Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2797/21.5T8FNC-A.L1-2
Relator: CARLOS CASTELO BRANCO
Descritores: RECONVENÇÃO SUBSIDIÁRIA E DEPENDENTE
CADUCIDADE DO DIREITO DE PREFERÊNCIA
VALOR DA CAUSA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/10/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I) A reconvenção é admissível – para além dos demais casos elencados no artigo 266.º, n.º 2, do CPC – quando o pedido do réu emerge do facto jurídico que serve de fundamento à ação (se existir identidade, total ou parcial, das causas de pedir, a da ação e a da reconvenção) ou à defesa (quando faz nascer uma questão prejudicial em relação à causa principal, produzindo um efeito capaz de reduzir, modificar ou extinguir o pedido do autor).
II) A reconvenção pode ser deduzida a título eventual – reconvenção subsidiária – para o caso de o pedido originário do autor vir a ser julgado procedente.
III) A reconvenção subsidiária (em que o réu quer obter, antes do mais, a improcedência da ação e apenas, se tal não suceder, pretende a procedência do pedido reconvencional) distingue-se da reconvenção dependente (em que o réu utiliza a procedência ou improcedência do pedido formulado pelo autor como objeto prejudicial face à reconvenção que deduz).
IV) Assentando as autoras o direito de que se arrogam no invocado exercício da preferência sobre a venda dos imóveis objeto de alienação/aquisição entre os réus, a pretensão reconvencional deduzida para o caso de procedência da ação (assente em invocado direito dos réus a recuperarem o valor do preço pago pela aquisição, o das despesas satisfeitas e o das benfeitorias realizadas, decorrente da impossibilidade de transmissão da propriedade do prédio para as autoras com o respetivo valor, que, na perspetiva dos recorrentes, constituiria um enriquecimento sem causa destas), não se inscreve na causa de pedir formulada pelas autoras, nem se dirige a esgrimir como meio de defesa um facto ou acto jurídico que possa reduzir, modificar ou extinguir o pedido formulado pelas autoras, não sendo admissível.
V) O regime de suspensão dos prazos de caducidade relativos a processos que corram termos nos tribunais judiciais, nos termos dos n.ºs. 1 e 3 do artigo 6.º-B da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março - – lei que aprovou diversas medidas excecionais e temporárias de resposta à situação epidemiológica provocada pelo coronavírus SARS-CoV-2, agente causador da doença COVID-19 -, aditado pela Lei n.º 4-B/2021, de 1 de fevereiro, procurando evitar deslocações de pessoas aos tribunais com o consequente risco de contágio e difusão do vírus, prevalece sobre quaisquer regimes que estabeleçam prazos máximos imperativos de prescrição ou caducidade, aos quais acresce o período de tempo em que vigorar tal suspensão.
VI) Produzindo a Lei n.º 4-B/2021 efeitos desde 22-01-2021, o prazo (de caducidade) de 6 meses, a que se refere o n.º 1 do artigo 1410.º do CC, que tinha tido início em 27-11-2020 e até aí se encontrava em curso, suspendeu a sua contagem entre 22-01-2021 e 05-04-2021, pelo que, na data de instauração da presente ação – 18-06-2021 – o direito pretendido exercer pelas autoras, não se encontrava caducado.
VII) O regime de suspensão dos prazos de caducidade referente aos processos e procedimentos que corram termos em tribunais judiciais (cfr. n.º 1 do artigo 6.º-B da Lei n.º 1-A/2020, de acordo com o previsto no n.º 3 do mesmo artigo), não se restringe a ações já instauradas ou pendentes, mas abrange o prazo para instauração da ação de preferência (ainda não instaurada ou pendente) a que se refere o n.º 1 do artigo 1410.º do CC.
VIII) De harmonia com o artigo 299.º, n.ºs. 1 e 2 do CPC, na determinação do valor da causa, deve atender-se ao momento em que a ação é proposta, exceto quando haja reconvenção (ou intervenção principal) mas, neste caso, o valor do pedido do réu só é somado ao valor do pedido do autor, quando os pedidos forem distintos, nos termos do n.º 3 do artigo 530.º do CPC, o que sucederá, designadamente, se o réu reconvinte não visa conseguir, em seu benefício, o mesmo efeito jurídico que as autoras pretendem obter.
(Sumário elaborado pelo relator nos termos do disposto no artigo 663º, nº 7, do CPC).
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

1. Relatório:
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1. HH e II, identificadas nos autos, instauraram a presente ação de preferência, contra AA, BB, CC, DD, EE, FF e GG, também identificados nos autos, pedindo na procedência da ação, o seguinte:
“A) Que se reconheça aos AA. o direito de preferência sobre o prédio rústico identificado no art. 8° da P.I., substituindo-se ao 6° RR. na escritura de compra e venda;
B) Que sejam os RR condenados a entregarem os Prédios às AA, livre e desocupado;
C) Que seja ordenado o cancelamento de todos e quaisquer registos que o 6° RR, comprador, haja feito a seu favor em consequência da compra dos Prédios e outras que este venha a fazer, sempre com todas as demais consequências que ao caso couberem”.
Alegaram, em suma, o seguinte:
-Serem donas e legítimas proprietárias dos prédios rústicos, sitos em ..., freguesia ..., concelho ..., inscritos sob os artigos rústicos ...83, ...86, ...88, ...93, ...97 e ...01, imóveis que integravam a herança aberta por óbito de JJ, de quem as AA são as únicas herdeiras;
-As AA. têm exercido sobre os prédios posse pública, pacífica, contínua e de boa-fé, há mais de trinta anos consecutivos, designadamente cultivando, colhendo os respetivos, construindo as suas respetivas benfeitoras e pagando as respectivas contribuições, o que sempre fizeram à vista e com o conhecimento de toda a gente, sem oposição de ninguém;
- Os prédios referidos confinam com os seguintes prédios (salvo VI que está onerado com servidão de passagem a favor das AA):
I. Prédio misto sito em ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...53 – freguesia ..., inscrito na matriz a parte urbana sob o artigo ...96 e a parte rústica sob o artigo ...91;
II. Prédio rústico sito em ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...001, inscrito na matriz sob o artigo ...84;
III. Prédio rústico sito em ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...55 – freguesia ..., inscrito na matriz sob o artigo ...85;
IV. Prédio rústico sito em ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...02 – freguesia ..., inscrito na matriz sob o artigo ...87;
V. Prédio rústico sito em ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...54 – freguesia ..., inscrito na matriz sob o artigo ...302;
VI. Prédio rústico sito em ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...03, inscrito na matriz sob o artigo ...303.
- As AA. desde há muito pretendiam adquirir os Prédios, com o intuito de os anexar aos seus prédios, de modo a tornar a sua propriedade mais rentável do ponto de vista agrícola.
- As AA, através das redes sociais de KK, tiveram conhecimento que os Prédios se encontravam à venda e nos termos do doc. 4, foram notificadas para o exercício do seu direito de preferência, que expressamente aceitaram, enviando carta para o efeito e ficando a aguardar indicação de data, hora e Cartório Notarial para a outorga daquela compra e venda.
- As AA foram confrontadas com a carta do referido procurador e mediador KK, Documento n.° 6, nos termos do qual, informa que os seus representados desistiram da venda dos prédios situados Vereda ..., Sítio ..., Arco ..., pelo que a mesma fica sem qualquer efeito, tal como a comunicação que realizei a V. Exas. para o exercício do direito de preferência.
- As AA não aceitaram o conteúdo de tal carta, tendo respondido nos termos do Documento n.° 7;
- Sucede que foram, então, depois, confrontadas com a carta que ora se junta como Documento n.° 8 e se dá por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais, nos termos da qual os 1.°, 2.°, 3.°, 4.° e 5.° RR, ignorando a aceitação expressa da preferência das AA consubstanciada na Documento n.° 5, voltam a dar preferência às AA numa alegada nova compra e venda, relativamente aos mesmos prédios, mas agora no valor de € 175.000,00;
- A esta carta, as AA responderam, nos termos do Documento n.° 9, nos termos do qual invocaram a obrigação legal dos 1.°, 2.°, 3.°, 4.° e 5.° RR cumprirem com os termos da venda primitivamente notificada e que, relativamente à qual, as AA exerceram, expressa e tempestivamente, o seu direito de preferência.
- Os 1.°, 2.°, 3.°, 4.° e 5.° RR celebraram com o 6.° RR escritura de compra e venda dos Prédios, tendo da realização desta informado as AA nos termos da carta que ora se junta como Documento n.° 10: Vem indicar que os mesmos foram vendidos pelo valor total de € 175.000,00 (cento e setenta e cinco mil euros), como vos fora comunicado para fins de exercício do direito de preferência e que V. Exa. optou por não exercer, tendo a escritura de compra e venda sido realizada no Cartório Notarial Privado ..., a cargo do Dr. LL, no dia 20/11/2020, exarada de fls. 30 a 33, do Livro de Notas n.e ..., que se anexa.
- Não só não é verdade que as AA não exerceram o seu direito de preferência (como supra já se invocou e provou), como a escritura de compra e venda (cf. Documento n.° 2) não foi feita pelo notificado valor total de € 175.000,00;
- Nos termos desta referida escritura é agora o 6.° RR o proprietário dos Prédios;
- Todos os 1.°, 2.°, 3.°, 4.° e 5.° RR tinham conhecimento do regular, expresso exercício do direito de preferência das AA. na compra dos Prédios;
- Todas as comunicações enviadas pelas AA foram recebidas pelo procurador dos 1.°, 2.°, 3.°, 4.° e 5° RR, o identificado KK.
- A partir do momento em que as AA exerceram o seu direito de preferência nos termos do Documento n.° 5, os 1.°, 2.°, 3.°, 4.° e 5.° RR ficaram vinculados à realização do negócio com as preferentes, sendo que, em caso de incumprimento, ficaram as AA investidas no direito potestativo de se constituírem titulares do direito de propriedade sobre os Prédios.
-Para além de entre si confinantes, os prédios das AA e os Prédios são aptos para o mesmo tipo de cultura, tendo cada um dos Prédios área inferior à unidade de cultura estabelecida para a Região Autónoma da Madeira de 1500 m2, cf. o Decreto Legislativo Regional n.° 27/2017/M, de 23 de agosto.
- O 6.° RR (GG), comprador, à data da transação (20-11-2020, cf. Documento n.° 2 ora junto), não era, nem atualmente é, proprietário de qualquer outro prédio confinante com os Prédios.
- Nos termos do disposto no n° 1, do art. 1380°, do C.Civil "Os proprietários de terrenos confinantes, de área inferior à unidade de cultura, gozam reciprocamente do direito de preferência nos casos de venda, dação em cumprimento ou aforamento de qualquer dos prédios a quem não seja proprietário confinantes" e n° 6 enuncia que "É aplicável ao direito de preferência conferido neste artigo o disposto nos artigos 416° a 418° e 1410°, com as necessárias adaptações".
- Atento o disposto no artigo 416° do mesmo diploma, aplicável por remissão daquele n° 6 do art. 1380°, "Querendo vender a coisa que é objecto do pacto, o obrigado deve comunicar ao titular do direito o projeto da venda e as cláusulas do respectivo contrato".
- A comunicação a que alude o Documento n.° 4 consubstancia uma proposta de contrato, tendo-se como irrevogável (arts. 224°, n° 1 e 230°, n° 1 do CC), não facultando a lei, na matéria, o exercício de um direito de arrependimento (conforme doutamente decide o acima já invocado Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 27-11-2018, proferido no processo n.° 14589/17.1T8PRT.P1.S1)
- São, pois, os seguintes os pressupostos do direito real de preferência do proprietário confinante: a) que os prédios sejam rústicos e destinados a cultura; b) que o preferente seja dono de um prédio confinante com o prédio alienado; c) que o adquirente do prédio não seja proprietário confinante.
- A notificação/comunicação contida no Documento n.° 3 constitui, nos termos do no n. 1 do artigo 416 do Código Civil, uma verdadeira declaração negocial correspondente ao projeto de venda que os 1.°, 2.°, 3.°, 4.° e 5.° RR, enquanto obrigados à preferência, levaram ao conhecimento do preferente;
- Esta comunicação consubstancia uma proposta, revestindo a declaração de preferência das AA (cf. Documento 4) o significado de uma aceitação.
- Enquanto os pactos de preferência têm, em princípio, apenas eficácia obrigacional, os direitos legais de preferência têm sempre eficácia real (aqui, o preferente, além de ser titular de um verdadeiro direito de crédito, é titular de um direito real de aquisição) - como é o caso dos presentes autos;
- Constitui orientação do STJ a de reconhecer eficácia real ao direito de preferência e também a de aceitar que, no caso de incumprimento, fica o devedor vinculado à realização do negócio, e o preferente investido no direito potestativo de exigir que, por decisão judicial, seja constituído o direito de propriedade sobre a coisa, não podendo o obrigado retratar-se ou desistir do negócio projectado (cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9-07-1998, proferido no Processo n.° 98A517);
- Estão preenchidos todos os pressupostos do direito de preferência das AA;
- Manda o artigo 1410° do C. Civil, que o preferente proceda ao depósito do preço, no prazo de quinze dias a contar da propositura da acção, entendendo as autoras que, no caso, o mesmo corresponde a € 135.000,00 (cf. Documento n.° 3).
- Não é da responsabilidade das AA o eventual ressarcimento do prejuízo sofrido pelo adquirente, uma vez que em nada contribuíram para a sua verificação; quando muito, pode esse adquirente vir reclamar o ressarcimento desses danos aos alienantes, restantes RR, que, com o seu comportamento omissivo, lhes deu causa, sendo que, o adquirente tinha conhecimento do direito das AA e sabia que estas haviam exercido o seu direito de preferência, pelo que assumiu o risco de vir a sofrer tais prejuízos.
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2. Por requerimento de 05-07-2021, as autoras fizeram juntar aos autos comprativo do depósito da quantia de € 176.000,00.
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3. Citados, os réus contestaram, por exceção - invocando a exceção dilatória de ilegitimidade e perentória de caducidade do direito de ação – e por impugnação, tendo o réu GG, deduzido pretensão reconvencional, para o caso de procedência da ação e tendo os réus concluindo nos seguintes termos:
“1- Que as invocadas exceções sejam julgadas procedentes e os réus absolvidos dos pedidos.
2- Caso assim não se entenda, que a presente ação seja julgada improcedente, por não provada, e os réus absolvidos dos pedidos;
3- Caso ainda assim não se entenda, que seja julgada procedente, por provada, a reconvenção deduzida pelo réu GG, e:
a) que as autoras sejam condenadas a reconhecerem o réu GG como legítimo proprietário e possuidor, com exclusão de outrem, das benfeitorias por este fabricadas e aludidas na reconvenção;
b) que as autoras sejam condenadas a pagar ao réu GG o valor das aludidas benfeitorias que este efetuou nos prédios em causa, nem que seja de acordo pelas regras do enriquecimento sem causa, em valor que não deverá ser inferior a €28.000 ou na que resultar da requerida avaliação das mesmas;
c) que as autoras sejam condenadas a pagar ao réu GG a quantia de €176.500 (cento e setenta e seis mil e quinhentos euros), valor este que corresponde ao preço que pagou aos réus vendedores pela aquisição dos aludidos seis prédios, no valor de €175.000 e da aludida décima parte do aludido poço de estacar água de rega, no valor de €1.500;
d) que as autoras sejam condenadas a pagar ao réu GG os aludidos emolumentos, honorários e impostos que pagou, no valor total de €8.437.”.
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4. As autoras replicaram concluindo pela improcedência da exceção de caducidade e do pedido reconvencional, concluindo como pedido na petição inicial.
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5. Em 04-11-2021 foi proferido despacho do seguinte teor:
“Compulsados os autos e analisadas as alegações efectuadas em sede de articulados e os documentos que os instruem, nos termos e para os efeitos previstos pelo artigo 590º, do Código de Processo Civil, constata-se que os Réus apresentam Contestação em que se defende não apenas por impugnação, mas também por excepção (invocando excepção dilatória de ilegitimidade activa e excepção peremptória de caducidade).
Ponderada a alegação assim apresentada e tendo em consideração que, no Código de Processo Civil aprovado pela Lei 41/2013, deixou de ser possível ao Autor responder, em réplica, às excepções deduzidas em sede de contestação, configuro nos autos a existência de uma patente utilidade em proferir decisão de adequação processual (cfr. artigo 547º, do Código de Processo Civil).
Na verdade, pese embora o artigo 3º, n.º 4, do Código de Processo Civil, determine que o contraditório às excepções deduzidas em sede do último articulado legalmente admissível será exercido em sede de audiência prévia, a verdade é que a pronúncia sobre tais questões, em momento anterior àquela diligência potencia, em nosso entender, a sua eficácia, por permitir um conhecimento mais abrangente da totalidade das alegações das partes e das questões que prevêem, na referida diligência, levantar, ao mesmo tempo que estabelece uma oportunidade de melhor esclarecer a factualidade que sustenta a resposta por excepção apresentada.
Assim sendo, ao abrigo do disposto pelos artigos 6º e 547º, do Código de Processo Civil, porque o ora determinado em nada coarcta os direitos das partes (na medida em que as Autoras, pese embora tenham apresentado réplica em resposta à reconvenção, sobre tal questão se não pronunciaram), proceda-se à notificação das Autoras para, em dez dias, se pronunciarem quanto à matéria de excepção de ilegitimidade activa invocada pela Ré e, bem assim, para juntarem aos autos o documento número 1 por si protestado juntar para comprovar a por si alegada propriedade dos prédios rústicos confinantes.
D.N.”.
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6. Na sequência, as autoras pronunciaram-se – cfr. req. de 22-11-2021 – concluindo pela improcedência da exceção de ilegitimidade passiva.
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7. Após, em 20-12-2021 foi proferido o seguinte despacho saneador:
“Da Reconvenção:
No seu articulado de contestação, o Réu GG deduz pedido reconvencional subsidiário, para a eventualidade de a alegação factual apresentada pelas Autoras se provar e se considerar procedente a sua pretensão.
A reconvenção, regulamentada pelos artigos 266º e 583º, ambos do Código de Processo Civil, consubstancia uma contra-acção movida pelo Réu contra o Autor, no mesmo processo e neste enxertada, de modo que, a partir dela, passa a haver duas acções cruzadas, uma do Autor contra o Réu e outra deste contra aquele, cada qual com causa de pedir e pedidos próprios.
De acordo com o ali previsto, para que se possa admitir a reconvenção, esta tem de cumprir determinados requisitos processuais e substantivos.
Assim, para que se possa admitir a reconvenção é necessária a competência absoluta do tribunal, a identidade subjectiva das partes, a indicação do valor da causa e a correspondência da forma do processo. Quanto a este último requisito processual de admissão, haverá que ter em mente, o disposto pelo n.º 3 do referido artigo 266º, que determina não ser exigível este último requisito, quando a diferença provenha apenas do valor diverso dos pedidos ou quando o juiz a autorize, ao abrigo do disposto no artigo 37º, n.º2 e 3, do Código de Processo Civil.
A fim de ser recebida, a reconvenção tem ainda de obedecer a requisitos substantivos. De facto, exige-se que o pedido reconvencional apresente autonomia em relação a uma mera defesa, ao mesmo tempo que se não prescinde de uma conexão entre o pedido reconvencional e o pedido do autor. Não se compreenderia que o Réu pudesse enxertar na acção pendente uma outra que em nada estivesse conexa com ela.
Assim, exige-se uma ligação entre pedido do autor e pedido reconvencional, quer seja através do facto jurídico que serve de fundamento à acção ou à defesa, quer seja através do pedido de compensação de dívidas ou de uma indemnização por benfeitorias ou despesas relativas à coisa cuja entrega é pedida, quer seja através de um pedido de reversão a favor do Réu do efeito jurídico pretendido pelo Autor.
Admite-se, ainda, a possibilidade de dedução subsidiária de reconvenção, apenas para ser apreciada na hipótese de a acção ser procedente. - Prof. Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1979, pág. 153.
Para tanto basta que a alegação eventual assim apresentada cumpra os requisitos substantivos e processuais de admissão que supra se deixaram referidos.
Ponderado o supra exposto e cotejando-o com a alegação apresentada na dedução eventual de reconvenção, concluímos que o Réu pretende ver-se ressarcido das benfeitorias que alega ter efectuado nos prédios cuja entrega, pela procedência da presente acção, terá que efectuar, assim se cumprindo o requisito de conexão processual previsto pelo artigo 266º, n.º1, alínea a), do Código de Processo Civil.
O mesmo não pode, no entanto, concluir-se no que respeita ao por si peticionado pagamento da quantia de € 176.500,00, na medida em que sustentam esse seu pedido numa alegado enriquecimento sem causa das Autoras.
Analisada, a alegação efectuada pelo Réu, não se vislumbra de que forma o assim alegado preenche os elementos de conexão previstos pelo artigo 266º, n.º 2, do Código Processo Civil, sendo certo que a reconvenção, nesta parte, reveste uma nova causa de pedir que não possui a capacidade de impedir, reduzir ou extinguir a possibilidade de condenação dos Réus, por se traduzir em causa de pedir paralela – o Reconvinte invoca um alegado enriquecimento sem causa das Autores o que não se mostra relacionado com a alegação factual apresentada por estas como fundamentando a acção nem, no que a este aspecto circunscrito diz respeito, com a alegação por si apresentada em sede de defesa.
Ora, não basta a existência de uma forte conexão entre as causas de pedir da acção e da reconvenção para que possa entender-se que o pedido do réu emerge do facto jurídico que serve de fundamento à acção ou à defesa, sendo que o requisito substantivo da admissibilidade da reconvenção, da alínea a) do nº 2 do artigo 266º, do Código de Processo Civil, implica que o pedido formulado em reconvenção resulte naturalmente da causa de pedir do autor (ou, até, se contenha nela), ou seja normal consequência do facto jurídico que suporta a defesa, que tem o propósito - regra de obter uma modificação benigna ou uma extinção do pedido do autor.– Neste sentido, vide Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 22/11/2007, com o n.º de processo 8548/2007-2 e Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 27/04/2006, com o n.º de processo 06A945 nele citado.
Tudo ponderado, entendemos que o pedido assim apresentado - constante da alínea c) - não revestem o nexo de conexão necessário à sua admissão enquanto pedidos reconvencional, não se mostrando preenchidos os requisitos substantivos previstos pelo artigo 266º, n.º2, do Código de Processo Civil.
Assim sendo, nada mais resta que não seja indeferir parcialmente o presente pedido reconvencional, apenas se admitindo a reconvenção no que concerne aos pedidos mencionados em a), b) e d), do referido articulado.
Custas pelo Réu GG, na proporção de 80% do valor da instância reconvencional, conforme o disposto pelo artigo 527º, do Código de Processo Civil.
(…)
Em face do expressamente previsto pelo artigo 299º, n.º 1 e n.º 2, do Código de Processo Civil – também aplicável ao caso dos autos, na medida em que se vem entendendo que o valor da reconvenção subsidiária deve ser considerado para efeitos de aferição do valor da causa (cfr. Miguel Teixeira de Sousa, in “Reconvenção Subsidiária, valor da causa e responsabilidade pelas custas”, Cadernos de Direito Privado - Centro de Estudos Jurídicos do Minho. - Braga, Nº 7 (Julho/Setembro 2004), páginas 11-18) – haverá que somar ao valor do pedido apresentado na Petição Inicial, o valor atribuído da reconvenção, que se cifra em € 212.937,00.
