Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
42/22.5JELSB.L1-9
Relator: MADALENA CALDEIRA
Descritores: TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES
SUSPENSÃO DA PENA
PERDA DE TELEMÓVEL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/09/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: INão é de suspender a execução de uma pena de prisão aplicada por tráfico de estupefaciente, p. e p. pelo art. 21º, n.º 1, do Decreto-Lei 15/93, de 22.01, a um “correio aéreo internacional” de 2.400,00 gramas de cocaína, mesmo quando à luz de considerações exclusivas de prevenção especial de socialização seja favorável o diagnóstico a favor da arguida, pois tal seria interpretado como uma mera bagatela ou uma quase “não pena” e daria uma indicação à comunidade em geral e às organizações internacionais de tráfico de drogas de que a introdução de grandes quantidades de droga no nosso país não causa consequências substanciais para os seus autores, o que potenciaria, em última instância, o incremento da prática deste tipo de ilícito.

II–Ao abrigo dos artigos 35º, n.º 1, do Decreto-Lei 15/93, de 22.01, 1º, n.º 1, al. a), e 12º-B, n.º 1, ambos da Lei 5/2002, de 11.01, é de declarar perdido a favor do Estado um telemóvel que, embora pertença da arguida e usado para fins pessoais, serviu para acordar os termos da entrega da droga, o respetivo transporte e o modo de ulterior de entrega a jusante, dada a essencialidade dessas comunicações para assegurar a prática do crime nos termos em que foi praticado.

III–Na perda específica associada à legislação de combate à droga e às medidas de combate à criminalidade organizada prescinde-se do requisito da perigosidade dos instrumentos do crime.

IV–Considerando a gravidade do crime, a natureza e quantidade do estupefaciente traficado e o valor comercial de um telemóvel, não há ofensa ao princípio da proporcionalidade inerente à declaração de perda de instrumentos do crime a favor do Estado.


Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordaram, em conferência, os Juízes Desembargadores da 9ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa:


I.–RELATÓRIO


Por acórdão datado de 15.11.2022 decidiu-se:
I.–Condenar a arguida A pela prática, em coautoria material e na forma consumada, de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, com referência à Tabela I-B anexa ao mesmo diploma legal, na pena de 5 (cinco) anos de prisão, de cumprimento efetivo.
II.Condenar a arguida A na sanção acessória de expulsão do território nacional pelo período de 6 (seis) anos, nos termos constantes do artigo 34.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, e dos artigos 134.º, n.º 1, als. e) e f), 140.º, n.º 3, e 151.º, n.º 1, todos da Lei n.º 23/2007, de 4 de Julho.
III.Condenar ainda a arguida no pagamento das custas do processo, com taxa de justiça que se fixa em 3 (três) Uc.´s, nos termos dos artigos 513.º e 514.º, ambos do Código de Processo Penal, sem prejuízo da redução constante do artigo 344.º, n.º 2, al. c), do mesmo diploma legal.
IV.Declarar perdidos a favor do Estado (…) o telemóvel apreendido, nos termos do artigo 35.º, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro.
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Recurso da decisão

Inconformada, a arguida interpôs recurso do acórdão condenatório, tendo extraído das respetivas motivações as seguintes CONCLUSÕES(que transcrevemos):
a)-Foi a Recorrente condenada na pena de 5 anos de prisão, que deverá ser de cumprimento efetivo, na sanção acessória de expulsão do território nacional, e no pagamento de custas do processo, e ainda declarado perdido a favor do Estado o telemóvel apreendido, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes (Cfr. artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, com referência à Tabela I-B).
b)-A Recorrente não se conforma com o Acórdão recorrido, pelas razões melhor descritas em sede de Alegações, que infra se sumulam.

Da Matéria de Facto Provada
c)-A Recorrente confessou os factos de que foi acusada, pelo que, nessa medida, não impugna a matéria de facto considerada provada. Contudo,
d)-A Recorrente impugna a omissão de inserção de alguns factos no elenco da matéria provada.
Em primeiro lugar,
e)-O seguinte facto: “a arguida resolveu aceitar a proposta para a prática dos factos constantes da acusação e atinentes ao crime imputado por razão de ordem financeira, nomeadamente pela circunstância de se encontrar desempregada, tendo dois filhos menores para sustentar”.
Efetivamente,
f)-A motivação da Recorrente, para a prática do crime, nos termos da alínea anterior, foi expressamente valorada pelo Tribunal a quo, conforme excerto transcrito em sede de Alegações.
g)-As menções expressas em causa localizam-se no último parágrafo da página 5 e primeiro da página 6 do Acórdão recorrido, na versão documental anexa à Declaração de Depósito constante do sistema CITIUS, com a referência 420608704.
h)-O Tribunal a quo atribuiu credibilidade às declarações da Recorrente em audiência, pela sua espontaneidade e coerência, tendo-as valorado como confissão integral e sem reservas (Cfr. segundo parágrafo da página 6 do Acórdão recorrido, na versão documental anexa à Declaração de Depósito constante do sistema CITIUS, com a referência 420608704).
i)-As normas gerais sobre a confissão, enquanto prova, impõem a sua indivisibilidade (Cfr. artigo 360.º do Código Civil).
j)-O princípio da livre apreciação de prova não prejudica a indivisibilidade da confissão (sobretudo, na ausência de qualquer prova ou ressalva expressa quanto à inexatidão de parte das declarações confessórias).
Assim,
k)-Aquele facto, relativo à motivação, declarado pela Recorrente, deveria ter sido considerado provado a par dos restantes por ela declarados, todos eles parte da matéria confessada.
l)-Pelo que deve o mesmo ser incluído no elenco de factos dado como provados.
Em segundo lugar,
m)-Deveriam ter também sido considerados provados os seguintes factos, constantes do relatório social que figura dos autos (Cfr. fls. 228 a 230):
i)-À data dos factos constantes nos autos, A numa casa arrendada com o companheiro, D de 27 anos, junto das filhas da reclusa, nascidas no âmbito de anterior relacionamento: B com 8 anos e C com 11 anos (Cfr. primeiro parágrafo do ponto 1 do relatório social).
ii)-A ocupava o tempo livre cuidando da vida familiar, especialmente das filhas […] (Cfr. sexto parágrafo do ponto 1 do relatório social).
iii)-Face às circunstâncias do presente processo, a arguida manifesta a interiorização da noção de norma e a existência de vítimas potenciais. Não tem dificuldade em reconhecer a gravidade da prática de crimes como aquele que está acusada. Revela conhecer os eventuais danos causados junto de indivíduos toxicodependentes (Cfr. primeiro parágrafo do ponto 2 do relatório social).
iv)-Nessa altura, assume que vivia um quadro de graves dificuldades financeiras e mostrava o desejo de as superar no sentido de continuar a pagar os estudos das filhas e começar a fazer uma pequena habitação (Cfr. segundo parágrafo do ponto 2 do relatório social).
v)-A presente reclusão trouxe marcados impactos na estrutura do sistema familiar da arguida, dado que ela era quem assumia os cuidados às filhas (Cfr. terceiro parágrafo do ponto 2 do relatório social).
vi)-A garantia da manutenção do enquadramento sociofamiliar no Paraguai promove equilíbrio e segurança nos planos de regresso a casa da arguida (Cfr. quarto parágrafo do ponto 2 do relatório social).
Porquanto,
n)-O Tribunal considerou expressamente que, quanto às condições pessoais da Recorrente, mereceu relevância “a análise crítica do relatório social […], complementado com as declarações” da Recorrente (Cfr. quarto parágrafo da página 6 do Acórdão recorrido, na versão documental anexa à Declaração de Depósito constante do sistema CITIUS, com a referência 420608704).
Deste modo,
o)-Se o Tribunal a quo considerou provados os factos n.ºs 13 a 24 - matéria constante, precisamente, do relatório social -, também deveria ter considerado provados os factos supra transcritos, na medida em que estes:
Clarificam a motivação da Recorrente;
Demonstram a consciencialização pela mesma dos bens jurídicos que ofendeu;
Permitem melhor aquilatar da concreta necessidade de prevenção especial.

