profissional das operadoras telefónicas, mas não contendem com a privacidade dos titulares, pelo que podem ser comunicados a pedido de qualquer autoridade judiciária, aplicando-se correspondentemente, quando tenha sido deduzida escusa, o regime processual do incidente previsto no artigo 135 do CPP.”.
No presente caso, pretende obter -se identificação de um utilizador.
Seguindo esta posição jurisprudencial, entendemos que o solicitado pelo MP se refere a dados de base que, embora cobertos pelo sistema de confidencialidade, podem ser comunicados a pedido de uma autoridade judiciária, aplicando-se o regime o art. 135º do CPP, quando tenha sido deduzida escusa.
De todo o modo e, mesmo que se entenda que os elementos pretendidos se integram nos denominados dados de tráfego, não podemos esquecer que o que está em causa é a identificação de determinado utilizador ou cliente, não se pretendendo o conhecimento de qualquer conversação, a qual por abranger os denominados dados de conteúdo estão sujeitos à disciplina contida nos já citados arts. 187° e 188°, por força do disposto no art.189.°, todos do CPP.
Trata-se dos denominados “crimes de catálogo”, cuja taxatividade entendemos não ser de aceitar. Com efeito, ao legislador não é possível efectuar uma descrição exaustiva de todos os crimes, tendo em conta nomeadamente esta área que evolui rapidamente, para além de que à data da feitura daquela Lei não eram sequer previsíveis.
Deste modo, estipulando o art. 189° do CPP que o disposto nos seus arts.187° e 188° se aplicam a outro tipo de comunicações, há que decidir se as informações solicitadas pelo MP estão ou não abrangidas por estes artigos.
Nesse sentido se pronunciou o Acórdão de 27 de Setembro de 2007, proferido no Recurso n.°7152/07 da 9.a secção deste Tribunal da Relação e de cujo texto se retira o seguinte: Ora, antes de mais, importa sempre dizer que, estando-se no âmbito do direito processual, as lacunas, a existirem, sempre haverão de ser integradas nos termos previstos no art.º 4.º do C.P.P., mal se compreendendo que um qualquer crime fique por investigar só porque não existe lei que essa mesma investigação concretamente preveja.
E porque assim é, sendo certo que os elementos pretendidos pelo M.º P.º, na linguagem das telecomunicações, haverão de ser compreendidos nos chamados “elementos de tráfego, ou elementos funcionais da comunicação”, contrariamente ao pretendido por aquele, que os considera “elementos de base”, e, isto, porque aqueles, tornando-se “necessários ao estabelecimento e à direcção da comunicação, identificam, ou permitem identificar a comunicação, e, quando conservados, possibilitam a identificação das comunicações entre o emitente e o destinatário, a data, o tempo, e a frequências das comunicações”, na preservação do chamado “direito à intimidade da vida privada”, prevê a lei - art.º 17.º, n.º 2, da Lei n.º 91/97, e art.º 5.º da Lei n.º 69/98, atrás já citadas - que, nesta área das telecomunicações, o dever de sigilo, conexo com o referido direito, possa ser invocado. Aliás, constitui crime, p.p. nos termos do art.º 198.º do Cód. Penal, a violação do dever de sigilo.
Contudo, e como não poderia deixar de ser, quando superiores interesses o justifiquem, designadamente na área da investigação criminal, esse dever de sigilo poderá, e deverá, ser quebrado. Isso mesmo resulta do art.º 135.º, n.º 3, do C.P.P., que será sempre aplicável aos casos omissos. (…) Entretanto, surgindo a agora chamada “auto-estrada da informação”, é para nós incontroverso que os crimes praticados no seu âmbito, como aquele que aqui está em causa (a prática de um eventual crime de “acesso ilegítimo a sistema ou rede informáticos”, previsto no art.º 7.º, n.º 1, da Lei n.º 109/91, de 17 de Agosto, e punível com prisão até um ano ou com multa até 120 dias, por, alguém, indevida e abusivamente, ter utilizado o acesso à Internet, via ADSL, que os queixosos haviam contratado com a PT Comunicações), não podendo deixar de ser perseguidos e punidos, haverão de encontrar também a sua disciplina, no que aqui interessa, desde logo, na previsão extensiva do art.º 190.º, aí se podendo preencher, v.g., a lacuna invocada pelo Mm.º Juiz “a quo”, se é que de lacuna se pode falar, quando a lei usa o advérbio “designadamente”, e prevê “outras formas de transmissão de dados”.
