Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1982/20.1YIPRT-I.L1-8
Relator: OCTÁVIO DOS SANTOS DIOGO
Descritores: INCIDENTE AUTÓNOMO
INCIDENTE DA INSTÂNCIA
ADMISSÃO DE RECURSO
NOTA JUSTIFICATIVA DE CUSTAS
RECLAMAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/07/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA
Decisão: INDEFERIDA
Sumário: 1. Qualquer incidente dispõe sempre de algum grau de autonomia, mas, em nosso entender, foi intenção legislador apenas incluir na al. a) do nº1 do art.º 644º do CPC, os incidentes da instância que a lei processual civil expressamente prevê e regula de forma autónoma relativamente à ação principal.
2. Mesmo que se defenda que a reclamação contra a nota justificativa, é um incidente processado autonomamente, não poderá ser qualificado como incidente da instância processado autonomamente, nos termos e para os efeitos previstos na al. a) do nº 1 do art.º 644º do CPC.
3. Tratar-se-ia de um incidente processado autonomamente, mas estranho ao desenrolar normal da lide, da instância, é um incidente que diz respeito apenas a matéria da nota justificativa de custas.
4. O incidente que constitui a reclamação da nota justificativa de custas, não tem as características de incidente da instância, que é exigido pelo regime legal dos incidentes da instância, pelo que não está incluído na previsão do artigo 644.º/1, a), do CPC.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Reclamação - artº 643 CPC

1. Relatório.    
R., Lda, não se conformando com o despacho do tribunal “a quo” que não admitiu o recurso, veio nos termos do artigo 643.º, n.º 1 do Código de Processo Civil (doravante CPC) apresentar reclamação requerendo que seja proferida decisão que admita o recurso e requisite o processo ao tribunal recorrido.
Notificadas do teor da reclamação vieram K, S.A. e Outras, responder sustentando, em síntese, que deverá a pretensão da ora reclamante ser indeferida, por não lhe assistir qualquer razão de Direito, e não merecer qualquer censura, a douta decisão de não admissão do recurso.
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Por este tribunal foi proferida, em 27-11-2023, decisão singular que indeferiu a reclamação apresentada e, em consequência, mantendo o despacho reclamado, não admitiu o recurso.
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Inconformada com tal decisão, veio a Reclamante, nos termos do art.º 652º, nº 3, do Cód. Proc. Civil, apresentar reclamação para a conferência alegando, em síntese:
- A reclamação da nota de custas de parte inicia um incidente destinado à discussão, validade e fixação do valor das mesmas.
- Este incidente encontra-se expressamente previsto na lei processual, com uma sequência processual autónoma e é processado de forma autónoma conforme o estabelecido n.º 1 do artigo 26.º- A do RCP e n.º 1 do artigo 33.º, da Portaria n.º 419-A/2009, de 17 de abril) face à causa principal dos autos em que é deduzido. – Sublinhado nosso.
- Pelo que, deverá ser entendida como um incidente processado autonomamente, sendo-lhe aplicável a regra do prazo de interposição de recurso, resultante das disposições conjugadas na primeira parte do n.º 1 do artigo 638.º e alínea a) do n.º 1 do artigo 644.º, ambos do CPC.
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Responderam K., S.A. e outras, alegando, em síntese:
- Não merecer qualquer censura, a douta decisão de não admissão do recurso.
- A reclamante interpôs o recurso da decisão que apreciou a reclamação à nota justificativa de custas de parte, com fundamento na alínea a) do n.º 1 do artigo 644.º do Código de Processo Civil.
- Não se encontrando expressamente prevista a decisão relativa à reclamação da nota justificativa, o recurso interposto não é admissível nos termos das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 644.º.
- Não se inserindo a decisão recorrida em nenhum dos mencionados incidentes de instância, o respetivo recurso não se enquadra na previsão do referido artigo 644.º, n.º 1, alínea a), mas sim no n.º 2, alínea g) de tal artigo, sendo, por isso, o respectivo prazo interposição de 15 dias.
- Assim outro não pode ser o entendimento senão o de considerar o recurso interposto com extemporâneo, nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 638.º, n.º 1, 2.ª parte e artigo 641.º, n.º 2, alínea a), ambos do Código de Processo Civil.
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Colhidos os vistos e preparada a deliberação, importa apreciar e decidir.
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2. Objeto da reclamação.
No caso presente, o objeto da reclamação é saber se deve ou não ser recebido o recurso.