Da Concreta Medida da Pena
p)-A aplicação da pena serve finalidades de prevenção.
q)-A determinação da pena faz-se em função da culpa do agente e das exigências de prevenção (Cfr. n.º 1 do artigo 71.º do CP).
r)-No caso concreto relevam, nomeadamente, as circunstâncias previstas nas alíneas c) a e) do n.º 2 do artigo 71.º do CP.
s)-Porquanto se verificam provados as seguintes circunstâncias relativas à Recorrente:
Tem duas filhas menores a seu cargo, com 8 e 11 anos à data dos factos descritos na Acusação;
Ocupava o seu tempo livre cuidando da vida familiar, especialmente das filhas;
Vive com a mãe, a quem ajuda;
Não tem antecedentes criminais conhecidos;
A motivação para a prática do crime foi o desejo de superar dificuldades económicas, em benefício das filhas;
Confessou a prática do ilícito prontamente e sem vacilar;
Reconheceu a censurabilidade da sua conduta, a gravidade da prática do crime pelo qual foi condenada;
Manifestou a interiorização da noção de norma e a existência de vítimas potenciais,
Mostra empenho na construção de uma regular adaptação ao presente contexto;
Tem a expectativa de regressar ao seu país e voltar para junto do agregado familiar mais próximo, sendo que as filhas estão neste momento ao cuidado da avó materna, com o auxílio material e financeiro do seu companheiro e irmãos;
A Recorrente já esteve cerca de 11 meses em prisão preventiva;
A presente reclusão trouxe marcados impactos na estrutura do sistema familiar da arguida, dado que ela era quem assumia os cuidados às filhas;
A garantia da manutenção do enquadramento sociofamiliar no Paraguai promove equilíbrio e segurança nos planos de regresso a casa da arguida.
Assim,
t)-Os factos considerados provados e aqueles cuja inserção na matéria provada se sindica não foram suficientemente valorados pelo Tribunal a quo, na medida em que imporiam a determinação de uma pena mais baixa.
Efetivamente,
u)-Perante eles, é manifesta a atual aptidão da Recorrente à plena reintegração em sociedade.
v)-O seu arrependimento e o seu mais célere regresso para junto das filhas, para prover ao seu sustento e crescimento, é o elemento mais garantístico dos fins da pena.
w)-É facto notório que a permanência duradoura em estabelecimentos prisionais estimula o apelo à mentalidade criminosa nos reclusos.
x)-Pelo que deve ser reduzida a pena concretamente aplicada, para 4 anos de prisão, ou, subsidiariamente, para entre 4 e 5 anos, pelo mínimo.

Da Suspensão da Execução da Pena de Prisão
y)-Afastou o Tribunal a quo a aplicação do instituto da suspensão da execução da pena de prisão (Cfr. artigo 50.º do CP).
z)-Contudo, demonstrou-se que:
A personalidade da Recorrente prima pela prontidão e assertividade com que confessou os factos, pelo arrependimento demonstrado e sentido de urgência em regressar para junto das suas filhas;
As suas condições de vida são difíceis;
Não tem antecedentes criminais que se conheçam;
Procurou, independentemente das vicissitudes decorrentes de estar presa preventivamente num país estrangeiro, longe da família, adaptar-se às presentes circunstâncias, revelando comportamento normativo e tendo ingressado em aulas de português;
O crime foi motivado pela vontade de proporcionar uma vida melhor às suas filhas menores, de 8 e 11 anos, perante as dificuldades da situação económica em que a Recorrente vivia (sem prejuízo do já demonstrado arrependimento).
aa)-Estes elementos, a par da conduta (expressamente valorada pelo Tribunal a quo) da Recorrente em audiência, subsumem-se à previsão legal do n.º 1 do artigo 50.º do CP, pelo que, perante eles, o Tribunal a quo deveria ter concluído que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
bb)-Verifica-se, assim, que a suspensão da execução da pena – o regresso para junto das filhas -, a par do arrependimento demonstrado pela Recorrente, é meio mais apto a garantir os fins da pena do que o cumprimento efetivo desta última.
cc)-O suporte familiar da Recorrente é, de facto, a maior garantia.
Por outro lado,
dd)-No que concerne ao argumento do Tribunal a quo quanto à prática jurisprudencial relativa ao crime de tráfico de estupefacientes, entende a Recorrente que os compromissos internacionais e prioridades estratégicas assumidos pelo Estado Português não podem implicar a diminuição das garantias penais dos arguidos.
ee)-O artigo 50.º do CP é norma geral que não distingue entre tipos criminais.
ff)-Ao fazer tal distinção, o Tribunal a quo violou o n.º 1 do artigo 13.º, o n.º 1 do artigo 18.º, o n.º 1 do artigo 20.º, o n.º 4 do artigo 20.º, o n.º 1 do artigo 26.º, o n.º 1 do artigo 32.º, o n.º 2 do artigo 202.º, o artigo 203.º, e ainda o artigo 204.º, da Constituição da República Portuguesa.
gg)-Sem prejuízo das regras vigentes em matéria de interpretação da lei, porquanto não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso (Cfr. n.º 2 do artigo 9.º do CC).
Nestes termos,
hh)- Porque reunidos os pressupostos de aplicação da suspensão da execução da pena de prisão, não pode o tribunal afastar o instituto por recurso a um critério diferenciador em função do tipo de ilícito.
ii)-Entende a Recorrente que o Tribunal a quo interpretou a norma do n.º 1 do artigo 50.º do CP com recurso a um critério diferenciador, em função do tipo de ilícito sub judice, que não encontra respaldo no texto legal, e que, ao fazê-lo, violou aquela norma.
Contudo,
jj)-Deveria aquela norma ter sido interpretada como indiscriminadamente aplicável, independentemente do tipo criminal, e, consequentemente, ter sido suspensa a execução da pena aplicada à Recorrente.

Da Declaração de Perda a Favor do Estado do Telemóvel Apreendido
kk)- O telemóvel apreendido à Recorrente é pertença sua.
ll)-Tal resulta do Acórdão recorrido, que refere: a Recorrente “reconheceu, finalmente, que o telemóvel apreendido, apesar de lhe pertencer […]” (Cfr. primeiro parágrafo da página 6 do Acórdão recorrido, na versão documental anexa à Declaração de Depósito constante do sistema CITIUS, com a referência 420608704).
mm)-As declarações da Recorrente foram valoradas como confissão integral e sem reservas (Cfr. supra), pelo que dúvidas não restam de que o telemóvel apreendido lhe pertence.
nn)-O Tribunal a quo reconheceu a necessidade de recurso ao critério de causalidade adequada e ao princípio da proporcionalidade no juízo de declaração de perda a favor do Estado, por referência ao
Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 25.05.11, disponível em www.dgsi.pt.
oo)-De facto, o Supremo Tribunal de Justiça tem feito uma interpretação extensiva do n.º 1 do artigo 35.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, exigindo que na sua aplicação se respeitem aqueles critério e princípio (Cfr. Acórdão de 09-11-2016, relativo ao processo com o n.º 235/14.6JELSB.L1.S1 (disponível em http://www.dgsi.pt)).

pp)-Ora, verifica-se que:
a)-O telemóvel apreendido, pertença da Recorrente, era por si utilizado na normal gestão da sua vida privada, o que é facilmente comprovável pela análise das mensagens nele arquivadas;
b)-Qualquer telemóvel poderia ser utilizado para a prática de crime de tráfico;
c)-De facto, não é sustentável afirmar-se que sem a utilização do telemóvel apreendido o crime não teria sido praticado, nem sequer dificilmente – qualquer outro telefone serviria;
Mormente,
d)-O critério de necessidade ínsito no princípio da proporcionalidade impede a perda do telemóvel a favor do Estado, na medida em que a eliminação de contactos e mensagens será suficiente para obviar à prática de outras infrações;
e)-Para a Recorrente, cidadã estrangeira, com rendimentos baixo (conforme consta expressamente da matéria de facto provada, designadamente dos pontos 16 e 17, a ainda da matéria de facto supra sindicada, disso também atestando o deferimento de pedido de apoio judiciário – ver infra), a perda do telemóvel assume especial gravidade, porquanto, não dominando a língua portuguesa, verá a sua capacidade de comunicação (tanto com cidadãos e junto de serviços portugueses - por perda de acesso a recursos de tradução e diversos serviços que a internet móvel possibilita -, quanto com a sua família, residente no Paraguai) drasticamente reduzida.

qq)-Pelo que não deveria ter sido declarada a perda a favor do Estado do telemóvel apreendido, porquanto não se verifica a relação de causalidade adequada que constitui requisito desse instituto.

Da Condenação ao Pagamento de Taxa de Justiça
rr)-Apesar de à Recorrida ter sido deferido requerimento de proteção jurídica, na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo, e pagamento da compensação de defensor oficioso, nos termos das alíneas a) e c) do n.º 1 do artigo 16.º da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho (Cfr. ofício de notificação do Instituto da Segurança Social, I.P., com a referência APJ 70772/2022, constante dos autos, recebido no Tribunal a quo a 27 de setembro de 2022, nos termos do n.º 4 do artigo 26.º da mesma), foi a mesma condenada ao pagamento de custas processuais, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC.
Contudo,
ss)-Nos termos do n.º 1 do artigo 17.º da referida Lei, deve a requerente ser dispensada do pagamento dessas custas.

