Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
563/12.8TBSSB.L1-2
Relator: TERESA ALBUQUERQUE
Descritores: ACÇÃO DE SIMPLES APRECIAÇÃO
ÓNUS DA PROVA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 07/04/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I - Nas acções de apreciação negativa pretende-se que o tribunal declare a inexistência de um direito ou de um facto, sendo que o que lhes subjaz é uma atitude de arrogância extra-judicial por parte do réu relativamente à titularidade desse direito ou à existência desse facto, arrogância essa que prejudica o A.
II - Enquanto que nos outros tipos de acção a alegação e prova dos factos constitutivos do direito que se pretende fazer valer em juízo, competem aquele que os invoca, ou seja, ao autor – art 342º CC - nas acções de simples apreciação negativa, não cabe ao autor alegar e provar, pela negativa, que o direito ou facto não existe, mas compete ao réu que vinha arrogando extra-judicialmente a existência desse direito ou facto, alegar e provar pela positiva, tal existência. Dá-se uma inversão do ónus da prova, como resulta do art 343º/1 CC, adjectivando-se depois essa inversão do ónus da prova no art 502º CPC, referindo-se que o prazo para replicar, nestas acções, se alarga de 15 para 30 dias (cfr nº 3 do art 502º) e que a réplica (funcionando como contestação) serve para o autor impugnar os factos constitutivos que o réu tenha alegado e alegar os factos impeditivos ou extintivos para excluir o direito que o réu tenha invocado.
III - Apesar do assim disposto nestes artigos 343º/1 e 502º/3 do CPC, não se mostra pacifico neste tipo de acções o encargo da alegação que cabe ao autor.
IV -Sabendo-se que a alegação e prova dos factos constitutivos do direito que se discute nos autos compete ao réu, autores há que entendem que apenas compete ao autor na petição inicial a alegação e depois a prova da arrogância extrajudicial do réu relativamente à existência do direito ou do facto, de tal modo que se este não lograr esta prova, a acção se deverá ter como procedente.
V - Outros autores entendem que cabe ao autor nestas acções a prova do facto impeditivo, modificativo ou extintivo da situação jurídica, na medida em que nelas vigora, como nas restantes acções, o ónus da alegação da causa de pedir.
VI - A finalidade que subjaz à apreciação negativa parece impedir que se dissociem em réus diferentes os comportamentos que justificam este tipo de acção.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa

