Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
10578/20.7T8LSB.L1-8
Relator: LUÍS CORREIA DE MENDONÇA
Descritores: COMPETÊNCIA ABSOLUTA
NACIONALIDADE
REGULAMENTO (EU) 1215/2012
PACTO DE JURISDIÇÃO
CONSUMIDOR
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/19/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: 1. No plano subjectivo, o Regulamento (EU) n.º 1215 do Parlamento europeu e do Conselho, de 12 de dezembro de 2012, reproduz a dicotomia entre domiciliados num Estado membro ou num Estado terceiro.
 2. Em relação aos primeiros, o artigo 4.º, 1, confirma que, independentemente da sua nacionalidade, devem ser demandados nos tribunais onde estão domiciliados, sem prejuízo da aplicação das normas sobre jurisdição constantes do Regulamento, designadamente do disposto no artigo 25.º.
3. Um pacto de jurisdição celebrado entre um utilizador e o Facebook (e o Instagram), nos termos do qual “Se fores um consumidor com residência habitual num Estado-Membro da União Europeia, as leis desse Estado-Membro serão aplicadas a qualquer reclamação, ação ou litígio que tenhas contra nós e que surja de ou esteja relacionado com estes Termos ("reclamação"). Assim, poderás resolver a tua reclamação em qualquer tribunal competente nesse Estado-Membro que tenha jurisdição sobre a reclamação. Em todos os outros casos, concordas que a reclamação tem de ser resolvida num tribunal competente na República da Irlanda e que a lei irlandesa vai reger estes Termos e qualquer reclamação, independentemente das disposições referentes ao conflito de leis», é válido, porquanto a noção de forma escrita a que se refere a alínea a), do n.º1, do citado artigo 25.º , abrange qualquer comunicação com meios electrónicos que permite um registo duradoiro desse acordo.
4. O autor não pode ser considerado um consumidor se não fazia um  uso só pessoal da sua conta, mas também utilizava a mesma para algumas divulgações da sua actividade profissional.
5. Sendo assim as coisas, são os tribunais da República da Irlanda os competentes para conhecer da acção.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação Lisboa

G, residente em Lisboa, instaurou acção declarativa, com processo comum, contra M Ireland, pedindo a condenação desta a reativar a conta de Instagram do A – g… .portugal – recuperando este o acesso a todo o seu histórico (a), a reativar a conta de facebook do A (b) a pagar-lhe o valor de 40.000 € (quarenta mil euros), a titulo de indemnização por danos não patrimoniais c).
A ré excepcionou a incompetência do tribunal em razão da nacionalidade
No saneador foi proferido o seguinte despacho:
«O Regulamento (CE)1215/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12.12.2012, relativo à incompetência judiciária, ao reconhecimento e á execução de decisões em matéria civil e comercial, manteve no essencial a disciplina do regulamento(CE) 44/2001, de 22.12.200, que veio substituir, introduzindo porém disposições destinadas a facilitar o acesso à justiça, nomeadamente, para unificar as regras de conflito de jurisdição em matéria civil e comercial e a fim de garantir o reconhecimento e a execução rápidos e simples das decisões proferidas num dado Estado-membro, quando tal seja necessário para o bom funcionamento do mercado interno.
Em termos gerais, o citado Regulamento estabelece no artigo 4º que: “sem prejuízo do disposto no presente regulamento, as pessoas domiciliadas num Estado-Membro devem ser demandadas, independentemente da sua nacionalidade nos Tribunais desse Estado-Membro.
A presente acção tem indiscutivelmente natureza civil.
No que “respeita a repartição da competência internacional, o regime instituído pelo Regulamento estrutura-se em torno de cinco princípios fundamentais: a protecção das pessoas domiciliadas nos Estados membros, a proximidade ou fórum conveniens, a proteção da parte mais fraca na relação jurídica, a soberania estadual e a autonomia da vontade” (Dário Moura Vicente, no estudo “Competência Judiciária e reconhecimento de Decisões Estrangeiras no Regulamento (CE) n,º 44/2001”, publicado na revista Sciencia Juridica, n.º 293, pág.360).