(…)
Da Réplica:
Nos termos do disposto pelo artigo 584º, do Código de Processo Civil, revela-se admissível articulado de réplica no caso de o Réu apresentar pedido reconvencional, o que, in casu, ocorre.
Acresce que ao Autor se mostra permitido pronunciar-se sobre as excepções deduzidas em sede contestação, no início da audiência prévia.
Assim sendo, por uma questão de celeridade e de aproveitamento dos actos já praticados, admite-se aos autos o articulado de réplica, sendo o mesmo também considerado como o exercício de contraditório previsto pelo artigo 3º, n.º4, do Código de Processo Civil.
(…)
Ponderadas as alegações efectuadas nos presentes autos e o expressamente previsto pelas disposições conjugadas dos artigos 591º a 593º, do Código de Processo Civil, entendo não se justificar a realização de audiência prévia nos presentes autos.
Isto porque, em face do estado dos autos, a mesma serviria apenas para proferir despacho saneador, fixar o objecto do litígio e os temas da prova e agendar os actos próprios da audiência final.
Tudo ponderado, entendemos, em obediência aos princípios de simplificação e agilização (cfr. artigo 6º, do Código de Processo Civil), dispensar a realização da audiência prévia.
Passa-se, assim, a proferir despacho saneador e despacho a fixar o objecto do litígio e os temas da prova.
(…)
O Tribunal é o competente.
O processo é o próprio, sem nulidades que o invalidem.
As partes dispõem de personalidade e capacidade judiciárias.
(…)
Sustenta os Réus serem as Autora partes ilegítimas, alegando não terem as mesmas comprovado poderem exercer direitos em representação da herança aberta por óbito de JJ, ter existido partilha por óbito deste último e por os prédio referidos no artigo 1º da Petição Inicial não estarem inscrito em nome da Autora II.
Apreciando e decidindo.
No campo do direito material, a legitimidade mais não é do que um conceito de relação entre o sujeito e o objecto do acto jurídico que, encarada na perspectiva do sujeito, exprime a posição pessoal dele nessa relação, justificativa de que se ocupe juridicamente do objecto, sendo que, em regra, postula a coincidência entre o sujeito do acto jurídico e o titular do interesse por ele posto em jogo. – cfr. Isabel Magalhães Colaço, “Da legitimidade no acto jurídico”, in BMJ n.º 10, pág. 38 e ss.
De harmonia com o disposto no artigo 30º, n.º 2, do Código de Processo Civil, o réu é parte legítima quando tem interesse directo em contradizer, exprimindo-se este interesse pelo prejuízo que dessa procedência advenha.
Tal como no campo do direito material, há que aferir, em regra, pela titularidade dos interesses em jogo (no processo), isto é, como dizem os n.ºs 1 e 2, pelo interesse directo (e não indirecto ou derivado) em demandar, exprimido pela vantagem jurídica que resultará para o autor a procedência da acção, e pelo interesse directo em contradizer, exprimido pela desvantagem jurídica que resultará para o réu a sua perda, ou, considerado o caso julgado material formado pela absolvição do pedido, pela vantagem jurídica que dela resultará para o réu. - José Lebre de Freitas, João Redinha e Rui Pinto, in “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. 1º, 2ª ed., Coimbra Editora, 2008, pág. 51 e 52.
Tendo em mente o que supra se deixa exposto, haverá que ter em consideração que as Autores alegam ser as legítimas proprietárias dos prédios rústicos, sitos em ..., no Arco ..., inscritos sob os artigos ...83, ...86, ...88, ...93, ...97 e ...01, por estes integram a herança aberta por óbito de JJ, de quem são as únicas herdeiras.
Dos autos consta, para além disso, a competente comunicação do óbito, de onde se extrai serem as Autoras as herdeiras, na qualidade de cônjuge e filha, de JJ.
Tendo em mente o assim alegado e estabelecido documentalmente e cotejando-o com a alegação apresentada pelas Autoras e com o preceituado pelo artigo 30º, do Código de Processo Civil, concluímos que estas possuem legitimidade para instaurar a presente acção.
As partes revelam, assim, ser legítimas e mostram-se regularmente representadas.
(…)
Invocam os Réus a excepção de caducidade do direito dos Autores, referindo que as mesmas instauram a presente acção numa altura em que já haviam decorrido mais de seis meses desde a data em que lhes comunicou os elementos do negócio de compra e venda.
Contrapõem os Autores que os prazos de caducidade estiveram, por força da legislação especial aprovada, na sequência da Pandemia de Covid-19, suspensos durante 63 dias e que, por força disso a acção entrou em juízo numa altura em que o prazo de caducidade (de seis meses) ainda se não encontrava inteiramente decorrido.
Apreciando e decidindo.
Com interesse para a decisão da excepção assim alegada, temos como assentes os seguintes factos:
i. A Autora HH recebeu, a 27 de Novembro de 2020, comunicação endereçada em nome dos Réus em que lhe comunicavam a sua intenção de vender os prédios pelo valor de € 175.000,00;
ii. A Autora II recebeu, a 26 de Novembro de 2020, comunicação endereçada em nome dos Réus em que lhe comunicavam a sua intenção de vender os prédios pelo valor de € 175.000,00;
iii. A presente acção deu entrada a 18 de Junho de 2021.
Estabelece o artigo 1410º, n.º1, do Código Civil, aplicável in casu ex vi do disposto pelos artigo 1380º, n.º 1 e 4 e 1555º, n.º 1 e 2, todos do Código Civil, que o titular do direito de preferência deve requerer o reconhecimento do mesmo dentro do prazo de 6 meses a contar da data em que teve conhecimento dos elementos essenciais da alienação e desde que deposite o preço devido nos 15 dias seguintes à propositura da acção respectiva.
Os prazos assim estabelecidos configuram prazos de natureza substantiva, cujo desrespeito determina a caducidade do direito de preferência que os Autores pretendem exercer (cfr. artigo 298º, n.º 1 e 2, do Código Civil).
Os autos deram entrada em juízo a 18 de Junho de 2021, pelo que será essa a data tida como a da sua proprositura, conforme do disposto pelo artigo 259º, n.º1, do Código Processo Civil.
Tendo em consideração a data de recepção da comunicação dos elementos essenciais do processo e o assim preceituado, temos que a presente acção teria que dar entrada em juízo até 27 de Maio de 2021.
Não obstante o que vem de dizer-se, a verdade é que pela Lei 1/A/2020 – que estabeleceu medidas excepcionais e temporárias de resposta à situação epidemiológica provocada pelo coronavírus SARS-CoV-2 e da doença COVID-19 – com entrada em vigor a 09 de Março de 2020, estabeleceu a suspensão dos prazos de caducidade, determinam que o regime assim estabelecido prevalece sobre quaisquer regimes que estabeleçam prazos máximos imperativos de prescrição ou caducidade, sendo os mesmos alargados pelo período de tempo em que vigorar a situação excepcional.
O assim estabelecido manteve-se em vigor até 03 de Junho de 2020 (data de entrada em vigor da Lei 16/2020, de 29/05, que alterou as referidas normas, estabelecendo a suspensão dos prazos de caducidade apenas por referências aos processos cujas diligências não possam ser feitas nos termos definidos pela própria lei).
Em face do assim estabelecido, cotejado com a circunstância de, de acordo com o preceituado pelo artigo 328º, do Código Civil, a caducidade apenas se interromper ou suspender nos casos em que a lei o determine, concluímos que ao prazo de seis meses estabelecido pelo artigo 1410º, do Código Civil, haverá que somar os 86 dias [decorridos entre 09 de Março de 2020 - data de entrada em vigor da Lei 1/A/2020, de 19 de Março (cfr. o seu artigo 10º e os artigos 5º e 6º da Lei n.º 4-A/2020, de 6 de Abril ) - e 03 de Junho de 2020 ( data de entrada em vigor da Lei 16/2020, conforme o estabelecido pelo artigo 10º) resultantes do preceituado pelos supra referidos normativos.
Significa o que vem de dizer-se que a presente acção, tendo em conta o preceituado pelos supra referidos normativos legais e o estabelecido pelo artigo 279º e 296º, ambos do Código Civil, poderia dar entrada em juízo até ao dia 22 de Agosto de 2021.
Tudo ponderado, temos por não verificada a alegada excepção peremptória de caducidade da acção.
(…)
Do valor da causa:
Estabelece o artigo 306º, n.º 1 e 2 do Código de Processo Civil, que “Compete ao juiz fixar o valor da causa, sem prejuízo do dever de indicação que impende sobre as partes”, acrescentando no seu n.º 2, na parte que aqui importa considerar, que” o valor da causa é fixado no despacho saneador.
In casu, as Autoras indica como valor da causa, o montante de € 175.000,00, tendo por referência o valor do contrato de compra e venda relativamente ao qual pretende exercer o seu direito de preferência.
Os Réus deduzem reconvenção, cujos pedidos somam o valor de € 212.937,00.
Tendo em consideração o assim alegado e o disposto pelo artigo 301º, n.º 1, do Código de Processo Civil e artigo 299º e 530º, todos do Código Processo Civil, fixa-se o valor da causa em € 387.937,00.
(…)
Uma vez que a apreciação do mérito da causa pressupõe a prévia produção de prova, atentas as posições constantes dos articulados, passa a identificar-se o OBJECTO DO LITÍGIO e a enunciarem-se os TEMAS DA PROVA.
Destarte, é questão controvertida que importa apreciar e decidir, saber se estão (ou não) verificados os pressupostos que permitem às Autoras preferirem na compra e venda que foi feita ao Réu GG pelos restantes Réus e incidente sobre os prédios ...91, ...303, ...302, ...87, ...85 e ...84.
Constituem temas de prova a apurar: i. Propriedade dos prédios ...83, ...86, ...88, ...93, ...97 e ...01;
ii. As Autoras renunciaram a exercer preferência relativamente à compra e venda dos prédios inscritos sob os artigos ...91, ...303, ...302, ...87, ...85 e ...84 da matriz, pelo valor de € 175.000,00; iii. Trabalhos efectuados pelo sexto Réu nos prédios inscritos sob os artigos ...91, ...303, ...302, ...87, ...85 e ...84 da matriz, após a compra e venda celebrada a 20 de Novembro de 2020;
(…)
Aqui chegados cumpriria, face ao expressamente preceituado pelo artigo 593º, n.º2, alínea d), do Código de Processo Civil, proferir despacho a apreciar os requerimentos probatórios e proceder à programação dos actos a realizar na audiência final, estabelecendo o número de sessões e a sua provável duração. Considerando, no entanto, que às partes assiste o direito de alterar os seus requerimentos probatórios em sede de audiência prévia (cfr. artigo 598º, do Código de Processo Civil), tendo-se dispensado a sua realização, por forma a não coarctar os direitos das partes, notifiquem-se as mesmas, antes de mais, para que em dez dias alterem ou complementem, querendo, os seus requerimentos probatórios.
(…) Notifique, no exactos termos previstos pelo artigo 593º, n.º3, do Código de Processo Civil.
(…) Proceda-se ao registo do presente despacho (Cfr. Circular do Conselho Superior da Magistratura de 24/01/2003) (…)”.
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8. Não se conformando com a referida decisão – na parte que indeferiu o pedido constante da alínea c) da contestação/reconvenção; na parte que julgou por não verificada a alegada exceção perentória de caducidade da ação; e na parte que fixou o valor da causa em €387.937,00 - dela apelam os réus, pugnando pela revogação da decisão proferida, formulando as seguintes conclusões:
“(…) A) O presente recurso incide sobre as partes do douto despacho saneador que indeferiu o pedido da alínea c) da contestação/reconvenção; que julgou por não verificada a alegada exceção perentória de caducidade da ação e da fixação do valor da causa em €387.937,00.
B) Os réus deduziram a reconvenção condicionalmente para a hipótese de procedência da ação.
C) E o pedido constante da alínea c) da reconvenção, ora sob recurso, tem o seguinte teor: “c) que as autoras sejam condenadas a pagar ao réu GG a quantia de €176.500 (cento e setenta e seis mil e quinhentos euros), valor este que corresponde ao preço que pagou aos réus vendedores pela aquisição dos aludidos seis prédios, no valor de €175.000 e da aludida décima parte do aludido poço de estancar água de rega, no valor de €1.500;”
D) Este pedido tem sustentação nos artigos 24º a 39º; 155º a 158º; 164º e 165º, todos da contestação/reconvenção.
E) Salvo o devido respeito, este pedido, contrariamente ao entendimento da sra. Juiz “a quo”, não tem sustentação num alegado enriquecimento sem causa.
F) Trata-se de um erro de julgamento uma vez que em parte alguma dos articulados os réus referem que a referida quantia de €176.500 (cento e setenta e seis mil e quinhentos euros) se sustenta num alegado enriquecimento sem causa.
G) A referência ao alegado enriquecimento sem causa direcionou-se, tão só, ao pedido de condenação das autoras no pagamento do valor das benfeitorias fabricadas pelo réu/reconvinte GG nos prédios e nada mais (veja-se pedido da alínea b) da reconvenção, o qual tem sustentação nos seus artigos 90º a 154º).
H) Tal pedido reconvencional, salvo diferente e melhor opinião, assenta nomeadamente na alínea a) do nº2 do artigo 266º do Código de Processo Civil, na medida em que emerge do facto jurídico que serve de fundamento à ação e à defesa, ou seja, conexiona-se com a causa de pedir das autoras, ainda que condicional à procedência do pedido principal.
I) Na ação, as autoras peticionaram, entre outros, que lhes fosse reconhecido o direito de preferência sobre os prédios que foram objeto da compra e venda, substituindo-se ao 6º réu na escritura de compra e venda (veja-se o pedido da alínea A) da petição inicial),
J) contudo, as autoras, nos seus pedidos, nada disseram à cerca da contrapartida, como seja, da obrigação de pagarem o preço devido pela transmissão dos imóveis e nos termos referidos na escritura de compra e venda, nomeadamente quanto à exigida quantia relativa à décima parte do aludido poço de estancar água,
K) razão pela qual o réu GG, condicionalmente para a hipótese da procedência da ação, pediu em reconvenção, entre outros pedidos, que as autoras fossem condenadas ao pagamento do preço como contrapartida da preferência de todos os imóveis identificados na escritura de compra e venda,
L) cujo valor depositado pelas autoras é inferior, ainda que ligeiramente, ao mesmo (as autoras depositaram €176.000,00 e o valor cujo pagamento é condicionalmente exigido é o de €176.500,00).
M) E o referido réu GG fê-lo para afastar o risco da futura preclusão por força do caso julgado que viesse a constituir-se sobre decisão favorável às autoras.
N) Aliás, as autoras, na resposta à contestação/reconvenção, não invocaram a inadmissibilidade da parte da reconvenção objeto de recurso, antes reclamam a sua improcedência.
O) O despacho “a quo” violou, por erro de interpretação e de aplicação, entre outros, o disposto na alínea a) do nº2 do artigo 266º do Código de Processo Civil.
P) Pelo referido, rogam os apelantes que a parte do douto despacho que indeferiu o pedido reconvencional aludido na alínea c) seja revogado e substituído por outro que admita a reconvenção formulada pelos réus, adaptando o prosseguimento do processo a essa admissão.
Q) Quanto ao indeferimento da invocada exceção perentória de caducidade da ação, a sra. Juiz “a quo”, considerou com interesse para a decisão, os seguintes factos: “i. A Autora HH recebeu, a 27 de novembro de 2020, comunicação endereçada em nome dos Réus em que lhe comunicavam a sua intenção de vender os prédios pelo valor de €175.000,00; ii. A Autora II recebeu, a 26 de novembro de 2020, comunicação endereçada em nome dos Réus em que lhe comunicavam a sua intenção de vender os prédios pelo valor de €175.000,00; iii. A presente ação deu entrada a 18 de junho de 2021.”
R) Considerou, ainda, a sra. Juiz “a quo” que: “Tendo em consideração a data da recção da comunicação dos elementos essenciais do processo e o assim preceituado, temos que a presente ação teria que dar entrada em juízo em 27 de maio de 2021.”
S) Contudo, concluiu que a contagem do prazo de seis meses determinado pelo artigo 1410º do Código Civil, encontrava-se interrompido em virtude da entrada em vigor da Lei nº1-A/2020, de 19 de março até à entrada em vigor da Lei nº16/2020, de 29 de maio, numa extensão de 86 dias seguidos.
T) Mais refere o despacho “a quo” que esse prazo suspendeu-se entre 09 de março de 2020 e 03 de junho de 2020, pelo que a ação poderia dar entrada em juízo até ao dia 22 de agosto de 2021.
U) As comunicações relativas ao já concretizado negócio jurídico foram levadas ao conhecimento das autoras pelo menos nos dias 26 e 27 de novembro de 2020 (veja-se, entre outros, os artigos 24º a 52º da contestação).
V) Ora, entendem os apelantes, contrariamente ao entendimento da sra. juiz “a quo”, que a suspensão da contagem dos prazos referida nos referidos diplomas legais não se aplica a factos posteriores à data de 03 de junho de 2020 (data da entrada em vigor da Lei nº16/2020, de 29 de maio).
W) E os factos em causa reportam-se a finais de novembro de 2020 e os referidos diplomas legais que determinaram a suspensão dos prazos de caducidade entre 09 de março (data em vigor da Lei nº1-A/2020 de 19 de março) e 03 de junho, ambos do ano de 2020 (data da entrada em vigor da Lei nº16/2020, de 29 de maio),
X) reportam-se tão só a factos que ocorreram ou possam ter ocorrido dentro do intervalo destas datas e nunca a factos que ocorreram após a cessação do regime de suspensão dos prazos de caducidade (a partir de 03/06/2020).
Y) Já o regime jurídico da suspensão dos prazos referidos no nº1 e 3 do artigo 6º-B da Lei nº4-B/2021, de 01/02 e no artigo 5º da Lei nº13-B/2021, de 05/04, referemse à prática de atos processuais, procedimentais e administrativos relativos a processos que corram termos nomeadamente nos tribunais judiciais.
Z) Quer dizer, salvo diferente e melhor opinião, estas Leis nº4-B/2021 e nº13-B/2021 pressupõem a existência de um processo em curso, nomeadamente nos tribunais judiciais.
AA) Ora, a presente ação foi proposta no dia 18/06/2021, ou seja, só passou a correr termos (a existir) a partir desta data, pelo que o regime da suspensão dos prazos previsto nestas leis não se aplica “in casu”.
BB) Considerando o supra aludido, entendem os apelantes que o despacho “a quo” violou, por erro de interpretação e de aplicação, entre outros, o disposto no artigo 10º da referida Lei nº1-A/2020, de 19/03, artigos 5º e 6º da Lei nº4-A/2020, de 06/03 e artigo 10º da Lei nº16/2020, de 29/05 e o nº1 do artigo 1410º do Código Civil, CC) pelo que deve esta parte do douto despacho sob recurso ser revogado e substituído por outro que julgue procedente, por provada, a invocada exceção perentória de caducidade do direito de preferência, com as inerentes consequências legais.
DD) Relativamente ao valor da causa determinado pela sr. Juiz “a quo”, a reconvenção foi deduzida pelo réu GG condicionalmente para a hipótese de procedência da ação.
EE) As autoras indicaram como valor da causa a quantia de €175.000,00, valor este que corresponde ao pedido de reconhecimento a seu favor do direito de preferência e substituição do 6º réu na escritura de compra e venda celebrada entre os réus, constando nesta escritura que o preço de todas as aquisições lá referidas foi o de €176.500,00 (veja-se pedido da alínea A) da petição inicial).
FF) A sra juiz “a quo”, apesar de ter indeferido o supra aludido pedido da alínea c), somou o valor atribuído pelo réu GG à reconvenção e que é o de €212.937,00, no qual já se acha incluído o preço cujo pagamento reclama em reconvenção caso haja procedência da ação e, erradamente, somou este ao valor da petição inicial (€175.000,00), o qual corresponde ao preço, ainda que parcial.
GG) Quer dizer, a sra. juiz “a quo” fixou à causa o valor de €387.937,00, tendo resultado este valor à soma do valor indicado pelas autoras (€175.000,00) com o valor da reconvenção (€212.937,00).
HH) Na reconvenção, o réu GG reclama o pagamento do preço que pagou aos demais réus como contrapartida pela eventual aquisição dos imóveis pelas autoras, no valor total de €176.500,00 (as autoras só depositaram a quantia de €176.000,00), acrescido do valor das benfeitorias que fabricou nos prédios, no valor de €28.000,00 e ainda dos emolumentos, honorários e impostos que pagou no valor de €8.437,00.
II) E o valor de €212.937,00 atribuído à reconvenção corresponde ao somatório de todos estes valores, nos quais acha-se incluído o valor do contrato de compra e venda relativamente ao qual as autoras pretendem exercer o direito de preferência, este aludido na escritura de compra e venda ora em causa.
JJ) Salvo sempre diferente e melhor opinião, entendem os apelantes que há que atender o critério especial previsto no nº1 do artigo 301º do Código de Processo Civil.
KK) Tudo porque no pedido da alínea c) da reconvenção se incluiu o valor correspondente ao preço convencionado, tendo por referência o valor aludido na escritura de compra e venda (€176.500,00).
LL) Quer dizer, na fixação do valor da causa em €387.937,00, a sra. juiz “a quo”, erradamente, englobou, por duas vezes, o valor do preço.
MM) O despacho “a quo”, ao não ter fixado o valor da causa em €212.937,00, violou, por erro de interpretação e de aplicação, entre outros, o disposto no nº1 do artigo 301º do Código de Processo Civil (…)”.
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9. As autoras apresentaram contra-alegações, pugnando pela improcedência do recurso interposto e manutenção do despacho saneador proferido, tendo concluído o seguinte:
“A. Os prazos para a propositura da presente ação estabelecidos nos artigos 1410.º, n.º 1 do Código Civil, aplicável ex vi os artigos 1380.º, n.º 1 e 4 e 1555.º, n.º 1 e 2 ambos do Código Civil têm natureza substantiva cujo desrespeito determina a caducidade do direito de preferência das Autoras, ora Recorridas.
B. - A Lei n.º 1/A/2020 estabeleceu a suspensão dos prazos de caducidade, prevalecendo este regime sobre quaisquer outros (regimes) que estabeleçam prazos máximos de prescrição ou caducidade.
C. - Por outro lado, também a Lei nº 4-B/2021 de 1 de fevereiro, estabeleceu um regime de suspensão de prazos processuais e procedimentais, nos termos do qual foram suspensos os prazos de prescrição e de caducidade relativamente a todos os processos e procedimentos que corram termos nomeadamente nos tribunais judiciais (cf. artigo 6.º-B n.º 1 e n.º 3). Esta Lei n.º 4-B/2021, de 1 de fevereiro entrou em vigor no dia 2 de fevereiro de 2021.
D. - A situação de suspensão cessou em 6 de abril de 2021, com a entrada em vigor da Lei nº13-B/2021, e onde se estatuiu que os prazos de prescrição e caducidade cuja suspensão cesse por força das alterações introduzidas por essa lei são alargados pelo período correspondente à vigência da suspensão.
E. - O prazo das AA para instauração da presente ação foi, nos termos acima, alargado podendo a presente ação dar entrada até ao dia 22.08.2021, já que ao prazo para propositura da presente ação somou-se 86 dias, considerando também os artigos 279.º 296º ambos do Código Civil.