I - “A” intentou a presente acção de simples apreciação negativa, sob a forma de processo sumário, contra a “Administração Conjunta da Augi “B” — ...”, “C” e “Moradias “D” — Investimentos Imobiliários, Lda”, pedindo que seja declarada a inexistência do direito da R. “Administração Conjunta da Augi “B” – ... lhe solicitar o pagamento das despesas que lhe solicita.
Para o efeito alegou ser dona de um determinado prédio urbano que comprou em 28/10/2009 à R. “Moradias “D””, que nesse acto foi representada pelo R. “C”, seu sócio gerente, e que era proprietária desse imóvel e de outros no loteamento em que o mesmo se encontra inserido, loteamento esse sob alçada de uma “Augi” da qual a R. “Administração Conjunta da Augi “B” – ...” é a responsável. Antes dessa aquisição a A. celebrou com a R. “Moradias “D”” um contrato promessa e aquando das negociações desse contrato e mesmo depois da escritura da compra do imóvel, o R. sempre referiu que “inexistiam sobre o referido imóvel quaisquer ónus ou encargos de natureza tributaria e/ou outra, ou quaisquer outros valores a pagar posteriormente, fossem a que título fossem, que não haveria mais nada a pagar, e que, na hipótese remota de ser necessário pagar algo, sempre seria para os arruamentos, mas que essas comparticipações seriam pagas por si, enquanto vendedor e, à data, loteador, e não pelos proprietários que viessem a adquirir tais lotes”. Não obstante, a A., bem como outros proprietários tinham dúvidas a esse respeito, na medida em que nalguns contratos promessa a R. fazia inscrever um intróito em que dizia: «Considerando que foi informado pelo 1º outorgante e aceite pela 2ª outorgante que as despesas decorrentes de infra estruturas de arruamentos serão da responsabilidade da 2ª outorgante, designadamente referente a um processo que se encontra ano gabinete da Augi na Câmara Municipal de ... e que corresponde às infra-estruturas onde se localiza a moradia descrita na 1ª clausula do presente…». Ora a R. não explicou o que era uma “Augi” e dizia que “essa inscrição se tratava de uma exigência da Câmara Municipal de ... para que esta pudesse proceder à venda dos lotes”. Só mais tarde é que começaram a ser notificados os proprietários dos imóveis de que decorria uma “Augi” nesse loteameneto e que era sua obrigação a comparticipação nas despesas desta. Confrontado com esta exigência, o R. deu o dito por não dito, vendo-se pois, a aqui A., submetida à obrigação de pagar aquelas comparticipações que perfazem o valor de € 12.694,00, sendo que o R. tinha assumido essa dívida. Deste modo, entende a A. ter direito de exigir que o R. e a R. “Moradias “D” – Investimentos Imobiliários Lda” sejam declarados investidos na obrigação de pagamento das despesas para a “Augi”, bem como, ser declarada a inexistência de obrigação da A. na comparticipação das despesas da “Augi” que a R. “Administração Conjunta da Augi “B” – ...” lhe imputa.
A R. “Administração Conjunta da Augi “B” – ...” contestou fazendo notar a disciplina do art 3º da  L 91/95 de 2/9 de que resulta que a obrigação de comparticipação para as despesas de reconversão reveste natureza “propter rem”, referindo ainda ser alheia aos negócios que têm por objecto os prédios que integram a “Augi”.
Os RR. “C” e “Moradias “D”” contestaram, por excepção, arguindo a ilegitimidade do R. “C” por ter agido apenas como gerente da R., e por impugnação, negando os factos alegados pela A., designadamente, que não existiu qualquer loteamento do terreno da R. “Moradias “D””, mas apenas a construção de um único edifício em regime de propriedade horizontal, não ter tal R. assumido o pagamento de qualquer despesas decorrentes das infra estruturas, antes as mesmas terem sido expressamente assumidas pela A. como resulta do contrato promessa, do qual resulta igualmente ter a mesma conhecimento da existência da “Augi”.
A A. respondeu à excepção reafirmando a legitimidade do R., invocando para o efeito a disciplina do art 79º CSC.

Foi proferido despacho saneador no qual se julgou improcedente a excepção de ilegitimidade e, entendendo-se que os autos permitiam o conhecimento imediato do pedido, foi a acção julgada improcedente, sendo declarada a existência do direito da R., “Administração Conjunta da Augi “B” – ...” a reclamar da A., “A”, o pagamento da respectiva comparticipação nas despesas de reconversão.

II – Do assim decidido apelou a A. que concluiu as respectivas alegações nos seguintes termos:
1-A douta sentença não julgou devidamente as normas jurídicas em causa, alicerçada nos factos.
2-Pois se o fizesse a solução imperativa no caso concreto seria a procedência da acção.
3-E, consequentemente, a obrigação dos recorridos no pagamento das despesas inerentes a “Augi” e gasto por esta realizados.
4- Pois tratando-se de urbanizador, essa obrigação pende sobre a sua esfera jurídica.
5-Ademais não foram devidamente ponderados os arts 457º e 458º ex vi com o art 398º, não existe promessa liberatória.
6- Antes a assunção de responsabilidades por parte dos recorridos que mais tarde não cumpriram, o que se encontra devidamente provado por prova documental.
7- A douta sentença recorrida incorreu também no vício de considerar que tal promessa liberatória não passou disso mesmo, quando na verdade se trata de uma vontade séria e imperativa contratual nos termos do art 405º CPC existente entre as partes.
8 – E se assim fosse considerado a decisão certamente deveria e seria diferente, a acção procederia e prosseguiria.