Assim, o critério de conexão fundamental adotado pelo Regulamento em matéria de competência internacional é o domicilio do réu (artigo 2º do Reg. N.º44/2001, que corresponde ao artigo 4º do Reg. 1215/2012), visando poupar ao réu as dificuldades inerentes à condução da sua defesa perante um tribunal estrangeiro (obra citada ,pág.360).
Cumulativamente, no Considerando (16) é estabelecido que “O foro do domicílio do requerido deve ser completado pelos foros alternativos permitidos em razão do vínculo estreito entre a jurisdição e o litígio com vista a facilitar uma boa administração da justiça. A existência de vínculo estreito deverá assegurar a certeza jurídica e evitar a possibilidade de o requerido ser demandado no tribunal de um estado -Membro que não seria razoavelmente previsível para ele. Este elemento é especialmente importante nos litígios relativos a obrigações extracontratuais decorrentes de violações da privacidade e de diretos de personalidade, incluindo a difamação.
Assim, o Autor poder optar pelo tribunal que for mais favorável aos seus interesses, de acordo com o princípio da protecção da parte mais fraca (consagrado no já citado considerando 18), e desde que a acção directa seja possível, o que sucede na situação presente, pelo que julga-se improcedente a excepção de incompetência absoluta do tribunal em razão da nacionalidade».
Inconformada, interpôs a ré competente recurso, cuja minuta concluiu da seguinte forma:
A. Em 9 de fevereiro de 2022, o tribunal a quo proferiu Despacho Saneador, em sede de Audiência Prévia, no qual considerou improcedente a exceção de incompetência invocada pela Ré.
B. Salvo o devido respeito, que é muito, tal entendimento não poderá proceder, verificando-se erro de julgamento.
C. O Autor é um utilizador português que admite ter-se registado e aceite os termos aplicáveis ao Serviço do Facebook e ao Serviço do Instagram.
D. Tal como afirmado pelo Autor (artigo 2.º da Petição Inicial), a Secção 4.4 dos Termos do Facebook e os Termos do Instagram (“Como Lidaremos Com Litígios”) (o “Pacto de Jurisdição contante dos Termos”), determinam:
Se fores um consumidor com residência habitual num Estado-Membro da União Europeia, as leis desse Estado-Membro serão aplicadas a qualquer reclamação, ação ou litígio que tenhas contra nós e que surja de ou esteja relacionado com estes Termos ("reclamação"). Assim, poderás resolver a tua reclamação em qualquer tribunal competente nesse Estado-Membro que tenha jurisdição sobre a reclamação. Em todos os outros casos, concordas que a reclamação tem de ser resolvida num tribunal competente na República da Irlanda e que a lei irlandesa vai reger estes Termos e qualquer reclamação, independentemente das disposições referentes ao conflito de leis.” (evidenciado por nós)
E. Por outras palavras, o Autor aceitou que o presente litígio, relativo a uma relação que não é de consumo, fosse dirimido na Irlanda e não em Portugal.
F. O contrato celebrado entre o Autor e a Ré é vinculativo e, de acordo com o artigo 25.º, n.º 1, do Regulamento (EU) 1215/2012, dá lugar a uma competência exclusiva em relação aos pedidos incluídos na Petição Inicial.
G. O Autor não é um consumidor para os efeitos do acordo celebrado com a Ré, dado que sustenta os pedidos deduzidos contra a mesma com base no prejuízo alegadamente sofrido no âmbito do seu negócio. Encontra-se, por isso, obrigado a intentar toda e qualquer ação contra a Ré em que inclua pedidos emergentes da sua profissão (nomeadamente o pedido de indemnização por danos profissionais alegadamente sofridos), derivados do uso dos serviços de Facebook e Instagram, na República da Irlanda.
H. De facto, o Autor admitiu usar a sua conta de Facebook para gerir a página de Facebook do “... Bar”, que corresponde a um negócio seu.
I. O Autor não só promove o seu negócio através de uma página de Facebook específica e separada, como ainda estabelece contactos profissionais através das suas contas de Facebook e Instagram (ambas em causa nos presentes autos), de forma a promover o seu negócio.
