Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1002/14.5T8CSC-C.L1-7
Relator: ORLANDO NASCIMENTO
Descritores: RESPONSABILIDADES PARENTAIS
ALIMENTOS
FUNDO DE GARANTIA DE ALIMENTOS DEVIDOS A MENORES
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/13/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: 1. A decisão judicial, proferida nos termos do disposto no art.º 9.º, n.º 4, do DL n.º 164/99, de 13 de Maio, está limitada, no seu veredicto, à apreciação da questão da “renovação da prova”, encontrando-se vinculada, relativamente ao quantum da prestação a cargo do FGSDM, pela força de caso julgado da primitiva decisão, que a fixou.
2. A fixação desse quantum, transitada em julgado a respetiva decisão, não mais poderá ser discutida nos autos, sob pena de violação do instituto do caso julgado, consagrado no art.º 619.º, do C. P. Civil.
3. A prestação a cargo do Fundo, cuja “renovação da prova” foi feita por decisão de 13/3/2014, e que terminou em 8/11/2015, com a maioridade do alimentando, em nada pode ser afetada pelo Acórdão Uniformizador de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, n.º 5/2015.
(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes, do Tribunal da Relação de Lisboa.


1. RELATÓRIO:


Nesta ação de incumprimento de responsabilidades parentais relativa ao menor Ruben .. … …, em que é requerente Maria e requerido, Paulo, foi proferida decisão, declarando o incumprimento da obrigação de alimentos a cargo do requerido e subsequentemente foi proferida decisão, fixando a prestação a cargo do Fundo de Garantia de Alimentos, a ser entregue à requerente, no valor de € 384,00 mensais, cujo pagamento se iniciou em1/4/2009.

Posteriormente foram proferidas decisões, julgando renovada a prova de insuficiência económica e mantendo a prestação de alimentos, a última das quais em 13/3/2014, a fls. 48.

Inconformado com esta última decisão, de 13/3/2014 o Fundo de Garantia dela interpôs recurso, recebido como apelação, pedindo a sua revogação na parte em que condena o FGADM em valor superior à prestação a cargo do progenitor, que é de € 150,00 mensais, formulando conclusões, nas quais suscitou na parte pertinente a esse pedido, as seguintes questões:
- A obrigação de prestação de alimentos pelo FGADM é autónoma da prestação alimentícia decorrente do poder paternal e não decorre automaticamente da lei, sendo necessária uma decisão judicial que a imponha, ou seja, até essa decisão não existe qualquer obrigação (conclusões M) a O).
- A sub-rogação não pode exceder a medida da sub-rogação total, porquanto, se o terceiro paga mais do que ao devedor competia pagar, ele não tem o direito de exigir do devedor o reembolso pelo excesso, e só poderá exigir do credor a restituição do que este recebeu indevidamente (conclusões P) a U).
- Aceitar que a prestação fosse superior seria instituir-se, sem apoio normativo, uma prestação social em parte não reembolsável e, ainda para mais, sem que o credor a tenha de restituir como 'indevida" (conclusões V) a W).
- Não tem qualquer suporte legal fixar-se uma prestação alimentícia a cargo do FGADM superior à fixada ao progenitor, pois a diferença que daí resulta é fixada apanas para o FGADM e é uma obrigação nova (conclusão X).
- Ao manter-se a decisão, a obrigação e responsabilidade de prestar alimentos deixará de ser imputável aos progenitores obrigados, passando a ser única e exclusivamente da responsabilidade do FGADM (conclusão Y).

Não foram apresentadas  contra-alegações.

2. FUNDAMENTAÇÃO.

A) OS FACTOS.

A matéria de fato a considerar é a acima descrita e a que referiremos na altura própria, sendo certo que a questão submetida à nossa apreciação se configura, essencialmente, como uma questão de direito. 

B) O DIREITO APLICÁVEL.

O conhecimento deste Tribunal de 2.ª instância, quanto à matéria dos autos e quanto ao objeto do recurso, é delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente como, aliás, dispõem os art.ºs 635.º, n.º 2 e 639.º 1 e 2 do C. P. Civil, sem prejuízo do disposto no art.º 608.º, n.º 2 do C. P. Civil[1] (questões cujo conhecimento fique prejudicado pela solução dada a outras e questões de conhecimento oficioso).
Atentas as conclusões da apelação e as questões parcelares, nela suscitadas, a questão submetida ao conhecimento deste Tribunal pelo apelante consiste, tão só, em saber se a decisão de 13/3/2014 podia fixar a prestação de alimentos a cargo do FGADM, mantendo-a, na quantia em que a fixou.