Os RR “C” e “Moradias “D”” ofereceram contra-alegações nelas defendendo a improcedência da  apelação.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

III – O tribunal da 1ª instância, em virtude dos documentos juntos aos autos e da confissão das partes, considerou assente a seguinte factualidade:
1) Por documento denominado “contrato de promessa de compra e venda”, datado de 29 de Julho de 2009, a 3ª ré, representada pelo 2º réu e na qualidade de primeiro outorgante, prometeu vender à autora, na qualidade de segunda outorgante, que aceitou comprar, a moradia a que corresponde a fracção B sita na Avenida ..., ..., freguesia de ..., concelho de ..., descrita na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º ... e inscrita na respectiva matriz sob o artigo ...;
2) Mais consta no referido documento que “foi informado pelo Primeiro Outorgante e aceite pela Segunda Outorgante que as despesas decorrentes de infra estruturas de Arruamento serão da Responsabilidade da Segunda Outorgante, designadamente referente a um processo que se encontra no Gabinete da AUGI onde se localiza a moradia” prometida vender;
3) Por escritura pública lavrada em 28 de Outubro de 2009, no Cartório Notarial de ..., o 2º réu, na qualidade de sócio e gerente e em representação da 3ª ré, declarou vender à autora, que declarou comprar, pelo preço de cento e noventa mil euros, a fracção autónoma designada pela letra B e a que corresponde a fracção direita do prédio urbano sito na Avenida ..., ..., freguesia de ..., concelho de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º ... e inscrito na respectiva matriz sob o artigo ...;
4) A referida fracção integra o perímetro da Augi “B”-..., sujeito à administração conjunta da 1ª ré e encontra-se inscrita no registo a favor da autora através da ap. ... de 2009/11/02.

IV – Conjugando o teor da sentença recorrida com as conclusões das alegações está em causa saber se, ao contrário do que foi entendido naquela sentença, se deverá entender ter existido por parte dos RR. “Moradias “D”” e “C” a assunção da responsabilidade pelas despesas cujo pagamento é reclamado da apelante pela R., “Administração Conjunta da Augi “B” – ....

A sentença recorrida, depois de lembrar o conteúdo do art. 3º da L 91/95 de 2/09, segundo a qual, «a reconversão urbanística do solo e a legalização das construções integradas em Augi constituem dever dos respectivos proprietários ou comproprietários», entendeu não existir «qualquer fundamento jurídico para a peticionada declaração de inexistência do direito da 1ª R., na qualidade de administração conjunta da Augi, de reclamar da A. o respectivo pagamento» (…) e que «da factualidade alegada não resulta a existência de uma assunção de dívida por parte dos 2º e 3º RR que de algum modo pudesse vincular a 1ª R. e, concomitantemente, desonerasse a A. daquela obrigação, desde logo por se tratar de um acordo a que 1ª R. foi absolutamente alheia (cfr art. 505º CC)», além de que, a tratar-se de «mera promessa de liberação, os seus efeitos sempre seriam meramente obrigacionais, caso em que à A. apenas assistiria o direito a oportunamente reclamar dos 1º e 2º RR. o pagamento das despesas que tivesse suportado e que aqueles houvessem prometido pagar, não sendo esta a sede própria para esse efeito, posto que a presente acção é de simples apreciação».

Sem prejuízo da pertinência das considerações que se acabam de transcrever – referentes ao carácter meramente obrigacional de um alegado reconhecimento de divida que, ainda que constasse de documento escrito, nada valeria perante a 1ª R., a ele alheio, e a  inexistência de uma assunção de dívida que implicaria a ratificação da 1ª R., quando nem alegado foi que esta tivesse tido conhecimento do acordo referente àquela pretendida assunção [1]– a verdade é que a manifesta improcedência do pedido formulado, e com ela a improcedência da acção logo no saneador, devem ser aferidas em função do tipo de acção que a A. entendeu propor -  acção de simples apreciação negativa  - e das  suas específicas características.