J. De facto, a causa de pedir nestes autos deriva de alegados danos profissionais. O Autor alega que, como resultado da perda do acesso às suas contas Facebook e Instagram, sofreu danos profissionais e perdeu a capacidade de gerir a página Facebook do seu negócio e contactos que tinha estabelecido em benefício do seu negócio (artigos 47 e 48 da P.I.). O Autor menciona repetidamente que a desativação da sua conta de Facebook o impediu de gerir a página de Facebook do seu negócio e que desde fevereiro de 2020 que não consegue publicar conteúdo na mesma (artigos 33.º a 35.º e 39.º da P.I.).
K. O Autor alega também que guardou registos dos seus contratos comerciais e comunicações correspondentes nas suas contas Instagram e Facebook (artigo 25 da P.I.).
L. Claramente, o Autor utilizou os serviços do Facebook e da Instagram para fins comerciais, e não como consumidor, empregando-os como ferramentas para conduzir atividades comerciais, tais como publicidade, armazenamento de acordos comerciais e contactos profissionais, e condução e armazenamento de comunicações comerciais.
M. Ainda que o Autor tente caracterizar os danos alegadamente sofridos como também de natureza "pessoal" (artigo 47 da P.I.), é evidente que o Autor utilizava principalmente os serviços do Facebook e da Instagram para fins comerciais e, portanto, as suas reivindicações e alegadas perdas estão relacionadas com essa atividade profissional.
N. De todo o modo, sempre caberia ao Autor o ónus de alegação e prova dos factos que sustentam a sua qualidade de consumidor:
O ónus de alegação dos factos que consubstanciam a noção de consumidor, nos casos em que o consumidor pretende exercer os seus direitos enquanto tal, é seu, por se tratar de factos que o direito material consagra como constitutivos do direito que pretende fazer valer, sem prejuízo do dever do juiz de o convidar a completar a sua exposição.
Já relativamente ao ónus da prova, este cabe ao consumidor relativamente aos factos referentes aos elementos indicados, que sustentam a qualificação como consumidor, nomeadamente o «uso não profissional»”.
O. O Autor não cumpriu (nem poderá cumprir) tais ónus.
P. A este respeito, cumpre notar que os tribunais de outros Estados-Membros da União Europeia aplicaram anteriormente a cláusula de jurisdição nos Termos do Facebook e Termos do Instagram, indeferindo as reclamações apresentadas por autores que não eram qualificáveis como consumidores contra a Ré.
Q. A título de exemplo, em outubro de 2021, no caso Palamara v. Facebook Ireland, o Tribunal da Calábria rejeitou as reivindicações do autor e manteve o argumento da Meta Platforms Ireland Ltd.'s (então Facebook Ireland Ltd.'s) de que o Tribunal não tinha jurisdição. Nesse processo, o Tribunal decidiu que o autor, um jornalista profissional, não era qualificável como consumidor porque
não utilizava a sua conta do Facebook estritamente para fins pessoais. De facto, também utilizou a sua conta no Facebook para fins profissionais, incluindo para promover os seus próprios artigos noticiosos e para vender as suas obras de arte.
O Tribunal citou a decisão proferida pelo TJUE no processo Schrems v. Facebook Ireland Ltd., para explicar o conceito de "consumidor", e salientou corretamente que este deve ser interpretado de forma restritiva. Além disso, o Tribunal decidiu que os tribunais irlandeses tinham jurisdição exclusiva sobre o pedido do autor com base na cláusula de jurisdição "totalmente válida e eficaz" inserida nos Termos do Facebook, à qual o Autor deu o seu consentimento.
R. No processo Nardelli v. Facebook Irlanda, o Tribunal de Parma indeferiu os pedidos deduzidos pelo autor contra a Meta Platforms Ireland Ltd. (então Facebook Ireland Ltd.) por falta de jurisdição. Nesse processo, o autor, como membro da rede nacional de "Mercatopoli", realizou atividades para a venda de bens (por exemplo, mobiliário, eletrodomésticos, vestuário, brinquedos, e objetos em geral). Assim, não se qualificava como consumidor porque tinha utilizado o Serviço Facebook para fins profissionais - ou seja, para gerir o seu negócio. Consequentemente, o Tribunal analisou e aplicou a cláusula de jurisdição inserida nos Termos do Facebook, com a qual o autor consentiu, e
concedeu jurisdição exclusiva aos tribunais irlandeses.