Nestes termos, e no mais de Direito, deve o presente Recurso ser considerado procedente, e, consequentemente, ser o Acórdão recorrido revogado e substituído por outro que, reconhecendo razão à Recorrente:
a)-Reduza a pena aplicada à Recorrente para 4 anos de prisão, ou, subsidiariamente, para entre 4 e 5 anos, pelo mínimo; e, independentemente do peticionado nesta alínea,
b)-Suspenda a execução da pena aplicada à Recorrente,
c)-Expressamente revogue a declaração de perda a favor do Estado do telemóvel apreendido, e
d)-Dispense a Recorrente do pagamento de custas processuais.
Deste modo, far-se-á justiça.
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RESPOSTA DO MINISTÉRIO PÚBLICO

O Ministério Público respondeu ao recurso no sentido da sua improcedência, tendo apresentado as seguintes CONCLUSÕES (que transcrevemos):
1.Resulta das conclusões das motivações de recurso impugnar a recorrente a matéria de facto dada como provada, na medida em que pretende sejam introduzidos na mesma factos que a recorrente refere ter mencionado nas declarações prestadas em sede da audiência de discussão e julgamento e ainda que resultam do relatório social junto aos autos.
2.No entanto, a matéria que a recorrente pretende seja adicionada ao rol de factos provados encontra-se já contida nestes ou expressamente consignada no texto do acórdão aquando da fundamentação da decisão quanto à matéria de facto ou quanto à medida da pena a aplicar, não sendo relevante a alteração da decisão recorrida que a recorrente pretende.
3.De resto, a decisão condenatória não tem de transcrever integralmente o teor do relatório social, consubstanciando este um elemento de prova documental sujeito à livre apreciação da prova pelo tribunal, em conformidade com o disposto no art.º 127.º do Código de Processo Penal.
4.No que concerne à medida da pena aplicada, a decisão recorrida não enferma de qualquer violação aos art.ºs 40.º, 70.º e 71.º, todos do Código Penal, revelando-se, antes, decisão justa, adequada às necessidades de prevenção em causa, suficiente às finalidades da punição e de reinserção social da arguida.
5.Defende a recorrente que a pena de prisão aplicada deveria ser suspensa na sua execução, porém, a pena de prisão concretamente aplicada não permite a suspensão da sua execução – cfr. art.º 50.º, n.º 1, do Código Penal.
6.Ainda que fosse possível a suspensão da execução da pena, não se encontram reunidos os requisitos para aplicação de tal mecanismo, na medida em que a mera censura do facto e a ameaça de prisão não realizariam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição e de prevenção no caso concreto, não sendo possível formular um juízo de prognose favorável no sentido de que a arguida sentiria a sua condenação como uma advertência e que não cometeria no futuro nenhum crime, designadamente da mesma espécie, nem que seriam assim satisfeitas as elevadas e prementes necessidades de prevenção geral que se verificam in casu.
7.O Tribunal a quo não violou o n.º 1 do art.º 13.º, o n.º 1 do art.º 18.º, o n.º 1 do art.º 20.º, o n.º 4 do art.º 20.º, o n.º 1 do art.º 26.º, o n.º 1 do art.º 32.º, o n.º 2 do art.º 202.º, o art.º 203.º, nem o art.º 204.º, todos da Constituição da República Portuguesa.
8.Defende a recorrente que o telemóvel apreendido não deveria ter sido declarado perdido a favor do Estado, contudo, certo é que resulta da matéria de facto provada que o mesmo foiusado pela arguida para a prática do crime de tráfico de estupefacientes e foi este o telemóvel concretamente utilizado para esse efeito, ainda que, em abstracto, pudesse ter sido usado um outro qualquer, estando definitivamente determinada a causalidade da actuação da arguida na prática do crime com a utilização do telemóvel por esta para esse efeito – não se impondo que o telemóvel tivesse sido usado exclusivamente para a prática do ilícito - e não se vislumbrando qualquer desproporcionalidade na perda do mesmo pela arguida, que sabia bem que o utilizava para permitir o transporte de estupefaciente que efectuava, concluindo-se dever manter-se a decisão de perda do telemóvel a favor do Estado, nos termos dos art.º 109.º, n.º 1, do Código Penal, e 35.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22-01.
9.Defende a recorrente que deveria ser dispensada do pagamento das custas, mas pretendendo impugnar a sua condenação em custas nos termos do acórdão recorrido, por beneficiar de apoio judiciário nas modalidades de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo, bem como de pagamento da compensação de defensor oficioso.
10.Ora, atento o disposto nos art.ºs 374.º, n.º 4, 513.º e 514.º, todos do Código de Processo Penal, e no n.º 9 do art.º 8.º do Regulamento das Custas Processuais, tendo a arguida sido condenada pela prática do crime de que vinha acusada, é a mesma responsável pelo pagamento das custas devidas em juízo, tudo sem prejuízo da arguida beneficiar de apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo, na medida em que, nos termos de tal modalidade do benefício de apoio judiciário, não fica afastada a responsabilidade pelas custas nos termos legalmente impostos, mas o pagamento das mesmas, sendo que a falta de menção no acórdão recorrido do benefício de apoio judiciário, que não é legalmente imposto, não a prejudica, mantendo-se os efeitos desse benefício.
11.Em face de todo o exposto, não deve ser dado provimento ao recurso da arguida.
Porém V. Exas. farão a já costumada justiça.
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O recurso foi admitido a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo.
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Parecer do Ministério Público junto da Relação
Subidos os autos a este Tribunal da Relação, em sede de parecer a que alude o art.º 416°, do CPP, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto aderiu à resposta às alegações do recurso apresentadas pelo Ministério Público na primeira instância.
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Cumprido o disposto no art.º 417º, n.º 2, do CPP, não foi apresentada resposta.
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Após exame preliminar e colhidos os Vistos, realizou-se a conferência, cumprindo agora apreciar e decidir, nos termos resultantes do labor da conferência.
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II.FUNDAMENTAÇÃO

A delimitação do objeto do recurso
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente, sendo essas que balizam os limites do poder cognitivo do tribunal superior, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, como ocorre por exemplo com os vícios previstos nos artigos 410º, n.º 2, ou 379º, n.º 1, ambos do CPP (cfr. art.ºs 412º, n.º 1, e 417º, n.º 3, ambos do CPP).
Posto isto, passamos a delimitar o thema decidendum, que o mesmo é dizer a elencar as questões colocadas à apreciação deste tribunal, pela ordem em que foram invocadas:
1.O Erro de julgamento, previsto no art.º 412º, n.ºs. 3 e 4, do CPP, por não terem sido dados como provados certos factos que a Recorrente imputa de relevantes.
2.O doseamento da medida concreta da pena, por ser excessiva.
3.A não suspensão da pena de prisão aplicada à arguida.
4.A declaração a favor do Estado do telemóvel apreendido à arguida.
5.A não consideração, em sede de decisão de custas, do apoio judiciário de que a arguida beneficia.
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A Decisão Recorrida:
A decisão recorrida tem o seguinte teor (que se transcreve parcialmente, nas partes mais relevantes para a apreciação do recurso):
(…)
Fundamentação de Facto
Matéria de facto provada.
Com interesse para a decisão da causa, resultou provada a seguinte factualidade:
1.No dia 30 de Janeiro de 2022, pelas 12h05, a arguida A desembarcou no Aeroporto ... ..., em L____, procedente de São ... – G____ (Brasil), no voo TP... .
2.Nessas circunstâncias de tempo e lugar, a arguida foi encaminhada para os postos de controlo de fronteiras do SEF (Serviço de Estrangeiros e Fronteiras), com vista à verificação das condições de entrada no “Espaço Schengen”.
3.Submetida a esse controlo aduaneiro, verificou-se que a arguida trazia consigo, de forma dissimulada, acondicionadas em perneiras coladas às pernas:
- 4(quatro) embalagens, contendo cocaína (cloridrato), com o peso líquido de 2.400,000 gramas.
4.Na ocasião, foram ainda apreendidos à arguida:
- 1 (um) telemóvel da marca Samsung, modelo Dual Sim;
- 1.000,00 (mil euros), em notas do Banco Central Europeu, e R$ 120,00 (cento e vinte reais).
5.A arguida conhecia a natureza e característica estupefaciente do produto que trazia consigo e que lhe foi apreendido.
6.Produto esse que aceitou deter e transportar do Brasil para Portugal, com destino a Madrid (Espanha), aderindo ao plano que lhe foi proposto por um indivíduo de identidade não concretamente apurada, mediante uma contrapartida pecuniária de € 7.000,00.
7.As quantias monetárias apreendidas destinavam-se a fazer face às despesas relacionadas com a referida viagem.
8.O telemóvel apreendido foi utilizado pela arguida nos contactos com o referido indivíduo, para concretizar o transporte e ulterior entrega do estupefaciente apreendido.
9.A arguida agiu de forma livre, voluntária e conscientemente, com o intuito, concretizado, de deter e transportar o produto estupefaciente apreendido, bem sabendo que essa sua conduta era proibida e punida por lei penal.
10.À arguida não são conhecidas quaisquer condenações criminais.
11.Não tem quaisquer familiares a viver em Portugal, nem possui residência ou actividade profissional em território nacional.
12.A sua viagem para Portugal teve como única finalidade o transporte de cocaína, com vista à sua ulterior venda a terceiros.
Provou-se ainda relativamente às condições sócio-económicas da arguida:
13.À data dos factos acima referidos, a arguida residia numa casa arrendada, no Paraguai, juntamente com o companheiro (D, de 27 anos), e duas filhas menores, fruto de um relacionamento anterior.
14.A arguida viveu esta primeira união entre os 16 e os 20 anos de idade, sendo que, na sequência de uma separação inesperada e traumática, o ex-companheiro deixou de se relacionar com as filhas, não colaborando nas despesas relacionadas com o seu desenvolvimento.
15.Na morada actual reside ainda a mãe da arguida, viúva há cerca de 5 anos, registando-se uma boa ligação e ajuda recíproca entre os membros do agregado, embora a quotidiano seja marcado pelas dificuldades económicas.
16.Com um registo de pobreza de recursos, a mãe recolhia sucata para revenda, sendo habitual a arguida ajudá-la nessa tarefa, juntamente com os irmãos.
17.A arguida trabalhava como empregada doméstica e na venda ambulante de roupas usadas, estando sem actividade desde o ano de 2020, na sequência do confinamento motivado pela pandemia de covid-19, não recebendo qualquer ajuda estatal.
18.O companheiro trabalhava como camionista, sendo que o montante da sua retribuição era insuficiente para a subsistência do agregado, debatendo-se com rendas da casa em atraso e dívidas pelo fornecimento de eletricidade e gás.
19.Em termos de escolaridade, a arguida completou o equivalente ao 5.º ano, não tendo possibilidades de prosseguir os estudos em virtude das dificuldades económicas dos progenitores e da necessidade de contribuir financeiramente para o agregado familiar.
20.Começou a trabalhar com cerca de 10 anos de idade, como empregada de limpezas (em casas particulares), tendo prosseguido a sua vida laboral nessa área, complementada, como já referido, pelas vendas ambulantes de roupa.
21.Não lhe são conhecidas dependências, nomeadamente de álcool ou de produtos estupefacientes.
22.Em meio prisional frequenta as aulas de português para estrangeiros, mostrando empenho na construção de uma regular adaptação ao presente contexto.
23.Mantem um comportamento normativo, não lhe sendo conhecidos quaisquer processos disciplinares.
24.Não regista visitas, comunicando por sistema webex com o companheiro, que já lhe enviou quantias monetárias para a sua conta no estabelecimento prisional.
25.Uma vez em liberdade, tem a expectativa de regressar ao seu país e voltar para junto do agregado familiar mais próximo, sendo que as filhas estão neste momento ao cuidado da avó materna, com o auxílio material e financeiro do seu companheiro e irmãos.
*