Como é sabido, o que justifica as acções de simples apreciação, ou de declaração – que se podem configurar como positivas ou negativas – é, genericamente, a necessidade de reagir contra uma situação de incerteza acerca da existência, ou inexistência, de um direito, ou de um facto. O autor pretende que o tribunal aprecie essa situação de incerteza jurídica e ponha termo a tal insegurança, que o prejudica (ainda que esse prejuízo se possa não configurar como material ou económico).

Nas acções de apreciação negativas pretende-se que o tribunal declare a inexistência de um direito, ou de um facto, sendo que o que lhes subjaz é uma atitude de arrogância extra-judicial por parte do réu relativamente à titularidade de um direito, ou à existência de um facto, arrogância essa que prejudica o A.
Enquanto que nos outros tipos de acção, a alegação e prova dos factos constitutivos do direito que se pretende fazer valer em juízo, competem aquele que os invoca, ou seja, ao autor – art 342º (embora este artigo faça referência ao ónus da prova, ele é extensivo ao ónus da alegação), nas acções de simples apreciação negativa, não cabe ao autor alegar e provar – pela negativa – que o direito ou facto não existe, mas compete ao réu que vinha arrogando extra-judicialmente a existência desse direito ou facto, alegar e provar pela positiva, tal existência. O que sucede, porque reconhecidamente é muito difícil provar pela negativa a inexistência de um direito ou de um facto.
Dá-se uma inversão do ónus da prova [2], preceituando-se, sem outras referências, no art 343º/1 CC que, «nas acções de simples apreciação ou declaração negativa, compete ao réu a prova dos factos constitutivos do direito alegado» adjectivando-se depois essa inversão do ónus da prova no art 502º CPC, referindo-se que o prazo para replicar, nestas acções, se alarga de 15 para 30 dias (cfr nº 3 do art 502º) e que a réplica (funcionando como contestação) serve para o  autor impugnar os factos constitutivos que o réu tenha alegado e alegar os factos impeditivos ou extintivos para excluir o direito que o réu tenha invocado.

Apesar do assim disposto nestes artigos 343º/1 e 502º/3 do CPC, não se mostra  pacifico neste tipo de acções o encargo da alegação que cabe ao autor.
Sabendo-se que a alegação e prova dos factos constitutivos do direito que se discute nos autos compete ao réu, autores há que entendem que apenas compete ao autor na petição inicial a alegação, e depois a prova, da arrogância extrajudicial do réu relativamente à existência do direito ou do facto, de tal modo que se este não lograr esta prova, a acção se deverá ter como procedente. Assim, Castro Mendes [3], Anselmo de Castro [4], Montalvão Machado/Paulo Pimenta [5].
Outros autores – Teixeira de Sousa [6], Remédio Marques [7] - entendem que cabe ao autor nestas acções a prova do facto impeditivo, modificativo ou extintivo da situação jurídica, na medida em que nelas vigora, como nas restantes acções, o ónus da alegação da causa de pedir.
Referindo a este respeito Remédio Marques: «Assim se o réu quiser afirmar a existência da situação jurídica (que o autor pretende ver negada) e não somente a falta de prova da inexistência dessa situação) deve formular um pedido reconvencional (art 274º/1 CPC): se esse pedido reconvencional for julgado procedente, tendo o réu logrado provar o facto constitutivo da situação jurídica alegada na reconvenção (…) a acção de simples apreciação é julgada improcedente, mas fica estabelecida a existência da situação negada pelo autor, achando-se este impossibilitado de propor uma nova acção com fundamento em outro facto impeditivo, modificativo ou extintivo. Se pelo contrário o autor não conseguir provar o facto impeditivo, modificativo ou extintivo que alega como causa de pedir (…) e o réu também não conseguir provar o facto constitutivo da situação por ele alardeada (…) a acção de simples apreciação negativa deve ser julgada improcedente, à luz do critério previsto no art 516º CPC (…): neste caso o autor não fica impedido de demandar novamente o réu com fundamento em outro facto impeditivo, modificativo ou extintivo da situação negada». Acrescentado mais adiante: «A improcedência destas acções só faz caso julgado material, tornando imodificável o decidido, se e quando o réu deduzir reconvenção e nela pedir que se reconheça a existência (e a validade e eficácia) da situação jurídica que o autor pretende ver negada através da decisão judicial»  
Já Teixeira de Sousa, se pronuncia concretamente do seguinte modo: «Nessa acção, como em qualquer outra, incumbe ao autor provar os factos invocados como causa de pedir (que, no caso concreto, é constituída pelos factos impeditivos ou extintivos do direito alegado pelo réu ou pelos factos pelos quais o autor retira a inexistência daquele direito); se não conseguir realizar essa prova, a acção é julgada improcedente, ou seja, o tribunal não declara inexistente o direito alegado pelo réu. Mas o réu também pode obter nessa mesma acção, a declaração da existência do direito que se arroga: nessa hipótese, tem de formular o correspondente pedido de apreciação (positiva) desse direito e alegar e provar os respectivos factos constitutivos (art 343º/1 CC). (…) Deve atentar-se que a improcedência do pedido do autor, não implica o reconhecimento de que o direito invocado pelo A  (e agora negado) pertence ao réu (…) O  réu de uma acção de apreciação -  pode assumir uma de duas condutas: ou limitar-se a impugnar os factos alegados pelo autor, caso em que a improcedência da acção apenas define que o autor não provou a inexistência desse direito; ou cumular com essa impugnação, a alegação dos factos constitutivos do direito que se arroga, hipótese em que o tribunal, se considera procedente esta sua alegação, o julga como titular desse direito».