S. Também, em Vandendriessche v. Facebook Ireland, numa decisão datada de 4 de Janeiro de 2022, o Tribunal de Bruges decidiu que não tinha competência internacional para decidir sobre a medida provisória solicitada pelo autor. O Tribunal considerou que (i) a relação entre o mesmo e a Meta Platforms Ireland Ltd. (então Facebook Ireland Ltd.) se qualificava como uma obrigação contratual na aceção do artigo 7(1) do Regulamento reformulado de Bruxelas; (ii) a utilização do Serviço Facebook pelo autor era inequivocamente profissional, pelo que o autor não podia ser considerado como um consumidor; e (iii) como tal, a cláusula de jurisdição válida e vinculativa nos Termos do Facebook concedeu jurisdição exclusiva aos tribunais irlandeses.
T. Pelos motivos expostos, tendo em consideração o Pacto de Jurisdição constante dos Termos, o Autor deverá apresentar a respetiva ação perante os tribunais da Irlanda.
U. Antecipando a hipótese de o Autor tentar justificar a aplicabilidade do artigo 35.º do Regulamento Bruxelas I para se furtar ao pacto de jurisdição celebrado, tal argumento deverá improceder.
V. O artigo 35.º determina expressamente que “As medidas provisórias, incluindo as medidas cautelares, previstas na lei de um Estado-Membro podem ser requeridas às autoridades judiciais desse Estado-Membro, mesmo que os   tribunais de outro Estado-Membro sejam competentes para conhecer do mérito da causa”.
W. Contudo, a jurisprudência europeia interpreta o Regulamento (UE) n.º 1215/20212, e as suas anteriores versões, no sentido de apenas atribuir jurisdição aos tribunais de um Estado-Membro quando (i) o pedido for de decretamento de medidas provisórias ou cautelares; e (ii) o lugar onde as medidas requeridas deverão ser executadas for o Estado-Membro no qual a ação foi intentada.
X. Neste caso, nenhum dos elementos se verifica e a jurisdição sobre os pedidos do Autor é imprópria.
Y. O Autor não apresentou um pedido de decretamento de medida provisória e não existem factos que sustentem a adoção de uma medida extraordinária.
Z. Acresce que os pedidos do Autor implicam a adoção de um comportamento por parte da Ré (domiciliada na República da Irlanda) nos serviços do Facebook e do Instagram (administrados a partir da República da Irlanda para os utilizados portugueses). Logo, qualquer dos pedidos apresentados pelo Autor teria de ser cumprido exclusivamente na Irlanda.
AA. Assim, o artigo 35.º não poderá determinar a jurisdição dos tribunais portugueses sobre os pedidos do Autor em circunstância alguma. Pelo exposto, os presentes autos deverão ser considerados improcedentes por falta de jurisdição dos tribunais portugueses.
BB. O Autor, por Requerimento datado de 9 de dezembro de 2020, invocou que os tribunais portugueses têm competência internacional para dirimir o presente litígio por aplicação do artigo 19.º, g), por remissão do artigo 20.º, do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de outubro.
CC. Referiu, concretamente, que, nos termos do artigo 19.º, g), o pacto de jurisdição inserido nos Termos do Facebook e nos Termos do Instagram é inaplicável ao abrigo da lei portuguesa dado que a respetiva aplicação resultaria em sérios inconvenientes para uma das partes, os quais não seriam justificados pelo interesse da parte contrária.
DD. Sucede que, conforme decidido pelo Supremo Tribunal de Justiça, em 13 de novembro de 2018: “I - A jurisprudência do Tribunal de Justiça (TJ) é clara quanto ao entendimento de que a noção de pacto atributivo de jurisdição [art. 25.º do Regulamento (UE) 1215/2012 do Parlamento e do Conselho, de 12 de dezembro de 2012] é autónoma, relativamente ao direito interno de cada Estado-Membro – a validade do pacto de jurisdição deve ser, exclusivamente aferida (preenchida) à luz da própria disposição do Regulamento, ficando excluída a convocação, no caso e designadamente, do art. 94.º CPC e do Regime das Cláusulas Contratuais Gerais (DL 446/85, de 25 de Outubro) (…)”
EE. Não sendo, por isso, aplicável à apreciação da competência dos tribunais portugueses o diploma invocado pelo Autor.