Factos não provados.
Com interesse para a decisão da causa, nada ficou por provar.
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Motivação da decisão da matéria de facto.
(…)
*

Fundamentação de Direito
Enquadramento jurídico – penal.
(…)
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Determinação da medida concreta da pena.
Como vimos, ao referido crime de tráfico de estupefacientes corresponde a moldura penal abstracta de pena de prisão de 4 a 12 anos.
Avançando, pois, nos critérios de determinação da medida concreta da pena, estabelece o n.º 1, do artigo 71.º, do Código Penal, que esta operação é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, não podendo nunca a pena em concreto ultrapassar a medida da culpa (artigo 40.º, n.º 2, do Código Penal).
Com efeito, seguindo a lição de Figueiredo Dias, “…abandonado que está o modelo retributivo e de expiação, a aplicação de uma pena ou medida de segurança é comandada exclusivamente por finalidades de prevenção, nomeadamente de prevenção geral positiva (perfilhando idêntico entendimento quanto à finalidade prosseguida com a aplicação de uma pena, cfr. acórdão do STJ, de 12.03.97). Isto significa que a pena, “enquanto instrumento político-criminal de protecção de bens jurídicos, tem, ao fim e ao cabo, uma função de paz jurídica ou social, típica da prevenção geral, seguindo-se as vertentes da prevenção especial, sendo completamente, mas mesmo completamente alheia a quaisquer finalidades de castigo ou de retribuição” (neste sentido, o acórdão do TRP, de 18.04.12, invocando, entre outras, a seguinte bibliografia: Roxin, Claus, Culpabilidad Y Prevencion en Derecho Penal, Reus, SA, Madrid, 1981, pág. 181; Figueiredo Dias, Jorge, Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, Coimbra Editora, Coimbra, 2005, pág. 73 e segts.).
Finalmente, há que ter na devida consideração o n.º 2, do artigo 71.º, do Código Penal, no qual se fixam, de forma exemplificativa, os factores de doseamento da pena, ou seja, os elementos com recurso aos quais a mesma se deverá graduar.
Tendo presente estas directrizes, e no que respeita à culpa da arguida, reputa-se a mesma de uma gravidade já acentuada, dada a envolvência que o transporte internacional de cocaína exige da mesma, sendo considerável o desvalor da sua conduta pelo elevado alarme social que causa.
A arguida logrou transportar, com recurso a um modus operandi recorrente na comarca, uma quantidade já muito significativa de cocaína – 2.400,000 gramas –, o que agrava a ilicitude do facto, sendo certo que, se considerarmos o valor a que usualmente é vendida uma grama desse tipo de droga (€ 40,00 a € 60,00, de acordo com a experiência adquirida na prática judiciária), estamos na presença de um transporte de valor pecuniário muito relevante.
Ademais, importa não olvidar que a arguida actuou com dolo directo, sendo evidente e significativa a sua vontade criminosa [als. a) e b), do n.º 2, do artigo 71.º, do Código Penal].
As exigências de prevenção geral são também elevadas, dada a proliferação deste tipo de crime e a pluralidade de bens jurídicos que a actuação típica faz perigar, a que acresce o elevado grau de danosidade social que decorre do mesmo.
Já no que tange às exigências de prevenção especial, estas mostram-se algo mitigadas, considerando, desde logo, a ausência de antecedentes criminais conhecidos à arguida e a sua integração social e familiar no país de origem (Paraguai), tendo actuado num quadro vivencial difícil ao nível económico, sem olvidar a circunstância de ter assumido integralmente e sem reservas os factos de que vinha acusada, reconhecendo a censurabilidade da sua conduta.
Ainda assim, importa deixar dito que a confissão tem pouca relevância processual no caso em apreço, dado que se tratou de uma detenção em flagrante delito e o demais relacionado com o produto estupefaciente é suportado por via pericial.
Deste modo, tudo ponderado em função da culpa revelada e das necessidades de prevenção, julga-se adequado condenar a arguida na pena de 5 anos de prisão.
*