F. - O pedido reconvencional dos ora Recorrentes quanto ao pagamento da quantia de € 176.500,00 - pedido alegadamente sustentado num alegado enriquecimento sem causa das Autoras, ora Recorridas é totalmente infundado.
G. - Tal pedido não tem qualquer nexo de conexão necessário para a sua admissão.
H. - Não há qualquer enriquecimento sem causa as AA, nem sequer os RR invocam qualquer alegação factual que o permita concluir.”.
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10. O recurso foi liminarmente admitido por despacho de 14-02-2022.
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11. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir, uma vez que nada a tal obsta.
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2. Questões a decidir:
Sendo o objeto do recurso balizado pelas conclusões do apelante, nos termos preceituados pelos artigos 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do Código de Processo Civil (abreviadamente, CPC) - sem prejuízo das questões de que o tribunal deva conhecer oficiosamente e apenas estando adstrito a conhecer das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objeto do recurso - , as questões a decidir, relativamente ao recurso de apelação em questão, são as de saber:
A) Se a decisão recorrida violou o disposto na alínea a) do nº2 do artigo 266º do CPC, devendo ser admitida a pretensão reconvencional expressa na alínea c) do dispositivo da contestação formulada?
B) Se a decisão recorrida violou o disposto no artigo 10.º da Lei n.º 1-A/2020, de 19/03, artigos 5.º e 6.º da Lei nº 4-A/2020, de 06/03, artigo 10º da Lei nº 16/2020, de 29/05 e o nº 1 do artigo 1410º do Código Civil, devendo ser julgada procedente a invocada exceção perentória de caducidade do direito de preferência?
C) Se a decisão recorrida ao fixar o valor da causa em € 387.937,00, não o fixando no valor de € 212.937,00, violou o disposto no nº 1 do artigo 301º do CPC?
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3. Fundamentação de facto:
São elementos processuais relevantes para a apreciação do recurso os elencados no relatório.
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4. Fundamentação de Direito:
Vejamos o recurso interposto, apreciando cada uma das questões enunciadas.
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A) Se a decisão recorrida violou o disposto na alínea a) do nº 2 do artigo 266º do CPC, devendo ser admitida a pretensão reconvencional expressa na alínea c) do dispositivo da contestação formulada?
Concluem os recorrentes, nomeadamente, o seguinte:
“(…) A) O presente recurso incide sobre as partes do douto despacho saneador que indeferiu o pedido da alínea c) da contestação/reconvenção; que julgou por não verificada a alegada exceção perentória de caducidade da ação.
B) Os réus deduziram a reconvenção condicionalmente para a hipótese de procedência da ação.
C) E o pedido constante da alínea c) da reconvenção, ora sob recurso, tem o seguinte teor: “c) que as autoras sejam condenadas a pagar ao réu GG a quantia de €176.500 (cento e setenta e seis mil e quinhentos euros), valor este que corresponde ao preço que pagou aos réus vendedores pela aquisição dos aludidos seis prédios, no valor de €175.000 e da aludida décima parte do aludido poço de estancar água de rega, no valor de €1.500;”
D) Este pedido tem sustentação nos artigos 24º a 39º; 155º a 158º; 164º e 165º, todos da contestação/reconvenção.
E) Salvo o devido respeito, este pedido, contrariamente ao entendimento da sra. Juiz “a quo”, não tem sustentação num alegado enriquecimento sem causa.
F) Trata-se de um erro de julgamento uma vez que em parte alguma dos articulados os réus referem que a referida quantia de €176.500 (cento e setenta e seis mil e quinhentos euros) se sustenta num alegado enriquecimento sem causa.
G) A referência ao alegado enriquecimento sem causa direcionou-se, tão só, ao pedido de condenação das autoras no pagamento do valor das benfeitorias fabricadas pelo réu/reconvinte GG nos prédios e nada mais (veja-se pedido da alínea b) da reconvenção, o qual tem sustentação nos seus artigos 90º a 154º).
H) Tal pedido reconvencional, salvo diferente e melhor opinião, assenta nomeadamente na alínea a) do nº 2 do artigo 266º do Código de Processo Civil, na medida em que emerge do facto jurídico que serve de fundamento à ação e à defesa, ou seja, conexiona-se com a causa de pedir das autoras, ainda que condicional à procedência do pedido principal.
I) Na ação, as autoras peticionaram, entre outros, que lhes fosse reconhecido o direito de preferência sobre os prédios que foram objeto da compra e venda, substituindo-se ao 6º réu na escritura de compra e venda (veja-se o pedido da alínea A) da petição inicial),
J) contudo, as autoras, nos seus pedidos, nada disseram à cerca da contrapartida, como seja, da obrigação de pagarem o preço devido pela transmissão dos imóveis e nos termos referidos na escritura de compra e venda, nomeadamente quanto à exigida quantia relativa à décima parte do aludido poço de estancar água,
K) razão pela qual o réu GG, condicionalmente para a hipótese da procedência da ação, pediu em reconvenção, entre outros pedidos, que as autoras fossem condenadas ao pagamento do preço como contrapartida da preferência de todos os imóveis identificados na escritura de compra e venda,
L) cujo valor depositado pelas autoras é inferior, ainda que ligeiramente, ao mesmo (as autoras depositaram €176.000,00 e o valor cujo pagamento é condicionalmente exigido é o de €176.500,00).
M) E o referido réu GG fê-lo para afastar o risco da futura preclusão por força do caso julgado que viesse a constituir-se sobre decisão favorável às autoras.
N) Aliás, as autoras, na resposta à contestação/reconvenção, não invocaram a inadmissibilidade da parte da reconvenção objeto de recurso, antes reclamam a sua improcedência.
O) O despacho “a quo” violou, por erro de interpretação e de aplicação, entre outros, o disposto na alínea a) do nº2 do artigo 266º do Código de Processo Civil.
P) Pelo referido, rogam os apelantes que a parte do douto despacho que indeferiu o pedido reconvencional aludido na alínea c) seja revogado e substituído por outro que admita a reconvenção formulada pelos réus, adaptando o prosseguimento do processo a essa admissão”.
As recorridas contrapõem, sobre a questão em apreço, o seguinte:
“(…) - O pedido reconvencional dos ora Recorrentes quanto ao pagamento da quantia de € 176.500,00 - pedido alegadamente sustentado num alegado enriquecimento sem causa das Autoras, ora Recorridas é totalmente infundado.
- Tal pedido não tem qualquer nexo de conexão necessário para a sua admissão.
- Não há qualquer enriquecimento sem causa as AA, nem sequer os RR invocam qualquer alegação factual que o permita concluir.
- Não existe, pois e assim, qualquer fundamento para os pedidos formulados pelos Apelantes.”.
A contestação apresentada pelos recorrentes contempla o pedido reconvencional nos seguintes termos:
“Reconvenção deduzida pelo réu GG caso a ação seja julgada procedente:
89º Os réus dão por integralmente reproduzidos, para os efeitos requeridos na presente reconvenção, tudo o que anteriormente alegaram nos seus articulados.
90º Imediatamente após a compra e venda o réu/reconvinte GG tomou a posse dos prédios.
91º As parcelas rústicas encontravam-se, desde há cerca de dois e mais anos, em estado de abandono,
92º com mato alto, ervas daninhas, bananeiras “pequena anã” em estado de degradação,
93º com cascalho espalhado e com algumas paredes caídas e outras em vias de ruir (veja-se fotografias como documentos nº31, 32, 33, 34, 35, 36, 37).
94º As levadas de rega encontravam-se em mau estado de conservação, cobertas de terra e mato, o que impedia a passagem da água para a sua rega,
95º e a necessitar de urgentes reparações,
96º tendo procedido à sua desobstrução e reparação, nomeadamente com betão em mais de 14metros de comprimento, por cerca de 30cm de largura, tudo para evitar perdas de água de rega.
97º O réu GG exerce a atividade de agricultor e adquiriu as parcelas rústicas para as agricultar, como se encontra a agricultá-las,
98º tendo formado uma exploração agrícola familiar, composta por bananal, com a área total de 3.750m2 (veja-se a soma das áreas dos prédios que constam identificados na escritura de compra e venda datada de 20/11/2020).
99º Logo após a aquisição, o réu GG alugou uma máquina retroescavadora com manobrador,
100º para efetuar, como efetuou, durante cerca de 15 dias úteis x 8 horas/dia,
101º a desmatação de várias toneladas de matagal, arbustos, retirada de muitas das velhas bananeiras improdutivas e respetivos troncos com gorgulho e limpeza das parcelas
102º a cava funda, terraplanagem e levantamento de camalhões com vista a prepará-las, como preparou,
103º para o bananal que lá plantou, trabalhos estes que foram pagos em numerário, a cerca de €20/hora, sem IVA, no total igual ou superior a €2.400, não dispondo do correspondente recibo.
104º A estrada mais próxima por onde circulam automóveis pesados de mercadorias dista cerca de 130m das parcelas ora em causa,
105º tendo o réu GG contratado, como contratou, mão-de-obra de terceiros, pagos ao dia e em numerário, que carregaram pela vereda tal matagal,
106º arbustos e troncos sem utilidade para o automóvel de transporte de mercadorias “canter” que se encontrava estacionado na estrada mais próxima.
107º Este “canter” procedeu a cerca de 25 transportes para um vazadouro pago, localizado na freguesia ...,
108º tendo pago por cada transporte, com o custo do seu depósito no vazadouro incluído, a quantia de €70, no valor total de €1.750, sem IVA, não dispondo do correspondente recibo.
109º As aludidas parcelas rústicas têm uma muito maior viabilidade económica se forem cultivadas com a espécie de bananeiras que lá plantou (...) e futura venda dos respetivos frutos à empresa G..., Lda”, com sede à Rua ..., freguesia ..., concelho ...,
110º que é a única empresa nesta Região que colhe, transporta, embala e comercializa a banana que as parcelas irão produzir.
111º Na parte rústica das parcelas procedeu à plantação de mais de 372 bananeiras (veja-se fotografias como documentos nº38, 39 e 40),
112º das quais 200 bananeiras, denominadas “...”, vulgarmente conhecidas por “...”,
113º foram adquiridas à empresa “V...”, de MM, localizada à Ladeira ..., freguesia ...,
114º tendo, pago a esta empresa a quantia de €2,50 por cada planta, o que perfez a quantia de €525, com IVA incluído (documentos nº41 e 42),
115º e as restantes 172 bananeiras, também “...”, foram adquiridas a conhecidos que se disponibilizaram a fornecê-las mediante o pagamento de €2,50 por cada planta, em numerário, no total de €430, sem IVA, cujo recibo não dispõe.
116º Estas plantas têm carater duradouro e, uma vez atingida a fase adulta, se auto reproduzem através de rebentos laterais vulgarmente conhecidas por “...”,
117º sendo necessário proceder à sua seleção para evitar o seu excesso e a redução do arejamento e claridade,
118º e produzem cachos de banana com bagos e pencas maiores e em maior número,
119º com melhor apresentação, o que faz com que tenha melhor seleção, com boa aceitação comercial,
120º nomeadamente de qualidade extra, o que corresponde ao mais elevado preço pago ao produtor pela G..., o que lhes aumentou valor (às parcelas).
121º Para a remoção do cascalho das parcelas, transporte, plantação das aludidas bananeiras, desobstrução da terra das levadas e sua reparação,
122º endireitar os camalhões, transporte do matagal para o canter, que incluiu velhos troncos de bananeiras “...” doentes e infestados com gorgulho e outras doenças,
123º laboraram quatro trabalhadores durante mais de 8 semanas, 6 dias por semana, 8horas/dia, tendo o réu GG pago a cada pessoa €50/dia e em numerário,
124º o que perfaz a cada trabalhador a quantia total superior a €2.400, perfazendo os 4 trabalhadores a quantia total superior a €9.600,
125º ao que acrescem as despesas com o transporte dos mesmos de e para a freguesia ..., local onde alguns trabalhadores residiam, não dispondo o réu GG dos correspondentes recibos.
126º Adquiriu pregos e madeira para fabrico, como fabricou, com recurso a mão de obra do próprio e de terceiros por si paga,
127º cerca de 1100 estacas (em madeira), sendo cerca de 800 de 3,5m de altura e cerca de 300 de 3m de altura,
128º ao que acresce o seu transporte pela vereda até às parcelas (das estacas).
129º Estas estacas são fundamentais para evitar que as bananeiras virem,
130º nomeadamente aquando das intempéries e suportam o peso das bananeiras e dos cachos de banana,
131º necessitando cada bananeira de, pelo menos, três estacas para resistirem à agressividade do vento e aguentarem o peso do tronco e respetivo cacho de banana,
132º custando, como custou, em média, cada estaca de madeira pronta lá existente, o valor igual ou superior a €5,00, o que perfaz o total de €5.500 (1100 estacas x €5,00 cada),
133º quantia esta que o réu GG reclama o pagamento pelas autoras, ou, caso assim não se entenda, a sua retirada dos prédios.
134º O bananal, para se tornar produtivo, tem tido a atenção e a presença permanente do réu GG, com os respetivos custos de mão de obra, custos estes que requer que sejam tidos em conta,
135º nomeadamente a sua rega semanal, que se faz por alagamento e durante várias horas, eliminação das ervas daninhas, limpeza das flores dos bagos dos cachos de banana,
136º limpeza das folhas secas e das desnecessárias, retirada dos troncos desnecessários, combate às pragas do gorgulho, do aranhiço e da tripes (cinzeiro),
137º estacamento, colocação de mangas plásticas protetoras nos cachos,
138º aquisição e aplicação de produtos fitofarmacêuticos e centenas de quilos de adubos químicos ao longo de todo o processo de crescimento até ao início da colheita dos cachos de banana, previsivelmente no verão do ano de 2022, cujos custos requer que sejam tidos em conta.
139º Todas as supra aludidas benfeitorias e trabalhos foram, como são, fundamentais para a viabilização das parcelas como exploração agrícola economicamente viável e que lhes aumentaram o valor.
140º Procedeu à reparação de cerca de 50m2 de algumas das paredes em pedra que servem de suporte e proteção das terras onde se encontra o bananal, tendo despendido a quantia igual ou superior a €2.000,
141º pelo que requer que o respetivo custo seja tido em conta, encontrando-se outras por reparar (parou a reparação quando foi citado para a presente ação).
142º Adquiriu à sociedade comercial “J..., Lda” e instalou um lá existente depósito com capacidade para armazenar 1000 litros de água potável com tampa, torneira e demais material acessório necessário à ligação à rede pública e uso, para o que despendeu o valor total de €322,34, com IVA incluído (documento nº43).
143º Todas as aludidas benfeitorias não podem ser levantadas sem detrimento da coisa e foram fabricadas a únicas expensas do réu GG.
144º Naqueles prédios o réu GG investiu as poupanças que acumulou ao longo da sua vida.
145º O que lá se encontra fabricado, foi, como tem sido feito, com trabalho diário, de sol a sol,
146º do próprio réu GG e do filho e com recurso nomeadamente a trabalho de terceiros pagos a dias e maquinaria que alugou e pagou a terceiros.
147º Todas as benfeitorias são úteis e necessárias à finalidade a que se destinam e que é o cultivo de bananeiras,
148º aumentaram o valor dos prédios, tornando-os fecundos e produtivos, com carater duradouro.
149º Todas as supra identificadas benfeitorias perfazem o valor total igual ou superior a €28.000.
150º Foi por acreditar que a aquisição por si das parcelas não seria posta em causa que não se preocupou em obter faturas e recibos dos pagamentos dos trabalhos e de tudo o que lá se encontra fabricado,
151º e os trabalhadores a dias na agricultura recusam-se a trabalhar caso seja necessário passar recibo das quantias que recebem.
152º Transferir a propriedade das parcelas com as ditas benfeitorias que as valorizaram e que não podem ser levantadas sem detrimento das mesmas,
153º operar-se-ia o enriquecimento das autoras à custa do réu GG, com o consequente empobrecimento deste, sem causa justificativa,
154º pelo que requer que aquelas sejam condenadas a indemnizarem o réu GG pelas aludidas benfeitorias por este lá efetuadas.
155º O aludido poço de pedra e cal (uma décima parte), denominado “Poço ...”, sito no ..., estanca a água que é usada na rega do bananal existente nas parcelas adquiridas e segundo os usos e os costumes do local,
156º pelo que requer, caso a ação seja julgada procedente – o que só por mera hipótese académica tal se admite e por mera cautela de patrocínio – que o mesmo seja, nos termos do nº1 do artigo 417º do Código Civil,
157º incluído no conjunto das parcelas que as autoras pretendem preferir e pelo valor declarado na escritura de compra e venda (€1.500), requerendo que estas sejam condenadas a pagar esta quantia.
158º E as autoras já tinham conhecimento da aquisição da proporção (1/10 parte) deste poço e respetivo preço aquando da propositura da ação, sem que hajam procedido ao depósito do respetivo preço.
159º Pela aquisição dos prédios o réu GG pagou o Imposto Municipal sobre Transmissões Onerosas nos valores de €5.950,00 e €75;
160º o Imposto do Selo nos valores de €1.400,00 e €12 (veja-se a parte final da aludida escritura de compra e venda como documento nº2 junto pelas autoras)
161º e os emolumentos com a transmissão e registos, estes no valor total de €1.000,
162º dos quais €450 foram pagos no Cartório Notarial ... e €550 foram pagos na Conservatória do Registo Predial ... pela concretização do registo dos prédios (veja-se documentos nº44 e 45),
163º perfazendo as referidas quantias pagas a título de impostos, emolumentos e honorários o valor total de €8.437,
164º ao que acresce o justo preço que pagou pela aquisição dos seis primeiros prédios identificados na aludida escritura de compra e venda, no valor de €175.000,
165º quantias estas que o réu GG requer que as autoras sejam condenadas a pagar caso a ação decaia a favor destas.
Termos em que requerem, salvo sempre diferente e melhor opinião de Vª Exa:
1- Que as invocadas exceções sejam julgadas procedentes e os réus absolvidos dos pedidos.
2- Caso assim não se entenda, que a presente ação seja julgada improcedente, por não provada, e os réus absolvidos dos pedidos;
3- Caso ainda assim não se entenda, que seja julgada procedente, por provada, a reconvenção deduzida pelo réu GG, e:
a) que as autoras sejam condenadas a reconhecerem o réu GG como legítimo proprietário e possuidor, com exclusão de outrem, das benfeitorias por este fabricadas e aludidas na reconvenção;
b) que as autoras sejam condenadas a pagar ao réu GG o valor das aludidas benfeitorias que este efetuou nos prédios em causa, nem que seja de acordo pelas regras do enriquecimento sem causa, em valor que não deverá ser inferior a €28.000 ou na que resultar da requerida avaliação das mesmas;
c) que as autoras sejam condenadas a pagar ao réu GG a quantia de €176.500 (cento e setenta e seis mil e quinhentos euros), valor este que corresponde ao preço que pagou aos réus vendedores pela aquisição dos aludidos seis prédios, no valor de €175.000 e da aludida décima parte do aludido poço de estacar água de rega, no valor de €1.500;
d) que as autoras sejam condenadas a pagar ao réu GG os aludidos emolumentos, honorários e impostos que pagou, no valor total de €8.437.”.
A decisão recorrida expressou, relativamente ao indeferimento do pedido reconvencional quanto ao pedido formulado na alínea c) da reconvenção deduzida, que “o pedido assim apresentado - constante da alínea c) - não reveste[…] o nexo de conexão necessário à sua admissão enquanto pedidos reconvencional, não se mostrando preenchidos os requisitos substantivos previstos pelo artigo 266º, n.º2, do Código de Processo Civil”.
Para tanto considerou que, analisada a alegação efetuada pelo réu, “não se vislumbra de que forma o assim alegado preenche os elementos de conexão previstos pelo artigo 266º, n.º 2, do Código Processo Civil, sendo certo que a reconvenção, nesta parte, reveste uma nova causa de pedir que não possui a capacidade de impedir, reduzir ou extinguir a possibilidade de condenação dos Réus, por se traduzir em causa de pedir paralela – o Reconvinte invoca um alegado enriquecimento sem causa das Autores o que não se mostra relacionado com a alegação factual apresentada por estas como fundamentando a acção nem, no que a este aspecto circunscrito diz respeito, com a alegação por si apresentada em sede de defesa”, concluindo que, “não basta a existência de uma forte conexão entre as causas de pedir da acção e da reconvenção para que possa entender-se que o pedido do réu emerge do facto jurídico que serve de fundamento à acção ou à defesa, sendo que o requisito substantivo da admissibilidade da reconvenção, da alínea a) do nº 2 do artigo 266º, do Código de Processo Civil, implica que o pedido formulado em reconvenção resulte naturalmente da causa de pedir do autor (ou, até, se contenha nela), ou seja normal consequência do facto jurídico que suporta a defesa, que tem o propósito - regra de obter uma modificação benigna ou uma extinção do pedido do autor.– Neste sentido, vide Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 22/11/2007, com o n.º de processo 8548/2007-2 e Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 27/04/2006, com o n.º de processo 06A945 nele citado”.
Vejamos:
Para além de impugnar os factos articulados pelo autor, ou de contra eles deduzir exceção dilatória ou perentória, o réu pode aproveitar o articulado de defesa para operar uma modificação objetiva da instância, deduzindo um pedido que seja autónomo relativamente ao pedido do autor, “visando através dele obter a condenação do autor nesse novo pedido, ultrapassará uma postura ou atitude simplesmente defensional, pois que acrescentará algo de inovatório (relativamente ao pedido principal), dizendo em tal eventualidade que se defendeu, ou melhor, que contra-atacou através de reconvenção” (assim, Francisco Ferreira de Almeida; Direito Processual Civil, Vol. II, Almedina, 2015, p. 149).
De facto, conforme resulta do disposto nos nºs. 1 do artigo 266.º do CPC, o réu pode deduzir pedido reconvencional, apresentando uma contra-pretensão contra o autor, nos casos previstos no n.º 2 do mesmo artigo.
De harmonia com o disposto no n.º 3 do artigo 266.º do CPC, não é admissível a reconvenção quando ao pedido do réu corresponda forma de processo diferente da do pedido do autor, salvo se o juiz a autorizar, nos termos do artigo 37.º, n.ºs. 2 e 3 do CPC, com as necessárias adaptações.
O réu deve observar, na dedução do pedido reconvencional, determinados requisitos processuais legalmente exigidos para a obtenção de uma decisão de mérito, como sejam:
- A verificação dos pressupostos processuais relativos à competência absoluta do tribunal (em razão da matéria, nacionalidade e hierarquia) – cfr. artigo 93.º, n.º 2, do CPC;
- A verificação dos pressupostos processuais relacionados com a forma do processo (cfr. artigo 266.º, n.º 3, do CPC);
-A dedução na contestação, de modo separado, discriminado e destacado ou isoladamente (no caso de não existir contestação-defesa) e com subordinação a artigos como qualquer outro articulado, devendo conter as indicações e elementos constantes do artigo 552.º, n.º 1, als. c), d) e e) do CPC (cfr. artigo 583.º, n.º. 1, do CPC);
- A indicação do valor da reconvenção (cfr. artigo 583.º, n.º 2, do CPC).
Para além dos requisitos processuais e conforme resulta do disposto no n.º 2 do artigo 266.º do CPC, o exercício do direito de reconvir depende ainda da verificação de requisitos de ordem substancial ou material, apenas sendo admissível em situações em que exista uma certa conexão entre o pedido do autor e o formulado pelo réu.
