Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
3345/08.8TVLSB.L1-1
Relator: ANTÓNIO SANTOS
Descritores: CONTRATO DE GESTÃO DE CARTEIRA
CONTRATO DE MANDATO
INTERMEDIÁRIO
ORDEM DE COMPRA
INCUMPRIMENTO
RESPONSABILIDADE CONTRATUAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/21/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I - No âmbito de um contrato de gestão de carteira regulamentado no CVM, a regra que vigora é a de que , mesmo que tal não tenha nele ficado expressamente previsto , pode o cliente dar instruções e/ou ordens vinculativas ao gestor quanto às operações a realizar .
II - A inexecução da prestação a cargo do intermediário financeiro, designadamente a não observância de instruções do cliente de contrato de gestão de carteira, integra incumprimento que se presume culposo, incumbindo ao primeiro alegar e demonstrar que o não cumprimento não procede de culpa sua ( cfr. artº 799º, nº1, do Código Civil e artº 314º, nº 2, do CVM).
III - Nada obsta a que, no âmbito da liberdade contratual que decorre do artº 405º, nº1, do CC , e no âmbito de um contrato de gestão de carteira, os respectivos outorgantes (cliente e intermediário financeiro) acordem o modo e as condições de ressarcimento dos danos causados por uma das partes à outra em sede de incumprimento contratual.
IV- Basta para tanto que resulte claro, designadamente das prévias negociações, que a finalidade prática visada pelas partes foi precisamente a de estabelecerem e definirem o modo e as condições de ressarcimento dos danos causados por um das partes à outra , o que tudo , porque relacionado com a determinação da vontade real dos declarantes , integra em rigor matéria de facto .
( Da Responsabilidade do Relator )
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes na 1ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa

1.Relatório.

A , Limited, com domicílio em ..., ..., ..., ..., British Virgin Island , e B , Limited, com sede em 000 ..., Gibraltar, intentaram acção declarativa de condenação, com processo ordinário, contra,
C - Sociedade Corretora, S.A., com sede no Porto, pedindo a sua condenação no “ pagamento da quantia de 203. 158,89 , acrescida de juros à taxa legal até execução da sentença “.
1.1. - Para tanto, alegaram as autoras , em síntese que :
- A autora A foi constituída em 27/01/2006, tendo a autora B sido pela primeira designada como Fund Advisors e, nessa qualidade, celebrou com a Ré C, no dia 28 de Abril de 2006, um Trading Agreement, seguindo-se depois em 01/06/2006 a outorga de um acordo de condições de pagamento dos serviços prestados pela DIF como Asset Manager; com respeito de gestão e perfomance;
- Até Agosto de 2006, a Ré C sempre cumpriu e respeitou as indicações conferidas por K... …. e P... ….. , os quais actuavam na qualidade de procuradores da A , sendo que desde o início da relação entre a Autora Fundo e a Ré ficou claro que as decisões finais de estratégia de investimento cabiam à administração do Fundo ;
- Porém, a partir de Setembro de 2006, o comportamento da Ré C passa a assumir contornos inqualificáveis, vindo a revelar-se desastroso para a Autora A, pois que, se em 6 de Setembro de 2006, o Fundo contava com 395.093,49 USD, já em 18 de Janeiro de 2008 fechou posição com apenas 3.530,04 USD ;
- A apontada diferença de valores , estando longe de corresponder a uma mera flutuação do mercado de valores mobiliários e sendo absolutamente estranha ao risco próprio da negociação em valores imobiliários, ficou antes a dever-se a uma absoluta e total falta de diligência da Ré C na prossecução dos interesses dos investidores do Fundo, tal como resulta dos termos que, com detalhe, descrevem ;
- Sendo a Ré C uma empresa de investimento em instrumentos financeiros (como resulta do artigo 293º/2, b) do Código dos Valores Mobiliários ) e cuja actividade se consubstancia, principalmente, na realização de operações por conta alheia ( nos termos do artigo 290º/1 a), b) e c) do mesmo código), no âmbito da sua actividade tratava-se de um seu especial dever a recepção e a transmissão das ordens que recebia do investidor sobre os instrumentos financeiros com que trabalhava , e o seu reencaminhamento para o “ sistema "de modo a satisfazer o interesse do ordenante ;
- É que, os artigos 330.º e seguintes do CVM são claros quanto ao dever que incumbe à ré C quanto à melhor execução das ordens recebidas, as quais devem ser executas nas melhores condições e no momento indicado pelo ordenador (artigo 330.º/1 ) ;
- Porém, o comportamento da Ré C manifesta uma clara violação das indicações reiteradas pelo Fundo que, pela sua gravidade e reiteração, tornaram insustentável a relação mantida entre as partes e a violação grave dos deveres impostos por lei às empresas de investimento em produtos e instrumentos financeiros ;
- Na sequência da actuação da ré C , suportou a A um dano que ascende a 270,573,80 USD, isto é, de € 203.158,89, montante que corresponde :
a) à soma de todos os prejuízos verificados desde Setembro de 2006, aferidos mediante a diferença entre a situação em que o Fundo estaria caso a C houvesse respeitado as ordens comunicadas e a sua situação real após o incumprimento ;
b) à dedução do valor de 58.862,03 USD reposto pela DIF, nos termos vertidos nos artigos 101.º a 104.º ;
c) à conversão dos valores em Euro tendo por referência a taxa de conversão praticada no dia da perda .
- Sendo inquestionável a culpa da Ré C , bem como o nexo de causalidade entre o facto ilícito e o dano, deve portanto ser ela condenada no pagamento às AA da quantia de € 203.158,89.
1.2.- Regularmente citada, contestou a Ré C - Sociedade Corretora, S.A., defendendo-se essencialmente por impugnação, tendo ainda deduzido pedido reconvencional , nele impetrando a condenação das reconvindas no pagamento à Ré da quantia de € 48 295,00, acrescida de juros de mora até efectivo e integral pagamento.
1.3.- As Autoras replicaram e requereram a redução do pedido para o montante de € 201.568,64 , tendo ainda impugnado o pedido reconvencional e impetrando que fosse ele julgado improcedente.
1.4.- Foi proferido despacho saneador e foram enumerados os Factos Assentes, e organizada a Base Instrutória da Causa e , seguindo os autos o seu curso normal, chegando os mesmos à fase de julgamento, encerrada que foi a discussão da matéria de facto, o tribunal “a quo” respondeu à factualidade controvertida e, de seguida, elaborou douta Sentença cujo excerto decisório é o seguinte :
(…)
7. - Dispositivo:
De acordo com o exposto e de harmonia com os preceitos legais supra citados:-
A) Julgo improcedente a presente acção instaurada por A, LIMITED e B, LIMITED improcedente e, em consequência, absolvo a ré C - SOCIEDADE CORRETORA, S.A., do pedido contra si formulado pelas referidas autoras ; e
B) Julgo improcedente a reconvenção formulada pela ré C SOCIEDADE CORRETORA, S.A. e, em consequência, absolvo as autoras AND, LIMITED e B, LIMITED do contra si peticionado.--
Custas pelas autoras e pela ré, na medida do respectivo decaimento.­Notifique e registe.-
Lisboa, d.s.
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1.5 – Inconformadas com tal decisão , ambas as AA (A, Limited, e B, Limited ) apresentaram então apelação dirigida a este Tribunal da Relação, impetrando a revogação parcial da sentença do tribunal a quo.
1.6 Na respectiva alegação recursória, formularam as recorrentes e apelantes as seguintes conclusões :
1º - Na douta sentença ora recorrida, o Tribunal deu por provados danos sofridos pelas Recorrentes no valor global de 136.749,33 USD, resultantes da soma dos prejuízos correspondentes às 1ª, 2ª e 7a situações, assim identificadas na sentença, fls. 61, a saber:
(i) 1ª situação - 67.298,92 USD ;
(ii) 2.a situação - 47.277,14 USD; e
(iii) 7.a situação - 22.173,27 USD.
2º - Quanto a tais danos, o Tribunal entendeu - e bem - que se encontravam preenchidos todos os pressupostos da responsabilidade civil : o facto ilícito, a culpa, o dano e o nexo de causalidade.
3° - Decidiu o tribunal a quo, contudo, absolver a Ré integralmente do pedido, com fundamento no facto de os danos correspondentes à lª e à 2.a situações já se encontrarem ressarcidos por força da execução do acordo outorgado em 30 de Maio de 2007, e porque, ainda que assim não fosse, os danos provados correspondentes à 1ª e 2.a situações - e só estes - teriam sido peticionados em Abuso de Direito, por venire contra factum proprium (cfr. fls. 63 da douta sentença).
4°- Ao admitir os pressupostos da decisão tal como enunciados, e por dedução lógica do seu próprio raciocínio, deveria o Tribunal a quo ter condenado a Ré, no pagamento dos danos provados e identificados como a 7ª situação, no montante de 22.173,27 USD, e ainda ao pagamento de 1.945,34 USD, valor correspondente aos danos das 1ª e 2.a situações não dados como ressarcidos, tudo no valor global de 24.118,61 USD.
5° - Tal contudo não aconteceu o que se reputa de mero lapso (art. 667.° do CPC).
6° - Sucede ainda, porém, que os pressuposto da decisão recorrida são juridicamente improcedentes.
7° - O Tribunal a quo absolveu a Ré do pedido, nas situações em que entendeu provados todos os requisitos da responsabilidade civil, por duas ordens de razão:
(i) Porque qualificou o acordo de 30 de Maio de 2007 como um plano de liquidação de danos contratuais, sem ter base de facto ou de Direito para tal; e
(ii) Porque entendeu que as Autoras,ora Recorrentes, peticionavam em Abuso de Direito, por venire por facto proprium, sem que se encontrem preenchidos os requisitos normativos da sua aplicação.
8º- Em 30 de Maio de 2007, as partes outorgaram uma adenda ao contrato de intermediação financeira celebrado em 28 de Abril de 2006 (cfr. doc. 34 junto com a p.i., a fls, 36 dos autos) no qual ficou estabelecido: (i) uma redução em 50 % das comissões de corretagem cobradas pela Ré até que a conta do Fundo movimentasse um valor igual ou superior a 275.000 USD ; e no qual foram definidas (ii) novas regras de conduta da Ré quanto à administração do Fundo.
9º - Em execução da referida Adenda, e até Fevereiro de 2008, a Ré devolveu valores de corretagem no valor global de 112.630,72 USD (fls. 62 da douta sentença), cobradas após a redução dos fees em 50%.
10º - O Tribunal a quo entendeu que tais deslocações patrimoniais configuravam, juridicamente, um ressarcimento dos danos ocorridos nas 1ª e 2ª situações, no valor de 114.576,06 USD. Sucede, porém, que - à parte os erros materiais já assinalados - tais deslocações patrimoniais não podem ser juridicamente qualificadas como um ressarcimento de danos, residindo aqui o vício principal da sentença recorrida.
11º - Ante a violação positiva de um contrato, sem que esta determine a perda do interesse no cumprimento e a consequente resolução do mesmo, há lugar ao ressarcimento dos danos causados e, cumulativamente, ao reequilíbrio sinalagmático das prestações devidas.
12º - É o que acontece, por exemplo, na empreitada. Nos termos do art. 1222.0 do CC, a violação positiva do contrato que não gere direito de resolução confere ao dono da obra o direito a redução do preço, como mecanismo de reequilíbrio sinalagmático, e , cumulativamente, nos termos do art. 1223.°, o direito ao ressarcimento pelos danos causados pelo cumprimento defeituoso, nos termos gerais.
13° - Sempre que, perante a ocorrência de danos emergente da violação positiva do contrato, num quadro de manutenção do interesse no cumprimento, as partes procederem a uma redução da contraprestação, é mister distinguir entre o que é um reequilíbrio do sinalagma contratual, em ordem à manutenção da relação jurídica e do interesse contratual positivo, daquilo que é um plano de liquidação de danos contratuais, mediante compensação de créditos.
14° - Para que a Adenda de Maio de 2007 pudesse ser qualificada como plano de liquidação de danos, tal como sustenta o Tribunal a quo, era necessário que do seu enunciado resultasse que a vontade das partes era proceder a uma compensação do crédito das Autoras, ora Recorrentes, emergente da responsabilidade contratual da Ré, ora Recorrida, mediante a compensação parcial e periódica do seu débito, isto é do valor das comissões de corretagem, devidas a título de contraprestação do contrato outorgado em Junho de 2006.
15°- Mais ainda seria necessário verificar a inexistência de ligação funcional entre a Adenda e o interesse no cumprimento.
16.° - Tal não foi o que aconteceu.
17°- Ficou demonstrado que as partes, contra o que seria de esperar caso o escopo da redução dos fees de corretagem fosse ressarcitório, nunca sujeitaram a vigência da redução das comissões ao momento em que o valor dano até então apurado - e provado pelo tribunal a quo - se encontrasse já devolvido.
18.0 - Mais ficou demonstrado que o prazo fixado, ab initio, para a vigência da redução dos valores de corretagem (Abril a Dezembro de 2007) não tinha qualquer nexo causal com o valor do dano apurado a essa data.
19.0 - Mais ficou ainda demonstrado que os 275.000 USD - valor convencionado para que as comissões de corretagem voltassem a ser as inicialmente fixadas - não tem qualquer nexo causal com os danos apurados.
20.0 - A Adenda de Maio de 2007 deve, portanto, ser juridicamente qualificada como um reequilíbrio do sínalagma contratual que as partes houveram por bem fixar, ante um cenário de maus resultados da prestação de serviços da Ré, e em ordem à manutenção da relação jurídica, i.e. do interesse no cumprimento.
21.0 - Tal reequilíbrio (limitado no tempo e sujeito a uma cifra comercial de avaliação de desempenho) não afecta juridicamente o direito das Autoras, ora Recorrentes, a verem-se ressarcidas pelos danos causados pela violação positiva do contrato por parte da Ré, danos esses quanto aos quais - e bem - o Tribunal a quo deu por provados todos os pressupostos da responsabilidade civil.
22.0 - Temos, portanto, que os danos provados no autos e julgados juridicamente imputáveis à Ré, ora Recorrida, correspondentes às 1ª e 2ª situações, no valor de 114.576,06 USD, não se encontram ressarcidos.
230 - O mesmo se diga, naturalmente, quanto aos demais danos julgados como provados e juridicamente imputáveis à Ré, nomeadamente os identificados como a 7ª situação, no valor de 22 173,27 USD .
24.º - Contra o que sustenta o Tribunal a quo não se encontram verificados os requisitos da actuação em venire contra factum proprium .
25.0 - O venire, enquanto concretização do Abuso de Direito, é recondutível à tutela da confiança.
26.0 - Para que tal tutela opere é necessário que se verifiquem os seus requisitos materiais: (i) situação de confiança; (ii) justificação de confiança; (iii) investimento de confiança; e (iv) imputação da confiança à conduta da outra parte.
27.0 - Tais requisitos não se encontram verificados, in casu.
28º - Com efeito, não foi alegada nem provada qualquer situação de confiança por parte da Ré.
29.0 - Tal situação a existir não encontra justificação: a Adenda de Maio de 2007 não configurou nenhuma forma de liquidação de danos, como já se viu.
30.º - De um reequilíbrio das prestações, em ordem à manutenção da relação jurídica e do interesse no cumprimento, não podem as partes fundadamente retirar qualquer renúncia ou preclusão da pretensão indemnizatória.
31.º - Mais se diga nunca tal foi provado.
32.º - Não existe, para mais, qualquer investimento de confiança (ou dano de confiança) a tutelar. A conduta das Autoras o que permitiu foi a manutenção do contrato e a consequente prossecução do interesse comercial da Ré em continuar a auferir proveitos económicos do contrato em causa.