Da eventual suspensão da execução da pena de prisão.
Da conjugação dos artigos 70.º, n.º 1, e 50.º, n.º 1, do Código Penal, é definido o critério geral de escolha da pena, nos termos dos quais a pena de prisão fixada em medida não superior a cinco anos deve ser suspensa na execução se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
Maria João Antunes afirma que “são finalidades exclusivamente preventivas, de prevenção geral e de prevenção especial, que justificam e impõem a preferência por uma pena não privativa da liberdade, sem perder de vista que a finalidade primordial é a de protecção de bens jurídicos” (As consequências jurídicas do crime, Coimbra Editora, 2013, pp. 41-45).
O crime de tráfico de estupefacientes postula elevadas necessidades de prevenção geral. No Plano Nacional para a Redução dos Comportamentos Aditivos e das Dependências 2013-2020 (aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros, de 23 de Outubro de 2014, constituindo o seu Anexo I, e publicado no Diário da República, I Série, n.º 250, de 29 de Dezembro de 2014, pp. 6294-6348), a matéria da prevenção está presente, constituindo objectivo geral, de acordo com aquele Plano, “reduzir a disponibilidade de drogas ilícitas e das novas substâncias psicoactivas (NSP) no mercado, através da prevenção, dissuasão e desmantelamento das redes de tráfico de drogas ilícitas, em especial do crime organizado, intensificando a cooperação judiciária, policial e aduaneira, a nível internacional, bem como a gestão de fronteiras”.
Uma análise da jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, sobre casos similares ao dos presentes autos, leva à conclusão de que condutas idênticas às da arguida são punidas com pena de prisão efectiva (a título exemplificativo, os acórdãos de 02.05.12, processo n.º 132/11.0JELSB, e de 09.04.15, processo n.º 147/14.6JELSB, ambos disponíveis em www.dgsi.pt), face às elevadas exigências de prevenção, pois “o combate ao tráfico de droga em que Portugal internacionalmente se comprometeu impõe que não seja suspensa a execução da pena nos casos de tráfico comum e de tráfico agravado de estupefacientes, em que não se verifiquem razões muito ponderosas, que no caso se não postulam, seria atentatória da necessidade estratégica nacional e internacional de combate a esse tipo de crime, faria desacreditar as expectativas comunitárias na validade da norma jurídica violada e não serviria os imperativos de prevenção geral” (acórdão do STJ, de 15.11.07, processo n.º 07P3761, disponível em www.dgsi.pt).
Na verdade, e acompanhando o acórdão do STJ, de 15.01.14 (processo n.º 10/13.8JELSB, também disponível em www.dgsi.pt), as considerações atrás expendidas sobre a recorrência do fenómeno dos “correios de droga” em Portugal, revelam suficientemente a extrema exigência da prevenção geral. A suspensão da pena envolveria necessariamente um enfraquecimento inadmissível da protecção do bem jurídico tutelado. A suspensão lesaria, pois, a finalidade preventiva da pena, pelo que é de rejeitar, por força do citado artigo 50.º, n.º 1, do Código Penal.
Neste contexto, um juízo de prognose perante os factos disponíveis, nomeadamente relativos à sua acentuada ilicitude, à personalidade da arguida e às suas condições de vida, não permite concluir, com probabilidade de segurança, que a ameaça da pena seja bastante para cumprir as finalidades da punição, e que, em face de idênticas necessidades, não volte a aderir a um novo plano e a traficar estupefacientes.
Assim, não obstante estar verificado o pressuposto formal conducente à aplicação da pena de substituição de suspensão da execução da pena de prisão, por a condenação não ser superior a 5 (cinco) anos de prisão, a personalidade da arguida e as suas condições de vida, associadas às marcantes necessidades de prevenção geral que no caso ocorrem, face ao tipo e gravidade do ilícito praticado, desaconselham a aplicação da aludida pena de substituição.
Resta, pois, o cumprimento efectivo da pena de prisão ora aplicada.
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Da sanção acessória de expulsão do território nacional.
(…)
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Destino dos objectos apreendidos.
Nos termos do artigo 35.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, “São declarados perdidos a favor do Estado os objectos que tiverem servido ou estivessem destinados a servir para a prática de uma infracção prevista no presente diploma ou que por esta tiverem sido produzidos”. Estatui ainda o n.º 2, de tal preceito legal, que “As plantas, substâncias e preparações incluídas nas tabelas I a IV são sempre declaradas perdidas a favor do Estado”.
Desta forma, tendo presente a factualidade apurada, declara-se perdida a favor do Estado a droga apreendida nos autos, ordenando-se a sua oportuna destruição nos termos legalmente prescritos para o efeito.
No que concerne aos demais objectos/bens apreendidos, cumpre ter presente que, no âmbito dos crimes de tráfico de estupefacientes, a declaração de perdimento a favor do Estado só deve acontecer quando do factualismo provado resulta que entre a utilização do objecto e a prática do crime existe uma relação de causalidade adequada, de tal forma que, sem essa utilização, a infracção em concreto não teria sido praticada ou não o teria sido na forma e com a significação penal relevante verificada; e, de todo o modo, que a perda do instrumento do crime equacione, à luz do princípio da proporcionalidade, a gravidade da actividade levada a cabo e a serventia que ao objecto foi dada na sua execução, de forma a não se ultrapassar a “justa medida” (acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 25.05.11, disponível em www.dgsi.pt).
Ora, no caso em apreço, em face da factualidade apurada, parece-nos incontroversa essa ligação relevante/essencial entre os objectos/bens apreendidos e o empreendimento criminoso – o telemóvel foi utilizado, para além do mais, nos contactos entre a arguida e o referido indivíduo, com vista à concretização do transporte e ulterior entrega do estupefaciente; e a quantia monetária destinava-se a fazer face às despesas relacionadas com a viagem –, pelo que, não se vislumbrando a violação do referido princípio da proporcionalidade, nem da “justa medida” das coisas, os mesmos deverão igualmente ser declarados perdidos a favor do Estado.
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Responsabilidade tributária.
Sendo a arguida condenada pela prática do crime de que vinha acusada, é a mesma responsável pelo pagamento das custas devidas em juízo (cfr. artigos 513.º e 514.º, ambos do Código de Processo Penal, e n.º 9, do artigo 8.º, do Regulamento das Custas Processuais).
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Decisão
Pelo exposto, acorda-se em julgar a acusação pública totalmente procedente, por provada, e, em consequência, decide-se:
I.Condenar a arguida A pela prática, em co-autoria material e na forma consumada, de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, na sua actual redacção, com referência à Tabela I-B, anexa ao mesmo diploma legal, na pena de 5 (cinco) anos de prisão, de cumprimento efectivo.
II.Condenar a arguida A na sanção acessória de expulsão do território nacional pelo período de 6 (seis) anos, nos termos constantes do artigo 34.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, e dos artigos 134.º, n.º 1, als. e) e f), 140.º, n.º 3 e 151.º, n.º 1, todos da Lei n.º 23/2007, de 4 de Julho.
III.Condenar ainda a arguida no pagamento das custas do processo, com taxa de justiça que se fixa em 3 (três) Uc.´s, nos termos dos artigos 513.º e 514.º, ambos do Código de Processo Penal, sem prejuízo da redução constante do artigo 344.º, n.º 2, al. c), do mesmo diploma legal.
IV.Declarar perdidos a favor do Estado o produto estupefaciente, as quantias monetárias e o telemóvel apreendidos, nos termos do artigo 35.º, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, mais se determinando, quanto ao primeiro, a sua destruição, de harmonia com o disposto no artigo 62.º, n.º 6, do mesmo diploma legal (solicitando o envio oportuno de cópia do respectivo auto).
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Da análise dos fundamentos do recurso(pela ordem de lógica jurídica):
1.O Erro de julgamento, previsto no art.º 412º, n.ºs. 3 e 4, do CPP, por não terem sido dados como provados certos factos que a Recorrente imputa de relevantes.
A Recorrente considera essencial o aditamento aos factos provados de certa materialidade resultante das declarações da arguida e do relatório social, factos que, a seu ver, relevam para o doseamento da pena concreta e a decisão sobre a suspensão, ou não, da execução da pena de prisão.
Vejamos.

Decorre do art.º 412º, do CPP, sob a epígrafe “motivação do recurso e conclusões”, que:
1 - A motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido.
2 – (…)
3 - Quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;
c) As provas que devem ser renovadas.
4 - Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na ata, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 364.º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação.
5 – (…)
6 - No caso previsto no n.º 4, o tribunal procede à audição ou visualização das passagens indicadas e de outras que considere relevantes para a descoberta da verdade e a boa decisão da causa.

Ainda com interesse, resulta do art.º 428º, do CPP, que as Relações conhecem de facto (e de direito) e de acordo com o art.º 431º, do mesmo diploma legal, “Sem prejuízo do disposto no artigo 410º, a decisão do tribunal de 1ª instância sobre matéria de facto pode ser modificada: a) Se do processo constarem todos os elementos de prova que lhe serviram de base; b) Se a prova tiver sido impugnada, nos termos do n.º 3, do artigo 412º; ou c) Se tiver havido renovação da prova”.
A sindicância da matéria de facto, chamada impugnação ampla, baseada no art.º 412º, n.ºs 3, 4 e 6, do CPP, é uma das duas vias de sindicar a matéria de facto em processo penal e tem na sua base a consideração de que o tribunal a quo efetuou uma incorreta apreciação da prova produzida em sede de audiência de julgamento.
Em primeiro lugar impõe-se salientar que a sindicância da matéria de facto na impugnação ampla pressupõe que o Recorrente dê cumprimento ao chamado “ónus de especificação”, traduzido na necessidade imperiosa de a reapreciação ser restrita aos concretos pontos de facto que o Recorrente entende incorretamente julgados e às concretas razões de discordância, sendo necessário que se especifiquem as provas que imponham decisão diversa da recorrida e não apenas a permitam.
Havendo gravação das provas, a especificação das provas deve ser feita com referência ao que consta da ata, com indicação concreta das passagens (das gravações) em que se funda a impugnação, pois são essas que devem ser ouvidas ou visualizadas pelo tribunal, sem prejuízo de outras relevantes (n.ºs 4 e 6 do art.º 412º, do CPP).
Não basta, portanto, ao Recorrente formular genericamente a sua discordância quanto ao julgamento da matéria de facto e apontar o sentido que deve ser dado à prova.
Em segundo lugar, importa registar que a sindicância da matéria de facto na impugnação ampla encontra-se também limitada ou condicionada por outros fatores, nomeadamente:
- Ao facto de o “contacto” com as provas ser realizado com base nas gravações, daí resultando a limitação decorrente da falta de oralidade e de imediação das provas produzidas em audiência.
“A oralidade, entendida como imediação de relações (contacto directo) entre o juiz que há-de julgar e os elementos de que tem de extrair a sua convicção (pessoas, coisas, lugares), é condição indispensável para a actuação do principio da livre convicção do juiz, em oposição ao sistema da prova legal” (Alberto dos Reis, em Código Processo Civil Anotado, Vol. IV, págs. 566 e ss. (…)”.
- À circunstância de ao Tribunal de segunda instância só ser possível alterar o decidido pela primeira instância se as provas indicadas pelo Recorrente impuserem decisão diversa da proferida (al. b) do n.º 3 do citado artigo 412º).
Por tais razões, a reponderação da matéria de facto pela Relação não constitui um novo julgamento, mas apenas numa intervenção cirúrgica, restrita à indagação ponto por ponto, da existência ou não dos concretos erros de julgamento de facto apontados pelo Recorrente e, ainda assim, terá de ser parcimoniosa, em respeito do princípio da livre apreciação da prova, da oralidade e da imediação. A reapreciação da matéria de facto, na impugnação ampla, terá de ser entendida apenas como um remédio jurídico para colmatar erros de julgamento.
Como se refere no Ac. do TRE, de 01.04.2019, Impor decisão diversa da recorrida não significa admitir uma decisão diversa da recorrida. Tem um alcance muito mais exigente, muito mais impositivo, no sentido de que não basta contrapor à convicção do julgador uma outra convicção diferente, ainda que também possível, para provocar uma modificação na decisão de facto. É necessário que o recorrente desenvolva um quadro argumentativo que demonstre, através da análise das provas por si especificadas, que a convicção formada pelo julgador, relativamente aos pontos de factos impugnados, é impossível ou desprovida de razoabilidade. É inequivocamente este o sentido da referida expressão, que consubstancia um ónus imposto ao recorrente”.
São exemplos clássicos da necessidade de alterar a matéria de facto quando a convicção do julgador se mostrar contrária às regras de experiência, ou às regras da lógica ou aos conhecimentos científicos tidos por adquiridos.
Por fim, sublinha-se que esta impugnação da matéria de facto não pode ser confundida com a simples discordância na apreciação da prova realizada pelo tribunal, dentro do espaço da livre apreciação da prova previsto no artigo 127º do CPP, de acordo, portanto, com as regras de experiência e livre convicção do julgador.
Tal liberdade não é discricionária, estando intimamente ligada ao dever de apreciar a prova com base em critérios de motivação objetivos e terá de ser sempre orientada pelo dever de perseguir a verdade material.
Assim, o princípio da livre apreciação da prova encerra em si duas ideias: numa dimensão positiva, traduzida na inexistência de critérios legais pré-determinados no valor a atribuir à prova e, numa dimensão negativa, traduzida na ideia de que não é permitida uma apreciação discricionária ou arbitrária da prova produzida.
A livre convicção do julgador terá de ser pessoal, mas também objetivável, motivável, com base em critérios de valoração racionais, lógicos e entendíveis pela comunidade pública.
Adotados estes critérios, a verdade dos factos para além de toda a dúvida razoável resultará do convencimento do julgador, de acordo com a sua consciência e convicção, com base em regras técnicas e de experiência.
Seguindo tais critérios de apreciação da prova, nada obsta a que o juiz, para formar a sua convicção, valorize particularmente o depoimento de uma testemunha, em detrimento de testemunhos contrários, tenham, ou não, ligações ou ausência delas, com o arguido.
Como corolário do que se deixou dito, de acordo com a jurisprudência mais avalizada, a convicção do julgador só pode ser modificada pelo tribunal de recurso quando violar os seus momentos estritamente vinculados (obtida através de provas ilegais ou proibidas, ou contra a força probatória plena de certos meios de prova) ou quando viole, de forma manifesta, as regras de experiência comum ou o principio in dubio pro reo.