FF. O Tribunal a quo entendeu não proceder à análise jurídica vertida supra, incluindo no que respeita à pronúncia acerca do uso dos serviços de Facebook e Instagram pelo Autor a título profissional.
GG. Em vez disso, de forma confusa, o Tribunal aplicou o artigo 4.º do Regulamento (UE) n.º 1215/2012, nos termos do qual, sem prejuízo do disposto no Regulamento, as pessoas domiciliadas num Estado-Membro devem ser demandadas, independentemente da sua nacionalidade nos Tribunais desse Estado-Membro.
HH. Mais reforçou que tal critério de conexão adotado pelo Regulamento visa poupar ao réu dificuldades inerentes à condução da sua defesa perante um tribunal estrangeiro.
II. O Tribunal invocou, em seguida, o Considerando 16 do Regulamento, nos termos do qual:
O foro do domicílio do requerido deve ser completado pelos foros alternativos permitidos em razão do vínculo estreito entre a jurisdição e o litígio ou com vista a facilitar uma boa administração da justiça. A existência de vínculo estreito deverá assegurar a certeza jurídica e evitar a possibilidade de o requerido ser demandado no tribunal de um Estado-Membro que não seria razoavelmente previsível para ele. Este elemento é especialmente importante nos litígios relativos a obrigações extracontratuais decorrentes de violações da privacidade e de direitos de personalidade, incluindo a difamação.”
JJ. Baseando-se em tais princípios e porque dúvidas inexistem de que a Ré tem domicílio na República da Irlanda, o Tribunal deveria ter concluído que os tribunais irlandeses são internacionalmente competentes – o Artigo 4.º e o Considerando 16 ditam que a Ré deveria ter sido demandada nos tribunais da República da Irlanda.
KK. Para além disso, existe um vínculo estreito entre o presente litígio e a República da Irlanda, país onde a Ré tem a sua sede e a partir da qual administra os serviços de Facebook e de Instagram para os utilizados na região Europeia (incluindo Portugal). Neste contexto, não seria coerente com uma adequada administração da justiça forçar a Ré a litigar perante os tribunais portugueses.
LL. Assim, e dado que o Autor concordou com o pacto de jurisdição constante dos Termos e não instaurou a ação na qualidade de consumidor, é a Ré, não o Autor, que deve ser protegida de ter de litigar fora do país onde está domiciliada.
MM. Para além disso, o Considerando não é de aplicação autónoma, mas antes uma exposição de motivos, que deverá ser analisada em conjunto com as normas do Regulamento. Neste caso, a norma relevante corresponde ao artigo 25.º, o qual, como descrito na secção II (a) supra, confere força jurídica ao acordo celebrado entre as Partes no sentido de instaurar litígios emergentes do uso pelo Autor dos serviços de Facebook e de Instagram na República da Irlanda.
NN. Mais, o Considerando 18 e os artigos 17 a 19.º do Regulamento, relativos a contratos de consumo, são inaplicáveis, dado que, como descrito na secção II (a) supra, o Autor não é qualificável como consumidor para efeitos do seu acordo com a Ré.
OO. Em suma, resta, então, concluir pela incompetência absoluta dos tribunais portugueses, pelo facto de os Termos do Facebook e os Termos de Instagram conterem uma cláusula atributiva de jurisdição (de acordo com o
artigo 25.º, n.º 1, do Regulamento (UE) n.º 1215/20212 e dos artigos 94.º, n.º 1, 96.º, al. a) e 99.º do C.P.C.). Pelo exposto, a decisão da qual se recorre deverá ser substituída por outra que determine a absolvição da Ré da instância, nos termos dos artigos 576.º, n.º 2 e 577.º, al. a) do C.P.C.