Assim, verificados que se mostrem os pressupostos constantes do art.º 187.º, ou, como diz o Mm.º Juiz “a quo”, desde que qualquer um dos crimes praticado através da Internet se integre no respectivo “catálogo”, “a intercepção e a gravação de conversações ou comunicações (...), se houver razões para crer que a diligência se revelará de grande interesse para a descoberta da verdade ou da prova”, só pode ser ordenada ou autorizada por despacho do juiz.
Porém, no caso dos autos não é da “intercepção ou gravação de conversações ou comunicações” que se trata, mas, tão só, da aquisição de elementos que, embora de tráfego, se referem, como diz o M.º P.º, apenas à “identificação completa da conta de acesso, ponto de acesso e número de horas facturadas dos utilizadores que acederam à conta de Internet (…), no período compreendido entre (…), com o n.º de cliente PT Comunicações (…).
Com as conversações ou comunicações ligam-se ou equiparam-se os chamados elementos de conteúdo, estes, sim, é que, claramente, só poderão ser ordenados, autorizados ou concedidos mediante despacho do juiz, como se prevê no art.º 269.º, n.º 1, al. c), do C.P.P..
Mas, se, ainda assim, se entender que também os dados de tráfego só poderão ser ordenados ou disponibilizados pelo juiz, como se diz no despacho recorrido, (…), então essa participação também foi solicitada pelo M.º P.º no caso dos autos, como bem resulta de fls. 51 e 52, que para o efeito invocou a devassa da vida privada, que sempre existirá também nestas circunstâncias.
Porém, no que para o conhecimento do presente recurso releva, uma coisa é solicitarem-se elementos referentes à “intercepção e gravação de conversações ou comunicações” via Internet, caso em que haverá de observar-se, necessariamente, o disposto nos artºs. 187.º e 269.º, n.º 1, al. c), do C.P.P., o que se compreende, pois que a natureza e complexidade dos crimes a investigar exigem que se faça uma intromissão na intimidade da vida privada dos suspeitos; outra, bem diferente, é o simples solicitar de elementos documentais como os aqui em causa, que, sendo também necessários à investigação, já não implicam uma devassa como aquela que advém do registo das conversações ou comunicações.
Por isso, sempre o disposto no atrás referido art.º 135.º haverá de dar cobertura à pretensão do recorrente, ante a manifesta prevalência do interesse da vítima, a qual, aliás, é a titular dos valores que o sigilo dos serviços de telecomunicações aqui visa preservar.”
Como refere o recorrente na sua motivação secundando o Ac. R. Guimarães de 12 de Abril de 2010, disponível in www.dgsi.pt, cujos fundamentos aderimos na integra:
“…não é óbice ao visado acesso o argumento oferecido de que o crime investigando não faz parte do “catálogo” referido no art. 187, nº1 do CPPenal.
Temos para nós que como absolutamente seguro que quando no preceito citado se alude ao crime “De injúria”, como crime de catálogo, se tem de considerar, também, o crime de “difamação”. O legislador no art. 189 do CPPenal ao remeter para os artigos 187 e 188 do mesmo Código, prevê que tal se faça não de forma absoluta, mas com as necessárias e devidas adaptações. É o significado do advérbio “correspondentemente” que inscreveu no normativo.