Revertendo para o caso em apreciação.

Os factos que a Recorrente pretende ver aditados são os seguintes:
- . “a arguida resolveu aceitar a proposta para a prática dos factos constantes da acusação e atinentes ao crime imputado por razão de ordem financeira, nomeadamente pela circunstância de se encontrar desempregada, tendo dois filhos menores para sustentar”.
- i) À data dos factos constantes nos autos, A numa casa arrendada com o companheiro, D de 27 anos, junto das filhas da reclusa, nascidas no âmbito de anterior relacionamento: B com 8 anos e C com 11 anos (Cfr. primeiro parágrafo do ponto 1 do relatório social).
- ii) A ocupava o tempo livre cuidando da vida familiar, especialmente das filhas […] (Cfr. sexto parágrafo do ponto 1 do relatório social).
- iii) Face às circunstâncias do presente processo, a arguida manifesta a interiorização da noção de norma e a existência de vítimas potenciais. Não tem dificuldade em reconhecer a gravidade da prática de crimes como aquele que está acusada. Revela conhecer os eventuais danos causados junto de indivíduos toxicodependentes (Cfr. primeiro parágrafo do ponto 2 do relatório social).
- iv) Nessa altura, assume que vivia um quadro de graves dificuldades financeiras e mostrava o desejo de as superar no sentido de continuar a pagar os estudos das filhas e começar a fazer uma pequena habitação (Cfr. segundo parágrafo do ponto 2 do relatório social).
- v) A presente reclusão trouxe marcados impactos na estrutura do sistema familiar da arguida, dado que ela era quem assumia os cuidados às filhas (Cfr. terceiro parágrafo do ponto 2 do relatório social).
- vi) A garantia da manutenção do enquadramento sociofamiliar no Paraguai promove equilíbrio e segurança nos planos de regresso a casa da arguida (Cfr. quarto parágrafo do ponto 2 do relatório social).

Como iremos verificar, a factualidade que se pretende ver aditada ou é conclusiva ou já consta dos factos dados como provados no acórdão recorrido, embora por outras palavras.
É de realçar não ser essencial, nem sequer suposto, fazer constar uma reprodução do conteúdo do relatório social na decisão condenatória, tanto bastando a valoração de mais esse elemento de prova, em conjugação com os restantes, sempre ao abrigo do princípio da livre apreciação da prova, previsto no art.º 127º, do CPP.
Vejamos, então, cada facto que se pretende ver aditado.
- A “arguida resolveu aceitar a proposta para a prática dos factos constantes da acusação e atinentes ao crime imputado por razão de ordem financeira, nomeadamente pela circunstância de se encontrar desempregada, tendo dois filhos menores para sustentar”.
Tal factualidade resulta suficientemente clara da avaliação conjunta da materialidade dada como provada em 13 a 18, de onde se extrai que a Recorrente tem duas filhas menores, para cujo sustento não conta com o apoio do pai das mesmas, estava desempregada devido à crise pandémica, debatia-se com enormes dificuldades económicas, a ponto de não conseguir pagar a renda da casa e os consumos domésticos, cujos pagamentos estavam em atraso.
Perante esta factualidade é de concluir que a principal, se não mesmo a única, motivação para a prática do crime terá sido minimizar essas dificuldades económicas e incapacidade de prover à subsistência condigna das duas filhas menores.
-i)À data dos factos constantes nos autos, A numa casa arrendada com o companheiro, D de 27 anos, junto das filhas da reclusa, nascidas no âmbito de anterior relacionamento: B com 8 anos e C com 11 anos (Cfr. primeiro parágrafo do ponto 1 do relatório social).
Já consta do elenco dos factos provados que a Recorrente vivia em casa arrendada, com o companheiro e duas filhas menores. Não é relevante a concreta idade das crianças, pois a obrigação de prover ao sustento dos filhos é idêntica durante toda a menoridade (salvo a circunstância absolutamente excecional da emancipação).
-ii)A ocupava o tempo livre cuidando da vida familiar, especialmente das filhas […] (Cfr. sexto parágrafo do ponto 1 do relatório social).
Além de irrelevante, também já se extrai suficientemente da factualidade provada, de onde resulta que a arguida estava desempregada e com duas menores a cargo, sendo natural que cuidasse das filhas, posto que não estava a trabalhar.
-iii)Face às circunstâncias do presente processo, a arguida manifesta a interiorização da noção de norma e a existência de vítimas potenciais. Não tem dificuldade em reconhecer a gravidade da prática de crimes como aquele que está acusada. Revela conhecer os eventuais danos causados junto de indivíduos toxicodependentes (Cfr. primeiro parágrafo do ponto 2 do relatório social).
Trata-se de uma perceção subjetiva de quem elaborou o relatório social, aliás conclusiva, em razão do que não deve constar dos factos provados.
iv)-Nessa altura, assume que vivia um quadro de graves dificuldades financeiras e mostrava o desejo de as superar no sentido de continuar a pagar os estudos das filhas e começar a fazer uma pequena habitação (Cfr. segundo parágrafo do ponto 2 do relatório social).
As dificuldades económicas da Recorrente e o seu impacto na decisão de praticar o crime em que foi condenada mostram-se clara e suficientemente expressas nos factos provados, não havendo necessidade de clarificar mais essa questão.
v)-A presente reclusão trouxe marcados impactos na estrutura do sistema familiar da arguida, dado que ela era quem assumia os cuidados às filhas (Cfr. terceiro parágrafo do ponto 2 do relatório social).
A expressão “marcados impactos” não passa de uma ideia vaga e conclusiva, como tal não deve constar, tal qual, dos factos dados como provados.
vi)-A garantia da manutenção do enquadramento sociofamiliar no Paraguai promove equilíbrio e segurança nos planos de regresso a casa da arguida (Cfr. quarto parágrafo do ponto 2 do relatório social).
Trata-se, de novo, de materialidade genérica, vaga e conclusiva, como tal não deve constar dos factos dados como provados.

Improcede, pois, o recurso, neste segmento.

2.DA MEDIDA DA PENA, POR SER EXCESSIVA.
3.DA NÃO SUSPENSÃO DA PENA DE PRISÃO APLICADA.
Tais questões serão apreciadas em conjunto, dada a sua correlação.
A Recorrente considera a pena de prisão aplicada excessiva e invoca não ter o tribunal recorrido atendido, aquando do doseamento da pena, a todas as circunstâncias atenuantes apuradas, nomeadamente ao seguinte:
Tem duas filhas menores a seu cargo, com 8 e 11 anos à data dos factos descritos na Acusação;
Ocupava o seu tempo livre cuidando da vida familiar, especialmente das filhas;
Vive com a mãe, a quem ajuda;
Não tem antecedentes criminais conhecidos;
A motivação para a prática do crime foi o desejo de superar dificuldades económicas, em benefício das filhas;
Confessou a prática do ilícito prontamente e sem vacilar;
Reconheceu a censurabilidade da sua conduta, a gravidade da prática do crime pelo qual foi condenada;
Manifestou a interiorização da noção de norma e a existência de vítimas potenciais,
Mostra empenho na construção de uma regular adaptação ao presente contexto;
Tem a expectativa de regressar ao seu país e voltar para junto do agregado familiar mais próximo, sendo que as filhas estão neste momento ao cuidado da avó materna, com o auxílio material e financeiro do seu companheiro e irmãos;
A Recorrente já esteve cerca de 11 meses em prisão preventiva;
A presente reclusão trouxe marcados impactos na estrutura do sistema familiar da arguida, dado que ela era quem assumia os cuidados às filhas;
A garantia da manutenção do enquadramento sociofamiliar no Paraguai promove equilíbrio e segurança nos planos de regresso a casa da arguida.
Pugna, por fim, pela suspensão da execução da pena de prisão.
Vejamos se lhe assiste razão.