33.0 - Em suma: os danos no valor global de 136.749,33 USD que o Tribunal a quo deu por provados e juridicamente imputáveis à Ré a título de responsabilidade civil não se encontram ressarcidos nem quanto a eles se verifica qualquer causa impeditiva ou extintiva do direito.
Nestes termos e nos mais de direito, deve a presente apelação ser julgada procedente, revogando-se parcialmente a decisão do Tribunal de lª Instância, assim se fazendo, como é timbre deste Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, a costumada JUSTIÇA.
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1.7.- Nas suas contra-alegações, a apelada C - Sociedade Corretora, S.A pugna pela manutenção da sentença recorrida, tecendo na respectiva peça as seguintes conclusões :
A - A sentença, objecto do presente recurso, deve ser integralmente mantida para que a Justiça seja feita, estando pois votado ao insucesso o recurso pelas recorrentes interposto.
B - Porém, unicamente por mero dever de patrocínio, vem a recorrida, ao abrigo do artigo 684º-A, nº 1 do C.P.C., a título subsidiário, requerer a ampliação do recurso, impugnando a decisão proferida relativamente às referidas 1ª , 2ª e 7ª situações, e nomeadamente na parte em que a sentença considera que a conduta da Ré é ilícita e merecedora de reprovação, sendo o seu comportamento tido como culposo, ainda que apenas na modalidade de mera negligência, comprovando-se ainda o pressuposto do nexo de causalidade.
C - Dos factos considerados como provados pelo Tribunal, não resultam fundamentos que sustentem a procedência do referido pedido.
D - Invocam as AA o incumprimento do contrato celebrado entre elas e a Ré, ou melhor, vários incumprimentos no decurso do tempo em que o contrato esteve em vigor - em concreto as 1.a, 2.a e 7.a situações melhor identificadas na sentença -, o que a faria incorrer em responsabilidade civil.
E - O dever de indemnizar, tanto no campo da responsabilidade contratual como no da extracontratual, só existe quando, cumulativamente, se verifique a ilicitude do facto danoso, a culpa, sob a forma de dolo ou negligência do autor do facto, e um nexo de causalidade entre o facto e os danos sofridos pelo lesado.
F - Da factualidade assente resulta que, no decurso do contrato dos autos, que é um contrato de gestão de carteira, todos os actos do gestor obtiveram aprovação expressa ou tácita da parte das AA, o que implica que a R não tenha praticado qualquer facto ilícito.
G - Até ao dia 21 de Janeiro de 2008, nunca as AA declararam não confiar na Ré ou sequer rescindiram o contrato ou revogaram o mandato.
H - Esta rescisão tem de ser expressa, e dada a conhecer ao mandatário, o que só ocorreu em 21 de Janeiro de 2008. Até então, a R praticou, com o acordo do mandante, os actos para que foi contratada.
I - As AA não lograram provar qualquer ilicitude dos actos praticados pela Ré Dif.
J - Ora, ao considerar que a conduta da R é ilícita e merecedora de reprovação nas 1ª , 2 ª e 7 ª situações melhor descritas na sentença, o tribunal a quo fez uma errada interpretação e aplicação da lei aos factos, violando, nomeadamente, o disposto nos artigos 1157.° e 1159.°, 1163.°, 1170.° e 1171,°, todos do Código Civil.
Termos em que não deve ser dado provimento ao recurso interposto pelas recorrentes, devendo a douta sentença recorrida ser mantida integralmente, nos precisos termos em que foi proferida;
Ou, a título subsidiário, para o caso de assim não se entender, deve ser dado provimento à ampliação do recurso, substituindo-se a decisão recorrida por outra que revogue a sentença proferida e absolva a Ré do pedido, pelas razões por esta invocadas, com as legais consequências;
Pelo que assim se fará a costumeira Justiça!
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Thema decidenduum
1.8. - Colhidos os vistos, cumpre decidir, sendo que, estando o objecto dos recursos delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente (cfr. artºs. 684º nº 3 e 685º-A , nº 1, do Cód. de Proc. Civil ), sem prejuízo do disposto na última parte do n.º 2 do art.º 660º do mesmo Código, as questões a decidir são as seguintes :
A - Averiguar/confirmar se relativamente a 3 situações ( a 1ª, 2ª e 7ª identificadas pelo tribunal a quo na sua sentença ), resulta da factualidade assente que a apelada enveredou por conduta contratual ilícita e merecedora de reprovação, sendo o seu comportamento tido como culposo/negligente, existindo ainda um nexo de causalidade entre tais factos e os danos sofridos pelas apelantes lesadas .
Ainda que, é certo , de mero fundamento se trata em que a apelada vencedora (C) decaiu e cuja apreciação nas respectivas contra-alegações suscitou apenas a título subsidiário ( cfr. artº 684-A, nº1, do CPC, ), dele se impõe conhecer em primeiro lugar, pois que, sendo de acolher, tal inevitavelmente neutralizará a eficácia de todos os fundamentos ( porque prejudicadas ficarão as respectivas questões ) do recurso das apelantes.(1)
B - Averiguar se os danos ( no valor total de € 136 749.33 USD ) correspondentes à lª, 2a e 3ª situações supra referidas, se encontram já ressarcidos in totum pela apelada Dif, designadamente na sequência do cumprimento de adenda ao contrato outorgada pelas partes a 30 de Maio de 2007.
C - Não estando os danos ( no valor total de € 136 749.33 USD ) correspondentes à lª, 2a e 3ª situações supra referidas ressarcidos, se consubstancia Abuso de Direito a pretensão das Apelantes quando impetram a condenação da apelada Dif no seu pagamento.
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2.- Motivação de Facto.
Pelo tribunal a quo foram considerados provados os seguintes factos :
2.1.- A Autora fundo A, Ud (doravante designado por Fundo) foi constituída no dia 27 de Janeiro de 2006, conhecendo uma primeira designação como ….Capital Management Fund Ud, registado no British Virgin Islands sob número ... ;
2.2 - A designação do Fundo foi alterada para A Ltd no dia 26 de Maio 2006, conforme documentos nºs 1 a 3 juntos com a petição inicial, que se dão por integralmente reproduzidos;
2.3 – A Autora B Ltd (doravante designada por ...), foi designada pelo Fundo como Fund Advisors e, nessa qualidade, celebrou com a DIF, no dia 28 de Abril de 2006, o acordo, denominado «Trading Agreement», que consta sob cópia junto como documento nº 4, com a petição inicial, que se dá por integralmente reproduzido ;
2.4. - No dia 1 de Junho de 2006 foi outorgado o acordo de condições de pagamento dos serviços prestados pela C como Asset Manager, com respeito de gestão e performance, que consta sob cópia junto como documento nº 5, com a petição inicial, que se dá por integralmente reproduzido;
2.5.- Por documento nº 6, junto com a petição inicial e que se dá por integralmente reproduzido, foi emitida procuração a favor de P... … e K... …, outorgada pela primeira A., nos termos do qual “ ... são conferidos poderes para, em nome da sociedade, abrir e movimentar contas de corretor, bastando para o efeito a assinatura de um deles ;
2.6.- O Fundo iniciara a sua actividade com uma subscrição de 199.938,18 USD e, em 6 de Setembro de 2006, contava com uma subscrição de 395.093,49 USD ;
2.7.- Na segunda-feira, dia 11 de Setembro de 2006, o fundo fechou em 234.456,71 USD ;
2.8.- Em 18 de Janeiro de 2008, o fundo fechou posição em 3.530,04 USD ;
2.9 -Durante a sexta-feira, dia 08 de Setembro de 2006, e durante todo o fim-de-semana, a Autora Fundo, na pessoa do seu procurador K... …., tentou contactar a Ré, na pessoa do Sr. PL... …., sem sucesso ;
2.10 - No dia 11 de Setembro de 2006, momento em que já se conhecia toda a extensão da perda, o Sr. PL... …. veio à presença de K... …., por mail, dando conta da impossibilidade de contacto anterior e afirmando, nomeadamente, o seguinte:
" .. precisamos mesmo de falar porque o que aconteceu foi um descalabro, não controlei a situação e preciso de saber se tem confiança em mim, para continuarmos ... “
"…não estava à espera de uma série de coisas falharem e principalmente eu estar mais emotivo que racional “;
2.11- Não obstante a dimensão da perda e a justificação da Ré, a Autora Fundo decidiu manter a confiança no broker, transmitindo-lhe essa posição por email do mesmo dia 11 de Setembro, tendo-lhe igualmente fixado objectivos de recuperação da perda verificada ;
2.12- Durante o mês de Outubro de 2006, as relações entre a Autora Fundo e a Ré decorreram normalmente, em estreita cooperação, como o demonstram os e-mails trocados em 10 e 11 de Outubro de 2006;
2.13- Os resultados do mês de Outubro de 2006 foram os melhores de sempre: não só se havia conseguido recuperar a perda de Setembro como, no dia 27, o fundo fechava em 411,538,43 USD ;
2.14- O Fundo endereçou à Ré o mail datado de 26 de Outubro de 2006, “ …. Agora vamos mesmo acabar o mês. Até ao fim do dia, ver se pode sair de todas as posições - salvo BCP. Se não conseguirmos fazer trade no BCP até 2 dª feira, tem que vender (mesmo a perder) antes do fim do mês. Pode recomprar no dia 1 de Novembro ... e mais uma vez MUITAS PARABENS (. .. )”;
2.15-A esta comunicação, a Ré - na pessoa do Sr. PL... …. - agradece a confiança depositada na sua capacidade de recuperar a perda de Setembro de 2006: “ … Agradeço a confiança depositada em mim e na minha capacidade de recuperar. Sei que não deve ter sido fácil para vocês verem aquela queda mas para mim foi um terror. A vossa confiança no meu trabalho foi determinante e sentir o apoio de um cliente e de um projecto é igualmente estimulante para recuperarmos de uma situação e voltarmos para o futuro como antes ... ";
2.16- Autora Fundo fechou posição no dia 27 de Outubro de 2006 em 411,538,43 USD ;
2.17- Em 30 de Outubro de 2006 , K... ….. comunica : ….eu sei que a oportunidade é boa de mais para perder, mas temos que ter disciplina! Quando pode, fecha tudo hoje, e espera para quarta-feira ...”;
2.18 - A tal responde a Ré, pela pena de PL... : “… Ok: No problema! ;
2.19 - No dia 30 de Outubro de 2006, o fundo fecha em 368.661,62 USD;
2.20 - No dia seguinte, 31 de Outubro de 2006, a exposição do fundo mantém-se e este fecha a posição em 344.239,51 USD;
2.21- No dia 02 de Novembro de 2006, a Ré envia à Autora Fundo um mail nele exarando “ …. O mês quase ia ser perfeito senão fossem os dois últimos dias, onde a volatilidade do petróleo nos serrou completamente. (. .. ) Foi um mês apesar de tudo de recuperação, mas com excesso de exposição na última fase, desnecessária .... “;
2.22 - K... …. exarou em mail de 02 de Novembro de 2006 “…. Não foi nossa intenção dar parabéns antes do tempo (...) mas mesmo acabar com o mês. Enquanto fechou as posições na sexta-feira com o saldo por cima de 400 K, achei que tudo foi bem entendido. Foi por isso que estava muito surpreendido quando começou a fazer trades outra vez na segunda-feira e por isso que mandei a mensagem sobre disciplina. Para nós, o mês acabou na sexta-feira, e os trades era para resumir só no dia 1 de Novembro. (. .. ) Mas temos que entender, que um mês de actividade pode acabar num dia qualquer, quando nós decidimos .... “;
2.23 - No mês de Janeiro de 2007, a Autora Fundo registou avultadas perdas por razões cuja responsabilidade a DIF assumiu prontamente, por mail de 01 de Fevereiro de 2007: “… Mais uma vez tenho que assumir as minhas responsabilidades no desastre deste mês. Começa a ser algo que acontece muitas vezes, estarmos a ganhar e na vontade de querer mais perdemos tudo (…), Por isso ponho à vossa consideração a continuação do fundo, ou se quiserem adoptar outro modelo de gestão, de stops profit ou loss por trade ….” ;
2.24 - No mesmo dia ( 01/02/2007 ), a Autora Fundo responde reiterando a confiança no broker e fixando orientações precisas quanto ao modo de agir durante o mês de Fevereiro: “ … Achamos que temos fazer o seguinte: 1. Reduz drasticamente os papeis não recursos. Sempre há tentação na bolsa portuguesa, ou nos googles, etc, mas temos que lembrar que não existe um sure thing never. Então não pode ultrapassar 10 % das posições abertos em não recursos. (Bancos, tecs, etc). Também prefiro não manter tal posições abertos para demais tempo 1 ou 2 dias (dado que entrou para lucrar rapidamente) e nunca aberto durante um fim-de-semana. 2. Controle de lucro se está com lucro de 8.000 US em qualquer posição começa a REALIZAR a posição. Pode voltar para tentar ganhar mais mas com peso reduzido. 3. Controle de perdas utiliza stops onde possível Utiliza bom senso, mas pode considerar uma perda de 5.000 US em qualquer posição justifica um stop. Sobre futuros, quando tem posição aberto durante a noite, ou mais tempo veja se não pode utilizar CFDs dos futuros, onde também pode utilizar stop losses. 4. SEMPRE reduz exposição durante fim de semanas, ou fecha mesmo, particularmente os mais voláteis , e reduz o custo de financiamento dos CFDs durante o fechado fim de semana (8 dias do mês).De nossa parte, vamos ficar mais rigorosos no controle do risco. Neste mês (curto) se chegar as 300 k, não baixar deste nível Reduz a exposição para máxima de 40 %, e se consegue 340 K tem que parar completamente, e FECHAR o mês até dia 1 de Março .... “;
2.25- No dia 07 de Fevereiro de 2007, K... …. envia um novo mail onde escreve : “ … quero transmitir o seguinte: 1. Já estamos no nível de 300K, muito bem feito. 2. Agradeço se começar a reduzir a nossa posição no BPI ­realiza pelo menos metade dos ganhos. 3. Quando chegar ao 310, reduzir bastante a nossa exposição para MÁXIMA de 2,2 Milhões (50%). 4. Se consegue chegar a 350k, quero que feche TODAS POSIÇOES, e desiste de qualquer movimento até no dia 1 de Março.” ;
2.26 - No dia 08 de Fevereiro de 2007, a administração da Autora Fundo volta comunica à DIF: “ Parabéns pelo óptimo dia até agora. SFF nota seguinte: 1. Se Ouro e/ou Prata mudam contra nós. SAI logo e espera para amanha. Sai logo que qualquer das duas posições ficam a zero (não com perda). 2. Amanha durante primeiros tempos da bolsa, realiza pelo menos 3/4 dos lucros em BPI e BRISA, se o mercado permite;
2.27 - O mesmo se repete no dia 09 de Fevereiro de 2007: “… queria deixar estas instruções sobre gestão do risco - como já combinamos muitas vezes, o meu papel e para tentar reduzir a ganância de que todos de nós temos ! O seu papel está feito - a recuperar dos 213K até aos 316 em 7 sessões - bom trabalho. 1. A partir de agora, manter a nossa exposição para MAXIMA de 1.5 Milhões. 2. Se começamos a perder até o nível de 310k, quero que fechar TODAS POSIÇÓES, e desiste de qualquer trade durante 48 horas (como já discutimos, um cooling period). 3. Se consegue chegar a 350k, quero que fechar TODAS POSIÇOES, e desiste de qualquer movimento até no dia 1 de Março. Dentro destes parâmetros pode assumir todas as responsabilidades ;