Nestes termos, e nos melhores de Direito, requer-se a V. Exas. Venerandos Desembargadores se dignem dar provimento ao presente Recurso de Apelação, sendo o Despacho Saneador revogado na parte recorrida e, por conseguinte, substituído por outro que:
a) Absolva a Ré da instância, por verificação da exceção de incompetência absoluta dos tribunais portugueses para dirimir o presente litígio, nos termos dos artigos 94.º, n.º 1, 96.º, al. a) e 99.º do C.P.C.; subsidiariamente
b) Relegue para momento posterior a decisão quanto à verificação da exceção invocada, adicionando como tema de prova a utilização dos serviços de Facebook e Instagram primordialmente a título profissional por parte do Autor.
E assim se fazendo a costumada JUSTIÇA!».
O autor contra-alegou em que pugna pela confirmação do despacho recorrido.
*
Constitui única questão decidenda saber se o tribunal português é ou não competente em razão da nacionalidade.
*
É de considerar assente que o autor alegou na petição inicial a seguinte matéria (tem-se entendido que a competência absoluta se afere a partir do exame da petição inicial):
1. A presente acção é proposta em Portugal e ao abrigo da lei Portuguesa, em virtude do previsto nos Termos de Utilização do Serviço Instagram que abaixo se transcreve:
2. “Se fores um consumidor com residência habitual num Estado-Membro da União Europeia, as leis desse Estado-Membro serão aplicadas a qualquer reclamação, ação ou litígio que tenhas contra nós e que surja de ou esteja relacionado com estes Termos ("reclamação"). Assim, poderás resolver a tua reclamação em qualquer tribunal competente nesse Estado-Membro que tenha jurisdição sobre a reclamação.”
3. O Serviço do Instagram é um dos Produtos do Facebook, que é fornecido pela Facebook Ireland Limited.
4. Por sua vez em altura que não consegue precisar, mas seguramente há mais de 2 anos, o A, acordou com a R. a subscrição do serviço, ao aceitar os termos e condições previstas no sitio da internet https://help.instagram.com/581066165581870, Cfr. Doc nº1 que se junta e dá integralmente por reproduzido.
5. Só o fez por saber que cumpria os requisitos pedidos pelo serviço Instagram, nomeadamente:
a. “Tens de ter, pelo menos, 13 anos de idade.
b. Não podes estar proibido de receber qualquer aspeto do nosso Serviço nos termos da legislação aplicável nem envolver-te em Serviços relacionados com pagamentos se estiveres numa lista de pessoas recusadas aplicável.
c. Não podemos ter desativado anteriormente a tua conta por infrações à lei ou a qualquer uma das nossas políticas.
d. Não podes ser um agressor sexual condenado.” Cfr. Termos de Utilização do Serviço Instagram
6. Assim sendo inscreveu-se o A. com o nome “g… .portugal”;
8. O A. era um utilizador frequente, usando intensamente o serviço e com normalidade fazia publicações de conteúdos pessoais, relacionados com os seus interesses;
9. Além disso o A. não fazia uso só pessoal da sua conta, também utilizava a mesma para algumas divulgações da sua actividade profissional;
10. E para comunicar, com familiares, amigos, além disso também fazia pela plataforma alguns contactos profissionais.
12. Assim e sem nada que o fizesse prever, no dia 1 de março de 2020 ao tentar aceder ao Serviço através da aplicação no seu telefone,
13. Foi com grande surpresa que constatou que a sua conta “g… .portugal” havia sido desactivada com a seguinte justificação “A tua conta foi desactivada por não seguir os nossos termos...” Cfr. Doc. 2 que se junta e dá integralmente por reproduzido.
14. Ora o A. entendeu que tal teria sido um erro por parte do serviço e ao abrigo da possibilidade que lhe é dada na aplicação o R. utilizou a funcionalidade disponibilizada no sitio da internet ”Se acreditas que a tua conta foi desativada por engano, podes recorrer desta decisão ao abrires a app, introduzires o teu nome de utilizador e palavra-passe e seguires as instruções no ecrã.”
15. Da mesma forma, no dia 12 de março, o A apresentou reclamação num site dedicado a estas questões, o portaldaqueixa.com, que até agora não mereceu resposta da R ( Doc 3).