Quanto às finalidades das penas, dispõe o art.º 40.º, do CP, que:
1 - A aplicação de penas e de medidas de segurança visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.
2 - Em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa.
Relativamente aos critérios de determinação da pena, resulta do art.º 71.º, do mesmo diploma legal que:
1 - A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.
2 - Na determinação concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando, nomeadamente:
a) O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente;
b) A intensidade do dolo ou da negligência;
c) Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram;
d) As condições pessoais do agente e a sua situação económica;
e) A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime;
f) A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.
3 – (…)

Dentro deste quadro normativo referente às finalidades das penas (que é a da proteção de bens jurídicos essenciais à vivência em sociedade e da reintegração do agente na sociedade) e à determinação da respetiva medida (feita em função das exigências de prevenção, tendo como limite máximo a culpa), a pena cumpre essencialmente deveres de prevenção.
A determinação concreta da pena far-se-á, portanto, dentro dos limites da moldura penal abstrata fixada na lei, tendo em conta as exigências de prevenção de futuros crimes (geral de integração e especial de socialização), de harmonia com os fatores de ponderação ínsitos no n.º 2 do citado art.º 71º, desde que tais fatores não constituam elementos do tipo ou elementos qualificativos do crime, configurando a culpa do agente um limitador de pena máxima, para além, como é obvio, de um pressuposto de aplicação dessa pena.
Relativamente à suspensão da execução da pena de prisão, dispõe o art.º 50º, do Código Penal, sob a epígrafe “pressupostos e duração”, que:
1-O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
2-O tribunal, se o julgar conveniente e adequado à realização das finalidades da punição, subordina a suspensão da execução da pena de prisão, nos termos dos artigos seguintes, ao cumprimento de deveres ou à observância de regras de conduta, ou determina que a suspensão seja acompanhada de regime de prova.
3-Os deveres e as regras de conduta podem ser impostos cumulativamente.
4-A decisão condenatória especifica sempre os fundamentos da suspensão e das suas condições.
5-O período de suspensão é fixado entre um e cinco anos.

É consentâneo que a suspensão da execução da pena obedece à regra da preferência pelas sanções criminais não detentivas face às detentivas, no pressuposto de que estas últimas realizem de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, princípio ínsito no art.º 70º do CP.
É preciso, numa palavra, que os factos dados como provados permitam realizar um juízo de prognose futura de socialização do agente em liberdade (dimensão da prevenção especial positiva, de socialização e inserção), e que a esse juízo não se sobreponham necessidades de prevenção geral, que é a outra das finalidades da pena.
Esse juízo de prognose futura de socialização do agente em liberdade traduz-se, numa dimensão positiva, na consideração de que a simples censura do facto e a ameaça da prisão serão adequadas e suficientes às finalidades da punição e, numa dimensão negativa, na inexistência de razões sérias que possam suscitar reservas sobre a capacidade do agente em adequar no futuro a sua conduta aos bens jurídicos essenciais à coexistência em comunidade.
No que à prevenção geral se reporta, como menciona Figueiredo Dias, mesmo sendo favorável o prognóstico relativamente ao delinquente, apreciado à luz de considerações exclusivas de prevenção especial de socialização, a suspensão da execução da pena de prisão não deverá ser decretada se a ela se opuserem as necessidades de reprovação e prevenção do crime, entendidas no sentido de que não estão em causa considerações relativas à culpa, mas exclusivamente considerações de prevenção geral sob a forma de exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico (cfr. “Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime”, Aequitas Editorial Notícias, 1993, pág. 344).

A Recorrente mostra-se condenada na pena de 5 anos de prisão efetiva pela prática de crime de tráfico e estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21º, n.º 1, do Decreto-Lei 15/93, de 22.01, cuja moldura penal abstrata está compreendida entre 4 a 12 anos de prisão.
Na decisão recorrida ponderou-se, no que concerne ao doseamento da pena de prisão:
no que respeita à culpa da arguida, reputa-se a mesma de uma gravidade já acentuada, dada a envolvência que o transporte internacional de cocaína exige da mesma, sendo considerável o desvalor da sua conduta pelo elevado alarme social que causa.
A arguida logrou transportar, com recurso a um modus operandi recorrente na comarca, uma quantidade já muito significativa de cocaína – 2.400,000 gramas –, o que agrava a ilicitude do facto, sendo certo que, se considerarmos o valor a que usualmente é vendida uma grama desse tipo de droga (€ 40,00 a € 60,00, de acordo com a experiência adquirida na prática judiciária), estamos na presença de um transporte de valor pecuniário muito relevante.
Ademais, importa não olvidar que a arguida actuou com dolo directo, sendo evidente e significativa a sua vontade criminosa [als. a) e b), do n.º 2, do artigo 71.º, do Código Penal].
As exigências de prevenção geral são também elevadas, dada a proliferação deste tipo de crime e a pluralidade de bens jurídicos que a actuação típica faz perigar, a que acresce o elevado grau de danosidade social que decorre do mesmo.
Já no que tange às exigências de prevenção especial, estas mostram-se algo mitigadas, considerando, desde logo, a ausência de antecedentes criminais conhecidos à arguida e a sua integração social e familiar no país de origem (Paraguai), tendo actuado num quadro vivencial difícil ao nível económico, sem olvidar a circunstância de ter assumido integralmente e sem reservas os factos de que vinha acusada, reconhecendo a censurabilidade da sua conduta.
Ainda assim, importa deixar dito que a confissão tem pouca relevância processual no caso em apreço, dado que se tratou de uma detenção em flagrante delito e o demais relacionado com o produto estupefaciente é suportado por via pericial.
E quanto à não suspensão da pena:
Neste contexto, um juízo de prognose perante os factos disponíveis, nomeadamente relativos à sua acentuada ilicitude, à personalidade da arguida e às suas condições de vida, não permite concluir, com probabilidade de segurança, que a ameaça da pena seja bastante para cumprir as finalidades da punição, e que, em face de idênticas necessidades, não volte a aderir a um novo plano e a traficar estupefacientes.
Assim, não obstante estar verificado o pressuposto formal conducente à aplicação da pena de substituição de suspensão da execução da pena de prisão, por a condenação não ser superior a 5 (cinco) anos de prisão, a personalidade da arguida e as suas condições de vida, associadas às marcantes necessidades de prevenção geral que no caso ocorrem, face ao tipo e gravidade do ilícito praticado, desaconselham a aplicação da aludida pena de substituição.

Não podemos deixar de subscrever a decisão recorrida, quer quanto ao doseamento da pena concreta, quer quanto à não suspensão da sua execução.
Concordamos com a Recorrente na consideração de que as necessidades de prevenção especial são reduzidas, considerando a ausência de antecedentes criminais, a motivação subjacente à prática do crime (desemprego involuntário e não culposo, duas filhas menores para sustentar, acentuadas dificuldades económicas, com impacto até no acesso à habitação, energia e água, quer para si quer para as filhas), a estabilidade vivencial em termos afetivos (com família constituída, que continua a prestar-lhe apoio incondicional) e o reconhecimento da gravidade e censurabilidade dos factos por si praticados, o que resulta desde logo da confissão integral e sem reservas.
Não obstante, dentro da faixa que a atuação delituosa da arguida ocupa no largo espectro do crime de tráfico matricial -considerando-a ainda na faixa inferior ou do fundo, dada a natureza rudimentar dos instrumentos ou métodos do crime, isto apesar do tipo de droga transportada e do peso do produto apreendido-, as necessidades de prevenção geral são fortíssimas.
É preciso não esquecer que Portugal funciona como porta giratória de entrada de estupefacientes para distribuição pela Europa, em particular de cocaína e heroína, sendo muitíssimo frequente que essa entrada se opere via aérea através dos “correios internacionais de droga”, em particular a partir da América Latina, os quais não raras vezes integram-se (mesmo sem o saberem) em redes de tráfico organizadas e internacionais.
Por outro lado, importa também sublinhar a danosidade social associada ao consumo de cocaína (severa degradação física e significativas fragilidades ao nível da inserção social, profissional e familiar) e ainda a associação desse consumo à prática de outros crimes, para financiamento da adição.
Tais factos elevam de sobremaneira as exigências da prevenção geral associadas à prática do crime de tráfico de estupefaciente cometidos por “correios internacionais”.
Apesar deste facto, a pena aplicada à arguida encontra-se no primeiro 1/8 da moldura abstrata, o que reflete uma adequada ponderação resultante das necessidades de prevenção especial especialmente mitigadas.
E nem se diga que o tribunal recorrido não valorou o facto de a arguida ter duas filhas menores a seu encargo, de quem cuidava, as quais estão atualmente à responsabilidade de familiares, de não ter antecedentes criminais, de ter confessado dos factos, de ter praticado o crime devido a dificuldades económicas, de ter reconhecido a censurabilidade da sua conduta, de estar integrada em termos familiares e ter o desejo de regressar a casa, de ter adequado comportamento prisional e já ter cumprido 11 meses de prisão preventiva, pois que tais factos foram, no conjunto, relevados, ditaram até a conclusão de que as necessidade de prevenção especial são reduzidas e foram plenamente refletidos no doseamento da pena concreta aplicada.
Tudo visto e ponderado, entendemos ajustada a ponderação das variáveis agravantes e atenuantes, bem como o doseamento das necessidades de prevenção geral e especial que conduziram à aplicação de uma pena concreta de prisão à arguida que é não só justa e proporcional, mas também adequada.

