Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
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| Relator: | FERREIRA DE ALMEIDA | ||
| Descritores: | PROCESSO DE JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA INQUÉRITO ALTERAÇÃO DAS CIRCUNSTÂNCIAS MENORIDADE | ||
| Nº do Documento: | RL | ||
| Data do Acordão: | 05/03/2007 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | CONCEDIDO PROVIMENTO | ||
| Sumário: | I- Os inquéritos realizados no âmbito de processos respeitantes à jurisdição de menores desactualizam-se quando se verifica um grande distanciamento temporal entre o momento em que são elaborados e a data em que é proferida a decisão; in casu o inquérito foi realizado no dia 12-10-2001 e a sentença é de 29-9-2005. II- O princípio que decorre do artigo 663.º do Código de Processo Civil segundo o qual a sentença deve tomar em consideração realidades que se produzam posteriormente à proposição da acção, de modo que a decisão corresponda à situação existente no momento os encerramento da discussão, vale, por maioria de razão, em sede de jurisdição voluntária. III- Tendo sido invocada alteração da situação económica do requerido e sendo manifesto que o decurso do referido lapso de tempo é susceptível de produzir alteração significativa da situação, o Tribunal, antes de decidir, deve, em tais circunstâncias de facto ou outras similares, determinar a realização de novo inquérito de modo a dispor de elementos actualizados. (SC) | ||
| Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa : 1. O Magistrado do Mº Público propôs, contra Alfredo […] e Ana […], acção de regulação do poder paternal, distribuída ao […] Tribunal de Família e Menores […], relativa à menor, filha de ambos, E.[…] . Frustrada a realização de conferência entre ambos, e efectuado inquérito, foi proferida sentença, na qual se confiou a menor à guarda da requerida, ficando o requerido obrigado a prestar-lhe alimentos, fixados no montante de € 160 mensais. Inconformado, de tal decisão interpôs aquele a presente apelação, cujas alegações terminou com a formulação das seguintes conclusões : - Não existem, nos autos de regulação do poder paternal, elementos probatórios suficientes que sustentem a sentença e a mesma não resulta de uma correcta valoração dos relatórios sociais juntos aos autos. - O relatório sobre a situação sócio-económica do requerido data de 12/10/2001 e a sentença que se bastou com tal relatório foi proferida em 29/9/2005, volvidos 4 anos. - Desde 2001, data do relatório social, a vida do requerido alterou-se e bem assim a sua situação sócio-económica. - A sentença versa sobre factos, respeitantes á situação sócio-económica do requerido, manifestamente desfasados da realidade. - Deveria o Tribunal sustentar a decisão em elementos actuais. - Ao requerido foi omitida a possibilidade de fazer prova da sua situação sócio-económica. - As decisões no âmbito dos processos de jurisdição voluntária são tomadas segundo critérios de conveniência e oportunidade tendo em conta o interesse do menor. - A decisão ora em crise não se subsume aos critérios de oportunidade e conveniência, mas sim a um manifesto excesso de julgamento do juiz e, bem assim, um excesso de poder discricionário na tomada de decisão. - A decisão é nula por excesso de conhecimento jurisdicional. - A menor está entregue a uma ama, desde os 3 meses de idade, sendo esta senhora que dela cuida, que providência pelo seu sustento e inclusive lhe dá dormida. - Deveria a ama da menor ser ouvida em fase de inquérito a fim de se tomar uma decisão que salvaguardasse os interesses superiores da menor. - O tribunal a quo não encetou as diligências oportunas para apuramento das condições em que a menor vive. - A sentença fundamentou-se em elementos insuficientes para sustentar a entrega da menor à guarda e cuidados da mãe. - A sentença é nula porque o Mº Juiz a quo não colheu os elementos necessários das entidades fiscais e patronais, nem solicitou aos requeridos os esclarecimentos indispensáveis de modo a definir e quantificar as necessidades da menor e os rendimentos e despesas de cada um dos requeridos. - Na falta desses