A reconvenção é admissível nos casos elencados no artigo 266.º, n.º 2, do CPC, a saber:
a) Quando o pedido do réu emerge do facto jurídico que serve de fundamento à ação ou à defesa;
b) Quando o réu se propõe tornar efetivo o direito a benfeitorias ou a despesas relativas à coisa cuja entrega lhe é pedida;
c) Quando o réu pretende o reconhecimento de um crédito, seja para obter a compensação seja para obter o pagamento do valor em que o crédito invocado excede o do autor; e
d) Quando o pedido do réu tende a conseguir, em seu benefício, o mesmo efeito jurídico que o autor se propõe obter.
A reconvenção pode ainda ser deduzida a título eventual – reconvenção subsidiária – para o caso de o pedido originário do autor vir a ser julgado procedente (neste sentido, vd., entre outros, na doutrina, Manuel de Andrade; Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1979, p. 153; Miguel Teixeira de Sousa; “Reconvenção subsidiária, valor da causa e responsabilidade pelas custas”, in Cadernos de Direito Privado, ISSN 1645-7242, n.º 7, 2004, pp. 11-18; Francisco Ferreira de Almeida; Direito Processual Civil, Vol. II, Almedina, 2015, p. 158;  e, na jurisprudência, e Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 20-05-2004, Pº 0432573, rel. FERNANDO BAPTISTA; de 05-07-2011, Pº 7830/10.3TBVNG-A.P1, rel. FERNANDO SAMÕES; de 21-11-2019, Pº 1414/18.5T8PVZ.P1, rel. CARLOS PORTELA; e de 13-10-2020, Pº 3393/18.0T8PNF.P2, rel. VIEIRA E CUNHA).
Conforme ensina Miguel Teixeira de Sousa (“Reconvenção subsidiária, valor da causa e responsabilidade pelas custas”, in Cadernos de Direito Privado, ISSN 1645-7242, n.º 7, 2004, pp. 12-13), “o que caracteriza a reconvenção subsidiária é isto: o réu formula o pedido principal de absolvição do pedido; para o caso de este pedido não ser julgado procedente, formula um pedido reconvencional. Isto mostra que apenas um dos pedidos apresentados pelo réu pode ser considerado procedente: ou o pedido (principal) de absolvição do pedido ou o pedido reconvencional (subsidiário) (…)”.
O referido Autor (loc. cit., p. 13) distingue a reconvenção subsidiária da reconvenção dependente, considerando que, enquanto, na primeira, se verifica que o réu quer obter, antes do mais, a improcedência da ação (pedido principal) e apenas, se tal não suceder, pretende a procedência do pedido reconvencional (pedido subsidiário), já na segunda figura (reconvenção dependente) o réu utiliza a procedência ou improcedência do pedido formulado pelo autor como objeto prejudicial face à reconvenção que deduz.
Relativamente à alínea a) do n.º 2 do artigo 266.º do CPC, referem Lebre de Freitas e Isabel Alexandre (Código de Processo Civil Anotado; Vol. 1.º, 4.ª Edição, Almedina, p. 531) que a correspondente previsão pressupõe que o pedido reconvencional se funde na mesma causa de pedir, total ou parcialmente, que o pedido do autor (de acordo com a teoria da substanciação, importando a causa de pedir integrada pelos factos concretos que caraterizam a norma/instituto jurídico invocados).
Assim, “a dedução de um pedido reconvencional fundado na mesma causa de pedir do pedido do autor, pressupõe que aquela seja entendida à luz da teoria da substanciação, isto é, integrada pelos factos concretos que concretizam a norma ou o instituto jurídicos invocados, não valendo para o efeito a abstracta invocação pelo réu dos mesmos norma ou instituto jurídicos, quando consubstanciados por factos absolutamente diferentes e distintos dos primitivos (arts. 266º, nº 1 e nº 2, al. a), e 581º, nº 4, ambos do C.P.C.)” (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 10-07-2018, Pº 1630/17.7T8VRL-A.G1, rel. MARIA JOÃO MATOS).
Sobre a mesma alínea a) reportam Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa (Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Almedina, 2018, p. 302) que, “[o] facto jurídico que serve de fundamento à ação (al. a)) constitui o ato ou relação jurídica cuja invocação sustenta o pedido formulado, como ocorre com a invocação de um direito emergente de um contrato, o qual também pode ser invocado pelo réu para sustentar uma diversa pretensão dirigida contra o autor. O facto jurídico que serve de sustentação à defesa envolve essencialmente a matéria de exceção, mas poderá igualmente assentar em factos que integrem a impugnação especificada dos fundamentos da ação. Nestes casos, o réu aproveita a defesa não apenas para se defender da pretensão do autor, mas ainda para sustentar nos mesmos factos uma pretensão autónoma contra aquele”.
Conforme evidencia Mariana França Gouveia (A Causa de Pedir na Ação Declarativa; Almedina, 2019, p. 270), “a causa de pedir, para efeitos de admissibilidade de reconvenção, deve ser definida através do facto principal comum a ambas as contra pretensões”, ou seja, que “os factos alegados devem ser selecionados através das normas jurídicas alegadas, assim se determinando quais são os principais. Estabelecidos estes, se um deles for principal para a ação e para a reconvenção, haverá identidade de causa de pedir e, logo, estará preenchido o requisito” previsto na alínea a) do n.º 2, do artigo 266.º do CPC.
Assim:
“A admissibilidade da reconvenção pressupõe uma conexão objectiva entre as duas ações, um nexo entre os objectos da causa inicial e da causa reconvencional.
O pedido reconvencional do réu emerge do facto jurídico que serve de fundamento à ação se existir identidade, total ou parcial, de ambas as causas de pedir, a da ação e da reconvenção.
O pedido reconvencional do réu emerge do facto jurídico que serve de fundamento à defesa quando faz nascer uma questão prejudicial em relação à causa principal, ou seja, produza “efeito útil defensivo”, capaz de reduzir, modificar ou extinguir o pedido do autor” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 17-03-2020, Pº 590/19.4T8GRD-A.C1, rel. JORGE ARCANJO).
Isso mesmo se expressou, igualmente, no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 06-05-2021 (Pº 2103/19.9T8VNF-A.G1, rel. JORGE TEIXEIRA) no qual se referiu o seguinte:
“A primeira parte da al. a) do n.º 2 do art. 266 carece de ser interpretada no sentido de que a reconvenção é admissível quando o pedido reconvencional se funda na mesma causa de pedir (ou parte desta) em que o Autor funda o direito que invoca. Já a segunda parte daquela alínea tem o sentido de que só é admissível a reconvenção quando o réu-reconvinte invoque como meio de defesa qualquer acto ou facto jurídico que tenha a virtualidade de reduzir, modificar ou extinguir o pedido formulado pelo autor e com base nesse acto ou facto – ou parte dele - que serve de fundamento à sua defesa, deduza o pedido reconvencional. Isto porque, tratando-se de uma contra pretensão, conquanto dentro do mesmo processo, a reconvenção, embora com um pedido autónomo, deve ter certa compatibilidade com a causa de pedir do autor, pelo que o pedido reconvencional tem de ter necessariamente a sua génese na causa de pedir invocada pelo Autor-reconvindo, ou a factualidade na qual o Réu-reconvinte estriba a sua defesa em relação a essa causa de pedir invocada pelo Autor-reconvindo. Por sua vez, a defesa por excepção consiste, antes, num ataque lateral ou de flanco, com a alegação de factos novos que impedem, modificam ou extinguem o efeito jurídico dos factos alegados pelo autor, socorrendo-se o réu de factos diversos daqueles em que se funda a petição”.
Assim, a primeira parte da mencionada alínea a) só poderá ter o sentido de a reconvenção ser admissível quando o pedido reconvencional tenha a mesma causa de pedir da acção, isto é, o mesmo facto jurídico (real ou concreto) em que o autor fundamenta o direito que invoca, de modo a concluir-se que o pedido cruzado do réu resulte naturalmente, ou até se contenha, na causa de pedir do autor: Pedida, por exemplo, a condenação do réu no pagamento do preço da compra e venda, o réu pede a condenação do autor na entrega da coisa (o mesmo contrato é, simultaneamente, causa do pedido do autor e do réu).
Por seu turno, a segunda parte da alínea a) do n.º 2 do artigo 266.º do CPC tem o sentido de a reconvenção ser admissível quando o réu invoque, como meio de defesa, qualquer acto ou facto jurídico que, a verificar-se, tenha a virtualidade de reduzir, modificar ou extinguir o pedido do autor, em termos de tal pretensão do réu ser normal consequência do facto jurídico que suporta a defesa (cfr., neste sentido, entre outros, Rodrigues Bastos, Notas ao Código de Processo Civil, II, p. 28 e os acórdãos do STJ de 05-03-1996, in BMJ 455.º, p. 389 e de 27-04-2006, Pº 06A945, rel. SEBASTIÃO PÓVOAS e do Tribunal da Relação do Porto de 16-09-1991, CJ, ano XVI, tomo IV, p. 247 e de 05-07-2011, Pº 7830/10.3TBVNG-A.P1, rel. FERNANDO SAMÕES): Pedida, por exemplo, a condenação do réu no pagamento de remanescente do preço de empreitada, o réu exceciona a anulabilidade do contrato por dolo e pede a condenação do autor na restituição do que pagou e em indemnização (a causa de pedir da reconvenção assenta nos factos que sustentam a anulabilidade do contrato e o seu incumprimento pelo autor).
De todo o modo tem que existir uma conexão entre o pedido do autor e do réu e esta tem de ser “uma conexão forte, não bastando uma ténue ligação entre os objectos da acção e da reconvenção, já que a lei optou, como vimos, por um sistema restritivo de admissibilidade da reconvenção, o que implica, por parte do juiz, uma análise minuciosa das causa de pedir alegadas nas duas demandas cruzadas” (cfr., Marco António de Aço e Borges; A Demanda Reconvencional; Quid Juris, 2008, p. 43).
Revertendo estas considerações para o caso dos autos, afastada está liminarmente a consideração do segmento do pedido reconvencional em questão como passível de enquadramento nas alíneas b), c) ou d) do n.º 2 do artigo 266.º do CPC, uma vez que, não ocorre nenhuma das circunstâncias previstas nessas alíneas, relativamente à pretensão expressa na alínea c) do dispositivo da contestação, cumprindo, por isso, aferir se se verificam os pressupostos de aplicação da alínea a) do mesmo artigo.
Verificamos que as autoras/recorridas assentam o seu direito no invocado exercício da preferência sobre a venda dos imóveis objeto de alienação/aquisição entre os réus.
Por seu turno, a pretensão reconvencional deduzida na contestação, para o caso de procedência da ação, assenta no invocado direito dos réus a recuperarem o valor do preço pago pela aquisição, o das despesas satisfeitas e o das benfeitorias realizadas, decorrente da impossibilidade de transmissão da propriedade do prédio para as autoras com o respetivo valor, que, na perspetiva dos recorrentes, constituiria um enriquecimento sem causa destas e, daí que o pedido reconvencional tenha sido deduzido contra estas (e, não, contra os demais réus que serão quem terá já recebido o preço da aquisição efetuada).
Ora, analisando a pretensão reconvencional deduzida – e não estando em questão no presente recurso outro segmento que não o atinente à alínea c) do petitório reconvencional -  forçoso é concluir que tal pretensão, na parte não admitida, muito embora respeite ao valor do preço que o réu reconvinte terá pago aos demais réus, não se inscreve na causa de pedir formulada na ação pelas autoras, relacionada com a verificação das condições para preferirem na compra e venda realizada, visando os réus, antes, exercitar um dispositivo legal diverso do invocado por estas ao pretender o ressarcimento do valor do preço pago (cfr. artigo 473.º do CC), pelo que falece este pressuposto de admissibilidade da reconvenção, com referência à primeira parte da alínea a) do n.º 2 do artigo 266.º do CPC.
De facto, no n.º 2 do artigo 473.º do CC inserem-se entre as modalidades de enriquecimento por prestação, “a hipótese de alguém ter recebido uma prestação em virtude de uma causa que deixou de existir, correspondendo à tradicional condictio ob causam finitam. No direito actual são casos da sua aplicação a posterior extinção do direito à prestação já recebida…” (assim, Luís Menezes Leitão; Direito das Obrigações, vol. I, 5.ª ed., Almedina, 2006, p. 419), não se vislumbrando ter cabimento, senão neste dispositivo normativo, a pretensão deduzida pelo réu reconvinte, não se alcançando existir o invocado erro de interpretação pretendido assacar ao Tribunal recorrido.
Mas, também na perspetiva da segunda parte da alínea a) do n.º 2 do artigo 266.º do CPC não se mostra preenchido o pressuposto legal aí enunciado, não se encontrando a mencionada forte conexão entre o pedido das autoras e o formulado na alínea c) do dispositivo da contestação pelos réus: A invocação do réu reconvinte não se dirige a esgrimir como meio de defesa um facto ou acto jurídico que possa reduzir, modificar ou extinguir o pedido formulado pelo autor, sendo que, como se viu, foi aliás deduzida para a hipótese de tal pretensão das autoras proceder.
Ou seja: O pedido formulado pelo réu reconvinte não se inscreve no facto jurídico que serve de fundamento à defesa, pressupondo, antes, que a defesa sustentada na contestação decai ou é julgada improcedente.
Não ocorre, pois, relativamente à decisão recorrida, o invocado erro de aplicação deste normativo.
Em conformidade com o exposto, é de concluir que, tal como decidido em 1.ª instância, não se verificam os pressupostos para que a pretensão reconvencional constante da mencionada alínea c) do dispositivo da contestação seja admissível.
*
B) Se a decisão recorrida violou o disposto no artigo 10º da Lei nº 1-A/2020, de 19/03, artigos 5º e 6º da Lei nº 4-A/2020, de 06/03, artigo 10º da Lei nº 16/2020, de 29/05 e o nº 1 do artigo 1410.º do Código Civil, devendo ser julgada procedente a invocada exceção perentória de caducidade do direito de preferência?
Concluíram, ainda, os recorrentes, nomeadamente, o seguinte:
“(…) Q) Quanto ao indeferimento da invocada exceção perentória de caducidade da ação, a sra. Juiz “a quo”, considerou com interesse para a decisão, os seguintes factos: “i. A Autora HH recebeu, a 27 de novembro de 2020, comunicação endereçada em nome dos Réus em que lhe comunicavam a sua intenção de vender os prédios pelo valor de €175.000,00; ii. A Autora II recebeu, a 26 de novembro de 2020, comunicação endereçada em nome dos Réus em que lhe comunicavam a sua intenção de vender os prédios pelo valor de €175.000,00; iii. A presente ação deu entrada a 18 de junho de 2021.”
R) Considerou, ainda, a sra. Juiz “a quo” que: “Tendo em consideração a data da recção da comunicação dos elementos essenciais do processo e o assim preceituado, temos que a presente ação teria que dar entrada em juízo em 27 de maio de 2021.”
S) Contudo, concluiu que a contagem do prazo de seis meses determinado pelo artigo 1410º do Código Civil, encontrava-se interrompido em virtude da entrada em vigor da Lei nº 1-A/2020, de 19 de março até à entrada em vigor da Lei nº16/2020, de 29 de maio, numa extensão de 86 dias seguidos.
T) Mais refere o despacho “a quo” que esse prazo suspendeu-se entre 09 de março de 2020 e 03 de junho de 2020, pelo que a ação poderia dar entrada em juízo até ao dia 22 de agosto de 2021.
U) As comunicações relativas ao já concretizado negócio jurídico foram levadas ao conhecimento das autoras pelo menos nos dias 26 e 27 de novembro de 2020 (veja-se, entre outros, os artigos 24º a 52º da contestação).
V) Ora, entendem os apelantes, contrariamente ao entendimento da sra. juiz “a quo”, que a suspensão da contagem dos prazos referida nos referidos diplomas legais não se aplica a factos posteriores à data de 03 de junho de 2020 (data da entrada em vigor da Lei nº16/2020, de 29 de maio).
W) E os factos em causa reportam-se a finais de novembro de 2020 e os referidos diplomas legais que determinaram a suspensão dos prazos de caducidade entre 09 de março (data em vigor da Lei nº1-A/2020 de 19 de março) e 03 de junho, ambos do ano de 2020 (data da entrada em vigor da Lei nº16/2020, de 29 de maio),
X) reportam-se tão só a factos que ocorreram ou possam ter ocorrido dentro do intervalo destas datas e nunca a factos que ocorreram após a cessação do regime de suspensão dos prazos de caducidade (a partir de 03/06/2020).
Y) Já o regime jurídico da suspensão dos prazos referidos no nº1 e 3 do artigo 6º-B da Lei nº4-B/2021, de 01/02 e no artigo 5º da Lei nº13-B/2021, de 05/04, referemse à prática de atos processuais, procedimentais e administrativos relativos a processos que corram termos nomeadamente nos tribunais judiciais.
Z) Quer dizer, salvo diferente e melhor opinião, estas Leis nº4-B/2021 e nº13-B/2021 pressupõem a existência de um processo em curso, nomeadament nos tribunais judiciais.
AA) Ora, a presente ação foi proposta no dia 18/06/2021, ou seja, só passou a correr termos (a existir) a partir desta data, pelo que o regime da suspensão dos prazos previsto nestas leis não se aplica “in casu”.
BB) Considerando o supra aludido, entendem os apelantes que o despacho “a quo” violou, por erro de interpretação e de aplicação, entre outros, o disposto no artigo 10º da referida Lei nº1-A/2020, de 19/03, artigos 5º e 6º da Lei nº4-A/2020, de 06/03 e artigo 10º da Lei nº16/2020, de 29/05 e o nº1 do artigo 1410º do Código Civil, CC) pelo que deve esta parte do douto despacho sob recurso ser revogado e substituído por outro que julgue procedente, por provada, a invocada exceção perentória de caducidade do direito de preferência, com as inerentes consequências legais (…)”.
Contra-alegaram as recorridas invocando sobre a questão em apreço, o seguinte:
“- Os prazos para a propositura da presente ação estabelecidos nos artigos 1410.º, n.º 1 do Código Civil, aplicável ex vi os artigos 1380.º, n.º 1 e 4 e 1555.º, n.º 1 e 2 ambos do Código Civil têm natureza substantiva cujo desrespeito determina a caducidade do direito de preferência das Autoras, ora Recorridas.
- A presente ação deu entrada em juízo no dia 18.06.2021.
- A Lei n.º 1/A/2020 estabeleceu a suspensão dos prazos de caducidade, prevalecendo este regime sobre quaisquer outros (regimes) que estabeleçam prazos máximos de prescrição ou caducidade.
- Por outro lado, também a Lei nº 4-B/2021 de 1 de fevereiro, estabeleceu um regime de suspensão de prazos processuais e procedimentais, nos termos do qual foram suspensos os prazos de prescrição e de caducidade relativamente a todos os processos e procedimentos que corram termos nomeadamente nos tribunais judiciais (cf. artigo 6.º-B n.º 1 e n.º 3). Esta Lei n.º 4-B/2021, de 1 de fevereiro entrou em vigor no dia 2 de fevereiro de 2021.
- A situação de suspensão cessou em 6 de abril de 2021, com a entrada em vigor da Lei nº13-B/2021, e onde se estatuiu que os prazos de prescrição e caducidade cuja suspensão cesse por força das alterações introduzidas por essa lei são alargados pelo período correspondente à vigência da suspensão.
- O prazo das AA para instauração da presente ação foi, nos termos acima, alargado podendo a presente ação dar entrada até ao dia 22.08.2021.”.
A decisão recorrida expressou-se, sobre este ponto, com a seguinte fundamentação:
“Invocam os Réus a excepção de caducidade do direito dos Autores, referindo que as mesmas instauram a presente acção numa altura em que já haviam decorrido mais de seis meses desde a data em que lhes comunicou os elementos do negócio de compra e venda.
Contrapõem os Autores que os prazos de caducidade estiveram, por força da legislação especial aprovada, na sequência da Pandemia de Covid-19, suspensos durante 63 dias e que, por força disso a acção entrou em juízo numa altura em que o prazo de caducidade (de seis meses) ainda se não encontrava inteiramente decorrido.
Apreciando e decidindo.
Com interesse para a decisão da excepção assim alegada, temos como assentes os seguintes factos:
i. A Autora HH recebeu, a 27 de Novembro de 2020, comunicação endereçada em nome dos Réus em que lhe comunicavam a sua intenção de vender os prédios pelo valor de € 175.000,00;
ii. A Autora II recebeu, a 26 de Novembro de 2020, comunicação endereçada em nome dos Réus em que lhe comunicavam a sua intenção de vender os prédios pelo valor de € 175.000,00;
iii. A presente acção deu entrada a 18 de Junho de 2021.
Estabelece o artigo 1410º, n.º1, do Código Civil, aplicável in casu ex vi do disposto pelos artigo 1380º, n.º 1 e 4 e 1555º, n.º 1 e 2, todos do Código Civil, que o titular do direito de preferência deve requerer o reconhecimento do mesmo dentro do prazo de 6 meses a contar da data em que teve conhecimento dos elementos essenciais da alienação e desde que deposite o preço devido nos 15 dias seguintes à propositura da acção respectiva.
Os prazos assim estabelecidos configuram prazos de natureza substantiva, cujo desrespeito determina a caducidade do direito de preferência que os Autores pretendem exercer (cfr. artigo 298º, n.º 1 e 2, do Código Civil).
Os autos deram entrada em juízo a 18 de Junho de 2021, pelo que será essa a data tida como a da sua proprositura, conforme do disposto pelo artigo 259º, n.º1, do Código Processo Civil.
Tendo em consideração a data de recepção da comunicação dos elementos essenciais do processo e o assim preceituado, temos que a presente acção teria que dar entrada em juízo até 27 de Maio de 2021.
Não obstante o que vem de dizer-se, a verdade é que pela Lei 1/A/2020 – que estabeleceu medidas excepcionais e temporárias de resposta à situação epidemiológica provocada pelo coronavírus SARS-CoV-2 e da doença COVID-19 – com entrada em vigor a 09 de Março de 2020, estabeleceu a suspensão dos prazos de caducidade, determinam que o regime assim estabelecido prevalece sobre quaisquer regimes que estabeleçam prazos máximos imperativos de prescrição ou caducidade, sendo os mesmos alargados pelo período de tempo em que vigorar a situação excepcional.
O assim estabelecido manteve-se em vigor até 03 de Junho de 2020 (data de entrada em vigor da Lei 16/2020, de 29/05, que alterou as referidas normas, estabelecendo a suspensão dos prazos de caducidade apenas por referências aos processos cujas diligências não possam ser feitas nos termos definidos pela própria lei).
Em face do assim estabelecido, cotejado com a circunstância de, de acordo com o preceituado pelo artigo 328º, do Código Civil, a caducidade apenas se interromper ou suspender nos casos em que a lei o determine, concluímos que ao prazo de seis meses estabelecido pelo artigo 1410º, do Código Civil, haverá que somar os 86 dias [decorridos entre 09 de Março de 2020 - data de entrada em vigor da Lei 1/A/2020, de 19 de Março (cfr. o seu artigo 10º e os artigos 5º e 6º da Lei n.º 4-A/2020, de 6 de Abril ) - e 03 de Junho de 2020 ( data de entrada em vigor da Lei 16/2020, conforme o estabelecido pelo artigo 10º) resultantes do preceituado pelos supra referidos normativos.