Na situação dos autos, o que se vem de dizer sempre relevaria para se concluir que, pese embora a improcedência da acção, esta improcedência, na ausência de pedido reconvencional deduzido pela R. “Administração Conjunta da Augi “B” – ..., que inexistiu, não deveria ter implicado que fosse declarada a existência do direito dessa R. a reclamar da A. o pagamento da respectiva comparticipação nas despesas de reconversão, como foi decidido na 1ª instância.
Sucede que, apesar deste segmento na parte dispositiva da sentença se mostrar desfavorável ao apelante, a questão desse indevido pronunciamento pelo tribunal não integrou os fundamentos do recurso, motivo por que não poderá no aspecto acima relevado ser alterada a decisão.   

Mas, como acima se referiu, a improcedência da acção resulta dos próprios termos em que é colocada.
È que a finalidade que subjaz à apreciação negativa pretendida neste tipo de acções parece impedir que se dissociem em réus diferentes os comportamentos que a justificam, como o faz a aqui A.
Se, na base de um pedido de simples apreciação negativa se há-de encontrar uma atitude de jactância por parte do R. no sentido de se afirmar titular de uma determinada situação jurídica contra quem acaba por se colocar na posição de autor nessa acção, quando este pretenda que faça caso julgado que aquela situação de que o réu se arroga não existe, parece que apenas contra ele poderá dirigir a acção e não contra terceiros. O interesse em agir subjacente à posição activa na acção de simples apreciação negativa postula que o nela autor tenha por injustificada a atitude do réu ao afirmar-se/propalar-se extra-judicialmente como titular de uma determinada situação jurídica – vg afirmando-se credor do autor - por bem dever saber que o não é, sendo por isso que é confrontado na acção para que prove que o é. Assim, quando a jactância se traduza na afirmação de um direito contra o autor, quem assim o provoca há-de, naturalmente, conjugar na sua pessoa a jactância e a pretendida qualidade de credor deste.