2.28 - A Ré endereçou ao Fundo durante o próprio o dia 09/2/2007, mail conforme documento que se junta e aqui se dá por integralmente reproduzido para os devidos e legais efeitos ;
2.29 - A Ré enviou um mail no dia 14 de Fevereiro de 2007 nos seguintes termos: “... Seguindo as suas instruções, fechei todas as posições, e o fundo ficou com 353.000 USD. Penso que poderíamos fazer mais em algumas acções, mas foi este o seu critério ...”;
2.30 - No final do mês de Fevereiro de 2007, o Fundo fechou com uma posição de 329.442,59 USD, conforme documento nº2 25 junto com a petição inicial, que aqui se dá por integralmente reproduzido para os devidos e legais efeitos;
2.31 - Por mail de 26 de Fevereiro de 2007, o Fundo escreveu: “... Assim sendo, os limites iniciais serão: Se baixar para 300.000, deverá liquidar todas as posições, com um período de recuperação de 48 horas. Se conseguir atingir uns fantásticos 425.000, também, neste caso, todas as posições deverão ser liquidadas, parando-se as transacções até que um novo contacto seja estabelecido entre nós. Entre estes limites iniciais para Março, não ficará limitado a uma alavancagem inferior à permitida pelos parâmetros da conta Saxo ...”;
2.32 - No dia 02 de Março de 2007 o Fundo encerrou posição em 273.422,94, conforme documento nº 27 junto com a petição inicial, que aqui se dá por integralmente reproduzido para os devidos e legais efeitos;
2.33 - A Autora Fundo, no dia 02 de Março de 2007, comunicou à Ré “ …. Se o mercado continuar no mesmo, e PL... não tem outra estratégia, eu penso que será mais aceitável (se o saldo está dentro 280K e 300K) antes das 15h00, liquidar metade das posições nestes 3 títulos, e depois ver a posição na 2ª Feira com a nova abertura. Neste momento tem as seguintes pesos em jogo: Sonae Com - 310K USD, Sonae SGPS - 385K USD, Portugal Telecom - 670K USD. Se recuperamos um pouco antes de 15h00, podemos vender 25 000 PTC, 18,000 SNC e 90,000 S0N, e ainda manter a sua estratégia - só com metade do risco (então metade dos ganhos potenciais, mas também metade das perdas potenciais)... " ;
2.34 - No dia 06 de Março de 2007, o Fundo envia novo mail onde escreveu “ ... Neste momento tem um saldo de 238K USD na conta, e tinha máximo de dia por volta de 260K. Está a fazer tudo que é possível a recuperar as perdas resultando do fracasso de OPA, e espero que continuar com este ritmo. Temos de definir um novo limite baixo, dado que ultrapassou o limite de 300k na 6ª Feira, e não conseguiu a vender metade da exposição antes das 15h00 no mesma dia. Neste sentido, de momento, o limite baixo será 225K, e se chegar este ponto, tem que fechar posições e fica fora durante 48 horas .. ;
2.35 - A mensagem foi claramente compreendida: “... Percebi a sua mensagem e se chegar aos 225 tiro 48 horas para reflectir ....”;
2.36 - O Fundo fechou em 204.299,92 USD ;
2.37- No dia 27 de Abril de 2007, o Fundo encerrou posição em 221.150,63 USD, conforme documento nº 30 junto com a petição inicial, que aqui se dá por integralmente reproduzido para os devidos e legais efeitos ;
2.38- Nesse mesmo dia, a Autora Fundo comunicou à Ré: “... quero que ponha ordem de venda de 50K BPI ao preço 6.43 para reduzir risco durante fim de semana. Este ordem é além do ordem existente da venda ao 6.48. O resto está contigo. Para segunda, limite MINIMO é 215K , e sai completamente se atinge 250K. (Nunca sabe). Qualquer outra posição ou dúvidas, contacta P... .... ";
2.39 - No dia 30 de Abril de 2007, o Fundo tinha encerrado posição em 209.179,21 USD, conforme documento nº 32 junto com a petição inicial, que aqui se dá por integralmente reproduzido para os devidos e legais efeitos ;
2.40 - A Ré enviou um mail à administração da Autora Fundo em 30 de Abril com o seguinte teor: “ Repararam que o valor do fundo é neste momento de 200 k. No entanto o BPI e o ABN entraram hoje em ex dividendo, o que quer dizer que amanhã deveremos receber mais de30k em dividendos. O BPI é 0,13 líquidos e o ABN é 0,6 líquido. Assim o fundo está a 230k. ;
2.41 - A insustentabilidade da presente situação e a vontade de acordarem uma forma de a ré reparar os danos causados ao Fundo, numa solução de continuidade que não prejudicasse a relação profissional entre as partes, levou a que a Autora Fundo e a Ré celebrassem um acordo referente ao ressarcimento dos danos causados e à definição das normas gerais da administração do fundo, conforme documento (34) que se junta e aqui se dá por integralmente reproduzido para os devidos e legais efeitos ;
2.42 - O mesmo acordo conheceu, no início de Janeiro de 2008, uma prorrogação para todo o exercício de 2008, conforme documento que se junta e aqui se dá por integralmente reproduzido para os devidos e legais efeitos (Doc. 35, mail de 02/01/08) ;
2.43 - Em mail de 23 de Maio de 2007, a Ré recordava ao Fundo os termos essenciais de tal acordo e a Autora Fundo, em 24 de Maio de 2007, respondia reiterando o seu conteúdo, conforme documento que se junta e aqui se dá por integralmente reproduzido para os devidos e legais efeitos (Doc. 36) ;
2.44 - No dia 28 de Maio de 2007, a Ré enviou o seguinte mail à administração do Fundo, na sequência de reuniões havidas quanto ao modo de ressarcimento das perdas verificadas imputadas à DIF: “ No seguimento da nossa conversa e das novas regras da gestão do Global Resources Fund , foi hoje levado à administração a proposta de eliminar as corretagens até o valor do fundo chegar aos 275.000 USD, bem como a devolução das comissões referentes a Abril e Maio. A decisão foi a seguinte: As contas de Abril foram já fechadas, facto que eu não sabia quando tivemos a reunião. No entanto resolvemos que iremos no período de 1 de Abril a 31 de Maio proceder à devolução de 50% das corretagens auferidas pela C. A partir de 1 de Junho, excepcionalmente e até 31 de Dezembro concordámos em devolver também 50 % das corretagens auferidas pela Dif no âmbito das transacções efectuadas pelo Global Resources Fund, voltando a partir de 1 de Janeiro de 2008 a não haver devoluções. No entanto se o Fundo atingir os 275. 000 USD deixarão automaticamente de haver rebates de comissões mensais. Isto pressupõe continuar a receber o Sucess fee de 15 % e a comissão fixa de 1 % ao mês sobre o montante gerido. Esta foi a decisão, espero agora a vossa resposta e decisão se querem continuar nestas condições que foram as melhores que consegui. Abraço, PL... …..;
2.45 - Após a troca de alguma correspondência electrónica, a administração da Autora Fundo enviou o seguinte mail à C, dando corpo final ao acordo encontrado: ....Caro PL..., Obrigado pelos seus e.mails. Tenho a sensação que a nossa reunião da semana passada foi muito construtiva para todos nós, e quero informá-lo, pelo presente, que aceitamos a sua proposta, que reproduzo seguidamente por palavras minhas. A C deverá abater, numa base mensal, à conta da transacção (200023), 50 % dos encargos de mediação do mês anterior, desde 1 de Abril de 2007 até 31 de Dezembro de 2007, ou até que a conta do saldo da transacção tenha recuperado, no final de um mês, a USD 275.000, conforme o que ocorrer em primeiro lugar. Este saldo de 275.000 deverá incluir todos os levantamentos feitos pelo fundo (mas não inclui os montantes pagos a título de honorários de gestão de activos). Por exemplo, se o fundo fizer levantamentos de 30.000 durante este período, o saldo da conta deverá ter atingido nesse momento 245.000 para que cessem os abatimentos. Os pagamentos de honorários de gestão de activos não afectarão o nível dos 275.000. Prevê-se que o abatimento integral seja na ordem dos USD 60.000, e que o primeiro abatimento tenha lugar na segunda semana de Maio, sendo referido a Abril e Maio. Agradecemos a sua ajuda na recuperação da performance do Fundo, e esta redução dos honorários vai ajudar a acelerar a recuperação. A sua boa vontade e cooperação neste momento reforçam a nossa confiança em si, e acreditamos que juntos conseguiremos ultrapassar o revés que sofremos recentemente. Estou ainda em condições de afirmar o nosso agrado pelo trabalho que desenvolveu desde o início do fundo, e continuamos a acreditar que teremos no futuro uma longa e bem sucedida colaboração ;
2.46 - O Fundo comunicou à R. no mail datado de 08 de Junho de 2007: “ … Notamos que não fechou para fim-de-semana. Não pode repetir no futuro. Após 6 sessões negativas, também acho que pode valorizar na segunda-feira. Dado que dizemos para entrar outra vez na segunda, temos que aceitar, e faz trade normalmente na segunda. O prejuízo (potencial) para fundo são os juros durante fim de semana, e se abra negativo no início da sessão de segunda ....”
2.47 - O Fundo fechou no dia 08 de Junho de 2007 em 116.596,00 USD. Por sorte, na segunda-feira seguinte, dia 11 de Junho de 2007, a posição era 122.252,00 USD;
2.48- No dia 2 de Julho de 2007, o fundo fechava posição em 152.620,72 USD, conforme documento que se junta e aqui se dá por integralmente reproduzido para os devidos e legais efeitos ;
2.49 - Seguiram-se mails, em 4 e 5 de Julho de 2007: “ … Mas nós concordamos de que temos controlar as perdas dado que impossível a evitar! Neste sentido, já tem um limite baixo (stop loss geral) de 145K USD desde dia 20 de Junho. A atingir este nível, tinha que fechar todas posições durante 24 horas. Estamos fechados desde ontem ao nível de 110K. (o limite de 145k, sempre pensei que era para o mês e não o limite geral, pois na nossa conversa tínhamos falado que durante os primeiros 15 dias eu teria liberdade total, mas percebido agora e aceito o que me diz) Também concordamos na diversificação dos papeis (Reunião 23 Maio) de que nenhum papel pode ter em risco mais de que 2 vezes saldo da conta. Ambos BCP e Futuros de Milho foram mais de 5 vezes o saldo (150k @ EUR 4.15 e 45 contractos @ USO 339.75). Só com trigo respeitou o limite. Justificado acima, pelo facto de eu não conseguir controlar muito bem as quantidades). Também concordamos em reduzir o risco overnight, com um máximo de alavancagem durante a semana de 4 vezes o saldo (mínimo 25% cobertura). Na noite 2 de Julho para 3 de Julho, o saldo da conta foi USD 152. 620, e posições abertas com risco de USD 1.890.212, ou seja mais de 12 vezes o saldo, ou só 8% cobertura. Esperamos que vai tomar mais cuidado em termos de perfil do risco, e espero que pode voltar aos níveis próximos aos 200k antes do fim de mês. Temos confiança, mas não pode ultrapassar os limites já concordados ;
2.50 - A esta última observação, responde o Sr. PL... ….: “…. ( Eu sei K..., mas quando eu vejo uma oportunidade, não consigo pensar imediatamente nas quantidades associadas. Tomarei mais cuidado). Gostaria entretanto de saber se me querem responsabilizar pelo prejuízo, e como. Admito ainda que quando chegarmos ao nível dos 275k, eu pare por algum tempo, pois teremos que avaliar bem algumas questões entre as quais a minha falta de controle.) ... "
2.51 - No dia 23 de Julho de 2007, o Fundo encerrou posição em 129.761,59 USD, conforme documento n.º 45 junto com a petição inicial, que aqui se dá por integralmente reproduzido para os devidos e legais efeitos ;
2.52 - No dia seguinte, 24 de Julho de 2007, o Fundo encerra posição em 111.824,80 USD (Doc.46);
2.53 -­No dia 25 de Julho de 2007, o Fundo enviou novo mail à Ré onde escreveu." .. só para reafirmar que o limite stop em vigor neste momento continua a ser 122k (neste momento está com 130k) ... "
2.54 - Nesse mesmo dia, o fundo encerrou posição em 120.190,45 USD. No dia 26, encerrou a 93.322,83 USD ;
2.55 - O Fundo manifestou-se nos seguintes termos “ … Mas mais uma vez estás a ignorar as instruç-122K. Mas não fechou as posições. Ontem tudo abriu bastante para baixo, e então passou o dia nos níveis 90-109k, com um fecho no nível de 93.4K. O controle de risco utilizando stops- , como combinado pelo acordo, é mesmo para evitar estas situações. Também o acordo sobre limites de peso (alavancagem) em papéis individuais, e peso aberto durante a noite, foi ignorado, também é para evitar o que passou ontem ....” ;
2.56 - E, uma vez mais, se reitera a confiança no broker mas igualmente se sublinha a absoluta necessidade de respeitar os acordos já firmados e responder pelas responsabilidades emergentes: “… Nós queremos que continua connosco, mas após discussões com a Administração do Fundo sobre os teus emails dos dias 5 e 24 deste mês, tenho avisar do seguinte: O mês de Julho começou com um saldo de 163K, e o stop de 145K (a limitar perdas até 11%). Também foi esperado o reembolso de 50% das comissões referente ao Junho valor pago 13.5K. Como tal, o fundo considera o Asset Manager responsável pela perda em excesso do 18K originalmente autorizada. Então, no fim de mês, se o saldo da conta está inferior de 158.5K, Dif será considerada responsável pela diferença, e nossas contas vão demonstrar esta posição. Como nós queremos continuar a trabalhar bem contigo, sugerimos de continuamos com os termos dos acordos em vigor, a reembolsar mensalmente as comissões. Caso que PL... não quer continuar a colaborar connosco, tens de repor o saldo até 158.5K no fim de mês, e depois creditar 50 % das comissões deste mês, como acordado e teremos de chegar a um acordo sobre o nível dos USD 275.000. Espero que decides a continuar colaborar connosco, mas sempre tens de lembrar que com stops nós preferimos a perda da oportunidade de ganhar de que realizar uma perda extraordinária ... “;
2.57 - Em resposta, a Ré envia o mail junto como doc. nº 47( mail de 27/07) ;
2.58 - A este mail responde o Fundo: “ …. Como deves compreender, o Fundo está numa posição grave provocada pela séries de acontecimentos recentes. Uma posição bastante delicado para ambos de nós, e precisamos resolver na melhor maneira. Claro, pretendemos que PL... tentar a recuperar as perdas recentes do Fundo, mas com todo respeito queremos fazer as seguintes observações: 1. Se tenho especificar um stop novo, por causa do facto de que PL... já ultrapassou o limite prévio, isto não significa que nós aceitamos a situação quando instruções claras e acordadas não são respeitadas é simplesmente uma tentativa de ajudar em boa fé de recuperar a situação. Quando as instruções e limites já acordados sobre alavancagem são respeitadas, o PL... está a proteger os direitos de vosso cliente, e nossas clientes. 2. Sabemos bem o teu problema com o sistema que não permite automaticamente executar um stop global, e por isso concordamos de que tens que utilizar com mais rigor e frequência stops com papéis individuais. Aceitamos que um nível stop é só um instrução de começar fechar todas as posições com a certa urgência, e que o valor final se fecho pode variar um pouco (mais ou menos) de que o limite. Não foi assim este mês, enquanto as duas grandes perdas (de 171 à 110 k no dia 3, e de 123k à 76k no dia 27) resultou de ovemight posições muito mais pesadas de que acordaramos, e perdemos com a abertura de mercado. Não será produtivo nem útil a perder tempo a atribuir responsabilidades, dado os níveis que já chegamos. Nós temos que trabalhamos juntos para recuperar o nível do Fundo para níveis aceitáveis, e o mais rápido possível, mas com controlo de risco. Nós consideramos que o nível mínimo de fundo no fecho de mês seja 158.5K como eu justifiquei no meu último email de 27 de Julho, que respondeu a tua questão do teu email de dia 5. Proponho que o Fundo vai incluir a diferença do saldo actual deste valor (neste momento a diferencia está por volta de 49k dado a tua recuperação de 32.5K hoje) numa reserva contabilística, que vai ser abatida mensalmente com o valor de comissões reembolsadas dentro da estrutura do processo já acordado. Assim, podemos continuar, com mais acuidade, a trabalhar juntos a recuperar o Fundo até o nível de 275K, como todos desejemos ;