16. Portanto, ambas as reclamações apresentadas não surtiram qualquer efeito até à presente data,
24. Com este comportamento a R. lesou efectivamente o A. que perdeu com isto não só os contactos com familiares e amigos, deixando-o mais isolado,
25. Bem como perdeu também contactos profissionais onde estavam envolvidos valores e termos dos serviços acordados, e o registo de conversas das quais não tinha qualquer cópia.
26. Além de que dada a seriedade dos factos genericamente alegados pela R. para a desactivação da conta, o A. ficou preocupado e receoso do seu nome ser associado a lista negra dos serviços do Facebook Ireland Limited.
32. Acresce que com o cancelamento da conta no Instagram, a R cancelou igualmente ao A o acesso à sua conta de facebook ( doc 4).
33. Esta situação também é relevante e grave, não só porque o A utilizava também muito a sua conta de facebook, como era administrador da página de facebook da sua empresa – ... Bar.
34. Ora, desde que lhe foi retirado o acesso à conta, o A ficou impedido de ter acesso e de gerir a página do seu negócio.
35. Conforme o comprova a página de facebook da empresa, que tem a última publicação precisamente a final de fevereiro. ( Doc 4 )
39. Ficou impedido de gerir a página de facebook do seu negócio.
40. Tem receio de estar a ser incluído em listas negras.
47. É inegável que o A. sofreu danos, a tristeza e a angústia e a preocupação que todo este problema lhe trouxe, não só pessoalmente como profissionalmente, não podem ser deixados ao acaso. 
48. O desgosto, o medo de consequências por poder estar em listas negras, a incapacidade de retomar contactos e assuntos que estavam na conta, acrescido da impossibilidade de gerir a página de facebook do seu negócio têm provocado ao A insónias, mal estar físico e angústia.
49. Assim pelos danos não patrimoniais que o A. deseja ver ressarcidos, e por tudo acima exposto vem o A. requerer a sua fixação num valor nunca abaixo dos 40.000 € (quarenta mil euros).
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Tendo em consideração que tal matéria é objecto de acordo, importa ainda dar como assente em aditamento ao n.º 2 acima referido que:
50. A Secção 4.4 dos Termos do Facebook e os Termos do Instagram (“Como Lidaremos Com Litígios”) estipula:
Se fores um consumidor com residência habitual num Estado-Membro da União Europeia, as leis desse Estado-Membro serão aplicadas a qualquer reclamação, ação ou litígio que tenhas contra nós e que surja de ou esteja relacionado com estes Termos ("reclamação"). Assim, poderás resolver a tua reclamação em qualquer tribunal competente nesse Estado-Membro que tenha jurisdição sobre a reclamação. Em todos os outros casos, concordas que a reclamação tem de ser resolvida num tribunal competente na República da Irlanda e que a lei irlandesa vai reger estes Termos e qualquer reclamação, independentemente das disposições referentes ao conflito de leis».
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Do direito
No plano objectivo, o Regulamento (EU) n.º 1215 do Parlamento europeu e do Conselho, de 12 de dezembro de 2012 (chamado Bruxelas I-bis, adiante designado por REG; serão deste regulamento os artigos ulteriormente citados sem outra menção), aplica-se em matéria civil e comercial e independentemente da natureza da jurisdição (artigo 1.º, 1).
No plano subjectivo, o REG reproduz a dicotomia entre domiciliados num Estado membro ou num Estado terceiro.
Em relação aos primeiros, o artigo 4.º, 1, confirma que, independentemente da sua nacionalidade, devem ser demandados nos tribunais onde estão domiciliados, sem prejuízo da aplicação das normas sobre jurisdição constantes do REG, designadamente do disposto no artigo 25.º.
Uma das normas mais importantes do REG é seguramente esta regra que prevê a possibilidade para as partes, ainda que não domiciliadas num estado membro, de estipularem acordos que atribuem jurisdição a um juiz de um ou mais Estados da União para o conhecimento de determinada controvérsia, ainda que sem qualquer conexão subjectiva ou objectiva com esse Estado.