3. Fundamentação de facto.
Com interesse para a questão a decidir, além do que se deixou exposto no relatório, há a considerar a seguinte factualidade, que resulta provada dos autos:
3.1. Na sequência da reclamação apresentada pelas K., S.A. e Outras, contra a nota justificativa de custas de parte, apresentada pela R., LDA, o tribunal “a quo”, em 21/11/2022, proferiu despacho que terminou nos seguintes termos:
“DECISÃO
Pelo exposto, julga-se parcialmente procedente a reclamação apresentada pela K. S.A., Requerida e outras à nota justificativa apresentada pela Autora R. LDA. e, em consequência, decide-se serem devidos os seguintes valores:
1 – Processo n.º 1982/20.1YIPRT: valor de €1.433,00;
2 - Processo n.º 1982/20.1YIPRTA-A: valor de €827,66 (€990,16 – (€25,00 + €55,00 + €5,00 + €77,509));
3 – Processo n.º 1982/20.1YIPRT-B: valor de €1.785,00;
4 – Processo n.º 1982/20.1YIPRT-C: valor de €663,00;
5 - Processo n.º 1982/20.1YIPRT-D: valor de € 1.224,00 (€1.369,00 – (€5,00 + €5,00 + €25,00 + €55,00 + €55,00));
6 - Processo n.º 1982/20.1YIPRT-E: valor de €2.545,28 (€48 399,78 – (€55,00 + €55,00 + €10,20 + €10,20 + €10,20 + €10,20 + €10,20 + €55,00 + €55,00 + €7.380.00 + €3.690,00 + €3.690,00 + €332,10 + €479,40 + €3.690,00 + €3.690,00 + €3.690,00 + €3.690,00 + €3.690,00 + €615,00 + €3.690,00 + €3.690,00 + €3.567,00) + €3.683,86)).
Custas deste incidente a cargo das Reclamantes e da Autora que se fixa em ½ UC e 2,5 UC’s, respectivamente, nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 7.º, n.º 4 do Regulamento das Custas Processuais, em conjugação com a Tabela II.”
3.2. Notificada, em 8/01/2023, do despacho referido em 3.1., veio R., LDA, em 02/02/2023, interpor recurso alegando que “O recurso é ordinário (cfr. artigo 627º, n.º 1 e nº 2 do CPC), de apelação (cfr. artigo 644º, nº 1, alínea a), do CPC), sobe nos próprios autos (cfr. artigo 645º, nº 1 alínea a), do CPC), tem efeito meramente devolutivo (cfr. artigo 647º, n.º 1 do CPC), é dirigido ao Tribunal da Relação de Lisboa e compreende toda a decisão proferida. Porque está em tempo, tem legitimidade e a decisão é recorrível (cfr. artigos 629º, n.º 1, 631º, n.º 1, 637º, n.ºs 1 e 2, 638º, n.º 1, todos do CPC).
3.3. Sobre o requerimento de recurso o Tribunal “a quo” proferiu despacho onde concluiu “Pelo exposto, indefere-se, por extemporâneo, o presente requerimento de interposição de recurso, nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 638.º, n.º 1, 2.ª parte e artigo 641.º, n.º 2, alínea a), ambos do Código de Processo Civil.”
4. Fundamentação de direito.
Estipula o art.º 644º do CPC:
“1. Cabe recurso de apelação:
a) Da decisão, proferida em 1ª instância, que ponha termo à causa ou a procedimento cautelar ou incidente processado autonomamente.
(…)
2. Cabe ainda recurso de apelação das seguintes decisões do tribunal de 1ª instância:
(…)
g): De decisão proferida depois da decisão final”.
(…)
i) Nos demais casos especialmente previstos na lei.
(…).
Prescreve o art.º 638º, nº 1 do CPC:
1 - O prazo para a interposição do recurso é de 30 dias e conta-se a partir da notificação da decisão, reduzindo-se para 15 dias nos processos urgentes e nos casos previstos no nº 2 do artigo 644º e no artigo 677º”.
(…).
Assim, importa determinar se o presente recurso de apelação está sujeito ao prazo de 30 dias, por constituir um “incidente processado autonomamente” (art.º 644º, nº 1, al. a) do CPC), como defende a Reclamante, ou está sujeito ao prazo de 15 dias por consubstanciar uma “decisão proferida depois da decisão final” (art.º 644º, nº 2, al. g) do CPC), como foi entendido no despacho proferido pelo Tribunal “a quo” e no despacho do relator quer indeferiu a reclamação daquele despacho.
Na tese da Reclamante o recurso é tempestivo e deve ser admitido, porquanto, o despacho sob recurso, pôs termo a um incidente processado autonomamente, tudo cf. 1ª parte, do nº1, do art.º 638º e art.º 644º, nº1, a), in fine, ambos do CPC.