2.59 - Por mail do mesmo dia, a Ré escreveu o que consta do doc. nº 47, que aqui se dá por reproduzido ;
2.60 - No dia 03 de Outubro de 2007, o Fundo comunica à Ré: “ … agradeço se a nossa conta fica fechada a noite de quinta-feira (4 de Outubro) e só recomeçar na segunda-feira (8 de Outubro). Também, dado que GALP está nos níveis mais altas desde sempre, talvez mais prudente de fechar 6k cfds antes de fecho de hoje, (se permite, acima de 11.44 ?) e pode recomprar amanha se achas bem. Neste sentido, reduzimos a nossa exposição durante a noite “ ;
2.61 - A este mail responde a Ré: “ ….Se não se importar vou assumir a responsabilidade da Galp, até porque o objectivo, agora que quebrou os 11,2, são os 13 euros. Vou reduzir um pouco a exposição, mas não se esqueça que a conta estava a 10.000 usd. e que vamos a caminho dos 40.000 e se tudo correr bem, vamos estar dentro de dois dias nos 50k….”;
2.62 - ­Ao solicitado, responde a Autora Fundo: “…aceito que tu assumas responsabilidade para ovemight hoje. Ainda prefiro que ficamos fechados weekend… “ ;
2.63 - A posição da Autora Fundo foi perfeitamente compreendida: “ … compreendo e amanhã vou fechar tudo. No caso do açúcar, vamos ter uma tendência de subida que vai durar muito tempo, e deveremos estar sempre comprados. Esta visão é invertida apenas se em fecho o açúcar fechar abaixo dos 9,6. Como estamos próximos acho que o risk rewerd é muito bom. Viu que o BCP subiu!!!!!!!!! Temos que agora apanhar a correcção e entrar outra vez porque o próximo objectivo depois da correcção serão os 3,45/50. No trigo, vamos optar por uma estratégia vendedora sempre que subir aos 930/35. O stop deverá estar no máximo anterior. O objectivo uma vez que quebrados os 903 (em fecho) deverão ser os 850 usd. Quando chegarmos aos 50k vamos parar um pouco ...”;
2.64 - Na sexta-feira, dia 05 de Outubro de 2007, o fundo fecha em 43.095,23 USD. Na segunda-feira, dia 08, o Fundo tem uma posição de 46.358,06 USD, conforme documentos que se juntam e aqui se dão por integralmente reproduzidos para os devidos e legais efeitos ;
2.65 - Durante o dia 10 de Janeiro de 2008, o Fundo conheceu uma posição de 106.000,00 USD ;
2.66 - No mesmo instante foi enviado um mail com o seguinte teor: “ …. Excelente trabalho - conseguiu-se chegar aos 106 k - o melhor desde Agosto de 2007. Decidimos que o melhor a fazer é fechar todas as posições até ao final do mês .Vamo-nos dar a todos uma pequeníssima pausa durante algumas semanas. Se existirem algumas oportunidades realmente boas que queira realizar, é livre de o fazer numa base caso a caso MAS SEM ALAVANCAGEM, i. e., cobertura de exposição de 100 % ou MAIS. Como sempre temos dito, é melhor deixar escapar uma oportunidade do que perder o bom trabalho feito até aqui ;
2.67 - Face à proposta da C constante do referido doc. nº 55 ( mail de 10/01/08 ) , o Fundo responde: “ …. Eu sei o que estás a dizer, e temos grande tentação, mas dado o que passou com o fundo, é mesmo critico de que manter um resultado tão positivo deste mês. Neste sentido acho o seguinte: Manter 5k Galp e vende o restante 15k (por volta de 16.05 se possível hoje). Manter o 10K Soni se achas mesmo forte, mas fecha a posição se atinge mais de 5k negativos. Sobre a moeda, faz o que pretendes hoje, mas fica com posição fechada antes do fim do dia ou seja se achas que pode dar uns ks lucros, aguarda, mas se começa a perder então fechas. Neste sentido, a partir de manha só tens aberto o máximo de 5k GALP e 10 k Soni. (em risco aprox. 136 k Euro =200 k USD). Depois conforme o desenvolvimento destes títulos, manter uma exposição máxima de 105K USD. Se atinge 110K, sai e ficar fora até fim de mês ;
2.68- No dia 17 de Janeiro de 2008, a Autora Fundo envia o seguinte mail à Ré: " Tendo em atenção a actividade da nossa conta desde 5ª Feira, 10 de Janeiro de 2008, não temos outra opção que não seja informá-lo que exigimos que o saldo da nossa conta consigo seja, no final de 31 de Janeiro do corrente ano, de USD 91.539,64, de forma a reflectir as nossas instruções. É este o montante que deveria ter estado na nossa conta se tivesse havido adesão às nossas instruções específicas e documentadas. O cálculo deste valor encontra-se no documento anexo. Os cálculos basearam-se na não observância pela sua parte das nossas instruções de 10 de Janeiro, designadamente: 5ª Feira, 10 de Janeiro de 2008. Preço das Acções em Perda continua das acções da SONI. No final do dia, abriram a 20, 000 5.18 2. Não foram vendidas mais acções da GALP. No final do dia, abriram a: 15, 000 16.013 .Exposição ao risco ultrapassou o limite de USD 200.000: Exposição 509.369 USD 4 Aquisição de mais acções da SONI, excedendo os 10k estipulados. Reconhecemos que as acções Saxo relativas à cisão da Soni afectaram certamente as suas tentativas de recuperação do deficit criado por si devido ao facto de não ter, uma vez mais , seguido as nossas instruções. No entanto , se tivesse havido adesão a essas instruções aquele deficit não se teria , em primeiro lugar, verificado. O único efeito destas acções da Saxo teria sido o saldo de USD 91.539164 ter de ser ajustado em conformidade, conforme se demonstra no anexo. Quando a nossa conta estiver corrigida à data de 31 de Janeiro , ou antes, indo de encontro às nossas instruções específicas estaremos prontos a discutir a forma de avançar “;
2.69 - Ré mantém silêncio até ao dia 21 de Janeiro de 2008 ;
2.70- No dia 18 de Janeiro de 2008, o Fundo fecha posição em 3.530,04 USD ;
2.71 - Na sequência de todo o comportamento da Ré, a Autora Fundo deu por quebrada a confiança no broker e responde em termos peremptórios ao mail de 21 de Janeiro: “…Agradecemos a sua resposta. No entanto, alguns dos pontos levantados, confundem-me. Parece-me que os factos estão claros, que estão documentados e descritos infra e no anexo ao último mail Recomendo vivamente que informe todos os Administradores e proprietários da Dif sobre a situação e sobre a seriedade da situação.1. Pode ser que tenha estado doente, mas tinha certamente acesso ao seu Email, o que, aliás é evidente pelo facto de ter respondido às instruções do cliente para fechar, perguntando ou sugerindo manter abertas algumas acções (GALP e SONI)o O seu cliente aliás respondeu, dando instruções claras e precisas para que seguisse os limites para estas acções. Se nunca recebeu este segundo email - o que me parece estranho - estaria de qualquer forma legalmente obrigado,como Corrector Oficial a actuar de acordo com as instruções do cliente e a fechar TODAS as posições, por serem estas as últimas instruções que tinha recebido do cliente. 2. Se não estava a acompanhar o mercado a partir de casal nesse caso tinha a obrigação na qualidade de Gestor Oficial de Activos e de Administrador da Dif de ter alguém que, na Dif, executasse as instruções do cliente e que protegesse o cliente e que o fizesse em seu nome, ou então não deveria ter estado a movimentar a conta, devendo ter informado o cliente em conformidade. Tivemos no passado situações que estão documentadas em que o tentámos contactar e em que não estava ninguém no escritório de corretagem da Dif durante as horas de abertura da Bolsa. 3. No seguimento da nossa correspondência e das claras instruções que lhe transmiti, fiquei confiante que teria seguido as minhas instruções e teria reduzido o nível de risco para níveis perfeitamente aceitáveis, mas, como é do seu conhecimento, a conta foi afectada pelos movimentos do mercado na abertura das sessões e assim nada pôde ser feito enquanto os mercados estavam fechados. Para além disto, com o fiasco dos direitos de cisão da Soni atribuídos pela Saxo, não estava claro qual seria a posição real da conta até quando já foi tarde de mais. No entanto, se na sua qualidade de Gestor de Activos tivesse seguido as instruções do cliente e tivesse decidido depois qual a estratégia a adoptar para tentar recuperar o seu incumprimento claro e documentado das suas obrigações fiduciárias como Corrector Oficial (e como Administrador da Dif) por não ter seguido as instruções do cliente, nessa altura não seria responsabilidade do fundo fechar as posições por si tomadas ilegalmente, e possivelmente destruir a sua estratégia não aprovada, transferindo assim a responsabilidade da não recuperação para o fundo. Acções executadas de forma errada ou de forma ilegal contra as instruções de um cliente têm de ser reembolsadas e você tem conhecimento deste facto. 4. Não existiu qualquer falha de comunicação, mas sim não observância de instruções escritas e recebidas, o que foi claramente documentado e admitido por si em diversas ocasiões, para o que nós exigimos reparação imediata. Assim sendo, o Fundo exige, junto da a Dif que, impreterivelmente, à data de 31 de Janeiro de 2008, a conta do cliente 10... tenha o saldo em numerário legítimo e legal de USD 62.253,55 na conta 63..., dado que nos foi declarado que os cálculos finais da Saxo relativos ao valor dos direitos de cisão estão correctos. Se, até essa data, a conta não reflectir estes valores, e tendo em conta o que ocorreu no passado quanto ao abuso que fez das instruções do cliente, apresentaremos queixa oficial junto da CMVM relativamente a este incumprimento sério das suas obrigações reguladoras em relação com a presente questão e em relação às muitas outras que nos fizeram chegar até este ponto. Espero sinceramente que tal não venha a ser necessário “ ;
2.72- Foi fixado o dia 31 de Janeiro de 2008 como limite temporal para o Ré repor o valor de 58.723,51 USD ;
2.73 - ­Caso tal se não viesse a verificar, a Autora Fundo manifestou a sua vontade de recorrer à CMVM, expondo a presente situação ;
2.74 - No dia 31 de Janeiro de 2008, a DIF repôs a quantia de 58.862,03 USD ;
2.75 - No dia 06 de Março de 2008, a CMVM notificou o Fundo do pedido de mediação solicitado e rogou-lhe que, caso aceitasse a mediação, expusesse o litígio e as condições para um possível acordo conforme documento que se junta e aqui se dá por integralmente reproduzido para os devidos e legais efeitos (Doc. 58) ;
2.76 - O Fundo apressou-se a responder aceitando a mediação proposta, conforme documento que se junta e aqui se dá por integralmente reproduzido para os devidos e legais efeitos (Doc. 59) ;
2.77 - No dia 23 de Março de 2008, deu entrada na CMVM um documento elaborado pelas Autoras expondo com larga precisão os termos do litígio e fixando claras condições de negociação, conforme documento que se junta e aqui se dá por integralmente reproduzido para os devidos e legais efeitos (Doc. 60) ;
2.78 - Entendendo o Fundo que os factos praticados pela Ré poderiam consubstanciar a eventual prática de ilícitos contra-ordenacionais e, inclusivamente, criminais, no dia 02 de Maio de 2008 apresentou uma queixa junto da CMVM contra a DIF, solicitando que esta entidade reguladora desse origem aos procedimentos que houvesse por bem, conforme documento que se junta e aqui se dá por integralmente reproduzido para os devidos e legais efeitos (Doc. 61);
2.79 - No dia 05 de Maio de 2008, a CMVM notifica o Fundo para que este esclarecesse melhor o cálculo do dano apresentado e indicasse se existiam ou não condições para reatar a relação comercial entretanto interrompida, conforme documento que se junta e aqui se dá por integralmente reproduzido para os devidos e legais efeitos (Doc. 62) ;
2.80 -Em 14 de Maio de 2008, a Autora Fundo respondeu, elaborando, inclusivamente, uma tabela do cálculo dos prejuízos causados, conforme documento que se junta e aqui se dá por integralmente reproduzido para os devidos e legais efeitos (Doc. 63);
2.81 - A partir desse momento, o Fundo não teve qualquer notícia do processo de mediação ;
2.82 - Perplexo com o silêncio da CMVM e com a imobilidade de processo de mediação que se requer célere, no dia 22 de Junho de 2008, o Fundo enviou uma carta à CMVM solicitando que esta, dada o facto de a mediação haver sido instaurada há já mais de 3 meses sem que qualquer diligência houvesse ainda sido feita, informasse o Fundo acerca do estado do processo, conforme documento que se junta e aqui se dá por integralmente reproduzido para os devidos e legais efeitos (Doe. 64) ;
2.83 -A CMVM, até à data de prolação do despacho saneador, não respondeu ;
2.84 - Em 12 de Julho de 2006, K... ….., escreve no e-mail que envia ao gestor, "como já foi dito, podemos enviar pontualmente algumas empresas que podia ter interesse - depois a decisão de 'se' ou 'quando' entrar está consigo ;
2.85 - Em 15 de Dezembro de 2006, o procurador da Autora Fundo, K... ….., escreve no e-mail que envia ao gestor, “ Eu agradeço-lhe se pode realizar a maior parte dos ganhos (…. ). A decisão é tua, mas quero que tome nota do meu pensamento ;
2.86 - Em 1 de Fevereiro de 2007, o gestor PL... ….. escreve, em e-mail que envia a ambos os procuradores da Autora Fundo, " Ponho à vossa consideração a continuação do fundo, ou se quiserem adoptar outro modelo de gestão “ ;
2.87 - Em 2 de Fevereiro de 2007, responde o procurador da Autora Fundo, K... …., “ Obviamente não gostamos de perder, mas estamos completamente cientes sobre o risco nos mercados, e particularmente com alavancagem. Continuamos com toda a confiança, sabemos que trabalha bem - e gostamos. Neste momento, não há mínima dúvida que continuamos com o fundo, e consigo como pessoa chave “;
2.88 - Em 9 de Fevereiro de 2007, o procurador da Autora Fundo, K... …., escreve no e-mail que envia ao gestor, “ O meu papel é para tentar reduzir a ganância de que de todos nós temos “;
2.89 - Em 26 de Fevereiro de 2007, o procurador da Autora Fundo, K... ….., escreve no e-mail que envia ao gestor “ respeitarei as margens que considero muito adequadas “ ;
