Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
299/2007-6
Relator: GRAÇA ARAÚJO
Descritores: PEDIDO
REDUÇÃO
ACEITE
LETRA
DATIO PRO SOLVENDO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/20/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: I - A redução do pedido produz o mesmo efeito que a desistência parcial do pedido: extingue, nessa medida, o direito que se pretendia fazer valer.
II - Admitida a redução do pedido por despacho transitado em julgado, não é possível, posteriormente, ampliar-se ou alterar-se o pedido quanto à parte que fora objecto de redução.
III - Entregues pelo devedor ao credor diversas letras por si aceites, para pagamento da sua dívida, e não se provando que tenha sido manifestada expressamente a vontade de que as obrigações cambiárias assumidas pelo devedor substituíssem a primitiva obrigação nem se provando que o credor tenha assentido na desvinculação do devedor do cumprimento dessa primitiva obrigação, não se verifica a extinção desta por novação ou dação em pagamento.
IV - Nesse caso, a entrega ao credor das letras aceites pelo devedor constitui dação pro solvendo.
V - Se a dação em função do cumprimento satisfizer simultaneamente um interesse do credor e do devedor (como é o caso, já que ao mesmo tempo que possibilitou ao credor o recebimento imediato da quantia ainda em dívida através do desconto das letras junto do Banco, a emissão e aceite de tais letras traduziu-se para o devedor na possibilidade de pagar o montante em falta num prazo mais alargado e faseadamente), o credor não pode exigir o pagamento da obrigação primitiva sem esgotar a via que tem à sua disposição.
VI - O que significa que a primitiva obrigação sofre as modificações decorrentes da dação em função do cumprimento, nomeadamente quanto ao momento em que a obrigação primitiva se mostra exigível.
(M.G.A.)
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:

S, Lda. propôs contra M acção declarativa de condenação com processo comum e forma ordinária. Alegou, em síntese, que: no âmbito da sua actividade de construção civil, acordou com a ré a construção de uma moradia, cujo preço total, aceite pela ré, ascendeu a 264.025,46€; dessa quantia, a ré ainda não pagou 17.658,88€, titulados por quatro letras no montante de 4.414,72€ cada; a A. forneceu, ainda, diverso material de alumínio, faltando pagar parte do respectivo preço, no valor de 2.271,54€; a autora suportou despesas de 68,44€ com a devolução de uma das letras. Concluiu pedindo a condenação da ré a pagar a quantia de 19.998,86€, acrescida de juros de mora à taxa de 12% desde a data da propositura da acção.
A ré contestou. Entendeu que o valor do pedido devia ser reduzido a 15.584,14€, por entretanto ter pago uma das letras no valor de 4.417,72€. Alegou que as três letras restantes foram sacadas pela autora e por si aceites, tendo sido por aquela descontadas junto de entidade bancária e sendo certo que não ocorreram ainda os respectivos vencimentos, pelo que nada deve. Invocou ter pago na íntegra o material de alumínio fornecido e não ter sido devolvida à autora qualquer letra, pelo que, também a tais títulos, não está em dívida. Por via reconvencional, a ré acusou a existência de diversos defeitos na execução da obra, computando em 25.000€ os prejuízos que por causa deles sofreu. Concluiu pela redução do valor do pedido para a quantia de 15.584,14€, pela total improcedência dos pedidos formulados e pela condenação da autora a pagar-lhe a quantia de 25.000€, acrescida de juros à taxa de 4% desde a notificação à autora do pedido reconvencional até integral pagamento.
A autora replicou, mantendo o alegado na petição inicial e contestando o pedido reconvencional, pois que a ré não denunciou os defeitos que agora invoca existirem, sendo certo que, a existirem e sendo da sua responsabilidade, a autora está disposta a repará-los, desde que a ré faculte a entrada na moradia. Concluiu pedindo a sua absolvição do pedido reconvencional.
Decidindo o “incidente do valor” da causa, a Sra. Juiz fixou-lhe o valor de 40.584,14€, por considerar que, tendo a quantia de 4.414,72€ sido paga pela ré antes da propositura da acção, deveria ser tida em conta no valor processual, mais considerando o valor da reconvenção.
Admitida a reconvenção, foi proferido despacho saneador e condensado o processo.
Veio, então, a autora requerer a ampliação do pedido, invocando que: por crer que o pagamento de 4.414,72€ por parte da ré respeitava a uma das letras cujo valor peticionava, a autora pedira a correspondente redução do pedido; verificara, porém, que tal pagamento respeitava a outra letra, anteriormente vencida; aquela letra e as três que posteriormente se venceram não foram pagas pela ré, pelo que a respectiva devolução à autora gerou despesas nos montantes de 64,42€, 58,39€, 60,39€ e 64,50€.
A ré opôs-se à requerida ampliação, entendendo que, seja qual for a data de vencimento da letra que a ré pagou, o que é facto é que entregou à autora 4.414,72€.
A Sra. Juiz indeferiu a requerida ampliação, por considerar que a situação já tinha sido apreciada por despacho transitado em julgado, aquando da decisão sobre o incidente do valor.