Conforme entendimento tido, quer no despacho da 1ª instância, que não admitiu o recurso, quer no despacho ora reclamado, que manteve aquele despacho, a questão a apreciar e decidir, para se apurar qual o prazo para interpor recurso do despacho proferido pelo Tribunal “a quo”, passa por saber qual o conteúdo da expressão “incidente processado autonomamente” constante do artigo 644.º/1, a), in fine, do CPC.
A reclamante entende que a reclamação da nota justificativa é um incidente processado autonomamente e, por isso, o prazo para recorrer do despacho que põe termo a esse incidente é o prazo de 30 dias, cf. art.º 638º, nº 1, e  art.º 644º, nº 1 al. a) e o tribunal “a quo” e o ora relator, na decisão em que indeferiu a reclamação contra o despacho que não admitiu o recurso, entenderam que a reclamação da nota justificativa não é um incidente processado autonomamente e, por isso, não admitiu o recurso por extemporâneo, porquanto, o prazo para recorrer do despacho de indeferimento da reclamação da conta de custas, no caso da nota justificativa, é de 15 dias, pela aplicação conjugada dos artigos 638.º/1, in fine e 644.º/2, g), ambos do CPC, uma vez que o recurso incide sobre uma decisão proferida depois da decisão final.
Subscrevemos, na íntegra, a solução dada pelo relator no despacho, ora em reclamação para a conferência, e que reproduzimos de seguida.
Um incidente, seja ele processado por apenso ou nos próprios autos, é sempre uma ocorrência estranha ao desenrolar normal da instância, ou seja, é sempre um incidente da instância, configurando-se esta como uma sucessão dos atos processuais que compõem um processo judicial.
José Alberto dos Reis, in Comentário ao Código de Processo Civil, Vol. 3º, pág. 563, ensina: “A ideia que, ente nós, está na base da noção de incidente, é a seguinte: uma ocorrência extraordinária que perturba o movimento normal do processo.
Está pendente uma acção para a solução de certo conflito substancial; esta acção tem o seu processo próprio: a lei regula os termos e actos que hão-de praticar-se para se atingir o resultado final – a decisão da lide.
Suponhamos que, no curso deste processo, surge uma questão secundária e acessória, para a solução da qual se torna necessária a prática de actos e termos não compreendidos na estrutura própria do processo da acção: temos o incidente.
O incidente é uma forma processual secundária que apresenta, em relação ao processo da acção, o carácter de episódio ou acidente.”
É aqui que a expressão “processado autonomamente”, do artigo 644º/1, a), do CPC, encontra coincidência conceitual, porque pressupõe um processado não regulado na estrutura da ação em que é suscitado, tal como ensinava J. Alberto dos Reis.
É também este o entendimento de Abrantes Geraldes in Recursos No Novo Processo Civil, 5ª Ed. pág. 204, os incidentes a que alude o art.º 644º/1, a), do CPC são “incidentes tramitados no âmbito da própria ação, desde que sejam dotados de autonomia … a implicar trâmites específicos que não se confundem com os da ação em que estão integrados” (…) os incidentes de instância processados por apenso, como ocorre com a habilitação, mas que é extensiva a outros incidentes tramitados no âmbito da própria ação, desde que sejam dotados de autonomia. Tal como ocorre com os incidentes de intervenção de terceiros, com o da liquidação ou com o de verificação do valor da causa, (…)”.
A reclamação da nota justificativa de custas, sendo um incidente inominado, processa-se autonomamente?
Estipula o Regulamento das Custas Processuais (RCP) no art.º 26º-A, (Reclamação da nota justificativa)
1. A reclamação da nota justificativa é apresentada no prazo de 10 dias, após notificação à contraparte, devendo ser decidida pelo juiz em igual prazo e notificada às partes.
2 - A reclamação da nota justificativa está sujeita ao depósito da totalidade do valor da nota.
3 - Da decisão proferida cabe recurso em um grau se o valor da nota exceder 50 UC.
4 - Para efeitos de reclamação da nota justificativa são aplicáveis subsidiariamente, com as devidas adaptações, as disposições relativas à reclamação da conta constantes do artigo 31.º.
O que se visa com a previsão do artigo 26.º-A do RCP, que segue o regime do artigo 31.º do mesmo regulamento?
Visa-se reagir contra uma parte da sentença – a que respeita à condenação em custas –, pelo que não estamos em presença de um episódio ou um incidente estranho à normal tramitação e que exija um processado autónomo do que foi seguido pela ação.
Se o fim a atingir é a alteração da sentença numa das suas partes, o legislador poderia prever o regime do recurso para se reagir contra esta condenação, mas não foi este o objetivo do legislador.