I. A questão.
A questão subjacente à apelação, consistente em saber se a prestação de alimentos a cargo do apelante pode ser fixada em quantia superior à obrigação de alimentos a cargo do progenitor faltoso, ou se a mesma não pode exceder tal quantia, não é nova e sobre ela, desde cedo, se estabeleceu divergência jurisprudencial, que se manteve, durante muito tempo, quer ao nível dos Tribunais da Relação onde inicialmente se gerou[2], quer ao nível da intervenção do Supremo Tribunal de Justiça[3][4], o qual veio a fixar jurisprudência obrigatória no sentido de que “Nos termos do disposto no artigo 2° da lei n. 75/98, de 19 de novembro, e no artigo 3° n° 3 do Dec. Lei n.º 164/99, de 13 de maio, a prestação a suportar pelo fundo de garantia de alimentos devidos a menores não pode ser fixada em montante superior ao da prestação de alimentos a que está vinculado o devedor originário[5].

Esta questão jurídica encontra-se, pois, ultrapassada o que, na economia dos autos, significaria que a prestação a cargo do Fundo não poderia ultrapassar a medida da prestação de alimentos não cumprida, no valor de € 150,00.
Não é essa, todavia, a questão da apelação, uma vez que a prestação foi fixada em € 384,00, por decisão transitada em julgado, a qual foi sendo renovada ao longo do tempo.
O que constitui objeto da presente apelação é a questão de saber se a decisão recorrida, de 13/3/2014, podia fixar a prestação a cargo do Fundo em outra quantia, que não aquela que foi fixada na primitiva decisão.
Sobre esta concreta questão dispõe o art.º 9.º, n.º 1, do DL n.º 164/99, de 13 de Maio, que “1 - O montante fixado pelo tribunal mantém-se enquanto se verificarem as circunstâncias subjacentes à sua concessão e até que cesse a obrigação a que o devedor está obrigado” e mais dispõe o n.º 4 do mesmo preceito que “4 - A pessoa que recebe a prestação fica obrigada a renovar anualmente a prova, perante o tribunal competente, de que se mantêm os pressupostos subjacentes à sua atribuição”.
A decisão de 13/3/2014 foi proferida nos exatos limites deste n.º 4, do art.º 9.º, limitando-se o seu veredicto à “renovação da prova” e no mais se encontrando vinculada perla força de caso julgado da primitiva decisão, que fixou o quantum da prestação a cargo do Fundo.
A fixação desse quantum, transitada em julgado a respetiva decisão, não mais poderia ser discutida nos autos, sob pena de violação do instituto do caso julgado, consagrado no art.º 619.º, do C. P. Civil.
Nos termos do despacho de fls. 23 a prestação a cargo do Fundo cuja “renovação da prova” foi feita pela decisão recorrida, de 13/3/2014, terminou em 8/11/2015, e em nada pode ser afetada pelo Acórdão Uniformizador n.º 5/2015 acima citado.
Improcede, pois, a questão e com ela a apelação, devendo confirmar-se a decisão recorrida.

C) EM CONCLUSÃO.

1. A decisão judicial, proferida nos termos do disposto no art.º 9.º, n.º 4, do DL n.º 164/99, de 13 de Maio, está limitada, no seu veredicto, à apreciação da questão da “renovação da prova”, encontrando-se vinculada, relativamente ao quantum da prestação a cargo do FGSDM, pela força de caso julgado da primitiva decisão, que a fixou.
2. A fixação desse quantum, transitada em julgado a respetiva decisão, não mais poderá ser discutida nos autos, sob pena de violação do instituto do caso julgado, consagrado no art.º 619.º, do C. P. Civil.
3. A prestação a cargo do Fundo, cuja “renovação da prova” foi feita por decisão de 13/3/2014, e que terminou em 8/11/2015, com a maioridade do alimentando, em nada pode ser afetada pelo Acórdão Uniformizador de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, n.º 5/2015.

3. DECISÃO.

Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando a decisão recorrida.
Sem custas.



Lisboa, 13 de setembro de 2016.