Significa o que vem de dizer-se que a presente acção, tendo em conta o preceituado pelos supra referidos normativos legais e o estabelecido pelo artigo 279º e 296º, ambos do Código Civil, poderia dar entrada em juízo até ao dia 22 de Agosto de 2021.
Tudo ponderado, temos por não verificada a alegada excepção peremptória de caducidade da acção.”.
Vejamos:
Em resultado da situação de emergência de saúde pública de âmbito internacional, declarada pela Organização Mundial de Saúde, no dia 30 de janeiro de 2020, bem como à classificação do vírus SARS-CoV-2 como uma pandemia, no dia 11 de março de 2020 e à situação de calamidade pública, que motivou a declaração de diversos e sucessivos estados de emergência (o primeiro dos quais pelo Decreto do Presidente da República n.º 14-A/2020, de 18 de março), foram introduzidas no ordenamento jurídico diversas alterações, de exceção e com carácter temporário, em vários diplomas legais, por forma a adaptar o quadro normativo ao novo status quo e às exigências particulares que, a especial situação que se vivenciava, foi impondo ao longo do tempo.
Assim, logo em 19 de março de 2020 foi publicada a Lei n.º 1-A/2020 que, ratificando os efeitos do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de março, veio aprovar diversas medidas excecionais e temporárias de resposta à situação epidemiológica provocada pelo coronavírus SARS -CoV -2, agente causador da doença COVID -19.
Entre a data da sua publicação e a presente data, esta Lei n.º 1-A/2020 veio a ser alterada, em pouco mais de um ano, 11 vezes, pelos seguintes diplomas:
- Lei n.º 4-A/2020, de 6 de abril;
- Lei n.º 4-B/2020, de 6 de abril;
- Lei n.º 14/2020, de 9 de maio;
- (Retificação n.º 20/2020, de 15 de maio);
- Lei n.º 16/2020, de 29 de maio;
- Lei n.º 28/2020, de 28 de julho;
- Lei n.º 58-A/2020, de 30 de setembro;
- Lei n.º 75-A/2020, de 30 de dezembro;
- Lei n.º 1-A/2021, de 13 de janeiro;
- Lei n.º 4-B/2021, de 1 de fevereiro;
- Lei n.º 13-B/2021, de 5 de abril; e
- Lei n.º 91/2021, de 17 de dezembro).
No artigo 7.º dessa Lei n.º 1-A/2020 estatuíam-se diversas regras sobre os “prazos e diligências”.
O teor deste normativo, na sua versão originária, era o seguinte:
“Artigo 7.º
Prazos e diligências
1 — Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, aos atos processuais e procedimentais que devam ser praticados no âmbito dos processos e procedimentos, que corram termos nos tribunais judiciais, tribunais administrativos e fiscais, Tribunal Constitucional, Tribunal de Contas e demais órgãos jurisdicionais, tribunais arbitrais, Ministério Público, julgados de paz, entidades de resolução alternativa de litígios e órgãos de execução fiscal, aplica-se o regime das férias judiciais até à cessação da situação excecional de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infeção epidemiológica por SARS -CoV -2 e da doença COVID -19, conforme determinada pela autoridade nacional de saúde pública.
2 — O regime previsto no presente artigo cessa em data a definir por decreto-lei, no qual se declara o termo da situação excecional.
3 — A situação excecional constitui igualmente causa de suspensão dos prazos de prescrição e de caducidade relativos a todos os tipos de processos e procedimentos.
4 — O disposto no número anterior prevalece sobre quaisquer regimes que estabeleçam prazos máximos imperativos de prescrição ou caducidade, sendo os mesmos alargados pelo período de tempo em que vigorar a situação excecional.
5 — Nos processos urgentes os prazos suspendem-se, salvo nas circunstâncias previstas nos n.ºs 8 e 9.
6 — O disposto no presente artigo aplica-se ainda, com as necessárias adaptações, a:
a) Procedimentos que corram termos em cartórios notariais e conservatórias;
b) Procedimentos contraordenacionais, sancionatórios e disciplinares, e respetivos atos e diligências que corram termos em serviços da administração direta, indireta, regional e autárquica, e demais entidades administrativas, designadamente entidades administrativas independentes, incluindo o Banco de Portugal e a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários;
c) Prazos administrativos e tributários que corram a favor de particulares.
7 — Os prazos tributários a que se refere a alínea c) do número anterior dizem respeito apenas aos atos de interposição de impugnação judicial, reclamação graciosa, recurso hierárquico, ou outros procedimentos de idêntica natureza, bem como aos prazos para a prática de atos no âmbito dos mesmos procedimentos tributários.
8 — Sempre que tecnicamente viável, é admitida a prática de quaisquer atos processuais e procedimentais através de meios de comunicação à distância adequados, designadamente por teleconferência ou videochamada.
9 — No âmbito do presente artigo, realizam-se apenas presencialmente os atos e diligências urgentes em que estejam em causa direitos fundamentais, nomeadamente diligências processuais relativas a menores em risco ou a processos tutelares educativos de natureza urgente, diligências e julgamentos de arguidos presos, desde que a sua realização não implique a presença de um número de pessoas superior ao previsto pelas recomendações das autoridades de saúde e de acordo com as orientações fixadas pelos conselhos superiores competentes.
10 — São suspensas as ações de despejo, os procedimentos especiais de despejo e os processos para entrega de coisa imóvel arrendada, quando o arrendatário, por força da decisão judicial final a proferir, possa ser colocado em situação de fragilidade por falta de habitação própria.
11 — Após a data da cessação da situação excecional referida no n.º 1, a Assembleia da República procede à adaptação, em diploma próprio, dos períodos de férias judiciais a vigorar em 2020”.
Em termos fundamentais, o preceito legal em apreço estabelece:
– O decretamento ou reconhecimento de uma “situação excecional”;
– A suspensão dos prazos, enquanto durar a situação excecional, quanto a actos que devam ser praticados em processos pendentes;
– A suspensão dos prazos de prescrição e de caducidade enquanto durar a mencionada situação excecional.
Referindo-se, em particular, à previsão de suspensão dos prazos de prescrição e de caducidade relativos a todos os tipos de processos e procedimentos, constante do n.º 3 do artigo 7.º da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, na sua versão originária, evidenciava José Joaquim Fernandes Oliveira Martins (“A Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março – uma primeira leitura e notas práticas”, in Julgar Online, março de 2020, p. 6, disponível em: http://julgar.pt/wp-content/uploads/2020/03/20200320-ARTIGO-JULGAR-A-Lei-1A2020-uma-primeira-leitura-e-notas-pr%C3%A1ticas-Jos%C3%A9-Joaquim-Martins-v3.pdf) o seguinte:
“Trata-se de um normativo, (…) que vai levantar grandes dificuldades, visando criar uma nova causa de suspensão dos prazos de prescrição e de caducidade, impedindo que as mesmas se verifiquem por mero efeito da situação de pandemia existente, mas fazendo-o de uma forma que suscita mais dúvidas do que certezas.
De facto, os institutos da prescrição e da caducidade aplicam-se nos vários ramos do direito, não havendo, de novo, um regime único da prescrição e da caducidade, mas antes, por exemplo, uma prescrição civil e uma prescrição penal (e dentro desta última, várias prescrições, com regimes muito diversos).
De todo o modo, este artigo parece só aplicar-se a prazos de prescrição e de caducidade relativos a, sic, “processos e procedimentos” já em curso ou, alargando o seu âmbito e no que será talvez mais razoável, a prazos que digam respeito a concretos, mesmo que futuros, “processos e procedimentos” que se iniciem antes, no decurso ou após a vigência desta lei, só assim se podendo entender a menção final expressa aos mesmos, não resultando deste normativo, salvo melhor opinião, que se queiram suspender todos os prazos substantivos em curso e que não digam respeito a qualquer, mesmo que só futuro, “processo e procedimento” (…)”.
Sobre o âmbito de aplicação desta previsão normativa, Miguel Teixeira de Sousa e J. H. Delgado de Carvalho (“As medidas excepcionais e temporárias estabelecidas pela L 1-A/2020, de 19/3 (repercussões na jurisdição civil)”, março de 2020, pp. 3-4, disponível em https://blogippc.blogspot.com/2020/03/as-medidas-excepcionais-e-temporarias.html) referiam que “O regime é aplicável, sem qualquer dúvida, às acções ou aos procedimentos que, de modo a evitar a prescrição ou a caducidade, tivessem de ser propostos durante a vigência da situação excepcional. Assim, por exemplo, os prazos convencionados ou legais que regulam a produção de efeitos da resolução de contratos não ficam suspensos, dado que a resolução opera ex voluntate (cf. art. 436.º, n.º 1, CC); mas já fica suspenso o prazo (substantivo) para propor uma acção de anulação (cf., por exemplo, arts. 287.º, n.º 1, 917.º e 1644.º a 1646.º CC) ou uma acção de preferência (cf., por exemplo, arts. 416.º, n.º 2, e 1410.º, n.º 1, CC). A mesma solução vale para os prazos estabelecidos no CPC para a propositura de acções (cf., por exemplo, arts. 373.º, n.º 1, al. a), e 395.º CPC) (…).
O regime instituído nos n.ºs 3 e 4 do art. 7.º L 1-A/2020 visa evitar situações anómalas no domínio da prescrição e da caducidade. Seria o que sucederia se um interessado ficasse impedido de instaurar o meio processual destinado à satisfação do seu direito devido a situação epidemiológica e se um outro interessado, que futuramente fosse por ele demandado, pudesse vir a excepcionar a prescrição ou a caducidade ou o tribunal pudesse vir a conhecer oficiosamente desta caducidade. Seria um resultado que violaria o direito fundamental de acesso ao direito e aos tribunais (cf. art. 20.º, n.º 1, da CRP), dado que a verificação da prescrição ou da caducidade do direito do interessado conduziria ao insucesso da sua pretensão ou do seu pedido” (sublinhado nosso).
Este artigo 7.º veio a ser alterado, em parte, pela Lei n.º 4-A/2020, de 6 de Abril (art. 2.º) passando, desde então, a ter a seguinte redação:
“Artigo 7.º
[...]
1 - Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, todos os prazos para a prática de atos processuais e procedimentais que devam ser praticados no âmbito dos processos e procedimentos que corram termos nos tribunais judiciais, tribunais administrativos e fiscais, Tribunal Constitucional, Tribunal de Contas e demais órgãos jurisdicionais, tribunais arbitrais, Ministério Público, julgados de paz, entidades de resolução alternativa de litígios e órgãos de execução fiscal ficam suspensos até à cessação da situação excecional de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infeção epidemiológica por SARS-CoV-2 e da doença COVID-19, a decretar nos termos do número seguinte.
2 - ...
3 - ...
4 - ...
5 - O disposto no n.º 1 não obsta:
a) À tramitação dos processos e à prática de atos presenciais e não presenciais não urgentes quando todas as partes entendam ter condições para assegurar a sua prática através das plataformas informáticas que possibilitam a sua realização por via eletrónica ou através de meios de comunicação à distância adequados, designadamente teleconferência, videochamada ou outro equivalente;
b) A que seja proferida decisão final nos processos em relação aos quais o tribunal e demais entidades entendam não ser necessária a realização de novas diligências.
6 - Ficam também suspensos:
a) O prazo de apresentação do devedor à insolvência, previsto no n.º 1 do artigo 18.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas;
b) Quaisquer atos a realizar em sede de processo executivo, designadamente os referentes a vendas, concurso de credores, entregas judiciais de imóveis e diligências de penhora e seus atos preparatórios, com exceção daqueles que causem prejuízo grave à subsistência do exequente ou cuja não realização lhe provoque prejuízo irreparável, nos termos previstos no n.º 2 do artigo 137.º do Código de Processo Civil, prejuízo esse que depende de prévia decisão judicial.
7 - Os processos urgentes continuam a ser tramitados, sem suspensão ou interrupção de prazos, atos ou diligências, observando-se quanto a estes o seguinte:
a) Nas diligências que requeiram a presença física das partes, dos seus mandatários ou de outros intervenientes processuais, a prática de quaisquer atos processuais e procedimentais realiza-se através de meios de comunicação à distância adequados, designadamente teleconferência, videochamada ou outro equivalente;
b) Quando não for possível a realização das diligências que requeiram a presença física das partes, dos seus mandatários ou de outros intervenientes processuais, nos termos da alínea anterior, e esteja em causa a vida, a integridade física, a saúde mental, a liberdade ou a subsistência imediata dos intervenientes, pode realizar-se presencialmente a diligência desde que a mesma não implique a presença de um número de pessoas superior ao previsto pelas recomendações das autoridades de saúde e de acordo com as orientações fixadas pelos conselhos superiores competentes;
c) Caso não seja possível, nem adequado, assegurar a prática de atos ou a realização de diligências nos termos previstos nas alíneas anteriores, aplica-se também a esses processos o regime de suspensão referido no n.º 1.
8 - Consideram-se também urgentes, para o efeito referido no número anterior:
a) Os processos e procedimentos para defesa dos direitos, liberdades e garantias lesados ou ameaçados de lesão por quaisquer providências inconstitucionais ou ilegais, referidas no artigo 6.º da Lei n.º 44/86, de 30 de setembro, na sua redação atual;
b) O serviço urgente previsto no n.º 1 do artigo 53.º do Decreto-Lei n.º 49/2014, de 27 de março, na sua redação atual;
c) Os processos, procedimentos, atos e diligências que se revelem necessários a evitar dano irreparável, designadamente os processos relativos a menores em risco ou a processos tutelares educativos de natureza urgente e as diligências e julgamentos de arguidos presos.
9 - O disposto nos números anteriores aplica-se, com as necessárias adaptações, aos prazos para a prática de atos em:
a) [Anterior alínea a) do n.º 6.]
b) Procedimentos contraordenacionais, sancionatórios e disciplinares, incluindo os atos de impugnação judicial de decisões finais ou interlocutórias, que corram termos em serviços da administração direta, indireta, regional e autárquica, e demais entidades administrativas, designadamente entidades administrativas independentes, incluindo a Autoridade da Concorrência, a Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões, o Banco de Portugal e a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários, bem como os que corram termos em associações públicas profissionais;
c) Procedimentos administrativos e tributários no que respeita à prática de atos por particulares.
10 - A suspensão dos prazos em procedimentos tributários, referida na alínea c) do número anterior, abrange apenas os atos de interposição de impugnação judicial, reclamação graciosa, recurso hierárquico, ou outros procedimentos de idêntica natureza, bem como os atos processuais ou procedimentais subsequentes àqueles.
11 - Durante a situação excecional referida no n.º 1, são suspensas as ações de despejo, os procedimentos especiais de despejo e os processos para entrega de coisa imóvel arrendada, quando o arrendatário, por força da decisão judicial final a proferir, possa ser colocado em situação de fragilidade por falta de habitação própria ou por outra razão social imperiosa.
12 - Não são suspensos os prazos relativos à prática de atos realizados exclusivamente por via eletrónica no âmbito das atribuições do Instituto Nacional da Propriedade Industrial, I. P.
13 - (Anterior n.º 11.)”.
Quanto aos processos não urgentes, a redação inicial da Lei n.º 1-A/2020 estabelecia a sujeição destes processos ao regime das férias judiciais, com a consequente suspensão dos prazos processuais. Com a Lei n.º 4-A/2020, foi eliminada do artigo 7.º, n.º 1 a referência à aplicação do regime das férias judiciais, tendo-se determinado de forma expressa a suspensão dos prazos processuais até à cessação da situação excecional provocada pela COVID-19. No entanto, o número 5 do artigo 7.º veio estabelecer que a referida suspensão dos prazos não obstava à tramitação dos processos e à prática de atos processuais presenciais e não presenciais através das plataformas informáticas que possibilitam a sua realização por via eletrónica ou através de meios de comunicação à distância adequados (designadamente, teleconferência, videochamada ou outros), contanto que todas as partes entendessem ter condições para assegurar a sua prática por essas vias.
Ou seja: “Tendo em conta o disposto no art. 7º, nº 1, da Lei nº 1-A/2020, na redação dada pela Lei nº 4-A/2020, de 6.4, os prazos processuais nos processos não urgentes ficaram suspensos a partir de 9.3.2020 (não se iniciando, ou suspendendo-se se estivessem em curso), não sendo as partes obrigadas a praticar qualquer ato processual enquanto durasse o período de suspensão, apenas se prevendo a possibilidade, nos termos do nº 5 do art. 7º, de se verificar a tramitação dos processos e a prática de atos presenciais e não presenciais não urgentes quando todas as partes entendam ter condições para assegurar a sua prática através das plataformas informáticas que possibilitam a sua realização por via eletrónica ou através de meios de comunicação à distância adequados, designadamente teleconferência, videochamada ou outro equivalente, manifestando-a expressamente no processo” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 19-01-2021, Pº 1711/19.2T8CSC.L1-7, rel. CRISTINA COELHO).
Quanto aos processos urgentes, a versão originária da Lei n.º 1-A/2020 havia determinado a suspensão dos prazos, ainda que com algumas exceções. Com a Lei n.º 4-A/2020 optou o legislador, diversamente, no sentido de que os processos urgentes continuassem a ser tramitados, sem suspensão ou interrupção de prazos, atos ou diligências (cfr. n.º 7 do referido artigo 7.º).
A nova redação produziu efeitos retroativos a 09-03-2020, com exceção das normas aplicáveis aos processos urgentes, cuja produção de efeitos se iniciou no dia 07-04-2020, data da entrada em vigor da Lei n.º 4-A/2020 (cfr. artigo 6.º da Lei n.º 4-A/2020).
Como se refere no Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 25-03-2021 (Pº 114/19.3T8RMR.E1, rel. FRANCISCO MATOS), a redação da nova lei “permitiu unificar o regime para todas as jurisdições [v.g. na jurisdição administrativa o prazo de impugnação de atos anuláveis não se suspende nas férias judiciais diferentemente do que se passa no domínio do processo civil em que os prazos processuais se suspendem durante as férias judiciais – cfr. artigo 58.º, n.º 2, do CPTA, aprovado pela Lei n.º 15/2002, de 22/2 e artigo 138.º, n.º 1, do CPC] e da qual resulta, a nosso ver, sem qualquer dúvida, a suspensão de todos os prazos para a prática de atos processuais, em processos não urgentes, independentemente da sua duração”.
Certo é que, o regime de suspensão dos prazos de prescrição e de caducidade se manteve, com a publicação da Lei n.º 4-A/2020, sem qualquer alteração.
Comentando a previsão normativa do referido artigo 7.º da Lei n.º 1-A/2020, na redação dada pela Lei n.º 4-A/2020, refere Paulo Pimenta (“Prazos, diligências, processos e procedimentos em época de emergência de saúde pública (DL nº 10-A/2020, de 13 de Março, Lei nº 1-A/2020, de 19 de Março, e Lei nº 4-A/2020, de 6 Abril)”, Abril 2020, disponível em https://www.direitoemdia.pt/magazine/show/68) o seguinte:
“O nº 3 do art. 7º, também com foros de excepcionalidade, consagra a suspensão de prazos de prescrição e de caducidade relativamente a todos os tipos de processos e procedimentos, sendo que, nos termos do nº 4, esta suspensão de prazos de prescrição e caducidade prevalece sobre quaisquer regimes que fixem prazos máximos imperativos, prevendo-se que tais regimes serão alargados pelo período de tempo em que vigorar a situação excepcional (…). 
Nesta conformidade, enquanto durar a situação de excepção, não haverá necessidade de instaurar processos ou procedimentos para evitar a prescrição ou a caducidade, sendo que os respectivos prazos retomarão a sua contagem assim que findar a dita situação de excepção. Importa salientar que o sentido da lei, e a suspensão opera somente quanto a esses prazos, é o de acautelar casos em que o exercício do direito implica a instauração de um processo ou um procedimento, isto é, implica uma concreta iniciativa processual.
A título meramente exemplificativo, por referência a previsões do Código Civil, estão suspensos os prazos para instaurar acções de anulação (art. 287º), acções destinadas à efectivação de responsabilidade civil extracontratual (art. 498º), acções de resolução de contrato de arrendamento (art. 1085º) ou acções de preferência (art. 1410º).
E também vigora tal suspensão relativamente a prazos definidos no Código de Processo Civil para propor acções, de que são exemplo os casos previstos nos seus arts. 371º, nº 1, e 373º, nº 1, al. a).
Em contraposição, estão excluídos da previsão da Lei prazos cuja observância não careça de uma iniciativa processual, não havendo aí lugar a qualquer suspensão (sem prejuízo, bem entendido, de outros diplomas ou disposições que, em concreto, consagrem soluções passíveis de gerar a suspensão de certos prazos ou um efeito prático similar) (…)” (sublinhado nosso).
Luís Menezes Leitão (“Os prazos em tempos de pandemia Covid-19”, in Estado de Emergência - COVID-19 Implicações na Justiça, Coleção Caderno Especial, [Em linha], Lisboa, Centro de Estudos Judiciários, Abril 2020, disponível na internet em: https://cej.justica.gov.pt/LinkClick.aspx?fileticket=KFbmVM5ylRU%3d&portalid=30, p. 72) questiona, em face do referido regime legal, se o mesmo se aplica apenas em relação aos prazos para instaurar acções ou procedimentos que evitem a prescrição e a caducidade ou se abrange também prazos para o exercício extrajudicial de direitos legais ou contratuais, concluindo por uma resposta afirmativa apenas quanto à primeira situação, mas salientando que, em diversos casos (v.g. artigo 8.º da Lei n.º 1-A/2020, na redação dada pela Lei n.º 4-A/2020 e artigo 4.º do D.L. n.º 10-J/2020, de 26 de março) o legislador também considerou a suspensão de prazos de prescrição/caducidade no âmbito da segunda situação referida.
O regime legal do referido artigo 7.º da Lei n.º 1-A/2020, nesta nova redação da Lei n.º 4-A/2020, vigorou até 03-06-2020, data da entrada em vigor da Lei n.º 16/2020, de 29 de maio, que revogou o referido artigo 7.º da Lei n.º 1-A/2020 (artigos 8.º e 10.º), colocando termo à suspensão generalizada dos prazos processuais, retomando-se a contagem dos prazos judiciais a partir de 03-06-2020 (inclusive), considerando-se, em cada prazo, o tempo decorrido até à declaração da sua suspensão (cfr., neste sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 15-12-2021, Pº 939/19.0T8GRD-A.C1, rel. MÁRIO RODRIGUES DA SILVA).
“A Lei n.º 16/2020, de 29 de Maio, que procedeu à revogação parcial da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, na redacção conferida pela Lei n.º 4-A/2020, de 6 de Abril, teve como consequência a cessação da suspensão dos prazos judiciais e dos prazos administrativos. A contagem dos referidos prazos, no âmbito de todos os tipos de processos judiciais (urgentes e não urgentes), é retomada a partir do quinto dia a contar da publicação do diploma (em resultado da vacatio legis estipulada no seu art. 10.º), cessando, assim, a suspensão extraordinária até então vigente” (assim, o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 21-01-2021, Pº 214/18.7BELSB, rel. PEDRO MARCHÃO MARQUES).