Optou antes, por um procedimento tão célere quanto possível, conceder às partes reagir contra a condenação em custas pela via da reclamação, num claro intuito de conferir maior celeridade à apreciação da questão, ainda na instância em que foi proferida a decisão e, também por isso, o prazo diminuído que instituiu para reclamar e decidir (10 dias) e também para recorrer da decisão que incide sobre a reclamação (15 dias).
Não é finalidade do processo condenar ou absolver em custas, mas sim condenar ou absolver do pedido.
Ora, o incidente que constitui a reclamação da conta de custas, no caso da nota justificativa, não tem as características de incidente da instância, nos termos que ficaram expostos, e é exigido pelo regime legal dos incidentes da instância, pelo que não está incluído na previsão do artigo 644.º/1, a), do CPC.
O incidente que constitui a reclamação da conta de custas, no caso da nota justificativa, segue uma tramitação que se inscreve nos trâmites seguidos pela ação em que está integrado, por isso, não é processado autonomamente.
Logo, o prazo para recorrer do despacho de indeferimento da reclamação da conta de custas, no caso da nota justificativa, é de 15 dias, pela aplicação conjugada dos artigos 638.º/1, in fine e 644.º/2, g), ambos do CPC, uma vez que o recurso incide sobre uma decisão proferida depois da decisão final.
Tendo a recorrente sido notificada da decisão que indeferiu a reclamação da nota justificativa, em 08/01/2023, e interposto recurso daquela decisão em 02/02/2023, o recurso é extemporâneo.
Tanto bastaria para confirmarmos o despacho sob reclamação para a conferência, no entanto, acrescentamos os argumentos que seguem e reforçam a mesma solução, quanto ao prazo para interposição de recurso do despacho do tribunal “a quo”, que decidiu sobre a nota justificativa.
Qualquer incidente dispõe sempre de algum grau de autonomia, mas, em nosso entender, foi intenção legislador incluir na referida al. a) do nº1 do art.º 644º do CPC, apenas, os incidentes que a lei processual civil expressamente prevê e regula de forma autónoma relativamente à ação principal, nos art.º 296º a 361º do CPC.
Neste sentido, veja-se a jurisprudência citada no despacho reclamado, Ac. do STJ de 16.06.2015, e Ac. da RE. de 15.12.2016.
Mesmo que se defenda que a reclamação contra a nota justificativa, é um incidente processado autonomamente, pelo que supra se deixou exposto, nunca poderia ser qualificado como incidente da instância, nos termos e para os efeitos pretendidos.
Tratar-se-ia, sempre, de um incidente processado autonomamente, mas estranho ao desenrolar normal da lide, da instância, é um incidente que diz respeito apenas a matéria da nota justificativa de custas.
A ser assim, mesmo tratando-se de um incidente com autonomia processual cuja decisão está sujeita a recurso, cf. nº 3 do art.º 26º - A do RCP, porque não é um incidente da instância, “… uma ocorrência extraordinária que perturba o movimento normal do processo”, Cf. José Alberto dos Reis, in Comentário ao Código de Processo Civil, Vol. 3º, pág. 563, sempre o recurso, da decisão sobre o incidente da reclamação contra a nota justificativa, teria que ser interposto no prazo de 15 dias, pela aplicação conjugada dos artigos 638.º/1, in fine e 644.º/2, al. i), ambos do CPC.
Mas, no presente caso, porque a decisão sobre a reclamação da nota justificativa, (na tese da Reclamante, um incidente processado autonomamente) foi proferida depois da decisão final, sempre seria de aplicar, a norma contida na al. g), do nº 2, do art.º 644º do CPC.

Em conclusão, não se inserindo a decisão recorrida em nenhum dos mencionados incidentes de instância, o respetivo recurso não se enquadra na previsão do da al. a) do nº 1, mas sim no nº 2, al. g), ou al. i), do referido art.º 644º, do CPC, sendo, por isso, de 15 dias o prazo interposição do recurso, cf. 2ª parte do nº1, do art.º 638º, do CPC.
Consequentemente, tendo o recurso sido apresentado depois de integralmente decorrido esse prazo legal, não poderia o mesmo ser admitido.
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Decisão
Pelo exposto, acordam em conferência este coletivo de juízes, da 8ª secção cível do Tribunal da Relação de Lisboa, em confirmar o despacho de 27/11/2023, que indeferiu a reclamação e confirmou o despacho reclamado.
Custas do incidente de reclamação para a conferência, pela Reclamante, com taxa de justiça que se fixa em 1 (uma) UC.
Notifique.

Lisboa, 07/03/2024
Octávio dos Santos Moutinho Diogo
Maria do Céu Silva
Rui Manuel Pinheiro de Oliveira