Tal acordo tem o efeito positivo de atribuir competência exclusiva a um determinado tribunal (prorrogação da jurisdição), prevenindo incertezas quanto à determinação do tribunal competente em caso de futuro litígio. Ao invés, tem o efeito negativo de retirar competência a qualquer outro juiz, o qual diante de tal pacto e chamado a pronunciar-se sobre o conflito, deverá julgar-se incompetente.
Quanto aos requisitos formais de validade de uma cláusula de prorrogação de jurisdição, o actual artigo 25.º exige que o acordo seja:
a) escrito ou confirmado por escrito;
b) concluído de uma forma admitida pelos usos que as partes tenham estabelecido entre si;
c) no comércio internacional, concluído na forma admitida pelos usos, conhecidos e respeitados pelos operadores do sector, que as partes conheçam ou devam conhecer.    
O acordo acima referido em 50 é válido, de acordo com o requisito enunciado sob a), porquanto a noção de forma escrita abrange qualquer comunicação com meios electrónicos que permite um registo duradoiro desse acordo.
Na verdade, o Acórdão do TJUE de 21 de maio de 2015 (Jaouad El Majdoub c. CarsOnThe web. Deutschland GmbH) declara que: «o artigo 23.º, n.º 2, do Regulamento (CE) n.º 44/2001 do Conselho, de 22 de dezembro de 2000, relativo à competência judiciária , ao reconhecimento e execução de decisões em matéria civil e comercial, deve ser interpretado no sentido de que a técnica de aceitação por «clic» das condições gerais de um contrato de compra e venda, como o que está em causa no processo principal, celebrado por via electrónica , que constituem um pacto atributivo de jurisdição, constitui uma comunicação por via electrónica que permite um registo duradouro desse pacto, na acepção desta disposição».
A competência do foro português para conhecer de qualquer «reclamação» que o autor pretendesse formular contra os serviços da ré ficou dependente de o recorrido poder invocar a sua qualidade de consumidor.
O autor não pode ser considerado consumidor.
O TJUE tem entendido que o conceito de consumidor é definido por oposição ao de «operador económico», só podendo o utilizador invocar a primeira qualidade se a utilização de determinado serviço, mesmo que inicialmente não prevista no contrato, não tiver adquirido depois caracter profissional (Acórdão TJUE de 25.1.2018, Schrems c. Facebook Ireland Ltd).
Ora quando o autor alega na sua petição inicial que:
9. Além disso o A. não fazia uso só pessoal da sua conta, também utilizava a mesma para algumas divulgações da sua actividade profissional;
10. E para comunicar, com familiares, amigos, além disso também fazia pela plataforma alguns contactos profissionais.
25. Bem como perdeu também contactos profissionais onde estavam envolvidos valores e termos dos serviços acordados, e o registo de conversas das quais não tinha qualquer cópia.
33. Esta situação também é relevante e grave, não só porque o A utilizava também muito a sua conta de facebook, como era administrador da página de facebook da sua empresa – ... Bar.
47. É inegável que o A. sofreu danos, a tristeza e a angústia e a preocupação que todo este problema lhe trouxe, não só pessoalmente como profissionalmente, não podem ser deixados ao acaso. 
48. O desgosto, o medo de consequências por poder estar em listas negras, a incapacidade de retomar contactos e assuntos que estavam na conta, acrescido da impossibilidade de gerir a página de facebook do seu negócio têm provocado ao A insónias, mal estar físico e angústia,
Está manifestamente a invocar uma qualidade profissional conexa, diferente da de um mero consumidor e a colocar-se fora da aplicação do artigo 19.º do REG.
Aplica-se então a última parte do pacto, sendo competentes as justiças da Irlanda.
E não se invoque em contrário os considerandos do REG, os quais, digam o que disserem -e não dizem o que o tribunal interpretou que dizem (cfr. conclusões II) a NN)) do recurso da ré)- não têm obviamente capacidade de só por si gerar prescrições jurídicas.
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Pelo exposto acordamos em julgar procedente a apelação e, consequentemente, em revogar a decisão recorrida que se substitui por outra que absolve a ré da instância.
Custas pelo recorrido.
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19.05.2022
Luís Correia de Mendonça
Maria Amélia Ameixoeira
Rui Moura