alimentos, impõe-se a anulação de todos os actos processuais posteriores à junção de inquérito para se completar a instrução do processo. - A prestação de alimentos deverá corresponder ao montante necessário a uma adequada satisfação das necessidades inerentes à idade da menor, ao seu estado de saúde, ás suas aptidões e ao nível social dos progenitores, tendo em vista a promoção do seu desenvolvimento físico, intelectual e moral. - Na fixação dos alimentos, deve obter-se um equilíbrio entre as possibilidades de quem os presta e as necessidades de quem os recebe. - A menor tem como despesas a quantia de € 100, valor auferido pela ama para cuidar, alimentar e dar guarida à menor. - As condições económicas que nortearam a decisão sobre fixação de alimentos, no que ao requerido se refere, são de 2001. - Não existem nos autos elementos sobre o vencimento da requerida que permitam ao Mº Juiz concluir, como o fez, que a situação económica do requerido é superior. - Desde 2001 a Setembro de 2005, a vida do requerido alterou-se substancialmente, tendo-se alterado a sua situação económica, para pior, em face da crise financeira e do elevado custo de vida. - A prestação alimentícia fixada é desproporcional aos rendimentos do requerido. - Deveria o Mº Juiz, antes da tomada da decisão de direito, colher elementos das entidades fiscais e patronais e solicitar esclarecimentos ao requerido de modo a definir e quantificar os seus rendimentos e despesas. - Não poderia o Mº Juiz a quo determinar a actualização da pensão alimentícia pelos índices de inflação publicados pelo INE, uma vez que tal não foi pedido na petição inicial. - O direito a alimentos é um direito actual e não diz respeito ao passado. - O montante de alimentos é devido desde o trânsito em julgado da sentença que deles conhece e fixa e não desde a propositura da acção. - Até à fixação dos alimentos por decisão, a obrigação existente é uma obrigação moral e não legal. - Não se pode aplicar o preceituado no art. 2006º do C.C. e condenar-se o requerido a pagar os alimentos fixados no valor de € 160, desde o ano de 2000, ano da propositura da acção de regulação do poder paternal. - Obrigar a pagar a prestação de alimentos fixada em 2005, desde o ano de 2000, é violento para o requerido e é forçá-lo a passar dificuldades económicas inesperadas e porventura à impossibilidade de cuidar da sua própria sustentação. - O art. 2006º do C.C. só tem aplicação nas acções de alimentos e não nas acções de regulação do poder paternal. - A serem devidos os alimentos desde a propositura da acção, sempre se deveria operar uma redução na pensão ora fixada no que aos anos anteriores respeita. - Não houve uma correcta aplicação do art. 177º, nº2, da OTM, quando se prescindiu da fase das alegações, não se concedendo ao requerido a oportunidade de prestar e alegar o que entendesse por conveniente, uma vez que esteve presente na data agendada, pela 1ª vez, para conferência e não foi notificado de outra data. - E tanto assim é que não recebeu qualquer multa por ter faltado a uma diligência cuja comparência era obrigatória e pessoal. - Não existiu qualquer promoção ou pronúncia sobre requerimentos juntos aos autos pelo requerido. - Houve incorrecta interpretação do disposto nos arts. 2004° e 2006° do C.Civil. - Nestes termos, se pede o provimento do presente recurso e consequentemente a anulação da sentença ora em crise. Não foram apresentadas contra-alegações. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir. 2. Em 1ª instância, foi dada como provada a seguinte matéria factual : - A menor E.