2.90 - Em 2 de Março de 2007, o procurador da Autora Fundo, K... …., escreve no e-mail que envia ao gestor, “ estava acompanhar os desenvolvimentos desde o início de dia, e acho que entender a sua posição (…) Por este motivo, não contactei antes, para não estragar o seu concentration “;
2.91 - 'Em 24 de Julho de 2006, o procurador da Autora Fundo, K... ….., escreve no e-mail que envia ao gestor, “ Espero que faço-me entender, e mais uma vez obrigado pelo seu esforço e resultados até agora. Estamos muito satisfeitos” ;
2.92 - Em 22 de Agosto de 2006, o procurador da Autora Fundo, K... ….., escreve no e-mail que envia ao gestor, “ Só para dizer parabéns, já chegou às 400 K;
2.93- Em 11 de Setembro de 2006, o procurador da Autora Fundo, K... …., escreve no e-mail que envia ao gestor “ não te preocupes, não perdemos a confiança em ti “ ;
2.94 - Em 11 de Outubro de 2006, o procurador da Autora Fundo, K... ….., escreve no e-mail que envia ao gestor “ (...) continua com o bom trabalho “ ;
2.95 - Em 26 de Outubro de 2006. o procurador da Autora Fundo, K... ….., escreve no e-mail que envia ao gestor “ (…) Parabéns, gosto muito este número que está no platform (...) mais uma vez MUITOS PARABENS, o melhor mês de sempre - em termos de ganho em dólares e em termos de ganho percentual Incrível ";
2.96 - Em 2 de Novembro de 2006, o procurador da Autora Fundo. K... ….., escreve no e-mail que envia ao gestor “ (...) continua a merecer os nossas parabéns “ ;
2.97- Em 29 de Dezembro de 2006, o procurador da Autora Fundo, K... …., escreve no e-mail que envia ao gestor “ eu sei que não foi nada fácil, então parabéns e fechar o ano por cima de 310 K ;
2.98 - Em 2 de Fevereiro de 2007, o procurador da Autora Fundo, K... …., escreve no e-mail que envia ao gestor “ Mais uma vez obrigado por tudo até agora, nós continuamos com muita fé e confiança ;
2.99 - Em 25 de Julho de 2007, o procurador da Autora Fundo, K... …., escreve no e-mail que envia ao gestor. "No fim, tu tinhas razão. Bom trabalho “ ;
2.100 - Em 3 de Outubro de 2007, o procurador da Autora Fundo. K... ….., escreve no e-mail que envia ao gestor, “ Continuamos nervosos, mas muito bom trabalho até agora “;
2.101 - Em 15 de Outubro de 2007, o procurador da Autora Fundo, K... …., escreve no e-mail que envia ao gestor, “ Não foi nada fácil, mas muito bom trabalho “ ;
2.102 - Em 2 de Novembro de 2007 o procurador da Autora Fundo, K... ….., escreve no e-mail que envia ao gestor “ então conseguiu um resultado do mês de Outubro de ganho de 236 % !!!. Bom trabalho, e eu sei que não foi fácil, nomeadamente durante os últimos 10 dias ;
2.103 - Em 31 de Dezembro de 2007, o procurador da Autora Fundo, K... …., escreve no e-mail que envia ao gestor , "Agradecemos uma vez mais a tua continuada contribuição positiva para o bem-estar do fundo";
2.104 - Em 3 de Janeiro de 2008, o procurador da Autora Fundo, Kelth …., escreve no e-mail que envia ao gestor, “ Bom trabalho com o trigo “;
2.105 - Em 10 de Janeiro de 2008, o procurador da Autora Fundo, K... …., escreve no e-mail que envia ao gestor, “ Excelente trabalho (...) o melhor desde Agosto 2007 “ ;
2.106 - No e-mail do procurador da Autora Fundo, de 11 de 5etembro de 2006 lê-se “ Lembre-se que somos um fundo de longo prazo, disse-lhe que iríamos ter perdas (não se mas quando) e aqui estamos “ ;
2.107 - E no e-mail do procurador da Autora Fundo, de 2 de Fevereiro de 2007, diz “ Obviamente não gostamos de perder, mas estamos completamente cientes sobre o risco nos mercados, e particularmente com alavancagem “ ;
2.108 - As AA. procederam a vários levantamentos da conta que, no decurso da relação, ascenderam a 160.037.44 USD :
- Em 14 de Julho de 2006 procederam ao levantamento de 2.669 USD;
- Em 18 de Outubro de 2006 procederam ao levantamento de 9.258,24 USD ;
- Em 14 de Novembro de 2006 procederam ao levantamento de 13.108,18 USD ;
- Em 13 de Dezembro de 2006 procederam ao levantamento de 8.476,15 USD;
- Em 9 de Janeiro de 2007 procederam ao levantamento de 6.637.45 USD ;
- Em 12 de Fevereiro de 2007 procederam ao levantamento de 13.284,53 USD ;
- Em 1 de Março de 2007 procederam ao levantamento de 9.804,94 USD;
- Em 10 de Maio de 2007 procederam ao levantamento de 18.500 USD;
- Em 7 de Agosto de 2007 procederam ao levantamento de 4.298,95 USD;
- Em 5 de 5etembro de 2007 procederam ao levantamento de 5.000 USD;
- Em 6 de Novembro de 2007 procederam ao levantamento de 2.000 USD ;
- Em 11 de Dezembro de 2007 procederam ao levantamento de 2.000 USD ;
- Em 8 de Janeiro de 2008 procederam ao levantamento de 5.000 USD ;
- Em 20 de Fevereiro de 2008 procederam ao levantamento de 60.000 USD;
2.109 - Em 31 de Maio de 2007, foi acordada entre Autoras e Ré uma adenda aos custos pela prestação dos serviços de gestão de carteira ;­
2.110 - Nesta adenda foi acordada a devolução à Autora Fundo de uma percentagem relativa a comissões de corretagem que vigoraria até o mais tardar 31 de Dezembro de 2007, e abrangeria o período compreendido entre Abril de 2007 e 31 de Dezembro de 2007 ;
2.111- Na sequência deste acordo foram devolvidas as seguintes comissões:
A)
- Em 8 de Junho de 2007, 16.177,33 USD ;
- Em 16 de Julho de 2007, 13.516,70 USD;
- Em 3 de Agosto de 2007, 9.707,06 USD;
- Em 12 de Setembro de 2007, 17.239,87 USD;
- Em 3 de Outubro de 2007, 2.822,16 USD;
- Em 6 de Novembro de 2007, 2.170,65 USD ;
B) Após o cumprimento do acordo referido, a ré ainda devolveu as seguintes comissões :
- Em 31 de Janeiro de 2008, 58.566,61 USD ;
- Em 31 de Janeiro de 2008, 295,42 USD;
- Em 7 de Fevereiro de 2008, 2.134,92 USD ;
C) Total : 122.630,72 USD
Nota: soma aritmética introduzida e da iniciativa deste Tribunal da Relação, porque de utilidade - como mais à frente melhor se compreenderá – para a decisão da apelação .
2.112 - As autoras pretendiam no início do contrato, e sempre o pretenderam no decurso do mesmo, que o gestor escolhido, PL... …., gerisse efectivamente a carteira da autora Fundo podendo este gestor, no âmbito da sua discricionariedade, tomar decisões de compra e venda de valores mobiliários , mas, seguindo as instruções e limites que a autora Fundo avaliasse como certas, cabendo a esta autora as decisões finais acerca da estratégia de investimento, o que ficou claro, pelo menos, desde a celebração do acordo referido em 2.41 ;
2.113 - A Ré não cumpriu as instruções do Fundo e não fechou as posições, conforme o ordenado, tendo a 30 de Outubro de 2006 a Autora Fundo verificado, com surpresa, que as posições continuavam abertas e em negociações contra as suas indicações ;
2.114 - A quebra verificada ocorreu nos dois últimos dias do mês , a 30 e a 31 de Outubro de 2006 , e a ordem de fecho do mês dada pela Autora Fundo data da última sexta-feira anterior aos dias 30 e 31 de Outubro e foi reiterada no dia 30 ;
2.115 - A perda teria sido evitada se a R. tivesse executado a ordem expressa, clara e por escrito da Autora Fundo de encerrar a posição no dia 26 de Outubro de 2006 ;
2.116 - Não o tendo feito, a Ré causou um prejuízo no valor de 67.298,92 USD que teria sido evitado caso houvesse respeitado as indicações do administrador do fundo, como devia ;
2.117 - A actividade da Ré para o mês de Fevereiro de 2007 encontrava-se perfeitamente delimitada pelo Fundo, nomeadamente, no que diz respeito à (i) limitação no controlo da exposição; à (ii) fixação de controlo do lucro; e à (iii) fixação de objectivo mensal em 300.000 USD com expressa ordem para redução da exposição em 40 % e, se atingir os 340.000 USD, com expressa indicação para encerrar a posição;
2.118 - A Ré bem compreendeu - dos mails trocados e referidos nos factos assentes -, que em causa estavam instruções precisas acerca dos seus limites e objectivos, que lhe cabia cumprir ;
2.119 - O Fundo fechou como o referido em 2.36 (fechou em 204.299,92 USD ), em 05 de Março de 2007, muito longe do limite inicial para o mês de Março (300.000,00 USD), em resultado de as instruções comunicadas não terem sido cumpridas, em consequência do que foi causado ao Fundo um prejuízo de USD 26.577,06, o mesmo tendo sucedido com o limite subsequente fixado (de 225.000,00 USD), tendo sido causado um prejuízo de 20.700,08 USD;
2.120 - Os dividendos dos títulos ABN AMRO e do BANCO BPI foram contabilizados no valor do Fundo em 30 de Abril de 2007 ;
2.121 - No início de Junho de 2007, a Autora Fundo deu indicações para fechar posição, o que, a Ré não cumpriu (cfr. resposta dada ao artigo 17º da base instrutória);
2.122 - Não obstante o resultado positivo verificado em Junho de 2007, o mesmo foi obtido com violação manifesta das indicações da Autora Fundo ;
2.123 - Desde o dia 20 de Junho de 2007, havido sido indicado o limite de 145.000,00 USD ;
2.124 - No dia 3 de Julho de 2007, a posição do fundo era de 110.319,91 USD, nos termos constantes do documento de fls. 353 dos autos ;
2.125 - Em Julho de 2007, a Ré não respeitou o limite fixado em 122.000 USD e, contra o indicado, começa a adquirir acções do BCP ;
2.126 - As orientações referidas em 2.60 , mais uma vez não foram respeitadas ;
2.127 - A 5 de Outubro de 2007, o fundo fecha como referido em 2.64 e a DIF não encerra as posições, conforme o instruído pelo Fundo ;
2.128 - A posição do Fundo cresceu mas contra o controlo de risco imposto pelo Fundo e as expressas orientações dadas pela sua administração ;
2.129 - Durante o resto do mês de Outubro de 2007 , foram dadas novas instruções, as quais foram igualmente ignoradas, embora a Ré tenha corrigido o prejuízo ;
2.130 - As indicações referidas em 2.66 e 2.67 não foram respeitadas, tendo, no dia seguinte, 11 de Janeiro de 2008, o fecho ocorrido com posição em 69.366,37 USD, somando um prejuízo de USD 22.173,27, face ao que se verificaria se tais indicações fossem respeitadas ;
2.131 - A autora ... é uma corretora, com sede em Gibraltar, tendo elevado grau de conhecimento do funcionamento dos mercados financeiros e experiência profissional dos e nos mesmos ;
***
3.- Motivação de Direito .
3.1.- [ Se relativamente a 3 situações ( a 1ª, 2ª e 7ª identificadas pelo tribunal a quo na sua sentença ), resulta da factualidade assente que a apelada enveredou por conduta contratual ilícita e merecedora de reprovação, sendo o seu comportamento tido como culposo, existindo ainda um nexo de causalidade entre tal facto e os danos sofridos pelas apelantes lesadas ] .
Antes de mais, importa recordar que a causa petendi da presente acção assenta em relação jurídica outorgada entre as autoras apelantes e a Ré apelada, a 28 de Abril de 2006, ao qual foi atribuído o nomen juris de “ Trading Agreement “ ( Contrato de Trading ) ,e cuja tradução consta dos autos a fls.735 a 764.
Em sede de qualificação jurídica do referido vínculo contratual, considerou-se na sentença apelada, designadamente, que :
“ (…)
O contrato de gestão de carteiras é um “ negócio jurídico de cobertura “ , um contrato de mandato ou, pelo menos, um contrato misto com uma componente de contrato de mandato, visto que comporta a obrigação de o intermediário financeiro praticar negócios jurídicos de execução por conta do seu cliente e o correspondente poder para agir por conta de outrem» (assim, Carlos Ferreira de Almeida; "As transacções de conta alheia no âmbito da intermediação no mercado de valores mobiliários", in Direito dos Valores Mobiliários, Lisboa, 1997, p. 295).---
Como elementos essenciais do contrato de gestão de carteiras podem enumerar-se os seguintes:
a) Composição inicial da carteira;
b) Tipo de instrumentos financeiros que a integram;
c) Actos que o gestor pode/deve praticar em nome do c1iente;
d) Grau de discricionariedade concedida ao gestor;
e) Actos de gestão que podem ser praticados através de terceiro;
f) Periodicidade da informação relativa à situação da carteira ;
g) Actos que devem ser especialmente comunicados ao c1iente;
h) Critérios para determinar as comissões do intermediário financeiro.
(…)
Trata-se de um contrato próximo do de mandato, que pode ser exercido, ou não, com poderes de representação, sendo que, quando tal suceda, o contrato em questão configurará um contrato de comissão, disciplinado pelos artigos 266.º e ss. do Código Comercial (neste sentido, vd. Luís Menezes Leitão; "Actividades de Intermediação e Responsabilidade dos Intermediários Financeiros“, in Direito dos Valores Mobiliários, Vol. II, Coimbra Editora, Coimbra, 2000, p. 135).---
Ora, como resulta do exposto e do conteúdo do contrato junto aos autos, verifica-se que o mesmo contém os elementos essenciais relativos a um contrato de gestão de carteiras.
Na realidade, no aludido contrato junto aos autos - desde logo, denominado pelas partes como de “ Trading Agreement” ( Contrato Comercial) - o mesmo é celebrado entre a ré, entidade legalmente autorizada pela CMVM a exercer actividades de intermediação financeira, comprometendo-se a, perante as autoras, por sua conta (vd. cláusula 2.2. ii) do aludido contrato), negociar de forma individualizada e discricionária (cfr. cláusula 7.1. do aludido contrato), instrumentos financeiros (cfr. sobre o aludido objecto contratual, v.g., a cláusula 3.1. do referido contrato).
A relação jurídica firmada entre as partes pode, pois, caracterizar-se como uma relação contratual de intermediação financeira na modalidade de gestão de carteiras “.
E, mais adiante, já em sede de apreciação em concreto do eventual in/cumprimento pela apelada do referido contrato de “gestão de carteiras“, concluiu o tribunal a quo que :
(…)
“ Celebrado que foi, entre as partes, o contrato de gestão de carteira supra aludido, e começando a ré a efectuar o “trading” gizado, certo é que, no decurso da gestão de carteira da autora Fundo pela ré, se verifica que, diversas das instruções fornecidas pela autora não foram observadas pela ré, redundando, em várias situações, em prejuízo ou desvalorização do aludido Fundo.
Assim, das diversas situações assinaladas pelas autoras, cumpre abordar, em particular, aquelas que, na sua perspectiva, fundamentam um pedido indemnizatório de ressarcimento dos valores dos «prejuízos» que invocaram. (…)
Partindo agora do pressuposto de que no total eram 7 as situações ( todas as indicadas na petição inicial pelas apelantes ) susceptíveis de revelar um comportamento ilícito da apelada e causadoras de prejuízo , vem o tribunal a quo a considerar que, apenas em 3 delas ( a 1ª, a 2ª e a 7ª ), lograram as apelantes fazer prova da fattispecie integradora do subjacente facto jurídico constitutivo.
Tais situações seriam as seguintes :
1ª- A primeira
Relacionada com a factualidade inserta nos itens 2.13, 2.14, 2.16, 2.18, 2.19, 2.22, e 2.113 a 2.116, todos da motivação de facto do presente Acórdão , a saber, não ter a apelada cumprido uma ordem concreta e no timing ordenado, causando com tal conduta um prejuízo às apelantes no valor de 67 298,92 USD.