A revogação do mencionado artigo 7.º da Lei nº 1-A/2020, na redação dada pela Lei nº 4-A/2020, operada pela Lei n.º 16/2020, não repôs, todavia, a situação que existia à data anterior a 12 de Março de 2020, reconhecendo o legislador que, apesar de ser admissível atenuar as regras impostas pelo referido normativo, se tornava, ainda assim, necessário criar determinadas regras ainda excecionais e temporárias de resposta à pandemia da doença COVID -19, dando origem à referida substituição do revogado artigo 7.º da Lei n.º 1-A/2020, pelo então aditado artigo 6.º-A à mesma lei.
De facto, a Lei n.º 16/2020, de 29 de maio veio aditar à Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, o artigo 6.º-A, com a seguinte redação:
“Artigo 6.º-A
Regime processual transitório e excecional
1 - No decurso da situação excecional de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infeção epidemiológica por SARS-CoV-2 e da doença COVID-19, as diligências a realizar no âmbito dos processos e procedimentos que corram termos nos tribunais judiciais, tribunais administrativos e fiscais, Tribunal Constitucional, Tribunal de Contas e demais órgãos jurisdicionais, tribunais arbitrais, Ministério Público, julgados de paz, entidades de resolução alternativa de litígios e órgãos de execução fiscal regem-se pelo regime excecional e transitório previsto no presente artigo.
2 - As audiências de discussão e julgamento, bem como outras diligências que importem inquirição de testemunhas, realizam-se:
a) Presencialmente e com a observância do limite máximo de pessoas e demais regras de segurança, de higiene e sanitárias definidas pela Direção-Geral da Saúde (DGS); ou
b) Através de meios de comunicação à distância adequados, nomeadamente teleconferência, videochamada ou outro equivalente, quando não puderem ser feitas nos termos da alínea anterior e se for possível e adequado, designadamente se não causar prejuízo aos fins da realização da justiça, embora a prestação de declarações do arguido ou de depoimento das testemunhas ou de parte deva sempre ser feita num tribunal, salvo acordo das partes em sentido contrário ou verificando-se uma das situações referidas no n.º 4.
3 - Nas demais diligências que requeiram a presença física das partes, dos seus mandatários ou de outros intervenientes processuais, a prática de quaisquer outros atos processuais e procedimentais realiza-se:
a) Através de meios de comunicação à distância adequados, designadamente teleconferência, videochamada ou outro equivalente; ou
b) Presencialmente, quando não puderem ser feitas nos termos da alínea anterior, e com a observância do limite máximo de pessoas e demais regras de segurança, higiene e sanitárias definidas pela DGS.
4 - Em qualquer das diligências previstas nos n.º 2 e 3, as partes, os seus mandatários ou outros intervenientes processuais que, comprovadamente, sejam maiores de 70 anos, imunodeprimidos ou portadores de doença crónica que, de acordo com as orientações da autoridade de saúde, devam ser considerados de risco, não têm obrigatoriedade de se deslocar a um tribunal, devendo, em caso de efetivação do direito de não deslocação, a respetiva inquirição ou acompanhamento da diligência realizar-se através de meios de comunicação à distância adequados, designadamente teleconferência, videochamada ou outro equivalente, a partir do seu domicílio legal ou profissional.
5 - Sem prejuízo do disposto nos números anteriores, é garantida ao arguido a presença no debate instrutório e na sessão de julgamento quando tiver lugar a prestação de declarações do arguido ou coarguido e o depoimento de testemunhas.
6 - Ficam suspensos no decurso do período de vigência do regime excecional e transitório:
a) O prazo de apresentação do devedor à insolvência, previsto no n.º 1 do artigo 18.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, aprovado em anexo ao Decreto-Lei n.º 53/2004, de 18 de março;
b) Os atos a realizar em sede de processo executivo ou de insolvência relacionados com a concretização de diligências de entrega judicial da casa de morada de família;
c) As ações de despejo, os procedimentos especiais de despejo e os processos para entrega de coisa imóvel arrendada, quando o arrendatário, por força da decisão judicial final a proferir, possa ser colocado em situação de fragilidade por falta de habitação própria ou por outra razão social imperiosa;
d) Os prazos de prescrição e de caducidade relativos aos processos e procedimentos referidos nas alíneas anteriores;
e) Os prazos de prescrição e de caducidade relativos aos processos cujas diligências não possam ser feitas nos termos da alínea b) do n.º 2, da alínea b) do n.º 3 ou do n.º 7.
7 - Nos casos em que os atos a realizar em sede de processo executivo ou de insolvência referentes a vendas e entregas judiciais de imóveis sejam suscetíveis de causar prejuízo à subsistência do executado ou do declarado insolvente, este pode requerer a suspensão da sua prática, desde que essa suspensão não cause prejuízo grave à subsistência do exequente ou um prejuízo irreparável, devendo o tribunal decidir o incidente no prazo de 10 dias, ouvidas as partes.
8 - O disposto nas alíneas d) e e) do n.º 6 prevalece sobre quaisquer regimes que estabeleçam prazos máximos imperativos de prescrição ou caducidade, sendo os mesmos alargados pelo período de tempo correspondente à vigência da suspensão.
9 - Os serviços dos estabelecimentos prisionais devem assegurar, seguindo as orientações da DGS e da Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais em matéria de normas de segurança, de higiene e sanitárias, as condições necessárias para que os respetivos defensores possam conferenciar presencialmente com os arguidos para preparação da defesa.
10 - Os tribunais e demais entidades referidas no n.º 1 devem estar dotados dos meios de proteção e de higienização desinfetantes determinados pelas recomendações da DGS”.
Decorre do novo regime instituído pela Lei n.º 16/2020, de 29 de maio, que, com a revogação do artigo 7.º da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, a generalidade dos prazos de prescrição e de caducidade – que até 03-06-2020 se encontravam suspensos (cfr., neste sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 06-07-2021, Pº 12420/16.4T8LSB-C.L1-7, rel. DINA MARIA MONTEIRO) - deixaram de estar suspensos (só assim não sucedendo com os prazos de prescrição e de caducidade mencionados nas alíneas a), b) e c), do n.º 6 do artigo 6.º-A aditado pela Lei n.º 16/2020 à Lei n.º 1-A/2020, relativos aos processos e procedimentos referentes a prazos para apresentação do devedor à insolvência, actos a realizar em sede de processo executivo ou de insolvência relacionados com a concretização de diligências para entrega judicial da casa de morada de família e as ações de despejo, procedimentos especiais de despejo e processos para entrega de coisa imóvel arrendada, quando o arrendatário possa, por força da decisão final a proferir, ser colocado em situação de fragilidade por falta de habitação própria ou por outra razão social imperiosa), sendo, todavia, alargados pelo período de tempo em que vigorou a sua suspensão (artigo 6.º-A, n.º 8, aditado à Lei n.º 1-A/2020, pela Lei n.º 16/2020).
“Cessando a suspensão, os prazos de prescrição e caducidade deverão ser calculados como se a suspensão não tivesse tido lugar, acrescentando-se uma dilação ao prazo final correspondente ao período da suspensão, ou seja, correspondente ao período entre 9 de março de 2020 e 3 de junho de 2020. Esta solução afigura-se como a mais correta de forma a evitar uma duplicação da suspensão e respetivo alargamento do prazo” (cfr., neste sentido, Nuno Peres Alves e Mara Rupia Lopes; “Legal Alert – Covid-19 – Medidas Excecionais e Temporárias – Cessação da Suspensão dos Prazos Administrativos e de Contencioso Administrativo”, em: https://www.mlgts.pt/xms/files/site_2018/Newsletters/2020/Cessacao_da_suspensao_dos_prazos_administrativos_e_de_contencioso_administrativo__-_Legal_Alert.pdf).
Por seu turno, perante o agravamento excecional da situação de pandemia COVID-19, veio a ser aprovada a Lei nº 4-B/2021, de 1 de fevereiro, que veio determinar um conjunto de medidas excecionais, temporárias e de caráter urgente no âmbito do desenvolvimento da atividade judicial e administrativa, retomando e desenvolvendo, no essencial, medidas já anteriormente aplicadas no primeiro semestre de 2020 no quadro do combate à primeira vaga da pandemia.
Assim, a Lei n.º 4-B/2021, de 1 de fevereiro veio revogar o aludido artigo 6.º-A da Lei n.º 1-A/2020 (cfr. artigo 3.º).
E, para além disso, veio a alterar a referida Lei n.º 1-A/2020, aditando a este último diploma, entre outros, o artigos 6.º-B do seguinte teor:
“Artigo 6.º -B
Prazos e diligências
1 — São suspensas todas as diligências e todos os prazos para a prática de atos processuais, procedimentais e administrativos que devam ser praticados no âmbito dos processos e procedimentos que corram termos nos tribunais judiciais, tribunais administrativos e fiscais, Tribunal Constitucional e entidades que junto dele funcionem, Tribunal de Contas e demais órgãos jurisdicionais, tribunais arbitrais, Ministério Público, julgados de paz, entidades de resolução alternativa de litígios e órgãos de execução fiscal, sem prejuízo do disposto nos números seguintes.
2 — O disposto no número anterior não se aplica aos processos para fiscalização prévia do Tribunal de Contas.
3 — São igualmente suspensos os prazos de prescrição e de caducidade relativos a todos os processos e procedimentos identificados no n.º 1.
4 — O disposto no número anterior prevalece sobre quaisquer regimes que estabeleçam prazos máximos imperativos de prescrição ou caducidade, aos quais acresce o período de tempo em que vigorar a suspensão.
5 — O disposto no n.º 1 não obsta:
a) À tramitação nos tribunais superiores de processos não urgentes, sem prejuízo do cumprimento do disposto na alínea c) quando estiver em causa a realização de atos presenciais;
b) À tramitação de processos não urgentes, nomeadamente pelas secretarias judiciais;
c) À prática de atos e à realização de diligências não urgentes quando todas as partes o aceitem e declarem expressamente ter condições para assegurar a sua prática através das plataformas informáticas que possibilitam a sua realização por via eletrónica ou através de meios de comunicação à distância adequados, designadamente teleconferência, videochamada ou outro equivalente;
d) A que seja proferida decisão final nos processos e procedimentos em relação aos quais o tribunal e demais entidades referidas no n.º 1 entendam não ser necessária a realização de novas diligências, caso em que não se suspendem os prazos para interposição de recurso, arguição de nulidades ou requerimento da retificação ou reforma da decisão.
6 — São também suspensos:
a) O prazo de apresentação do devedor à insolvência, previsto no n.º 1 do artigo 18.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas;
b) Quaisquer atos a realizar em sede de processo executivo, com exceção dos seguintes:
i) Pagamentos que devam ser feitos ao exequente através do produto da venda dos bens penhorados; e
ii) Atos que causem prejuízo grave à subsistência do exequente ou cuja não realização lhe provoque prejuízo irreparável, prejuízo esse que depende de prévia decisão judicial.
7 — Os processos, atos e diligências considerados urgentes por lei ou por decisão da autoridade judicial continuam a ser tramitados, sem suspensão ou interrupção de prazos, atos ou diligências, observando -se quanto a estes o seguinte:
a) Nas diligências que requeiram a presença física das partes, dos seus mandatários ou de outros intervenientes processuais, a prática de quaisquer atos processuais e procedimentais realiza-se, se não causar prejuízo aos fins da realização da justiça, através de meios de comunicação à distância adequados, designadamente teleconferência, videochamada ou outro equivalente;
b) Quando não for possível a realização das diligências que requeiram a presença física das partes, dos seus mandatários ou de outros intervenientes processuais, nos termos da alínea anterior, pode realizar-se presencialmente a diligência, nomeadamente nos termos do n.º 2 do artigo 82.º da Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto, competindo ao tribunal assegurar a realização da mesma em local que não implique a presença de um número de pessoas superior ao previsto pelas recomendações das autoridades de saúde e de acordo com as orientações fixadas pelos conselhos superiores competentes.
8 — As partes, os seus mandatários ou outros intervenientes processuais que, comprovadamente, sejam maiores de 70 anos, imunodeprimidos ou portadores de doença crónica que, de acordo com as orientações da autoridade de saúde, devam ser considerados de risco, não têm obrigatoriedade de se deslocar a um tribunal, devendo, em caso de efetivação do direito de não deslocação, a respetiva inquirição ou acompanhamento da diligência realizar -se através de meios de comunicação à distância adequados, designadamente teleconferência, videochamada ou outro equivalente, a partir do seu domicílio legal ou profissional.
9 — Em qualquer das diligências previstas na alínea c) do n.º 5 e na alínea a) do n.º 7, a prestação de declarações do arguido e do assistente, bem como o depoimento das testemunhas ou de parte, devem ser realizadas a partir de um tribunal ou de instalações de edifício público, desde que a mesma não implique a presença de um número de pessoas superior ao previsto pelas orientações das autoridades de saúde e de acordo com as orientações fixadas pelos conselhos superiores competentes.
10 — Para o efeito referido no n.º 7, consideram -se também urgentes, para além daqueles que, por lei ou por decisão da autoridade judicial sejam considerados como tal:
a) Os processos e procedimentos para defesa dos direitos, liberdades e garantias lesados ou ameaçados de lesão por quaisquer providências inconstitucionais ou ilegais, referidas no artigo 6.º da Lei n.º 44/86, de 30 de setembro;
b) Os processos, procedimentos, atos e diligências que se revelem necessários a evitar dano irreparável ou de difícil reparação, designadamente os processos relativos a menores em perigo ou a processos tutelares educativos de natureza urgente e as diligências e julgamentos de arguidos presos.
11 — São igualmente suspensos os atos a realizar em sede de processo executivo ou de insolvência relacionados com a concretização de diligências de entrega judicial da casa de morada de família ou de entrega do locado, designadamente, no âmbito das ações de despejo, dos procedimentos especiais de despejo e dos processos para entrega de coisa imóvel arrendada, quando, por requerimento do arrendatário ou do ex -arrendatário e ouvida a contraparte, venha a ser proferida decisão que confirme que tais atos o colocam em situação de fragilidade por falta de habitação própria ou por outra razão social imperiosa.
12 — Nos atos e diligências realizados através de meios de comunicação à distância não se aplica, a não ser ao arguido, o disposto no n.º 3 do artigo 160.º do Código de Processo Civil e nos n.ºs 1 e 2 do artigo 95.º do Código de Processo Penal, o que é consignado pelo oficial de justiça no próprio auto.
13 — Os serviços dos estabelecimentos prisionais devem assegurar, seguindo as orientações da Direção-Geral da Saúde (DGS) e da Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais em matéria de normas de segurança, de higiene e sanitárias, as condições necessárias para que os respetivos defensores possam conferenciar presencialmente com os arguidos para a preparação da defesa.
14 — Os tribunais e demais entidades referidas no n.º 1 devem estar dotados dos meios de proteção e de higienização desinfetantes determinados pelas recomendações da DGS”.
De acordo com o novo regime determinou-se a suspensão dos prazos processuais nos processos não urgentes.
Sem prejuízo das exceções legais, este regime de suspensão aplica-se a todas as diligências e todos os prazos para a prática de atos processuais, procedimentais e administrativos que devam ser praticados no âmbito dos processos e procedimentos que corram termos nos tribunais judiciais, tribunais administrativos e fiscais, Tribunal Constitucional e entidades que junto dele funcionem, Tribunal de Contas e demais órgãos jurisdicionais, tribunais arbitrais, Ministério Público, julgados de paz, entidades de resolução alternativa de litígios e órgãos de execução fiscal.
No entanto, tal suspensão não obsta:
- À tramitação nos tribunais superiores de processos não urgentes, sem prejuízo do cumprimento do disposto na alínea c) do n.º 5, do citado artigo 6.º-B, quando estiver em causa a realização de atos presenciais;
- À tramitação de processos não urgentes, nomeadamente pelas secretarias judiciais;
- À prática de atos e à realização de diligências não urgentes quando todas as partes o aceitem e declarem expressamente ter condições para assegurar a sua prática através das plataformas informáticas que possibilitam a sua realização por via eletrónica ou através de meios de comunicação à distância adequados, designadamente teleconferência, videochamada ou outro equivalente;
-A que seja proferida decisão final nos processos e procedimentos em relação aos quais o tribunal e demais sujeitos processuais referidos na lei entendam não ser necessária a realização de novas diligências, caso em que não se suspendem os prazos para a interposição de recurso, arguição de nulidades ou requerimento da retificação ou reforma da decisão.
Relativamente aos processos, atos e diligências considerados urgentes por lei (inclusive nos termos referidos no n.º 10 da nova redação) ou por decisão da autoridade judicial continuam a ser tramitados, sem suspensão ou interrupção de prazos, atos ou diligências, observando-se quanto a estes o seguinte:
- Nas diligências que requeiram a presença física das partes, dos seus mandatários ou de outros intervenientes processuais, a prática de quaisquer atos processuais e procedimentais, se não causar prejuízo aos fins da realização da justiça, realiza-se através de meios de comunicação à distância adequados, designadamente teleconferência, videochamada ou outro equivalente;
- Quando não for possível a realização das diligências que requeiram a presença física das partes, dos seus mandatários ou de outros intervenientes processuais, nos termos da alínea anterior, pode realizar-se presencialmente a diligência, nomeadamente nos termos do n.º 2 do artigo 82.º da Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto, competindo ao tribunal assegurar a realização da mesma em local que não implique a presença de um número de pessoas superior ao previsto pelas recomendações das autoridades de saúde e de acordo com as orientações fixadas pelos conselhos superiores competentes.
As partes, os seus mandatários ou outros intervenientes processuais que, comprovadamente, sejam maiores de 70 anos, imunodeprimidos ou portadores de doença crónica que, de acordo com as orientações da autoridade de saúde, devam ser considerados de risco, não têm obrigatoriedade de se deslocar a um tribunal, devendo, em caso de efetivação do direito de não deslocação, a respetiva inquirição ou acompanhamento da diligência realizar-se através de meios de comunicação à distância adequados, designadamente teleconferência, videochamada ou outro equivalente, a partir do seu domicílio legal ou profissional.
De todo o modo, para a prática de actos e realização de diligências não urgentes, mostra-se necessário que “todas as partes o aceitem e declarem expressamente ter condições para assegurar a sua prática através das plataformas informáticas que possibilitam a sua realização” à distância, ou, em termos simplificados, de forma não presencial.
Relativamente aos prazos de prescrição e caducidade retoma-se, em parte, a solução consignada na redação originária da Lei n.º 1-A/2020, passando o novo artigo 6.º-B, n.ºs. 3 e 4, aditado à referida Lei pela Lei n.º 4-B/2021, de 1 de fevereiro, a determinar a suspensão de prazos de prescrição e de caducidade relativos a todos os processos e procedimentos identificados no n.º 1 do mesmo artigo, prevalecendo este regime sobre quaisquer regimes que estabeleçam prazos máximos imperativos de prescrição ou caducidade, aos quais acresce o período de tempo em que vigorar a suspensão.
Assim, conforme se refere na nota informativa da PLMJ (“Coronavírus: Medidas excecionais e temporárias com impacto em matéria de contencioso”, 05-02-2021, pp. 4-5, disponível em linha, em: https://www.plmj.com/xms/files/03_Novidades_legislativas/2021/02_fevereiro/NL_TT_Coronavirus_-_Medidas_excecionais_e_temporarias_com_impacto_em_materia_de_contencioso.pdf):
“(…) Os prazos de prescrição e de caducidade relativos a todos os processos e procedimentos ficam igualmente suspensos, para impedir que a prescrição ou a caducidade sobrevenham por efeito da situação excecional em que vivemos.
Esta suspensão prevalece sobre quaisquer regimes que estabeleçam prazos máximos imperativos de prescrição ou caducidade, que se consideram alargados pelo período de tempo em que a suspensão durar”.
Estas medidas entraram em vigor em 02-02-2021, embora produzam efeitos à data de 22-01-2021, sem prejuízo das diligências judiciais e atos processuais entretanto realizados e praticados.
O sentido das alterações legais prende-se com a “(…) necessidade de controle da pandemia Covid 19 e perante a declaração de estado de emergência”, surgindo “com o desiderato de evitar deslocações de pessoas aos tribunais com o consequente risco de aumento da doença, por contágio” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 13-05-2021, Pº 598/18.7T8LSB.L1-8, rel. ISOLETA COSTA).
Este artigo 6.º-B da Lei n.º 1-A/2020 veio, entretanto, a ser revogado pelo artigo 6.º da Lei n.º 13-B/2021, de 5 de abril, cessando o regime geral de suspensão de prazos processuais e procedimentais adotado no âmbito da pandemia da doença COVID-19 (com excepção do previsto no n.º 7 do novo artigo 6.º-E).
Em substituição deste normativo, a referida Lei n.º 13-B/2021 (que entrou em vigor em 06-04-2021 – cfr. artigo 7.º) aditou à Lei n.º 1-A/2020, um novo artigo 6.º-E do seguinte teor:
“Artigo 6.º-E
Regime processual excecional e transitório
1 - No decurso da situação excecional de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infeção epidemiológica por SARS-CoV-2 e da doença COVID-19, as diligências a realizar no âmbito dos processos e procedimentos que corram termos nos tribunais judiciais, tribunais administrativos e fiscais, Tribunal Constitucional, Tribunal de Contas e demais órgãos jurisdicionais, tribunais arbitrais, Ministério Público, julgados de paz, entidades de resolução alternativa de litígios e órgãos de execução fiscal regem-se pelo regime excecional e transitório previsto no presente artigo.
2 - As audiências de discussão e julgamento, bem como outras diligências que importem inquirição de testemunhas, realizam-se:
a) Presencialmente, nomeadamente nos termos do n.º 2 do artigo 82.º da Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto, na sua redação atual; ou
b) Sem prejuízo do disposto no n.º 5, através de meios de comunicação à distância adequados, nomeadamente teleconferência, videochamada ou outro equivalente, quando não puderem ser feitas nos termos da alínea anterior e a sua realização por essa forma não colocar em causa a apreciação e valoração judiciais da prova a produzir nessas diligências, exceto, em processo penal, a prestação de declarações do arguido, do assistente e das partes civis e o depoimento das testemunhas.
3 - Em qualquer caso, compete ao tribunal assegurar a realização dos atos judiciais com a observância do limite máximo de pessoas e demais regras de segurança, de higiene e sanitárias definidas pela DGS.
4 - Nas demais diligências que requeiram a presença física das partes, dos seus mandatários ou de outros intervenientes processuais, a prática de quaisquer outros atos processuais e procedimentais realiza-se:
a) Preferencialmente através de meios de comunicação à distância adequados, nomeadamente teleconferência, videochamada ou outro equivalente; ou
b) Quando tal se revelar necessário, presencialmente.
5 - As partes, os seus mandatários ou outros intervenientes processuais que, comprovadamente, sejam maiores de 70 anos, imunodeprimidos ou portadores de doença crónica que, de acordo com as orientações da autoridade de saúde, devam ser considerados de risco, não têm obrigatoriedade de se deslocar a um tribunal, devendo, em caso de efetivação do direito de não deslocação, a respetiva inquirição ou acompanhamento da diligência realizar-se através de meios de comunicação à distância adequados, designadamente teleconferência, videochamada ou outro equivalente, a partir do seu domicílio legal ou profissional.
6 - Sem prejuízo do disposto nos números anteriores, é garantida ao arguido a presença no debate instrutório e na sessão de julgamento quando tiver lugar a prestação de declarações do arguido ou coarguido e o depoimento de testemunhas.