[…], nascida a 31/8/97, é filha dos requeridos. - Os progenitores da menor viveram em união de facto durante alguns anos, tendo a menor nascido dessa ligação. - A requerida continua ainda afectivamente ligada ao requerido, alimentando a possibilidade de uma reconciliação e vivência em comum, não permitindo que a menor conviva com a pessoa com quem o requerido constituiu novo agregado familiar. - O agregado familiar da requerida é constituído por esta e pela menor, residindo numa casa arrendada, que ocupa o 1º andar de uma moradia de dois pisos. A casa é composta por quatro assoalhadas. - A requerida é empregada de balcão e aufere um vencimento líquido de € 365 mensais, efectuando, sempre que tem oportunidade, horas extraordinárias, o que lhe permite auferir em média cerca de € 600. - Tem encargos mensais fixos com a renda da casa no montante de € 300, com consumos domésticos no montante de € 50 e com a ama da filha no montante de € 100. - A menor tem estado sempre aos cuidados exclusivos da mãe desde a separação dos requeridos; após as aulas a menor vai para casa da ama, sendo esta que a vai buscar à escola e a leva para a casa da requerida após esta terminar o seu horário laboral; é em casa da ama, que toma conta da menor desde os três meses de idade, que a menor toma as refeições principais do dia e por vezes também aí pernoita. - A menor é urna criança sociável e está afectivamente ligada à progenitora; verbalizou à assistente social ter saudades do pai e que gostava de o poder visitar na sua casa. - As visitas do pai à filha são pontuais e têm-se limitado, face à postura da progenitora, a quando a menor está com a ama, que é mãe da sua companheira. - O requerido reside com uma companheira e os filhos desta numa moradia própria, que tem condições de habitabilidade. - O requerido desempenha a profissão de serralheiro, por conta própria, auferindo um vencimento líquido mensal de cerca de € 897; tem trabalhadores a seu cargo; despende cerca de € 100 mensais com consumos domésticos; a sua companheira trabalha, auferindo cerca de € 423 mensais. - O requerido não comparticipa nas despesas da menor, justificando esta atitude com o facto de não ter acesso à filha. 3. Nos termos dos arts. 684º, nº3, e 690º, nº1, do C.P.Civil, acha-se o objecto do recurso delimitado pelas conclusões do recorrente. A questão a decidir centra-se, pois, na apreciação da decisão que regulou o poder paternal, relativamente à menor, filha dos requeridos. Sustenta, a tal respeito, antes de mais, o requerido, ora apelante, achar-se totalmente desactualizada, face ao tempo decorrido após a realização do inquérito a si respeitante, a factualidade na qual se fundou a decisão recorrida. Conforme dispõe o art. 663º, nº1, daquele diploma, deve a sentença tomar em consideração os factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito que se produzam posteriormente à proposição da acção, de modo que a decisão corresponda à situação existente no momento do encerramento da discussão. Por maioria de razão, terá tal princípio aplicação em sede de jurisdição voluntária, como a de menores - na qual o tribunal não está sujeito a critérios de legalidade estrita, devendo antes adoptar em cada caso a solução que julgue mais conveniente e oportuna (arts. 1410º C.P.Civil e 150º OTM). No caso, resulta dos autos que - ao invés do ocorrido quanto à requerida e à menor sua filha, relativamente às quais se recolheu informação mais actualizada - decorreram cerca de 4 anos, entre a data (12/10/2001) do relatório elaborado relativamente à situação do apelante, e aquela (29/9/2005) em que veio a ser proferida a sentença sob recurso. Afigura-se manifesto que o decurso de tal lapso de tempo é susceptível de produzir alteração significativa da situação, sobretudo económica, das partes, em termos de justificar sensível modificação da base factual em que assentou a sentença proferida. Impor-se-ia, assim que, previamente à prolação da mesma, houvesse sido ordenada a efectivação de diligências, incluindo a realização de novo inquérito, com vista à obtenção de elementos, actuais, respeitantes à situação do apelante. Na sua falta, haverá que, fazendo uso da faculdade conferida pelo art. 712º, nº4, do C.P.Civil, concluir pela anulação de tal decisão - quedando-se, consequentemente, prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas. 4. Pelo acima exposto, se acorda em, concedendo provimento ao recurso, anular a decisão recorrida, ordenando -se a sua substituição por outra que determine a realização de novas diligências probatórias, nos termos supra referidos. Custas a fixar a final. Lisboa, 3 de Maio de 2007 (Ferreira de Almeida - relator) (Salazar Casanova - 1º adjunto) (Silva Santos - 2º adjunto) |