Ora na acção que A. aqui apelante interpôs, a mesma não coloca minimamente em crise a atitude da 1ª R. em se afirmar como sua credora. Não lhe atribui qualquer atitude de jactância, isto é, não configura a atitude desta R. como provocatória. Pois para o ser, em qualquer grau, por mínimo que fosse, seria absolutamente necessário que estivesse ao corrente do alegado acordo da 3ª R. com a A., e na verdade esta não alega quaisquer factos de que pudesse resultar tal conhecimento. Quer dizer: a A. atribui a jactância aos 2º e 3º RR., mas não a configura em termos de se enquadrar na atitude correspondente à de uma acção de simples apreciação negativa. A jactância da 2ª e 3º RR. estaria na circunstância do 2º R., enquanto responsável pela 3ª R., afirmar «à boca cheia» que, se despesas (decorrentes da reconversão urbanística do solo) houvessem, seriam da sua conta e, portanto, o que a A. lhes atribui, não é a afirmação de que eles são seus credores – como seria próprio  deste tipo de acção – mas que são eles os devedores da 1ª R … No pensamento da A. o pedido que faz – afirme lá o tribunal que eu não sou devedor dessas despesas no confronto do vendedor da fracção e no confronto da “Augi”  - tem por base a jactância da 2ª R. e do 3ª R. no sentido de serem eles os devedores da 1ª R, mas sem que alegue quaisquer factos de acordo com os quais esta 1ª R. pudesse alguma vez imaginar a atitude daqueles RR …

Em resumo e sem mais considerações: o pedido da A. apresenta-se manifestamente improcedente, não obtendo qualquer acolhimento na ordem jurídica.
Repare-se que a A. não satisfaz na acção o ónus de alegação da causa de pedir em qualquer das variantes acima referidas: por um lado, não chega a alegar a arrogância extrajudicial de qualquer dos RR. relativamente à existência do direito de crédito sobre ela, como acima se referiu; por outro, não chega a alegar a assunção de divida como facto extintivo do direito de crédito da 1ª R. sobre ela, porque não invoca sequer o conhecimento e muito menos a ratificação desta R. relativamente ao alegado acordo havido com os 2º e 3º RR. 

Pelo que a acção é manifestamente improcedente.

V – Pelo exposto, acorda este tribunal em julgar improcedente a apelação e confirmar a sentença recorrida.

Custas pela apelante.

Lisboa, 4 de Julho de 2013                            

Maria Teresa Albuquerque
Isabel Canadas
José Maria Sousa Pinto
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[1]- A assunção de dívida, de acordo com o art 595º/1 CC pode verificar-se: a) por contrato entre o antigo e o novo devedor, ratificado pelo credor; b) por contrato entre o novo devedor e o credor, com ou sem consentimento do antigo devedor: Ali, a assunção diz-se interna, aqui, externa. Na assunção interna - que seria aquela que em abstracto poderia estar em questão segundo a A. - a transmissão de dívidas resulta do efeito conjugado de dois negócios jurídicos: um contrato entre o antigo e o novo devedor, determinando a transmissão, e um negócio unilateral do credor a ratificar esse mesmo contrato. Se não existir a ratificação, o contrato entre o antigo e o novo devedor não é eficaz em relação ao credor pelo que não pode valer como assunção de dívida. O mais que pode valer é como assunção de cumprimento, vinculando-se o assuntor perante o primitivo devedor a liquidar a divida deste, cfr art 444º/3  - Ver a este respeito Menezes Leitão «Direito das Obrigações » II , 53-54  
[2] Esta inversão do ónus da prova, nas acções em causa, não se mostrava aceite – antes do CC de 1966 - por toda a doutrina (cfr Alberto dos Reis, CPC anotado III, 288; M. Andrade, “Noções”, I, 192), por colocar o R .na necessidade de fazer prova dum direito, numa altura em que, não sendo ele a determinar, lhe pode não ser propícia.
[3] - «Direito Processual Civil», ed AAFDL, 1980, 282
[4]- «Direito Processual Civil Declaratório», I , 1981, 123
[5] - «O Novo Processo Civil», 8ª ed, 39
[6]- «As Partes, o Objecto e a Prova na Acção Declarativa , 1995, 260
[7] -« A acção Declarativa à Luz do Código Revisto», 2ª ed,  120/121