7 - Ficam suspensos no decurso do período de vigência do regime excecional e transitório previsto no presente artigo:
a) O prazo de apresentação do devedor à insolvência, previsto no n.º 1 do artigo 18.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, aprovado em anexo ao Decreto-Lei n.º 53/2004, de 18 de março;
b) Os atos a realizar em sede de processo executivo ou de insolvência relacionados com a concretização de diligências de entrega judicial da casa de morada de família;
c) Os atos de execução da entrega do local arrendado, no âmbito das ações de despejo, dos procedimentos especiais de despejo e dos processos para entrega de coisa imóvel arrendada, quando o arrendatário, por força da decisão judicial final a proferir, possa ser colocado em situação de fragilidade por falta de habitação própria ou por outra razão social imperiosa;
d) Os prazos de prescrição e de caducidade relativos aos processos e procedimentos referidos nas alíneas anteriores;
e) Os prazos de prescrição e de caducidade relativos aos processos cujas diligências não possam ser realizadas nos termos dos n.ºs 2, 4 ou 8.
8 - Nos casos em que os atos a realizar em sede de processo executivo ou de insolvência referentes a vendas e entregas judiciais de imóveis sejam suscetíveis de causar prejuízo à subsistência do executado ou do declarado insolvente, este pode requerer a suspensão da sua prática, desde que essa suspensão não caprejuízo grave à subsistência do exequente ou dos credores do insolvente, ou um prejuízo irreparável, devendo o tribunal decidir o incidente no prazo de 10 dias, ouvida a parte contrária.
9 - O disposto nas alíneas d) e e) do n.º 7 prevalece sobre quaisquer regimes que estabeleçam prazos máximos imperativos de prescrição ou caducidade, que são alargados pelo período correspondente à vigência da suspensão.
10 - Os serviços dos estabelecimentos prisionais devem assegurar, seguindo as orientações da DGS e da Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais em matéria de normas de segurança, de higiene e sanitárias, as condições necessárias para que os defensores possam conferenciar presencialmente com os arguidos e condenados.
11 - Os tribunais e demais entidades referidas no n.º 1 devem estar dotados dos meios de proteção e de higienização determinados pelas recomendações da DGS”.
E, para evitar quaisquer dúvidas, o artigo 5.º da mesma Lei n.º 13-B/2021, de 5 de abril veio estatuir, em sede de prazos de prescrição e caducidade, que, sem prejuízo do consignado no artigo 4.º da mesma lei – especificamente a respeito de prazos administrativos – “os prazos de prescrição e caducidade cuja suspensão cesse por força das alterações introduzidas pela presente lei são alargados pelo período correspondente à vigência da suspensão”.
Em termos muito sintéticos pode resumir-se a sucessão de regimes normativos, referentes aos prazos de prescrição/caducidade, de acordo com o quadro seguinte:

Diploma legalEntrada em vigorPRAZOS DE PRESCRIÇÃO/CADUCIDADE
Lei n.º 1-A/2020, de 19/312-03-2020Suspensão dos prazos, relativos a todos os tipos de processos e procedimentos, prevalecendo sobre quaisquer regimes, sendo os prazos alargados pelo período de tempo em que vigorar a situação excecional (n.ºs. 3 e 4 do artigo 7.º)
Lei n.º 4-A/2020, de 6/409-03-2020 (07-04-2020 quanto aos processos urgentes)
Lei n.º 16/2020, de 29/503-06-2020Retomada a contagem da generalidade dos prazos (revogação do art. 7.º da Lei n.º 1-A/2020) sendo os mesmos alargados pelo período de tempo correspondente à vigência da suspensão (n.º 8 do artigo 6.º-A, aditado à Lei n.º 1-A/2020);
Manutenção de suspensão dos prazos nos seguintes casos:
- processos e procedimentos referentes a prazos para apresentação do devedor à insolvência;
- actos a realizar em sede de processo executivo ou de insolvência relacionados com a concretização de diligências para entrega judicial da casa de morada de família; e
- as ações de despejo, procedimentos especiais de despejo e processos para entrega de coisa imóvel arrendada, quando o arrendatário possa, por força da decisão final a proferir, ser colocado em situação de fragilidade por falta de habitação própria ou por outra razão social imperiosa (artigo 6.º-A, n.ºs. 6 e 8, aditados à Lei n.º 1-A/2020)
Lei nº 4-B/2021, de 1/202-02-2021 (produzindo efeitos a 22-01-2021, sem prejuízo das diligências judiciais e atos processuais entretanto realizados e praticados)Suspensão de prazos relativos a processos e procedimentos que corram termos nos tribunais judiciais, tribunais administrativos e fiscais, Tribunal Constitucional e entidades que junto dele funcionem, Tribunal de Contas e demais órgãos jurisdicionais, tribunais arbitrais, Ministério Público, julgados de paz, entidades de resolução alternativa de litígios e órgãos de execução fiscal, regime que prevalece sobre quaisquer regimes que estabeleçam prazos máximos imperativos de prescrição ou caducidade, aos quais acresce o período de tempo em que vigorar a suspensão (n.ºs. 3 e 4 do artigo 6.º-B, aditado à Lei n.º 1-A/2020).
Lei n.º 13-B/2021, de 5/406-04-2021Retomada a contagem dos prazos (salvo relativamente aos processos constantes das alíneas a), b), c) e e) do artigo 6.º-E, aditado à Lei n.º 1-A/2020), sendo o prazo correspondente alargado pelo período correspondente ao da vigência da suspensão (artigo 5.º).

Revertendo estas considerações para o caso em apreço, vemos que não merecem algum reparo os factos aportados pelo Tribunal recorrido para a decisão desta questão, sendo líquido que às autoras foram endereçadas missivas, rececionadas em 27-11-2020 (no caso da autora HH) e em 26-11-2020 (no caso da autora II), tendo a petição inicial da presente ação entrado em juízo – cfr. artigo 259.º do CPC – em 18-06-2021.
Também não suscita dúvidas a consideração de que o prazo a ter em conta para a situação dos autos é o de 6 meses, a que se refere o artigo 1410º, n.º 1, do CC (aplicável por força do disposto nos artigos 1380.º, n.ºs. 1 e 4 e 1555º, n.ºs. 1 e 2, do CC), prevendo que o titular do direito de preferência deve requerer o reconhecimento desse direito dentro do prazo de 6 meses a contar da data em que teve conhecimento dos elementos essenciais da alienação e desde que deposite o preço devido nos 15 dias seguintes à propositura da acção respectiva.
E, conforme se referiu, designadamente, no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 03-04-2001 (Pº 9030/00, rel. ROQUE NOGUEIRA), “(…) no art. 1410º, nº 1, do C. Civil, são fixados dois prazos: um para a acção ser proposta (seis meses a contar da data em que o preferente teve conhecimento dos elementos essenciais da alienação) e outro para o preferente depositar o preço devido (oito dias a contar do despacho que ordene a citação dos réus).(…) Não se duvida que se trata de dois prazos de caducidade e de natureza substantiva, sendo pacífica nesse sentido a doutrina e a jurisprudência (…)”.
Trata-se, em ambos os casos, de prazos de natureza substantiva, sujeitos a caducidade (assim, Elsa Vaz de Sequeira; Anotação do artigo 1410.º no Comentário ao Código Civil – Direito das Coisas, Universidade Católica Editora, 2020, pp. 415-416; Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 24-05-2018, Pº 4325/16.5T8GMR.G1, rel. RAQUEL TAVARES; e Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 05-02-2004, Pº 0336989, rel. OLIVEIRA VASCONCELOS).
Ora, como se vê das considerações precedentes, na data em que as autoras rececionaram as cartas em questão os prazos para a propositura da presente ação não se encontravam suspensos, vigorando, então, a Lei n.º 16/2020, de 29 de maio, não se tratando a presente acção nenhuma das situações ressalvadas e determinativas de suspensão, contempladas no artigo 6.º-A, n.ºs. 6 e 8, aditado à Lei n.º 1-A/2020, pela referida Lei.
Assim, não houvesse outra causa de suspensão do prazo, o mesmo transcorreria findos os referidos 6 meses de contagem (que terminariam tal contagem a 27-05-2021 - cfr. artigo 279.º do CC). Neste pressuposto, a acção teria de dar entrada em juízo até esta data.
Sucede que, como se viu, entretanto em 02-02-2021, no curso de contagem do aludido prazo, entrou em vigor a Lei n.º 4-B/2021, de 1 de fevereiro, produzindo efeitos a 22-01-2021, determinando a suspensão da contagem dos prazos de prescrição e de caducidade relativos a processos que devam correr termos em tribunais judiciais, como sucede com a presente ação, determinando a cumulação ao prazo de prescrição/caducidade, do tempo em que vigorar a suspensão (n.ºs. 3 e 4 do artigo 6.º-B, aditado à Lei n.º 1-A/2020).
Deste modo, a contagem do prazo – a que se refere o n.º 1 do artigo 1410.º do CC - que então se encontrava em curso (tendo transcorrido 56 dias, de 27-11-2021 até 21-01-2021)- veio a ficar, entre 22-01-2021 e 05-04-2021 (ou seja, durante 74 dias), suspensa.
Tal suspensão determinou que, adicionado tal período de suspensão ao prazo de caducidade em questão, o prazo global para instauração da presente acção fosse de 6 (180 dias) meses mais 74 dias ou 254 (180+74) dias.
Ora, o período decorrido entre 27-11-2020 e 18-06-2021 apenas perfaz 203 dias.
Verifica-se, pois, que, à data de instauração da presente acção – 18-06-2021 -, o prazo de caducidade aplicável, nos termos e em conformidade com o regime de contagem, prescrito no artigo 6.º-B da Lei n.º 1-A/2020, ainda não tinha transcorrido integralmente.
Conclui-se, pois, que quando o direito invocado pelas autoras foi pretendido exercer pelas mesmas, o mesmo não se encontrava caducado.
Contrapõem os recorrentes que, os factos em causa reportam-se a finais de novembro de 2020 e que “os diplomas legais que determinaram a suspensão dos prazos de caducidade entre 09 de março (data em vigor da Lei nº1-A/2020 de 19 de março) e 03 de junho, ambos do ano de 2020 (data da entrada em vigor da Lei nº16/2020, de 29 de maio)”, reportando-se “tão só a factos que ocorreram ou possam ter ocorrido dentro do intervalo destas datas e nunca a factos que ocorreram após a cessação do regime de suspensão dos prazos de caducidade (a partir de 03/06/2020)”.
Ora, não obstante a excecionalidade de regimes legais e a sucessão dos mesmos no tempo, afigura-se-nos que, para a contagem do prazo de caducidade relevam apenas as disposições legais em vigor à data do seu curso, ou que tenham implicação com tal contagem, o que, de facto, não ocorreu com a Lei n.º 4-A/2020, de 6 de abril, que cessou a sua vigência com a entrada em vigor, em 03-06-2020, da Lei n.º 16/2020.
Contudo, como se viu, a ulterior legislação impactou no prazo de caducidade em curso, nos supra apontados termos.
De todo o modo, consideram ainda os apelantes que “o regime jurídico da suspensão dos prazos referidos no nº1 e 3 do artigo 6º-B da Lei nº4-B/2021, de 01/02 e no artigo 5º da Lei nº13-B/2021, de 05/04, referem-se à prática de atos processuais, procedimentais e administrativos relativos a processos que corram termos nomeadamente nos tribunais judiciais. (…) Quer dizer, salvo diferente e melhor opinião, estas Leis nº4-B/2021 e nº13-B/2021 pressupõem a existência de um processo em curso, nomeadamente nos tribunais judiciais”.
Alinhando na tese dos recorrentes, referem Cláudia Trindade e Gonçalo Roldão (“A suspensão dos prazos processuais e procedimentais na 3.ª vaga da Covid-19”, fev. 2021, p. 1, disponível em: https://www.macedovitorino.com/xms/files/20210210-_Covid19-_Nova_suspensao_dos_prazos_processuais.pdf) que: “A suspensão dos prazos de prescrição e de caducidade relativos aos processos e procedimentos identificados na regra geral constante dos artigos 6.º-B, n.º 1 e 6.º-C, n.º 1 aplica-se apenas a processos e procedimentos iniciados antes ou após o começo da vigência da Lei, não estando em causa uma suspensão geral dos prazos de prescrição e caducidade substantivos que não estejam associados a qualquer processo concreto. Neste sentido, milita a referência, nas regras gerais de suspensão, aos processos e procedimentos que corram termos perante tribunais ou entidades administrativas”.
Ora, não nos parece que assim seja.
De facto, o regime de suspensão dos prazos reporta-se a processos que corram termos nos tribunais judiciais, mas alude, de forma abrangente, à prática de atos que neles devam ser praticados, independentemente ou não restringindo tal prática, a processos já instaurados ou pendentes.
Aliás, nesse sentido concorre a própria redação do n.º 3 do mencionado artigo 6.º-B que reporta a suspensão dos prazos (de prescrição/caducidade) relativos “a todos os processos e procedimentos identificados no n.º 1”. Ora, no n.º 1, os “processos e procedimentos” não constam identificados senão por referência à entidade perante a qual devem ter lugar (independentemente de, efetivamente, o terem), elemento que, esse sim, é o relevante para a determinação de suspensão e, não, a prévia instauração ou pendência do processo ou procedimento.
Neste ponto, acolhem-se inteiramente as considerações expendidas a respeito da aplicação do regime de suspensão de prazos de prescrição – extensíveis ao regime paralelo do instituto da caducidade, objeto de tratamento semelhante ao da prescrição, nos vários diplomas excecionais que vigoraram durante a pandemia COVID-19 –que constavam expressos no artigo 7.º da Lei n.º 1-A/2020, mas que, são transponíveis para a interpretação do regime fixado pelo artigo 6.º-B da Lei n.º 4-B/2021, que foram produzidas no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 24-03-2021 (Pº 2072/20.2T8CSC.L1-4, rel. LEOPOLDO SOARES). Aí se concluiu que não se mostra necessário para a aplicação normativa do regime de suspensão, que a ação se encontre já instaurada ou pendente, sendo de considerar que o regime legal é aplicável ainda que não se encontre pendente a respetiva ação, tendo-se produzido os seguintes argumentos:
“(…) Relembre-se que de acordo com o preâmbulo do anterior Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de Março:
«Atendendo à emergência de saúde pública de âmbito internacional, declarada pela Organização Mundial de Saúde, no dia 30 de janeiro de 2020, bem como à classificação do vírus como uma pandemia, no dia 11 de março de 2020, importa acautelar, estrategicamente, a previsão de normas de contingência para a epidemia SARS-CoV-2, e, bem assim, assegurar o tratamento da doença COVID-19 no Serviço Nacional de Saúde (SNS), através de um regime legal adequado a esta realidade excecional, em especial no que respeita a matéria de contratação pública e de recursos humanos.
A situação excecional que se vive no momento atual e a proliferação de casos registados de contágio de COVID-19 exige a aplicação de medidas extraordinárias e de caráter urgente. Neste sentido, no domínio da saúde, é prioritário que se garanta às entidades prestadoras de cuidados de saúde do SNS a possibilidade de aquisição, com a máxima celeridade, dos equipamentos, bens e serviços necessários à avaliação de casos suspeitos e ao tratamento de sintomas e complicações associadas ao COVID-19, e, ainda, a tomada de outras medidas consideradas urgentes e imprescindíveis, designadamente em matéria de gestão de recursos humanos.
Importa, igualmente, adotar os mecanismos processuais que permitam, de forma atempada e responsável, assegurar a disponibilidade de produtos essenciais num quadro de uma generalizada e acrescida procura a nível mundial destes produtos num contexto de diminuição de produção e de constrangimentos à circulação dos bens.
Na verdade, face à urgência na execução das medidas de contenção recomendadas pelos vários serviços integrados no Ministério da Saúde, de que depende a sua eficácia, importa assegurar, com caráter urgente e inadiável, um regime excecional que permita a implementação célere das medidas propostas.
Para tal, torna-se necessário estabelecer um regime excecional em matéria de contratação pública e realização de despesa pública, bem como em matéria de recursos humanos, conciliando a celeridade procedimental exigida com a defesa dos interesses do Estado e a rigorosa transparência nos gastos públicos.
Por outro lado, o Governo considera que é necessário aprovar um conjunto de medidas, atentos os constrangimentos causados no desenvolvimento da atividade judicial e administrativa. Importa, por isso, acautelar estas circunstâncias através do estabelecimento de um regime específico de justo impedimento e de suspensão de prazos processuais e procedimentais sempre que o impedimento ou o encerramento de instalações seja determinado por decisão de autoridade de saúde ou de outra autoridade pública.
De igual modo, considerando a eventual impossibilidade dos cidadãos em renovar ou obter documentos relevantes para o exercício de direitos, decorrente do encerramento de instalações, importa prever a obrigatoriedade de aceitação pelas autoridades públicas da exibição de documentos, cujo prazo de validade expire durante o período de vigência do presente decreto-lei (…)» ; sendo que a Lei n.º 1-A/2020 o veio desenvolver , pois, de acordo com o seu artigo 1.º:
Objeto
A presente lei procede à:
a) Ratificação dos efeitos do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de março;
b) Aprovação de medidas excecionais e temporárias de resposta à situação epidemiológica provocada pelo coronavírus SARS-CoV-2, agente causador da doença COVID-19.
Assim, com respeito por opinião diversa , não se vislumbra que a suspensão em causa não logre aplicação ao presente caso, tal como a recorrida sustenta , nomeadamente por os prazos de prescrição ou caducidade referenciados no artigo 7º, nºs 3 e 4 terem de se reportar necessariamente a um processo ou procedimento em curso nos termos do nº 1º do mencionada norma.
É que a situação resultante da pandemia de COV[I]D – 19 é patentemente excepcional [ e de contornos indefinidos e inesperados tal como a realidade infelizmente se tem encarregado de provar] , tal como , aliás, bem decorre do supra transcrito preâmbulo.
Por outro lado, estamos perante um prazo prescricional relativamente curto , sobretudo quando comparado com os contemplados nos artigos 309º a 311 º do Código Civil.(…)
Na presente situação reputar suspenso o prazo de prescrição apenas no âmbito da própria acção apenas teria lugar em situações residuais ( vg: a acção foi intentada mas ainda não tinham corrido os 5 dias referidos no nº 2º do artigo 323º do CC (…) .
Daí que se entenda que a norma em causa também logra aplicação à presente situação.
Efectivamente, para exercerem os seus direitos a que correspondem prazos de prescrição e de caducidade ( vg: direitos de crédito e direitos de acção judicial)  os cidadãos vulgares , normais, têm quase que obrigatoriamente recorrer a mandatários judiciais [ Exmºs Advogados] .
Ora, estes [tal como todos os outros operadores judiciários] são tão afectados pela situação pandémica como qualquer outro cidadão, o que pode tornar difícil , nomeadamente durante as medidas de confinamento, o respectivo contacto com as inerentes e nefastas consequências em sede do exercício de direitos  .
Aliás, resulta do disposto no artigo  321º do Código  Civil (…) que o legislador não é insensível a motivos de força maior ( situações excepcionais , anormais).
Nas palavras de Ana Filipa Morais Antunes (…)« um impedimento de força maior é , numa palavra , uma impossibilidade efectiva, por causa não imputável  ao titular do direito. Esta alegação pressupõe, nos termos gerais, a demostração de factos e comportamentos de natureza objectiva que tornem inexigível o exercício do direito pelo respectivo titular.
Devem considerar-se abrangidos pela previsão legal, quer os impedimentos de facto (vg: doença, ausência, guerra, dificuldade de comunicações ), quer os impedimentos jurídicos – v. Vaz Serra , Prescrição extintiva e caducidade , BNJ, nº 105 , 203-ss» - fim de transcrição (…)”.
Ora, se bem virmos, o regime de suspensão dos prazos de caducidade referentes a todos os processos e procedimentos identificados no n.º 1 do artigo 6.º-B da Lei n.º 1-A/2020 é substancialmente idêntico ao regime de suspensão de todos os tipos de processos e procedimentos que estava consagrado no artigo 7.º da Lei n.º 1-A/2020, entretanto revogado pela Lei n.º 16/2020, com uma única ressalva: a especificação do tipo de processos e procedimentos que, nos termos do n.º 1 do artigo 6.º-B abrange, entre os demais aí previstos, “os processos e procedimentos que corram termos nos tribunais judiciais”.
Assim, tratando-se de processos e procedimentos que corram termos – quer se encontrem já pendentes ou tal ainda não suceda – em tribunais judiciais ou nas demais entidades previstas no n.º 1 do mencionado artigo 6.º-B, a suspensão dos prazos de prescrição/caducidade deverá operar.
As razões subjacentes à determinação de suspensão dos prazos de prescrição e de caducidade abrangem os processos e procedimentos a que se apliquem, independentemente de os mesmos já se encontrarem pendentes, incluindo os prazos substantivos determinantes para o exercício do direito de instauração da ação onde sejam praticados os respetivos atos processuais, naqueles processos e procedimentos, como sucede com o prazo a que se refere o n.º 1 do artigo 1410.º do CC.
Ou seja, dito de outro modo: Também no âmbito do disposto no artigo 6.º-B da Lei n.º 1-A/2020, introduzido pela Lei n.º 4-B/2021, de 1 de fevereiro, atentas as razões a que presidiu a instituição do respetivo regime, excecional e transitório (abrangendo, de forma ampla, uma restrição de contactos entre os cidadãos, visando “evitar deslocações de pessoas aos tribunais com o consequente risco de aumento da doença, por contágio”, na expressão utilizada no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 13-05-2021, Pº 598/18.7T8LSB.L1-8, rel. ISOLETA COSTA ou, de acordo com o expresso no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 26-10-2021, Pº 2706/20.9T8LRA.C1, rel. CRISTINA NEVES, visando o legislador “impedir a proliferação de casos de contágio generalizado da doença Covid 19 e, ao mesmo tempo, salvaguardar a regular tramitação dos actos e procedimentos ainda que em processos não urgentes, quando se não verifique este perigo de contágio, assegurando assim às partes o direito a um processo equitativo e decidido em prazo razoável (cfr. artº 20º, nº 1 e 4 da Constituição), o regime de suspensão preconizado nos n.ºs. 3 e 4 desse preceito é aplicável, não só relativamente aos atos processuais e procedimentais que devam ser praticados em processos que corram termos nos tribunais judiciais e nas demais entidades mencionadas no n.º 1, como também, se justifica que o deva ser aos atos que (embora não tenham a natureza de atos processuais ou procedimentais – pela simples razão de que o processo ou o procedimento não se iniciou) que devam ser exercidos ou praticados para que tais processos corram termos em tais entidades.
Trata-se do sentido enunciativo da disposição normativa em questão, com a conjugação dos termos utilizados na letra da lei interpretados no seu respetivo contexto.
Interpretação contrária comprimiria, de modo irrazoável e desproporcionado e sem atendibilidade da excecionalidade do regime legal aplicável, o direito à tutela jurisdicional efetiva dos que se arroguem titulares de direitos a exercer em processos ou procedimentos que corram termos em tribunais judiciais e que, em virtude da pandemia, não pudessem praticar os atos necessários à instauração e desenvolvimento do processo em juízo, tudo nos termos e para os efeitos consignados no mencionado artigo 6.º-B, n.ºs. 1 e 3 da Lei n.º 1-A/2020.