Na parte referente ao pedido de suspensão da execução da pena de prisão aplicada, teremos também nós de afastar essa possibilidade, não porque os factos dados como provados não permitam realizar o tal juízo de prognose favorável, na sua dupla dimensão positiva e negativa, de que a simples suspensão da execução da pena seria suficiente para afastar a Recorrente da prática de novos ilícitos criminais, nomeadamente da prática do crime em que em concreto foi condenada, mas porque as elevadas necessidades de prevenção geral antes detalhadas impedem a suspensão da execução das penas de prisão aplicadas “aos correios internacionais” de drogas duras, salvo se existirem razões particularmente ponderosas, o que no caso não se verifica.
Conforme já mencionamos, mesmo quando à luz de considerações exclusivas de prevenção especial de socialização seja favorável o prognóstico relativamente ao delinquente, a suspensão da execução da pena de prisão continua a não poder decretada se a ela se opuserem as necessidades de reprovação e prevenção do crime, enquanto exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico.
Aplicar a um “correio internacional” de mais de dois quilos de drogas duras pena de prisão suspensa na sua execução seria interpretado como uma mera bagatela ou como uma quase “não pena” e daria uma indicação à comunidade em geral e às organizações internacionais de tráfico de drogas de que a introdução de grandes quantidades de droga no nosso país não causa consequências substanciais para os seus autores, o que potenciaria, em última instância, o incremento da prática deste tipo de ilícito.
Pelo exposto, entende-se que a decisão recorrida não merece qualquer reparo.
Improcede, pois, o recurso nestes segmentos.

4.A DECLARAÇÃO A FAVOR DO ESTADO DO TELEMÓVEL APREENDIDO À ARGUIDA.
A Recorrente considera que não deveria ter sido declarada a perda a favor do Estado do telemóvel apreendido, porquanto impõe-se fazer uma interpretação extensiva do n.º 1, do artigo 35.º, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, exigindo-se que na sua aplicação se respeitem os princípios da necessidade e da proporcionalidade e o critério da causalidade adequada, o que, a seu ver, não foi levado em linha de conta, atendendo a que a Recorrente necessita do telemóvel para contactar com a família e serviços, utilizava o telemóvel na sua vida privada, o telemóvel não foi essencial à prática do crime, na medida em que poderia ter sido utilizado um qualquer outro telemóvel e a eliminação das mensagens será suficiente para prevenir o risco de utilização futura na prática de novo ilícito.
Convocando as normas jurídicas referentes aos bens passíveis de serem declarados perdidos a favor do Estado, na perda a que por facilidade chamaremos de “clássica”, o Código Penal prevê a perda de instrumentos que representem um perigo para a segurança das pessoas, a moral e a ordem pública ou para o cometimento de novos ilícitos típicos, produtos, vantagens ou recompensas do crime, ainda que nenhuma pessoa possa ser punida pelo facto, e mesmo pertencentes a terceiros (quando tenham concorrido, de forma censurável, para a sua utilização ou produção, ou tiverem retirado vantagem do facto ilícito) - artigos 109º, 110º e 111º, todos do CP-.
Na “perda específica associada à legislação de combate à droga”, dispõem os artigos 35º, n.º 1, e 36º, n.ºs 1, 2, 3, 4 e 5, ambos do Decreto-Lei 15/93, de 22.01, que são declarados perdidos a favor do Estado os objetos que tiverem servido ou estivessem destinados a servir para a prática de uma infração prevista no presente diploma ou que por esta tiverem sido produzidos, ainda que nenhuma pessoa determinada possa ser punida pelo facto, bem como todos os direitos, objetos, vantagens e recompensas que tiverem sido adquiridos pelo agente da prática do crime, para si ou para outrem, direta ou indiretamente.
Por fim, na “perda específica associada às medidas de combate à criminalidade organizada”, aplicável, entre outros, aos crimes de tráfico de estupefacientes previstos nos art.ºs 21º a 23º e 28º, do Decreto-Lei 15/93, de 22.01, branqueamento de capitais e associação criminosa (art.º 1º, n.º 1, als. a), i) e j), da Lei 5/2002, de 11 de janeiro), estabelece-se no art.º 12º-B desta Lei 5/2002, que a declaração de perda dos instrumentos do crime terá lugar ainda que os mesmos não ponham em perigo a segurança das pessoas, a moral e a ordem públicas, nem ofereçam risco de serem utilizados para o cometimento de novos factos ilícitos.
Decorre destes últimos diplomas legais que nestes crimes de catálogo o legislador prescindiu da perigosidade dos instrumentos do crime, em ordem a responder de forma mais eficaz aos valores jurídicos-penais especialmente protegidos por este tipo de criminalidade mais gravosa e insidiosa.
No caso em apreço, não restam dúvidas de que o telemóvel apreendido à arguida foi por si utilizado para estabelecer contactos com o indivíduo com quem a mesma acordou na prática do crime a troco de dinheiro, contactos que visaram não só concretizar a entrega e o transporte da droga, como ainda estabelecer o modo da sua ulterior entrega a jusante (a qual acabou por não se concretizar, face à interceção policial da Recorrente).
O telemóvel permitiu o contacto com “o dono” da droga transportada e destinava-se a permitir o contacto com os destinatários do produto transportado, comunicações que foram essenciais para assegurar a prática do crime nos termos em que foi praticado, e com isto mostra-se verificada a relevância instrumental do dito e concreto telemóvel, que o mesmo é dizer a relação de causalidade entre a utilização de tal objeto e a prática do ilícito nos termos em que o foi.
Diz a Recorrente que poderia ter sido um qualquer outro telemóvel. É certo. Porém foi este em concreto que serviu de instrumento do crime e foi essencial à sua prática, sem o qual a arguida não teria acordado os termos da viagem e do transporte da droga.
Ademais, considerando o crime em causa, a sua gravidade e bem assim o valor de mercado de um telemóvel, não pode ser apontada qualquer violação ao princípio da proporcionalidade inerente à declaração de perda de instrumentos do crime a favor do Estado.
Como se pode ler no acórdão do STJ, datado de 18.01.2023 (processo 419/21.3JELSB.S1):
I-O art. 35.º, n.º 1, do DL n.º 15/93 determina que são declarados perdidos a favor do Estado os objectos que tiverem servido para a prática de uma infração prevista no diploma, mas dele não resulta a perda de qualquer objeto que tenha servido para a prática do crime independentemente das circunstâncias dessa utilização.
II-A aplicação da norma pressupõe uma ponderação concreta, que inclui um juízo sobre a essencialidade do objecto na prática da infracção, sobre a causalidade e a proporcionalidade da perda.
III-Justifica-se a declaração de perda a favor do Estado do telemóvel que visou possibilitar os contactos entre a arguida e demais agentes da cadeia do tráfico, resultando, por um lado, evidente a sua essencialidade na prática da infracção, e, pelo outro, afigurando-se tal perda proporcional à gravidade do crime, atenta a qualidade e quantidade do estupefaciente traficado.

Alega a Recorrida que o telemóvel era por si utilizado na normal gestão da sua vida privada, que a perda do telemóvel assume para si especial gravidade, porquanto, não dominando a língua portuguesa, verá a sua capacidade de comunicação drasticamente reduzida, e remata que a eliminação de contactos e mensagens relacionadas com a prática do crime será suficiente para obviar à prática de outras infrações.
Tais circunstâncias específicas da vida da requerente não alteram a conclusão de que, ao abrigo da legislação citada e dos princípios que norteiam a declaração de perda dos instrumentos de crime, a decisão recorrida não merece reparo.
Na verdade, não está em causa a perigosidade do bem para o cometimento de novos crimes, porque neste específico crime a lei prescinde dessa perigosidade.
Por outro lado, a necessidade, ou não, do telemóvel para a arguida, em vista das suas comunicações com a família e serviços, não constitui critério de não declaração de perda do instrumento do crime a favor do Estado.
Termos em que se conclui pelo acerto da declaração de perda do telemóvel.
Improcede, pois, o recurso neste segmento.

5.A NÃO CONSIDERAÇÃO, EM SEDE DE DECISÃO DE CUSTAS, DO APOIO JUDICIÁRIO DE QUE A ARGUIDA BENEFICIA.
Não nos deteremos mais do que duas linhas neste tópico, porquanto é evidente que a condenação em custas por parte da agora Recorrente (que a mesma não coloca em si mesma em causa) não elimina o facto de, aquando do apuramento da sua responsabilidade pelas custas devidas, ter de ser levado em linha de conta pela Secção se a arguida tem, ou não, apoio judiciário que a dispense de liquidar as taxas de justiça e demais encargos do processo, sendo que na afirmativa nenhum montante lhe pode ser exigido.
Tal menção não tem de constar expressamente da decisão, por resultar da lei o alcance da decisão de deferimento do benefício de apoio judiciário na modalidade de dispensa de pagamento de taxas de justiça e de custas (art.º 16º, da Lei 34/2004, de 29.07).
Nesta conformidade, improcede também o recurso nesta parte.

III–DISPOSITIVO

Pelo exposto, acordam os juízes da 9ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa em negar provimento ao recurso interposto por A.
Custas pela Recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC´s (art.ºs 513º, n.º 1, do CPP, e 8º, n.º 9, do RCP, com referência à tabela III anexa), obviamente sem prejuízo do eventual apoio judiciário de que seja beneficiária.
Notifique e D.N.



Lisboa,09-03-2023



Madalena Augusta Parreiral Caldeira
António Bráulio Alves Martins
Maria Carlos Duarte do Vale Calheiros