(Orlando Nascimento)
(Alziro Cardoso)
(Dina Monteiro)


[1]Aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho e aplicável ex vi art.º 5.º, n.º 1, da referida lei.
[2]Na jurisprudência mais recente, entre outros, todos in dgsi.pt:
No sentido de que a prestação a cargo do Fundo pode exceder a prestação incumprida, entre outros, os acórdãos da Relação de Lisboa de 11/7/2013 (relatora: Maria José Mouro), 29/3/2014 (relator: Rui Ponte Gomes), 29/4/2014 (relatora: Maria Adelaide Domingos), 1/7/2014 (relator: Roque Nogueira), 9/7/2014 (relator: João Ramos Sousa), 16/10/2014 (relator: Tomé Ramião), 29/1/2015 (relatora: Catarina Manso), 10/2/2015 (relatora: Dina Monteiro); da Relação de Coimbra de 24/6/2008 (relator. Jacinto Remigio Meca), 22/10/2013 (relator: Fonte Ramos), de 3/12/2013 (relator: Jaime Ferreira), 10/12/2013 (relator: Carlos Moreira), 11/2/2014 (relator: Luís Cravo), 11/3/2014 (relatora: Catarina Gonçalves), 10/2/2015 (relator: Falcão de Magalhães); da Relação de Évora de 31/10/2013 (relator: Cristina Cerdeira), de 28/11/2013 (relator: Canelas Brás), de 27/3/2014 (relator: Acácio Neves), de 5/6/2014 (relator: Eduardo Tenazinha), de 13/12/2014 (relatora: Assunção Raimundo); da Relação de Guimarães de 26/6/2012 (relator: Ana Cristina Duarte), 14/11/2013 (relator: Jorge Teixeira), 5/12/2013 (relator: Manso Raínho), 17/12/2013 (relator: Estelita de Mendonça), 17/12/2013 (relator: Moisés Silva), de 9/1/2014 (relator: Heitor Gonçalves),de 23/1/2014 (relator: Conceição Bucho), 30/1/2014 (relatora: Manuela Fialho), de 30/1/2014 (relatora: Ana Cristina Duarte), com voto de vencido, de 6/2/2014 (relator: Heleno Melo), de 6/2/2014 (relator: António Sobrinho), de 13/3/2014 (relator: Fernando Fernandes Freitas), de 10/4/2014 (relator: Filipe Caroço), com voto de vencido, de 24/4/2014 (relatora: Isabel Rocha); da Relação do Porto de 28/11/2013 (relatora: Judite Pires) e de 11/3/2014 (relator: Rodrigues Pires), ambos com voto de vencido, de 13/11/2015 (relator: Vieira e Cunha).
No sentido de que a prestação a cargo do fundo não poderá exceder a prestação inicial de alimentos, entre outros, os acórdãos da Relação de Lisboa de 8/11/2012 (relator: Aguiar Pereira), de 19/12/2013 (relatora: Fernanda Isabel Pereira), 30/1/2014 (relator: António Martins), 20/3/2014 (relator: Maria de Deus Correia), 13/3/2014 (relatora: Anabela Calafate), 13/3/2014 (relatora: Fátima Galante), 10/4/2014 (relator: Carlos Marinho), 19/6/2014 (relatora: Teresa Soares), 11/9/2014 (relator: Luís Correia de Mendonça); da Relação de Coimbra de 5/11/2013 (relator: Carvalho Martins), de 11/2/2014 (relatora: Maria Domingas Simões); da Relação de Évora de 19/12/2013 (relator: José Lúcio), de 19/12/2013 (relator: Francisco Xavier), este com voto de vencido, 12/3/2015 (relator: Paulo Amaral); Da Relação do Porto de 18/2/2014 (relatora: Márcia Portela), com voto de vencido.
[3]Cfr., in dgsi.pt, os acórdãos de 30/09/2008 (relator: Sebastião Póvoas), decidindo que a prestação a suportar pelo Fundo pode, ou não coincidir com a inicialmente fixada no processo de alimentos, de 4/6/2009 (relator: Maria dos Prazeres Pizarro Beleza), que decide diretamente a questão no sentido de a segunda prestação poder exceder a inicial, o acórdão de 12/7/2011 (relator: Hélder Roque) que ao referir episodicamente que a segunda prestação será, por regra, equivalente à primeira, admite a possibilidade de divergência. Em sentido contrário, os acórdãos de 29/5/2014 (relator: Bettencourt de Faria) e de 13/11/2014 (relatora: Ana Paula Boularot), este com voto de vencido.
[4]Na doutrina, no mesmo sentido da jurisprudência inicial do Supremo Tribunal de Justiça, se pronunciaram Remédio Marques, Algumas Notas Sobre Alimentos Devidos a Menores, 2.ª ed., págs. 237-239 e Helena Melo e outros, Poder Paternal e Responsabilidades Parentais, Quid Juris, 2.ª ed., pág. 110.
[5]Acórdão Uniformizador n.º 5/2015, de 19/3/2015, (Relator: Fernanda Isabel Pereira), publicado in DR, I Série, n.º 85, de 4/5/2015, págs., 2223-2236.