2ª - A Segunda
Relacionada com a factualidade inserta nos itens 2.24 a 2.27, 2.29 a 2.35 e 2.117. a 2.119 , todos da motivação de facto do presente Acórdão , a saber, não ter a apelada cumprido mais uma vez determinadas ordens/instruções concretas e no timing ordenado, causando com tal conduta um prejuízo às apelantes no valor de 26 577,06 USD, e um outro de 20.700,08 USD ( total : 42 277,14 USD) .
3ª - A terceira ( sétima da sentença apelada )
Relacionada com a factualidade inserta nos itens 2.65 , 2.67, 2.68 e 2.130 , todos da motivação de facto do presente Acórdão , a saber, não ter a apelada cumprido , novamente, determinadas ordens e instruções concretas, causando com tal conduta um prejuízo às apelantes no valor de 22.173,27 USD..
Finalmente, concluiu o tribunal a quo, na sentença apelada, que em todas as 3 apontadas situações se verificam os pressupostos da obrigação de indemnizar, a saber :
A) um facto voluntário da apelada , relacionado com a omissão de assunção de determinada conduta; B) a ilicitude do apontado facto omissivo, porque contrário a ordens e/ou instruções das apelantes relativamente às quais devia obediência – violação portanto de um dever ; C) a culpa da apelada ou nexo de imputação , porque assente em comportamento negligente que para todos os efeitos é merecedor de censura e de reprovação, pois que um gestor prudente, nas circunstâncias em que a apelada C actuou, não tomaria as suas decisões ; D) a verificação de um dano – prejuízo - causado às apelantes ; E) a verificação de um nexo de causalidade adequada entre o supra indicado facto ilícito e o dano ou prejuízo referido.(2)
Dito isto , e considerando que ,como vimos supra, ainda que vencedora ,impetrou a apelada a ampliação do âmbito da apelação para a temática relacionada com a verificação dos pressupostos da obrigação de indemnização, na qual decaiu ( nos termos do artº 684-A, nº1, do CPC ), será pela abordagem da mesma que importa iniciar a análise do mérito da apelação.
Ora, antes de mais, importa reconhecer que, no que à qualificação jurídica do vínculo estabelecido entre apelantes e apelada concerne, e não obstante relativamente a tal matéria prima facie estarem as partes de acordo ( o que ainda assim é irrelevante – cfr. artº 664º do CPC ), bem andou o tribunal a quo em integrá-lo na facttispecie do artº 335º ( inserido na Secção III, com a epígrafe de Gestão de carteira ), do Código dos Valores Mobiliários [ doravante designado por CVM (3) ] , pois que , considerando todo o clausulado do acordo/contrato outorgado ( cfr. item 2.3 da motivação de facto ) a 28 de Abril de 2006, com o nomem juris de «Trading Agreement», inquestionável é que, na sequência do mesmo e tendo como objecto uma carteira individualizada de instrumentos financeiros ( in casu valores mobiliários), a apelada C, na qualidade e como intermediária financeira, obrigou-se para com as apelantes a realizar todos os actos tendentes à valorização daquela - carteira - e a exercer os direitos inerentes aos referidos instrumentos financeiros.
É assim que, v.g., ( cfr. v.g. cláusulas 2.1, 3.1. , 3.3. e 8.1 ), do acordo a que alude o item 2.3 da motivação de facto) , reconhecendo as apelantes ( como clientes da apelada C ) que a actividade de trading e de investimento em valores mobiliários configurava uma actividade altamente especulativa , na sequência do acordado poderia doravante a apelada C ( a intermediária financeira que se obrigou à prestação característica de intermediação) encetar ( serviços a seu cargo ) transacções com o cliente relativamente a valores mobiliários, incluindo acções, títulos e outros instrumentos de dívida, agindo na qualidade de mandante ( salvo se ficasse especificamente acordado que a C actuava na qualidade de Agente ), ficando porém as apelantes obrigadas a pagar à C as comissões e os encargos indicados na Tabela de Comissões, Encargos & Margens.
É assim e ainda que, dispondo o Artigo 336.º, do CVM, que, “ Mesmo que tal não esteja previsto no contrato, o cliente pode dar ordens vinculativas ao gestor quanto às operações a realiza “, salvo no que concerne aos contratos que garantam uma rendibilidade mínima da carteira ( cfr. nº 2 ), também no contrato outorgado entre as partes acordado ficou que “ O Cliente poderá dar à C instruções orais ou escritas [ o que inclui as instruções transmitidas por internet ou por e-mail (…) “ ] .
Temos pois que, tal como o considerou o tribunal a quo , e sem que contra uma tal qualificação se tenha qualquer uma das partes insurgido, apelantes e apelada , no âmbito da liberdade contratual que lhes assistia ( cfr. artº 405º, do CC ),entenderam por conveniente celebrar um dos conhecidos tipos de contratos de intermediação, o contrato de gestão de carteira (4), quer definindo no respectivo clausulado qual o seu conteúdo mínimo, quer nele estipulando outrossim o direito das apelantes de darem instruções à gestora, a apelada C sendo que tal espécie contratual, tendo é certo no essencial por objecto a prestação de serviços de investimento, não carece necessariamente e tão só de enquadrar-se num dos subtipos legais do “macrotipo“ da prestação de serviços a que se refere o artº 1155º, do Código Civil, maxime do contrato de mandato.(5)
É que, assumindo é certo o contrato de gestão de carteiras a natureza de mandato ( cfr. artº 1157º, do CC ), em principio sem representação ( cfr. artº 1180º do Código Civil ), reúne porém ele feições próprias que lhe conferem alguma autonomia, v.g. no âmbito de uma gestão discricionária, e podendo esta ser limitada através de ordens vinculativas dos clientes . (6) (7)
Em conclusão, integra inquestionavelmente a causa petendi da presente acção intentada pelas apelantes, a celebração entres estas últimas ( na qualidade de clientes pretensamente lesadas ) e a apelada C ( como intermediária financeira ) , de um negócio de “cobertura” (8) que é designado no CVM como contrato de gestão de carteira , sendo através deste ( que serve de suporte ) e em sede da respectiva execução, que a intermediária financeira ( in casu a apelada Dif ) procede v.g. à gestão de uma carteira de valores mobiliários no interesse e por conta das clientes apelantes, destas recebendo e executando ainda ordens de investimento ( em valores mobiliários ).(9)
Porque em rigor, de contrato típico e nominado se trata, dispondo de ele de regulamentação específica no CVM, ser-lhe-ão portanto aplicáveis as disposições legais - do CVM - gerais aplicáveis a contratos de intermediação e as típicas correspondentes ( cfr. artºs 321º e segs. , e 332º a 336º , do CVM ) ao contrato de gestão de carteira e, bem assim, as normas dos demais contratos de intermediação nominados regulados no CVM e sempre que a analogia das situações o justifique .
Finalmente, aplicar-se-ão ainda as regras gerais dos contratos e ainda do contrato nominado de mandato previsto no Código Civil ( artºs 1157º e segs. do Código Civil ), e também as cláusulas acordadas entre as partes ( cfr. artº 405º do Código Civil ) e desde que não afastadas pelas normas imperativas do CVM (10) (11)
3.1.1.- Da responsabilidade contratual.
Na sequência do exposto em 3.1., incontroverso é que , a ter praticado a apelada Dif um qualquer acto ilícito susceptível de suportar a pretensão - de indemnização - das apelantes, estará ele relacionado com a violação da sua parte de uma obrigação em sentido técnico, estando portanto in casu em equação a responsabilidade civil obrigacional (a inexecução ou a não realização da prestação ).
É que, como assim deve suceder relativamente todos os contratos , também o contrato de gestão de carteira carece de ser pontualmente cumprido pelos respectivos outorgantes, ponto por ponto, ou seja, todas as respectivas cláusulas devem pelas partes serem observadas ( cfr. artº 406,nº1, do Código Civil ).
Dito isto, no âmbito dos Serviços a prestar pela apelada C ( como intermediária financeira ) às apelantes (Clientes), estipulado ficou no âmbito do contrato de gestão de carteira entre todas outorgado, que poderia a primeira encetar transacções relativamente a valores mobiliários, incluindo acções títulos e outros instrumentos de dívida ( cfr. cláusula 3.1), podendo ainda e v.g. tais serviços envolverem transacções com margem e/ou short Sales , sendo que, em relação a qualquer uma delas, a Ré C actuaria na qualidade de Mandante, salvo se ficasse especificamente acordado que deveria antes actuar na qualidade de Agente do Cliente ( cfr. cláusulas 3.1, 3.2. e 3.3. ).
Acordado ficou também, no contrato em apreço ( cfr. cláusulas 4.1. , inserida no item nº 4 do mesmo contrato com o titulo de “ Negociações entre a C e o Cliente “), que “ O Cliente poderá dar à C instruções orais ou escritas (o que inclui as instruções transmitidas por internet ou por e-mail conforme descrito infra “.
Clausularam ainda a C e as apelantes , que a C pode , à sua inteira discrição, e sem qualquer explicação, recusar actuar em conformidade com quaisquer instruções ( cfr. cláusula 4.10 ) , sendo que ,“ Na generalidade, a C actuará em conformidade com as instruções recebidas logo que tal seja possível em termos práticos ( cfr. cláusula 4.11 ).
A última cláusula referida (a 4.11.), que não a primeira (a 4.10), convenhamos, adequa-se perfeitamente à natureza de mandato que assume o contrato de gestão de carteiras, dispondo a alínea a) do artº 1161º, do Código Civil , que o mandatário é obrigado a praticar os actos compreendidos no mandato, segundo as instruções do mandante, apenas podendo deixar de executar o mandato ou afastar-se das instruções recebidas, quando seja razoável supor que o mandante aprovaria a sua conduta, se conhecesse certas circunstâncias que não foi possível comunicar-lhe em tempo útil ( cfr. artº 1162º, do Cód.Civil ).
E, do mesmo modo, mostra-se ela (a 4.11.) em exacta consonância com específicas normas do CVM, maxime com o preceituado nos artºs 322º, nº 3, alínea a), 326º, nº 3, 330º, nº1 e 334º, nº1, todos do CVM.
É que, não olvidando que em termos de intensidade e grau de exigência em sede de respectivo cumprimento, uma instrução não equivale exactamente a uma ordem , a verdade é que no âmbito do contrato de gestão de carteira regulamentado no CVM, a regra que vigora é a de que , mesmo que tal não esteja previsto no contrato, pode o cliente dar ordens vinculativas ao gestor quanto às operações a realizar [ v.g. uma ordem para a execução de uma operação sobre valores mobiliários, a qual, quando não emitida ao abrigo de um contrato-quadro, configura a se um acto jurídico unilateral (12) ], devendo as mesmas serem executadas nas condições e nos momentos indicados pelo ordenador ( cfr. artºs 330º, e 334º,nº1, ambos do CVM ).
Relativamente a tais ordens, quando não verificadas ( o que não resulta da factualidade assente ) quaisquer das situações previstas nos nºs 1 e 2, do artº 326º, nº 3, do CVM (13), não pode o sequer o intermediário financeiro recusar o seu cumprimento quando proveniente de pessoa com quem tenha anterior relação de clientela, ou seja e v.g., quando entre o intermediário financeiro e o investidor tenha sido celebrado ( como in casu sucedeu ) um contrato de gestão de carteira ( cfr. artº 322º, nº3, alínea a), do CVM ).
Em face da conjugação das apontadas disposições legais, quer do Código Civil [ artº 1161º, alínea a) ], quer sobretudo do CVM (artºs 322º, nº 3, alínea a), 326º, nº3, 330º, nº1 e 334º,nº1 ) , e porque as cláusulas acordadas entre as partes ( cfr. artº 405º, nº1, primeira parte, do Código Civil ) devem ter-se como afastadas pelas normas imperativas do CVM , maxime quando contendam com normas especiais de contratos nele regulamentados ( como sucede com o contrato de gestão de carteira ) , importa para todos os efeitos desvalorizar a cláusula 4.10 supra referida e inserida no contrato de gestão de carteira em apreço.
Acresce que, como bem se salienta na sentença apelada , “ (…) na economia do contrato, não pode ler-se, «desgarradamente», a cláusula 4.10 do contrato dos autos, para «brandir» a possibilidade da ré recusar instruções das autoras.
(…) tal declaração negocial tem de interpretar-se, no conjunto do contrato firmado e de acordo com as regras estatuídas no artigo 236.º e ss. do Código Civil, ou seja, «o sentido decisivo aí definido não é o querido pelo declarante nem o entendido pelo declaratário; decisivo é o sentido que uma declaratário normal atribuiria à declaração, uma vez colocado na posição do declaratário real (...) (assim, E. Santos Júnior; Sobre a Teoria da Interpretação dos Negócios Jurídicos o ­Estudo de Direito Privado; Edição da AAFDL, 1.ª Reimp., 1988, p. 141).
Nesta linha, um declaratário normal compreenderia a cláusula 4.10 como claramente integrada no contexto contratual e de aplicação excepcional, ou seja, considerando que o interesse primacial (aliás, também, em resultado das prescrições legais aplicáveis, apelando o próprio contrato à prevalência das «Regras de Mercado» - com o conceito preciso contratualmente definido, na cláusula 1.1., n.º xviii - sobre as estipulações constantes desse «Contrato» - cfr. cláusula 1.2.) do contrato era o interesse do cliente, sendo de grande peso, quase decisivo, as definições que o próprio cliente fizesse desse seu interesse. E, tanto assim é, que no texto contratual - na cláusula 4.11 - refere-se que a ré «na generalidade (..) actuará em conformidade com as instruções recebidas» (salvo casos excepcionais, ali consignados em que o poderá não efectuar).
Chegados aqui, importa pois concluir no sentido de que in casu nada obstava, antes pelo contrário, que no âmbito do contrato de gestão de carteira outorgado entre apelantes e apelada , as primeiras dirigissem à segunda ordens e/ou instruções vinculativas, as quais, portanto, obrigada estava a intermediária financeira C a cumprir , não lhe assistindo pois a possibilidade de as recusar sem mais .
3.1.2.- No seguimento da conclusão acabada de expor, tendo as apelantes dirigido à apelada, no âmbito do contrato de gestão de carteira entre todas outorgado, ordens e/ou instruções concretas as quais obrigada estava a executar nas condições e no momento indicados pela Cliente , inquestionável é que, não o tendo feito, como podia e devia, foi a apelada C agente de facto voluntário relacionado com a não - omissão - assunção de determinada conduta , e , ademais , ilícito porque para todos os efeitos contrário a ordens e/ou instruções das apelantes relativamente às quais devia obediência .
Todas as apontadas situações, que são três, mostram-se perfeitamente explicadas nos itens 2.13, 2.14, 2.16, 2.18, 2.19, 2.22, e 2.113 a 2.116 , a primeira ; 2.24 a 2.27, 2.29 a 2.35 e 2.117. a 2.119 , a segunda , e 2.65 , 2.67, 2.68 e 2.130 ,a terceira , todos da motivação de facto do presente Acórdão , e para os quais se remete , brevitatis causa.
Na verdade, relativamente à primeira situação, a apelada C não fechou e saiu de todas as posições até ao final do dia 26/10/2006, tal como lhe foi determinado por escrito pelas apelantes, continuando em negociações a 30 e 31 de Outubro.
Também relativamente à segunda situação, decorre da factualidade assente que, para o mês de Fevereiro de 2007, estava a conduta da apelada C perfeitamente balizada por concretos objectivos fixados pelas apelantes/clientes, maxime no que concerne à (i) limitação no controlo da exposição ; à (ii) fixação de controlo do lucro; e à (iii) fixação de objectivo mensal em 300.000 USD com expressa ordem para redução da exposição em 40% e, se atingir os 340.000 USD, com expressa indicação para encerrar a posição.