Conforme se decidiu no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 23-11-2021 (Pº 709/21.5T8ACB.C1, rel. HELENA MARIA MELO), “os prazos de prescrição e de caducidade já iniciados ou em curso à data da entrada em vigor da Lei 4-B/2021 ou que viessem a iniciar-se posteriormente foram suspensos, só se retomando a partir da data em que viesse a ser declarado o termo da situação excepcional de resposta à pandemia da Covid-19. A suspensão referida em (…) foi estabelecida em benefício das partes que, todavia, a ela podiam renunciar. A suspensão dos prazos de prescrição e de caducidade referida (…) não deve ser confundida com a suspensão dos prazos processuais a que se refere o n.º 1 do artigo 6.º-B da Lei 1-A/2020, nem com a regra que determina a não suspensão de prazos processuais nos processos urgentes inscrita no artigo 6.º-B, n.º 7 (…)”.
Podem sintetizar-se as considerações precedentes nos seguintes termos:
- O regime de suspensão dos prazos de caducidade relativos a processos que corram termos nos tribunais judiciais, nos termos dos n.ºs. 1 e 3 do artigo 6.º-B da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março - – lei que aprovou diversas medidas excecionais e temporárias de resposta à situação epidemiológica provocada pelo coronavírus SARS-CoV-2, agente causador da doença COVID-19 -, aditado pela Lei n.º 4-B/2021, de 1 de fevereiro, procurando evitar deslocações de pessoas aos tribunais com o consequente risco de contágio e difusão do vírus, prevalece sobre quaisquer regimes que estabeleçam prazos máximos imperativos de prescrição ou caducidade, aos quais acresce o período de tempo em que vigorar tal suspensão;
- Produzindo a referida Lei n.º 4-B/2021 efeitos desde 22-01-2021, o prazo (de caducidade) de 6 meses, a que se refere o n.º 1 do artigo 1410.º do CC, que tinha tido início em 27-11-2020 e até aí se encontrava em curso, suspendeu a sua contagem entre 22-01-2021 e 05-04-2021, pelo que, na data de instauração da presente ação – 18-06-2021 – o direito pretendido exercer pelas autoras, não se encontrava caducado;
- O regime de suspensão dos prazos de caducidade referente aos processos e procedimentos que corram termos em tribunais judiciais (cfr. n.º 1 do artigo 6.º-B da Lei n.º 1-A/2020, de acordo com o previsto no n.º 3 do mesmo artigo), não se restringe a ações já instauradas ou pendentes, mas abrange o prazo para instauração da ação de preferência (ainda não instaurada ou pendente) a que se refere o n.º 1 do artigo 1410.º do CC.
O juízo formulado pelo Tribunal recorrido no sentido de que não se verifica a invocada excepção perentória de caducidade do direito de ação, não merece, pois, censura devendo manter-se, improcedendo as conclusões em contrário tecidas pelos recorrentes.
*
C) Se a decisão recorrida ao fixar o valor da causa em € 387.937,00, não o fixando no valor de € 212.937,00, violou o disposto no nº 1 do artigo 301º do CPC?
Finalmente, concluíram ainda os recorrentes o seguinte:
“(…) DD) Relativamente ao valor da causa determinado pela sr. Juiz “a quo”, a reconvenção foi deduzida pelo réu GG condicionalmente para a hipótese de procedência da ação.
EE) As autoras indicaram como valor da causa a quantia de €175.000,00, valor este que corresponde ao pedido de reconhecimento a seu favor do direito de preferência e substituição do 6º réu na escritura de compra e venda celebrada entre os réus, constando nesta escritura que o preço de todas as aquisições lá referidas foi o de €176.500,00 (veja-se pedido da alínea A) da petição inicial).
FF) A sra juiz “a quo”, apesar de ter indeferido o supra aludido pedido da alínea c), somou o valor atribuído pelo réu GG à reconvenção e que é o de €212.937,00, no qual já se acha incluído o preço cujo pagamento reclama em reconvenção caso haja procedência da ação e, erradamente, somou este ao valor da petição inicial (€175.000,00), o qual corresponde ao preço, ainda que parcial.
GG) Quer dizer, a sra. juiz “a quo” fixou à causa o valor de €387.937,00, tendo resultado este valor à soma do valor indicado pelas autoras (€175.000,00) com o valor da reconvenção (€212.937,00).
HH) Na reconvenção, o réu GG reclama o pagamento do preço que pagou aos demais réus como contrapartida pela eventual aquisição dos imóveis pelas autoras, no valor total de €176.500,00 (as autoras só depositaram a quantia de €176.000,00), acrescido do valor das benfeitorias que fabricou nos prédios, no valor de €28.000,00 e ainda dos emolumentos, honorários e impostos que pagou no valor de €8.437,00.
II) E o valor de €212.937,00 atribuído à reconvenção corresponde ao somatório de todos estes valores, nos quais acha-se incluído o valor do contrato de compra e venda relativamente ao qual as autoras pretendem exercer o direito de preferência, este aludido na escritura de compra e venda ora em causa.
JJ) Salvo sempre diferente e melhor opinião, entendem os apelantes que há que atender o critério especial previsto no nº1 do artigo 301º do Código de Processo Civil.
KK) Tudo porque no pedido da alínea c) da reconvenção se incluiu o valor correspondente ao preço convencionado, tendo por referência o valor aludido na escritura de compra e venda (€176.500,00).
LL) Quer dizer, na fixação do valor da causa em €387.937,00, a sra. juiz “a quo”, erradamente, englobou, por duas vezes, o valor do preço.
MM) O despacho “a quo”, ao não ter fixado o valor da causa em €212.937,00, violou, por erro de interpretação e de aplicação, entre outros, o disposto no nº1 do artigo 301º do Código de Processo Civil (…)”.
As recorridas não se pronunciaram sobre este ponto.
Vejamos:
Nos artigos 296.º a 310.º do CPC fixam-se diversas regras relativamente à verificação do valor da causa, instituto regulado no capítulo II, do título III, do livro II do CPC.
De harmonia com o disposto no n.º 1 do artigo 296.º do CPC, “a toda a causa deve ser atribuído um valor certo, expresso em moeda legal, o qual representa a utilidade económica imediata do pedido”.
Conforme referem Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa (Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Almedina, 2018, p. 342) “quando não se aplique o critério geral fixado no art. 297.º, n.º 1, 1.ª parte, ou os critérios expressamente previstos na lei, é duvidosa a ponderação a fazer quanto ao valor da causa, dificuldades que são sucessivamente sentidas pelo autor /a quem cabe indicar o valor na peça inicial da ação, do procedimento cautelar ou do incidente), pelo réu /quanto pretende impugnar o valor indicado pelo autor, já que tem de indicar valor substitutivo – art. 305.º, n.º 1) e pelo juiz (que sempre tem de fixar esse valor – art. 306.º, n.º 1)”.
Os critérios gerais para a fixação do valor constam enunciados no artigo 297.º do CPC:
“1 - Se pela ação se pretende obter qualquer quantia certa em dinheiro, é esse o valor da causa, não sendo atendível impugnação nem acordo em contrário; se pela ação se pretende obter um benefício diverso, o valor da causa é a quantia em dinheiro equivalente a esse benefício.
2 - Cumulando-se na mesma ação vários pedidos, o valor é a quantia correspondente à soma dos valores de todos eles; mas quando, como acessório do pedido principal, se pedirem juros, rendas e rendimentos já vencidos e os que se vencerem durante a pendência da causa, na fixação do valor atende-se somente aos interesses já vencidos.
3 - No caso de pedidos alternativos, atende-se unicamente ao pedido de maior valor e, no caso de pedidos subsidiários, ao pedido formulado em primeiro lugar”.
E, de harmonia com o disposto no artigo 299.º, n.ºs. 1 a 3 do CPC, na determinação do valor da causa, deve atender-se ao momento em que a ação é proposta, exceto quando haja reconvenção ou intervenção principal, sendo que, o valor do pedido do réu só é somado ao valor do pedido do autor, quando os pedidos forem distintos, nos termos do n.º 3 do artigo 530.º do CPC, muito embora o aumento de valor só produza efeitos quanto aos atos e termos posteriores à reconvenção ou intervenção, passando o valor da soma (da ação e da reconvenção) “a ser esse o valor “único” da causa, não havendo que fazer destrinças entre “ação principal” e “reconvenção”” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 25-01-2018, Pº 349/17.3T8ORM-A.E1, rel. MATA RIBEIRO).
Para ocorrer a soma de valores dos pedidos – do autor e do réu – é necessário que o pedido efetuado pelo réu/reconvinte seja distinto do pedido formulado pelo autor na petição inicial, pois, se tal não suceder, a dedução do mesmo não irá influenciar o valor causa, pois não haverá lugar a qualquer soma de valores.
“Somados os valores dos pedidos referentes à acção e à reconvenção, a alteração posterior de algum desses pedidos não vai mais interferir com o valor processual da causa que fica, por assim dizer, adquirido no processo, pelo que será irrelevante que sobrevenha uma situação de cumulação sucessiva de pedidos, ampliação, redução ou desistência, total ou parcial, de algum deles ou mesmo absolvição da instância reconvencional” (assim, Marco António de Aço e Borges; A Demanda Reconvencional; Quid Juris, 2008, p. 230).
Por seu turno, nos n.ºs. 1 e 2 do artigo 301.º do CPC – preceito com a epígrafe “Valor da ação determinado pelo valor do ato jurídico – estatui-se o seguinte:
“1 - Quando a ação tiver por objeto a apreciação da existência, validade, cumprimento, modificação ou resolução de um ato jurídico, atende-se ao valor do ato determinado pelo preço ou estipulado pelas partes.
2 - Se não houver preço nem valor estipulado, o valor do ato determina-se em harmonia com as regras gerais”.
Finalmente, de acordo com os n.ºs. 1 e 2 do artigo 306.º do CPC, “[c]ompete ao juiz fixar o valor da causa, sem prejuízo do dever de indicação que impende sobre as partes” e “[o] valor da causa é fixado no despacho saneador, salvo nos processos a que se refere o n.º 4 do artigo 299.º e naqueles em que não haja lugar a despacho saneador, sendo então fixado na sentença”.
A decisão recorrida apreciou o valor da causa nos termos seguintes:
“Do valor da causa:
Estabelece o artigo 306º, n.º 1 e 2 do Código de Processo Civil, que “Compete ao juiz fixar o valor da causa, sem prejuízo do dever de indicação que impende sobre as partes”, acrescentando no seu n.º 2, na parte que aqui importa considerar, que” o valor da causa é fixado no despacho saneador.
In casu, as Autoras indica como valor da causa, o montante de € 175.000,00, tendo por referência o valor do contrato de compra e venda relativamente ao qual pretende exercer o seu direito de preferência.
Os Réus deduzem reconvenção, cujos pedidos somam o valor de € 212.937,00.
Tendo em consideração o assim alegado e o disposto pelo artigo 301º, n.º 1, do Código de Processo Civil e artigo 299º e 530º, todos do Código Processo Civil, fixa-se o valor da causa em € 387.937,00”.
Previamente, o Tribunal recorrido tinha ainda afirmado, aquando da apreciação da admissibilidade do pedido reconvencional que:
“Em face do expressamente previsto pelo artigo 299º, n.º 1 e n.º 2, do Código de Processo Civil – também aplicável ao caso dos autos, na medida em que se vem entendendo que o valor da reconvenção subsidiária deve ser considerado para efeitos de aferição do valor da causa (cfr. Miguel Teixeira de Sousa, in “Reconvenção Subsidiária, valor da causa e responsabilidade pelas custas”, Cadernos de Direito Privado - Centro de Estudos Jurídicos do Minho. - Braga, Nº 7 (Julho/Setembro 2004), páginas 11-18) – haverá que somar ao valor do pedido apresentado na Petição Inicial, o valor atribuído da reconvenção, que se cifra em € 212.937,00”.
A questão em apreço passa por saber se ao valor fixado à causa deve ser subtraído o montante de € 175.000,00 correspondente ao valor formulado pelas autoras na petição inicial e inserido num dos segmentos da pretensão reconvencional.
Não tem sido líquida a apreciação levada a efeito pela jurisprudência sobre a questão de saber se deve, ou não, ser considerado na determinação do valor da causa, o pedido reconvencional que não tenha sido admitido.
Assim, alinhando no sentido de que não deve ser considerado, decidiram, designadamente, os seguintes arestos:
- Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 08-10-2015 (Pº 1089/14.0TJVNF.G1, rel. JOSÉ ESTELITA MENDONÇA): “Para a determinação do valor da causa, nos termos do art. 299 do C. P. Civil, a soma do valor dos pedidos principal e reconvencional, não é automática. Essa soma de valores só acontecia na redacção do Código de Processo Civil vigente até ao Dec. Lei n.º 34/2008, que entrou em vigor em 20/04/2009 (o então art. 308 n.º 1 e 2 do C. P. Civil), e mesmo aí se verificados os respectivos pressupostos. O aumento do valor referido, só produz efeitos quanto aos actos e termos posteriores à reconvenção ou intervenção, sendo certo que a admissibilidade da reconvenção depende de despacho judicial e da verificação dos requisitos previstos no art. 266 do C. P. Civil”;
- Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 14-07-2020 (Pº 23074/18.3PRT-A.L1-6, rel. EDUARDO PETERSEN) que: “Estando em causa a admissibilidade da reconvenção, o juiz, na ocasião do despacho saneador em que deve fixar o valor da causa e simultaneamente decidir da admissibilidade da reconvenção, deverá fixar o primeiro em conformidade com a decisão que produzir quanto à segunda, e não apenas de modo automático, por simples soma do valor do pedido do autor com o do pedido reconvencional. Só nesta medida se consegue fazer corresponder à utilidade económica dos pedidos a utilidade processual que o legislador entendeu ser a adequada”; e
- Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 16-12-2021 (Pº 1080/21.0T8BRG-A.G1, rel. ALDA MARTINS): “O aumento do valor da causa em função da soma do valor da reconvenção ao valor da acção ocorre se e na medida em que a reconvenção seja admitida e apenas produz efeitos quanto aos actos e termos posteriores. No entanto, o valor do pedido formulado pelo réu só é somado ao valor do pedido formulado pelo autor quando os pedidos sejam distintos, o que não sucede quando a parte pretenda obter a mera compensação de créditos”.
Em sentido contrário, considerando que o valor do pedido reconvencional não admitido deve, independentemente disso, ser considerado no valor a fixar à causa, alinharam os seguintes arestos:
- Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 26-02-2020 (Pº 11903/18.6T8LRS-A.L1-4, rel. MANUELA FIALHO): “Ainda que não admitida a reconvenção, o respetivo valor deve ser tido em conta para fixação do valor da causa porquanto a decisão sobre este valor é prévia à da inadmissibilidade da reconvenção”.
A doutrina tem perfilhado, maioritariamente, esta última orientação, considerando que, a alteração do valor da causa, para mais, resultante da dedução de reconvenção, “é automática, não dependendo, como tal, de despacho expresso de admissibilidade da reconvenção – embora nada obste a que se profira - , mantendo-se adquirido esse aumento de valor no processo, mesmo que a reconvenção venha a ficar sem efeito por verificação de alguma das causas legais de inadmissibilidade. Neste sentido, nunca a acção voltará a assumir o valor processual originário existente aquando da sua propositura, quer a reconvenção venha a ser julgada inadmissível ou improcedente” (assim, Marco António de Aço e Borges; A Demanda Reconvencional, Quid Juris, 2008, pp. 227-228; Lopes Cardoso; Manual dos Incidentes da Instância, 3.ª ed., Petrony, 1999, p. 53; Salvador da Costa; Os Incidentes da Instância; p. 32; e Jorge Pais do Amaral; Direito Processual Civil, 7.ª ed., Almedina, 2008, p. 80).
Relativamente à ação de preferência, o valor da pretensão formulada nesse sentido pelo autor é o correspondente ao preço pelo qual a coisa foi vendida, na medida em que o valor da causa será, nesse caso, fixado por referência ao valor do acto determinado pelo preço ou estipulado pelas partes -arts. 297º, nº 2 e 301º, nº 1 e nº 2, ambos do C.P.C. (neste sentido, vd. os acórdãos: do STJ de de 14-07-2021, Pº 8526/19.6T8SNT.L1.S1, rel. CATARINA SERRA; da Relação de Coimbra de 26-11-2013, Pº 9/11.9TBTCS-C.C1, rel. HENRIQUE ANTUNES; de 09-12-2014, Pº 33/09.1TBPNC.C1, rel. MARIA DOMINGAS SIMÕES; e de 18-02-2014, Pº 316/11.0TBVZL.C1, rel. ALBERTINA PEDROSO; da Relação de Guimarães de 14-06-2018, Pº 2269/17.2T8BRG-A.G1, rel. EUGÉNIA CUNHA; de 04-10-2018, Pº 71/18.3T8CHV-A.G1, rel. MARIA JOÃO MATOS; e de 09-05-2019, Pº 2269/17.2T8BRG.G1, rel. JOSÉ ALBERTO MOREIRA DIAS).
A reconvenção deduzida foi-o a título subsidiário.
Conforme refere Miguel Teixeira de Sousa (“Reconvenção subsidiária, valor da causa e responsabilidade pelas custas”, in Cadernos de Direito Privado, ISSN 1645-7242, n.º 7, 2004, p. 15), “apesar da frequência com que, na prática, é deduzida uma reconvenção subsidiária, a lei não lhe faz qualquer referência em termos de determinação do valor da causa. Aparentemente, o legislador quis que, ainda que a reconvenção subsidiária nunca venha a ser apreciada, ela tenha sempre influência na determinação do valor da causa (…). Esta solução contrasta com aquela que vale para a cumulação subsidiária de pedidos formulada pelo autor (e, portanto, igualmente para a coligação subsidiária), dado que, sempre que seja apresentada uma tal cumulação, o valor da causa é determinado apenas pelo valor do pedido principal (…), não se considerando o valor do pedido subsidiário”.
Isso mesmo se explicitou no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 02-02-2010 (Pº 1006/05.9TBVLG-A.P1, rel. HENRIQUE ANTUNES) onde se decidiu nos seguintes termos:
“O valor da causa é determinado unicamente pelo valor do pedido primário ou principal. O pedido subsidiário é deduzido somente para a eventualidade de não ser atendido o pedido primário. No caso de pedido primário ou principal e pedido subsidiário, não há rigorosamente uma acumulação de pedidos, porque essa parte não pretende que sejam satisfeitos cumulativamente, nem podem sê—lo; não seria por isso razoável que se somasse o valor de ambos. Mas esta regra só vale para os pedidos subsidiários formulados por uma mesma parte seja ela o autor ou o réu, e não já também para os casos em que a reconvenção é deduzida somente para a eventualidade de o réu reconvinte não ser absolvido do pedido ou de alguns dos pedidos deduzidos pelo autor”.
Importará, pois, atender ao valor do pedido formulado pelas autoras, mas adicionar ao mesmo, o correspondente ao valor da reconvenção formulada.
Como se disse, o pedido formulado pelas autoras seria o que determinaria o valor da causa no caso de não ter sido – como foi - deduzida reconvenção, caso em que o critério do artigo 301.º, n.º 1, do CPC seria, sem mais, o aplicável.
Todavia, por força da reconvenção deduzida e do pedido nela formulado - ainda que subsidiariamente e ainda que o mesmo não deva em parte (como supra se apreciou) ser admitido - terá de se atender ao valor do mesmo, atento o normativo do n.º 1 do artigo 299.º do CPC que determina nesse sentido.
Contudo, será de descontar nesta operação, o aludido montante de € 175.000,00, como, no fundo, pretendem os recorrentes?
Em nosso entender, a resposta terá que ser negativa.
É que, de facto, o pedido reconvencional formulado tem o valor de € 212.937,00, correspondente à soma das diversas parcelas em que o mesmo se decompõe (cfr. alíneas a), b), c), d) do n.º 3 do dispositivo da contestação).
Por outro lado, tem plena aplicação a norma do n.º 2 do artigo 299.º do CPC, dado que, o valor do pedido formulado pelo réu é somado ao das autoras, sendo os mesmos distintos, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 530.º do CPC, não visando o réu reconvinte conseguir, em seu benefício, o mesmo efeito jurídico que as autoras pretendem obter, nem se visa obter a compensação de créditos.
É que, ao pedido formulado pelas autoras corresponde o valor de € 175.000,00, por se este o valor pelo qual visam preferir, relativamente ao negócio celebrado entre os réus, já a pretensão reconvencional tem diverso objeto:
- Condenação das autoras a reconhecerem o réu GG como legítimo proprietário e possuidor, com exclusão de outrem, das benfeitorias;
- € 176.500 pelo qual é pedida a condenação das autoras a pagar ao réu, respeitando ao valor de aquisição dos 6 prédios e da décima parte do poço de estacar água de rega;
- € 28.000 (valor não inferior a 28.000 ou o que resultar da avaliação das benfeitorias) pelo qual é pedida a condenação das autoras a pagar ao réu GG o valor de benfeitorias que este efetuou nos prédios em causa;
- € 8.437, respeitante ao pedido de condenação das autoras a pagar ao réu GG emolumentos, honorários e impostos que pagou.
Em face do exposto, verifica-se indubitável que a pretensão do réu reconvinte não visa a condenação das autoras no mesmo que contra si é pedido, não almejando obter idêntico efeito jurídico ao que as autoras visam obter, nem visa obter a compensação de créditos.
E, nessa medida, o pedido formulado pelo reconvinte, por distinto do formulado pelas autoras, deverá adicionar-se ao destas, para efeitos de determinação do valor da causa, não havendo errada duplicação do mesmo valor, por a utilidade económica das pretensões correspondentes (apesar de valorada, de per si, no mesmo montante de € 175.000,00) não ser idêntica, mas distinta.
Não ocorre, pois, o erro de interpretação e de aplicação apontado pelos recorrentes, nem violação ao dispositivo do n.º 1 do artigo 301.º do CPC.
A apelação improcederá, devendo manter-se, nos seus precisos termos, a decisão recorrida.
*
De acordo com o estatuído no n.° 2 do art. 527.º do CPC, o critério de distribuição da responsabilidade pelas custas assenta no princípio da causalidade e, apenas subsidiariamente, no da vantagem ou proveito processual.
Entende-se que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for. “Vencidos” são todos os que não obtenham na causa satisfação total ou parcial dos seus interesses.
Conforme se escreveu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 06-12-2017 (Pº 1509/13.1TVLSB.L1.S1, rel. TOMÉ GOMES), cujo entendimento se subscreve: “O juízo de procedência ou improcedência da pretensão recursória não é aferível em função do decaimento ou vencimento parcelar respeitante a cada um dos seus fundamentos, mas da respetiva repercussão na solução jurídica dada em sede do dispositivo final sobre essa pretensão”.
Em conformidade com o exposto, mantendo-se a decisão recorrida, a responsabilidade tributária incidirá, in totum, sobre os réus/apelantes, que decaíram integralmente na presente instância recursória – cfr. artigo 527.º, n.ºs. 1 e 2, do CPC.
*
5. Decisão:
Pelos fundamentos expostos, acordam os Juízes que compõem o tribunal coletivo desta 2.ª Secção Cível, em julgar improcedente a apelação e, consequentemente, manter o despacho saneador recorrido datado de 20-12-2021.
Custas pelos réus/apelantes.
Notifique e registe.
*
Lisboa, 10 de março de 2022.
Carlos Castelo Branco
Orlando dos Santos Nascimento
Maria José Mouro Marques da Silva