Doutra forma, a prática dum crime de injúrias por via telemática só seria possível aquando duma videoconferência, situação completamente restritiva e injustificada quando num qualquer crime de difamação em causa estão precisamente os mesmos bens jurídicos que no crime de injúrias. O correio electrónico nunca seria possível de interceptar e gravar porque, por natureza, lhe falta a “presencialidade”, como mais adiante se explicitará, elemento crucial para a verificação do mencionado crime de injúrias.
Ao mesmo resultado chegaríamos por via duma interpretação extensiva, ou seja, quando a letra do texto fica aquém do espírito da lei, quando a fórmula legal adoptada diz menos do que aquilo que se pretendia dizer e impele o intérprete a alargar, a estender o texto normativo, dando-lhe um alcance conforme ao pensamento legislativo, fazendo corresponder a "letra" ao "espírito" da lei. Note-se que a interpretação extensiva assume a forma duma "extensão teleológica", pois que a "ratio legis" postula a aplicação dum mesmo regime a casos que não estão directamente abrangidos pela letra da lei, mas estão claramente abrangidos pela finalidade da mesma.
É, conforme já visto, o que ocorre na presente situação. O bem jurídico defendido nos crimes de injúrias e de difamação é o mesmo - a honra e a consideração de alguém -, distinguindo-se ambos pela verificação duma circunstância particular: na injúria exige-se que “a conduta seja endereçada ao próprio ofendido e na sua presença” – Leal Henrique e Simas Santos, in Código Penal Anotado, 3ª Ed., 2000, p. 494.
Portanto, quer duma forma, quer da outra, a interpretação normativa ao disposto no art. 189 do CPPenal conduz-nos a que o crime em causa nestes autos – um crime de difamação – esteja elencado na previsão do mencionado art. 187 do mesmo CPPenal. O despacho em causa, ao apelar ao art. 187, nº 1 do CPPenal, agiu acertadamente. Mas já não o fez quando entendeu que o crime em investigação não fazia parte do elenco previsto em tal normativo.”
E ainda: “ E o argumento é exactamente o da equiparação do crime de difamação ao crime de injúria (crê-se, aliás, que quando o legislador se refere a injúria o faz em sentido literal de desonra e não com o sentido jurídico-penal), sob pena de, doutra forma, como se diz naquela douta peça, a prática dum crime de injúrias por via telemática só seria possível aquando duma videoconferência, situação completamente restritiva e injustificada quando num qualquer crime de difamação em causa estão precisamente os mesmos bens jurídicos que no crime de injúrias. O correio electrónico nunca seria possível de interceptar e gravar porque, por natureza, lhe falta a “presencialidade”, como mais adiante se explicitará, elemento crucial para a verificação do mencionado crime de injúrias.
Não faz assim, no nosso entender e salvo o devido respeito por opinião diversa, excluir dos crimes de catálogo referidos no artigo 187º do CPP o crime de difamação previsto no artigo 180º do CP.
E como refere o recorrente :
“O artigo 180º do Código Penal abre precisamente o capítulo VI, dos crimes contra a honra do Título I, dos crimes contra as pessoas, do Livro II do Código penal, tratando todo esse capítulo de toda a problemática da defesa do bem jurídico da honra e consideração.
E é nesse capítulo que o legislador concede a protecção penal que a Constituição da República Portuguesa já indiciava no seu artigo 26º e assume a importância da protecção penal do bem jurídico honra e consideração.
Outro entendimento criaria uma situação desigual, injustificada e restritiva perante a violação do mesmo bem jurídico.”


3.
Deste modo, concede-se provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público revogando-se a decisão que se substitui por outra que ordene à Portugal Telecom o fornecimento dos dados de tráfego pretendidos.
Sem custas.

Elaborado, revisto e assinado pela relatora Filomena Lima e assinado pela Desembargadora Adjunta Ana Sebastião.

Lisboa, 18 de Janeiro de 2011

Filomena Clemente Lima
Ana Sebastião