Não obstante, também no que a tais instruções diz respeito, não foi a apelada cumpridora, antes delas fez letra morta.
Finalmente, relativamente à terceira situação, e mais uma vez , tendo as apelantes dirigido à apelada instruções precisas e concretas a 10/1/2008, por email, direccionadas para a manutenção em carteira e para a venda de determinados títulos ( vg. Galp) , novamente não foram elas pela C cumpridas.
Verifica-se , portanto, por parte - facto/omissão - da apelada C, uma inexecução e/ou não realização de prestação ou obrigação contratual decorrente de contrato de gestão de carteira outorgado com as apelantes , sendo para todos os efeitos tal inexecução ilícita , pois que de prestação se tratava que obrigada estava a executar .
E não se diga, como o faz a apelada C, que a pretensa inobservância das instruções das apelantes foi por estas aprovada, quer tacitamente, quer muito menos expressamente, pois que da factualidade assente nada resulta de concreto que o sustente .
Desde logo, estando as apelantes ao corrente, a par e passo, da execução do mandato pela C, não carecia esta da necessidade e/ou obrigação de a comunicar às apelantes/clientes , designadamente a sua inexecução , e , assim sendo, por arrastamento, não se pode verificar a previsão do artº 1163º, do Cód.Civil , a saber, o seu silêncio subsequente a uma comunicação ( stricto sensu ) de mandatário de uma sua inexecução do contrato ( o que também pressupõe o reconhecimento pelo próprio de que não havia executado as instruções do mandante ) .
Depois, nada aponta a factualidade assente, outrossim, para uma qualquer conduta das apelantes susceptível de consubstanciar uma sua declaração de vontade expressa ( cfr. nº1, do artº 217º, do CC ) de aprovação da inexecução do mandato, antes pelo contrário.
É assim que, v.g. , como se extrai da factualidade assente no item 2.22 da motivação de facto, ao invés de uma aprovação expressa, constata-se antes uma desaprovação inequívoca.
Importa, pois, concluir pela ilicitude do comportamento e/ou inexecução contratual da apelada C.
Tal inexecução de prestação, é ainda de considerar culposa, pois que para todos os efeitos não logrou a apelada C, como a si incumbia, demonstrar que o não cumprimento não procedia de culpa sua ( cfr. artº 799º, nº1, do Código Civil e artº 314º, nº 2, do CVM, dispondo este último preceito legal que a culpa do intermediário financeiro presume-se quando o dano seja causado no âmbito de relações contratuais ou pré-contratuais e, em qualquer caso, quando seja originado pela violação de deveres de informação ).
A propósito da inequívoca qualidade de intermediária financeira da apelada, importa atentar que, não apenas do disposto no artº 332º,nº1, do CVM, resulta que os actos de gestão praticados no âmbito de um contrato de gestão de uma carteira individualizada de valores mobiliários devem estar a cargo de um intermediário financeiro, como, para todos os efeitos, as empresas de investimento que estejam autorizadas a exercer actividades de intermediação financeira em Portugal, como o são as sociedades corretoras , são intermediárias financeiras.
Para concluir , manifesto ( em face da factualidade inserta nos itens 2.116, 2.119 e 2.130, todos da motivação de facto supra indicados e para os quais se remete brevitatis causa ) é também que, em consequência da inexecução culposa da prestação pela apelada C, sofreram as apelantes determinados danos/prejuízos, existindo um inequívoco nexo de causalidade adequada entre os factos ilícitos que praticou/omitiu e os danos ou prejuízos referidos ( cfr. artº 563º, do Código Civil ).
Destarte, em face do exposto, não se impõe de todo atender/aderir ao fundamento ( o da não verificação dos pressupostos da obrigação de indemnizar ) em que a apelada vencedora (C) decaiu e cuja apreciação nas respectivas contra-alegações suscitou apenas titulo subsidiário ( cfr. artº 684-A, nº1, do Cód. de Proc. Civil ), o que tudo obriga de seguida a esmiuçar da bondade das questões suscitadas pelas apelantes na respectiva instância recursória.
*
3.2.- Estarão efectivamente os danos ( no valor de € 136 749.33 USD ) correspondentes à lª , 2.a e 3ª situações supra referidas já ressarcidos in totum pela apelada Dif, maxime na sequência de adenda ao contrato outorgada pelas partes a 30 de Maio de 2007 e depois prorrogada ?
Da factualidade assente, e em conformidade com o exposto no item 3.1. do presente Acórdão, resulta que em resultado de inexecução contratual da apelada Dif, causou esta às apelantes, em três situações, um dano/prejuízo total de € 136 749.33 USD ( cfr. itens 2.119 , 2.116 e 2.130 , todos da motivação de facto - USD 26.577,06 + USD 20.700,08 + USD 67.298,92 + USD 22.173,27.) .
Relativamente a tais danos, considerou todavia o tribunal a quo que se mostravam eles já todos ressarcidos pela apelada Dif, entendimento com o qual não concordam todavia as apelantes, dizendo não se mostrar o pretenso e subjacente acordo de ressarcimento de danos provado, quer de facto, quer de direito.
Vejamos.
A sustentar o apontado entendimento (no que concerne aos danos decorrentes das 1ª e 2ª situações , no valor total de 114 576,06 USD ( USD 26.577,06 + USD 20.700,08 + USD 67.298,92 ) discorreu-se na sentença apelada do seguinte modo :
“ (…) as partes, a certa altura da relação que as ligava, estabeleceram (…)um acordo em que a ré se responsabilizou a reparar os danos causados às autoras .
Na realidade, em 31 de Maio de 2007, perante a insustentabilidade da situação antes criada e pela vontade de acordarem uma forma de a ré reparar os danos causados ao Fundo, numa solução de continuidade que não prejudicasse a relação profissional entre as partes, a Autora Fundo e a Ré celebraram um acordo referente ao ressarcimento dos danos causados e à definição das normas gerais da administração do fundo, conforme documento n.º 34 junto aos autos .
Por via de tal acordo - celebrado em seguida aos resultados negativos dos meses anteriores ao mesmo - acordaram as partes efectuar uma adenda ao acordo de 2006, limitado a vigorar no período temporal de Abril a Dezembro de 2007 ou então, até que a conta da autora recuperasse para o valor de 275.000 USD ou superior, conforme o que primeiro ocorresse
Com uma tal estipulação foi acordado entre a autora Fundo e a ré uma redução extraordinária nos custos e comissões de corretagem, na ordem dos 50 % , ficando acordada a devolução à Autora Fundo de tal percentagem relativa a comissões de corretagem que vigoraria até o mais tardar 31 de Dezembro de 2007, e abrangeria o período compreendido entre Abril de 2007 e 31 de Dezembro de 2007.
Na sequência deste acordo foram devolvidas pela ré às autoras as seguintes comissões de corretagem (…) . Todas estas parcelas perfazem o valor global de 112.630,72 USD.
(…) o referido acordo conheceu, no início de Janeiro de 2008, uma prorrogação para todo o exercício de 2008, conforme resulta do documento n.º 35 junto com a petição inicial (…).
Por via de uma tal «adenda» as partes visaram regular a relação comercial estabelecida entre elas até 31 de Maio de 2007 (…), procurando a ré, com o acordo das autoras, como se disse, ressarcir os «prejuízos» que gerou para a autora Fundo com a sua actuação até essa data.
Na realidade, como decorre do exposto, por via de um tal acordo, estipularam as partes «liquidar» desse modo os aludidos prejuízos, o que, pelo menos, abrangerá as situações «irregulares» de conduta da ré supra referidas e verificadas até essa data.
Ora, por esse meio, as 1.ª e 2ª situações (verificadas, como se disse, em Outubro de 2006 e Fev./Mar. de 2007, respectivamente) acima aludidas mostram-se já ressarcidas por via do mencionado acordo, sendo que, na realidade, o valor já pago pela ré à autoras perfez o já aludido valor de 112.630,72, não se afigurando que subsistam ( face aos valores supra considerados como de «prejuízos» atinentes às mencionadas 1.ª e 2.ª situações ) alguns valores por regularizar relativamente a tais pontos.”
E, já no que concerne à terceira situação ( a relacionada com a factualidade inserta nos itens 2.65, 2.67, 2.68 e 2.130 , todos da motivação de facto do presente Acórdão , da qual resultou como vimos - em consequência de ilícito contratual da apelada - um prejuízo para as apelantes no valor de USD 22.173,27), justificou o tribunal a quo, também o respectivo ressarcimento , aduzindo então as seguintes considerações :
(…)
“ E, o mesmo se diga, relativamente à 7.ª situação supra aludida, ocorrida em Janeiro de 2008.
Com efeito, o acordo (“adenda») firmado em Maio de 2007 prorrogou a sua vigência para todo o exercício de 2008 (de onde se infere que os objectivos visados com o mesmo não tinham sido alcançados até ao final do ano de 2007) e, no âmbito de vigência do mesmo, sucedeu que ocorreu novo «incidente» de desvalorização do fundo, por actuação indevida da ré, que desrespeitando instruções do cliente, a motivou.
Ora, se é certo que, se pode dizer que o ressarcimento de prejuízos pela ré às autoras, «sob a forma» de devolução de comissões de corretagem apenas foi acordado para regular situações e incidentes passados, reportando-se à data anterior à sua estipulação, não é menos certo que, decorre da matéria apurada que, a ré satisfez à autora, no âmbito do cumprimento de tal acordo (“adenda»), as quantias de 58.566,61 USD e de 295,42 USD em 31/01/2008 e, de 2.134,92 USD em 7/2/2008 (pagamentos estes ocorridos já em Janeiro/Fevereiro de 2008), sendo que, o pagamento da referida quantia visou, precisamente, satisfazer os prejuízos invocados pela autora relativamente à situação que teve lugar em Janeiro de 2008.
Na realidade, como decorre claro e evidente da comunicação de 17/01/2008 que K... ….. remeteu à ré, o mesmo exigiu que a conta da autora Fundo, em 31 de Janeiro de 2008 considerasse o valor de 91.539,64 USD, «de forma a reflectir as nossas instruções» (ou seja, as instruções da autora Fundo), exigência essa que, todavia, foi objecto de alteração em 21 de Janeiro de 2008, quando em novo e-mail, o aludido K... …. comunicou à ré o seguinte: “(…) Assim sendo, o Fundo exige, junto da C que, impreterivelmente, à data de 31 de Janeiro de 2008, a conta do cliente 10... tenha o saldo em numerário legítimo e legal de USD 62.253,55 na conta 63..., dado que nos foi declarado que os cálculos finais da Saxo relativos ao valor dos direitos de cisão estão correctos. Se, até essa data, a conta não reflectir estes valores, e tendo em conta o que ocorreu no passado quanto ao abuso que fez das instruções do cliente, apresentaremos queixa oficial junto da CMVM relativamente a este incumprimento sério das suas obrigações reguladoras em relação com a presente questão e em relação às muitas outras que nos fizeram chegar até este ponto. Espero sinceramente que tal não venha a ser necessário (...)”.
Ora, certo é que, o saldo da conta em 31 de Janeiro de 2008 excedia o montante reclamado pela autora Fundo (mais precisamente de 62.932,07 USD, pois, com efeito, o fundo sob gestão da ré havia actividade em 18/01/2010 com a posição de 3.530,04 USD - não tendo havido transferências da conta desde então, conforme resulta do facto provado em 109) - e em 31 de Janeiro de 2008, a ré depositou na conta da autora Fundo, o montante total de 58.862,03 USD ), não se vislumbrando que subsista, pois, alguma quantia a satisfazer pela ré às autoras a este título, por via desta situação ou, por alguma das demais supra analisadas.
Aliás, foi na sequência dessa “ 7ª situação” que as autoras cessaram o relacionamento com a ré, no âmbito do contrato de gestão de carteiras que até aí as ligava, com o envio do mail de 22/01/2008, no qual a autora Fundo deu por quebrada a confiança no «broker», dando por finda a referida relação contratual entre as partes.
Na realidade, nada mais foi peticionado ou invocado pelas autoras, não sendo configurável que subsista algum valor de «dano» que deva ser objecto de reparação.---
A pretensão das autoras soçobrará.
(…)
Ora, analisando agora a questão do pretenso lapso suscitada pelas apelantes na respectiva instância recursória, importa antes de mais reconhecer que, segundo uma análise meramente contabilística, inquestionável é que, correspondendo efectivamente os danos decorrentes das lª e 2ª situações ilícitas imputáveis à apelada ( as identificadas nos itens 2.116 e 2.119 , da motivação de facto ) , ao valor total de € 114 576,06 USD , e dizendo o tribunal a quo que, no seguimento de acordo de “reparação” de danos entre as partes outorgado, canalizou a apelada Dif para as apelantes uma quantia total de 112 630,72 USD, manifesto é que , prima facie , não faz de todo sentido concluir-se que se mostram já eles , in totum, ressarcidos.
É que, nos termos expostos, existiria sempre, como bem notam as apelantes, pelo menos uma diferença de 1 945.34 USD ( 114 576,06 USD - 112 630,72 USD ) referente a um dano que permaneceria (?) ainda por reparar .
Sucede que, existindo quiçá algum lapso do tribunal a quo no que concerne a tal operação de mera aritmética, analisada toda a factualidade provada, maxime a vertida no item 2.111, descortina-se porém que, para todos os efeitos, o lapso do tribunal a quo , que em termos formais efectivamente existe, situa-se porém ele mais a montante , quando ao contabilizar/somar todas as quantias (as indicadas no item 2.111 da motivação de facto) devolvidas às apeladas a título de comissões , conclui que corresponde o seu total à quantia de 112.630,72 USD , quando a verdade é que a respectiva soma correcta corresponde antes à quantia de 122.630,72 USD ( existe assim uma diferença de € 10.000,00 USD , mas em beneficio da apelada, que não em prejuízo das apelantes ) .
Ultrapassada a questão do invocado lapso, urge agora apreciar o essencial da apelação, justificando-se que, no presente Acórdão, e porque de resto fazem ambas as questões parte do objecto da apelação, sejam todos os danos causados às apelantes e imputáveis à apelada C abordados de forma conjunta, maxime e também o seu eventual ressarcimento in totum.
Temos assim que, o que importa agora aferir é , se os danos causados pela apelada às apelantes, resultantes de inexecução contratual da Dif, e que somam um prejuízo total de € 136 749.33 USD ( cfr. itens 2.119 , 2.116 e 2.130 , todos da motivação de facto - USD 26.577,06 + USD 20.700,08 + USD 67.298,92 + USD 22.173,27), foram efectivamente já ressarcidos por ela in totum, tal como se sustentou na sentença do tribunal a quo apelada.
Vejamos.
Ora, considerando toda a factualidade inserida nos itens 2.41 a 2.45 e 2.109 a 2.111, todos da motivação de facto, manifesto é que, com o objectivo , precisamente, de reparar os danos e/ou as perdas causadas ao Fundo pela apelada C, celebraram todas as partes interessadas , em finais de Maio de 2007, um acordo direccionado especificamente para delinear a forma e o modo de se concretizar o ressarcimento das perdas verificadas no fundo e imputadas à Ré C.
Tal acordo passava, exactamente e tal como o considerou também, e bem, o tribunal a quo, pela devolução às apelantes de 50 % dos encargos de mediação do mês anterior, desde 1 de Abril de 2007 até 31 de Dezembro de 2007, ou até que a conta do saldo da transacção tenha recuperado, no final de um mês, a USD 275.000, conforme o que ocorrer em primeiro lugar.
E, provado ficou, também, que foi na sequência do acordo referido a que chegaram todas as partes, com vista ao ressarcimento das perdas verificadas e imputadas à Dif, que esta última veio a devolver à apelantes , em comissões, a quantia total de 122.630,72 USD ( cfr. item 2.111 da motivação de facto ) .
Não se olvida que, de algum modo e em alguns dos referidos itens da motivação de facto ( 2.41 a 2.45 e 2.109 a 2.111), encontram-se algumas referências conclusivas e que, em rigor, de substrato fáctico nada contêm , e , ademais, aludindo apenas a circunstancialismo instrumental e irrelevante para a decisão da causa, dos despachos a que aludem os artºs 508-B e 653º, nº 2, ambos do CPC, não deveriam de todo fazer parte .
Todavia, não se desconhecendo os poderes oficiosos de que dispõe este Tribunal da Relação para alterar a matéria de facto com base no disposto no artº 646º, nº 4, no sentido de expurgar a motivação de facto de juízos conclusivos e de matéria de direito, o certo é que, não tendo as partes lançado mão da possibilidade de , no âmbito da apelação, impugnarem a decisão relativa à matéria de facto ( Cfr. artº 685º-B, do CPC), não podem agora, sob o pretexto de dela pretenderem apenas eliminar os juízos conclusivos e de direito que encerra, ao fim ao cabo lograrem antes uma efectiva alteração da decisão de facto.
E, sendo assim como é, importa reconhecer que nenhuma questão de direito e/ou juízo conclusivo encerram as referências que dos itens da motivação de facto supra referidos constam , na parte em que ( que assim devem subsistir intocáveis ) deles se retira que :
- Com o intuito/vontade de acordarem a forma de a ré reparar os danos causados ao Fundo, designadamente as perdas nele verificadas e imputadas à C , Autora e Ré celebraram um acordo para o ressarcimento dos referidos danos ;
- Tal acordo, celebrado em 31 de Maio de 2007, revestiu a forma de uma adenda aos custos pela prestação dos serviços de gestão de carteira ;­
- Acordaram então na referida adenda , a devolução pela C à Autora A de uma percentagem relativa a comissões de corretagem , que vigoraria o mais tardar até 31 de Dezembro de 2007, e abrangeria o período compreendido entre Abril de 2007 e 31 de Dezembro de 2007 ;
- Mais acordaram AA e Ré que procederia esta à devolução de 50 % dos encargos de mediação do mês anterior, desde 1 de Abril de 2007 até 31 de Dezembro de 2007, ou até que a conta do saldo da transacção tenha recuperado, no final de um mês, a USD 275.000, conforme o que ocorresse em primeiro lugar;
- No início de Janeiro de 2008, foi o referido acordo prorrogado para todo o exercício de 2008 ( item 2.42 ) ;
- Na sequência do referido acordo foram devolvidas pela C às apelantes comissões no valor total de 122.630,72 USD .
Todas as apontadas referências ( maxime a alusão à celebração de um acordo, e qual o fim visado e pretendido pelos seus outorgantes com a sua celebração), em rigor, apenas integram matéria de facto, vertida e incluída na decisão relativa à matéria de facto do tribunal a quo, não impugnada, não contendo as mesmas quaisquer juízos de direito ou qualificações jurídicas .
Chegados aqui, importa agora de tal conclusão retirar as devidas e necessárias consequências.
Ora, como vimos já, em finais de Maio de 2007, inquestionável é que AA/apelantes e Ré/apelada, na sequência de negociações encetadas, vieram a outorgar um acordo escrito, vinculativo de vontades, visando ele definir os termos e as condições de ressarcimento dos danos/perdas sofridas pelas primeiras no âmbito da prestação , pela C , dos serviços de gestão de carteira, razão porque, na sequência do disposto no art.º 406º, do Código Civil, deve o mesmo, pelos contraentes, ser pontualmente cumprido, ou seja, ponto por ponto, em toda a linha ou em todos os sentidos (pacta sunt servanda ) .
Tal acordo, como bem notam Pires de Lima e Antunes Varela (13), vale como lei em relação aos contraentes, apenas podendo ele em situações excepcionais por uma das partes - e com base na sua vontade exclusiva – não ser honrado - extinto/anulado/modificado.
Considerando por outra banda, as regras dos artigos 236.º a 238.º, do Código Civil, e não olvidando que no âmbito das circunstâncias a atender em sede de interpretação das declarações negociais, há-de o intérprete considerar, v.g., e de entre várias outras, a “(…) as circunstâncias de tempo e lugar e outros que precederam a sua celebração ou são contemporâneas desta, bem como as negociações respectivas, a finalidade prática visada pelas partes, o próprio tipo negocial, a lei e os usos e os costumes por ela recebidos “(14), com alguma segurança resulta ainda da factualidade ( maxime da troca de emails entre apelantes e apelada ) inserta nos itens 2.41, 2.42, 2.44 e 2.45, todos da motivação de facto , que o acordo realizado, visou manifestamente a definição dos termos , condições e o modo de ressarcimento das perdas das apelantes na sequência e resultantes da gestão temerária da apelada C.
Acresce que, para todos os efeitos , a determinação da vontade real dos declarantes constitui em rigor matéria de facto da exclusiva competência das instâncias ( não tendo ela sido in casu impugnada , como vimos já , maxime tal como se mostra reflectida no item 2.41 da motivação de facto), apenas envolvendo efectiva matéria de direito a determinação do sentido a atribuir à declaração negocial em sede normativa com recurso aos critérios fixados na lei. (15)
Estando contabilizadas, nas duas primeiras situações em análise ( correspondentes à lª e à 2ª situações ilícitas imputáveis à apelada e identificadas nos itens 2.116 e 2.119 , da motivação de facto ) , perdas imputáveis à apelada no valor total de € 114 576,06 USD, considerando o acordo entre as partes outorgado relativamente ao respectivo ressarcimento e, bem assim, a factualidade assente no item 2.1.1.1 da motivação de facto ( as devoluções efectuadas pela apelada Dif atingiram o total de 122.630,72 USD), mostra-se assim, com alguma segurança , provada factualidade que integra facto impeditivo e/ou extintivo do direito das apelantes ( cfr. artº 342º,nº2, do Cód.Civil )
Nada a apontar, portanto , à sentença apelada nesta parte.
Vejamos, agora, os danos ( no valor de 21.173,27 USD) que correspondem à 3.a situação supra referida ( a qual equivale à 7.ª situação escalpelizada na sentença apelada ).
Como vimos acima, estão eles relacionados com a factualidade inserta nos itens 2.65 , 2.67, 2.68 e 2.130 , todos da motivação de facto do presente Acórdão , e da qual resultou , como vimos já ( em consequência de ilícito contratual da apelada ) ,um prejuízo para as apelantes no valor de € 22.173,27.
Também no que concerne a tal dano, recorda-se mais uma vez, considerou outrossim o tribunal a quo mostrar-se já ele ressarcido pela apelada, entendimento contra o qual se insurgem as apelantes.
Cremos todavia que, também relativamente a tais danos, bem decidiu o tribunal a quo.
Senão vejamos.
A terceira situação prende-se com a factualidade inserta no item 2.66 e 2.67 da motivação de facto , da qual resulta que a 10/1/2008 as apelantes dão instruções precisas à Dif no sentido de “ (…) fechar todas as posições até ao final do mês, sendo que , na sequência de algumas reticências da C, insistem as apelantes no sentido de a apelada “(…) Manter 5k Galp e vende o restante 15k (por volta de 16.05 se possível hoje). Manter o 10K Soni se achas mesmo forte, mas fecha a posição se atinge mais de 5k negativos (…)”.
Não tendo a C cumprido as instruções referidas, causando assim às apelantes um prejuízo de 22 173,27 USD ( cfr. item 2.130 da motivação de facto ), de imediato é por estas interpelada no sentido de corrigir a conta até 31/1/208 ( ou seja, efectuar as reposições devidas, cfr. item 2.68 da motivação de facto).
Seguindo-se de seguida um silêncio da apelada C até ao dia 21 de Janeiro de 2008 , a 22/1/2008 as apelantes insistem novamente junto da apelada C no sentido de , em consequência dos incumprimentos das instruções de 10/1/2008 , dever esta última ( cfr. itens 2.69 , 2.70 e 2.71, todos da motivação de facto ) impreterivelmente, até à data de 31 de Janeiro de 2008, fazer com que a conta do cliente 10... tenha o saldo em numerário legítimo e legal de USD 62.253,55 na conta 63...,
Fixado depois o dia 31 de Janeiro de 2008 como limite temporal para o Ré Dif repor o valor de 58.723,51 USD , com a “ ameaça” de que, ( cfr. itens 2.72, 2.73 e 2.74, todos da motivação de facto ) , não sendo tal efectuado, a Autora Fundo recorreria à CMVM, expondo tal situação, vem a C , a 31 de Janeiro de 2008, a repor a quantia de 58.862,03 USD .
Perante o quadro traçado, e tal como o considerou o tribunal a quo, não se descortina pois razoabilidade para o convencimento das apelantes no sentido de que, relativamente aos danos (22 173,27 USD ) decorrentes do terceiro ilícito, não resultar da factualidade assente terem sido eles já ressarcidos pela apelada C, como efectivamente tal sucedeu , e a factualidade assente bem o demonstra.
Mostra-se, assim, também, provada factualidade que integra facto impeditivo e/ou extintivo do direito das apelantes ( cfr. artº 342º,nº2, do Código Civil ) relacionado com o terceiro ilícito contratual da apelada C , o que tudo conduz, inevitavelmente, à improcedência in totum da apelação.
Acresce que, ao concluir-se do seguinte modo, ou seja, sufragando-se na íntegra a decisão proferida em primeira instância no sentido de que os danos provados se mostram já ressarcidos pela apelada C, necessário não se mostra , sequer, a apreciação da questão do Abuso de Direito ( referida no item 1.8.-C, do presente Acórdão) , estando o seu conhecimento prejudicado ( cfr. artº 660º, nº2, do CPC ) .
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Sumário.
I - No âmbito de um contrato de gestão de carteira regulamentado no CVM, a regra que vigora é a de que , mesmo que tal não tenha nele ficado expressamente previsto , pode o cliente dar instruções e/ou ordens vinculativas ao gestor quanto às operações a realizar .
II - A inexecução da prestação a cargo do intermediário financeiro, designadamente a não observância de instruções do cliente de contrato de gestão de carteira, integra incumprimento que se presume culposo, incumbindo ao primeiro alegar e demonstrar que o não cumprimento não procede de culpa sua ( cfr. artº 799º, nº1, do Código Civil e artº 314º, nº 2, do CVM).
III - Nada obsta a que, no âmbito da liberdade contratual que decorre do artº 405º, nº1, do CC , e no âmbito de um contrato de gestão de carteira, os respectivos outorgantes (cliente e intermediário financeiro) acordem o modo e as condições de ressarcimento dos danos causados por uma das partes à outra em sede de incumprimento contratual.
IV- Basta para tanto que resulte claro, designadamente das prévias negociações, que a finalidade prática visada pelas partes foi precisamente a de estabelecerem e definirem o modo e as condições de ressarcimento dos danos causados por um das partes à outra , o que tudo , porque relacionado com a determinação da vontade real dos declarantes , integra em rigor matéria de facto .
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4. - Decisão.
Em face do supra exposto, acordam os Juízes na 1ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa ,em :
4.1.- Não concedendo provimento à apelação das autoras A, Limited e B, Limited, manter a sentença apelada no sentido da absolvição da apelada C - Sociedade Corretora, S.A..
Custas da apelação a cargo das apelantes.
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(1) Cfr. Ac. do Supremo Tribunal de Justiça, de 2 de Fevereiro de 2006, in www.dgsi.pt..
(2) Cfr. Pessoa Jorge, in Direito das Obrigações, 1º Volume AAFDL, 1975/76, pág. 493 e segs.
(3) Aprovado pelo Decreto-Lei n.º 486/99, de 13 de Novembro - com as alterações introduzidas pelos Decretos-Leis nºs 61/2002, de 20 de Março, 38/2003, de 8 de Março, 107/2003, de 4 de Junho, 183/2003, de 19 de Agosto, 6612004, de 24 de Março, 52/2006 de 15 de Março - este rectificado pela Declaração de Rectificação n.º 21/2006 de 30 de Março), e considerando a data da respectiva outorga – Abril de 2006 – e o disposto no artº 12º do CC.
(4) Cfr. Rui Pinto Duarte, in CMVM,” Edição Especial Sobre O Código dos Valores Mobiliários, Nº 7, pág. 362.
(5) Cfr. Rui Pinto Duarte, ibidem, pág. 366 e 372.
(6) Cfr. Paulo Câmara, in Manual de Direito dos Valores Mobiliários, Almedina 2009, págs. 448 e segs.
(7) Carlos Ferreira de Almeida - in Direito dos Valores Mobiliários, Vol. III, IVM, Coimbra Editora, 2001,pág. 122/3 - considera porém que o contrato de gestão de carteira deve qualificar-se como contrato de Mandato, podendo o mandato ser exercido com ou sem representação.
(8) Cfr. Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, in Direito dos Valores Mobiliários, Vol. II, IVM, Coimbra Editora, 2000, pág. 133 e segs.
(9) Como refere Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, ibidem, pág. 136, o intermediário financeiro executa a vinculação que resulta do negócio de cobertura através da celebração de um negócio de execução relativo à subscrição ou transacção de valores mobiliários.
(10) Refere Rui Pinto Duarte, ibidem, pág. 355, que em face do disposto no nº2, do artº 333º, do CVM, ainda que o contrato em apreço não seja qualificável como apenas de gestão de carteira de valores mobiliários ( porque integra bens de outra natureza), sempre as regras legais sobre este tipo contrato aplicar-se-ão à parte do contrato que mereça tal qualificação.
(11) Neste particular, da própria cláusula 1.2. do contrato dos autos, resulta que “ em caso de conflito entre os termos do contrato e as Regras de Mercado, prevalecem as Regras de Mercado “.
(12) Cfr. Menezes Cordeiro, Transmissão em bolsa de acções depositadas, in “ Banca, bolsa e crédito”, Coimbra, 1990, págs. 151/155.
(13) Dispõem os nºs 1 e 2, do artº 326º, do CVM, que :
1- O intermediário financeiro deve recusar uma ordem quando:
a) O ordenador não lhe forneça todos os elementos necessários à sua boa execução;
b) Seja evidente que a operação contraria os interesses do ordenador, salvo se este confirmar a ordem por escrito;
c) O intermediário financeiro não esteja em condições de fornecer ao ordenador toda a informação exigida para a execução da ordem;
d) O ordenador não preste a caução exigida por lei para a realização da operação;
e) Não seja permitido ao ordenador a aceitação de oferta pública.
2 - O intermediário financeiro pode recusar-se a aceitar uma ordem quando o ordenador:
a) Não faça prova da disponibilidade dos valores mobiliários a alienar;
b) Não tenha promovido o bloqueio dos valores mobiliários a alienar, quando exigido pelo intermediário financeiro;
c) Não ponha à sua disposição o montante necessário à liquidação da operação;
d) Não confirme a ordem por escrito, se tal lhe for exigido.”
(13) In Código Civil anotado, Volume I, 2.ª Edição, pág. 332.
(14) Cfr. Luís Carvalho Fernandes, in “ Teoria Geral do Direito Civil ”, II, 1996, 344.
(15) Cfr. Acs. do Supremo Tribunal de Justiça, de 27 de Maio de 2010, de 30 de Setembro de 2010 , e de 7 de Outubro de 2010, todos in www.dgsi.pt..
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Lisboa, 21 de Junho de 2011

António Santos (Relator)
Eurico José Marques dos Reis ( 1º Adjunto)
Ana Maria Fernandes Grácio ( 2º Adjunto)