Deste despacho agravou a autora, formulando as seguintes conclusões:
a) O pedido pode ser ampliado quando a causa do pedido esteja contida no pedido inicial;
b) É de admitir a ampliação do pedido quando a autora constata que a redução do pedido anteriormente efectuada o havia sido na convicção e pressuposto de que uma das letras constantes do pedido havia sido paga, quando afinal a mesma não o fora, juntando para o efeito os respectivos documentos de suporte; 
c) Do que se trata no requerimento de ampliação do pedido é de saber se o mesmo é legalmente possível ou não, nos termos do disposto no nº 2 do artigo 273º do Cód. Proc. Civ. e não da anterior redução do pedido;
d) Sendo admissível a ampliação do pedido nos termos de tal preceito, devia a mesma ter sido deferida.
Em contra-alegações, a ré pugnou pela manutenção do despacho recorrido.
A Sra. Juiz manteve a decisão sob recurso.

Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença que: condenou a ré a pagar à autora a quantia de 2.643,99€ acrescida de juros de mora desde a data da propositura da acção a pagar a quantia de 13.244,16€; absolveu a ré do pedido de pagamento da quantia de 68,44€ e do pedido de juros sobre a quantia de 13.244,16€; e absolveu a autora do pedido reconvencional. A autora foi, ainda, condenada a suportar ¾ das custas da acção e ¾ dos honorários do advogado da ré.

De tal sentença apelou a autora, formulando as seguintes conclusões:
a) Não estando ainda vencida a obrigação à data da propositura da acção, não está o juiz impedido de conhecer da existência da obrigação, desde que o réu a conteste, nem que este seja condenado a satisfazer a prestação no momento próprio;
b) Vencida a obrigação no decurso da acção e não tendo a ré pago, está obrigada a indemnizar a autora pelos danos daí resultantes e que se traduzem nos chamados juros de mora;
c) A autora só instaura acção declarativa alicerçada em letras ainda não vencidas a fim de acautelar o efeito útil dentro dos 30 dias seguintes à decisão que havia decretado o arresto dos bens a este indicados, pois caso contrário perdê-lo-ia, não tendo, ainda, título executivo dentro dos 30 dias subsequentes ao seu decretamento;
d) Nessas circunstâncias não é aplicável o disposto no nº 3 do artigo 662º do Cód. Proc. Civ. por não restar outra alternativa à autora que aquela a que se viu forçada a ter que recorrer, nenhuma culpa tendo no facto, limitando-se a fazer uso do direito ao seu dispor, não sendo responsável pelo pagamento de quaisquer custas ou honorários do ilustre mandatário da ré;
e) Sendo certo que a tê-lo, que não tem, teriam estas que ter em atenção, e não tiveram, o valor do pedido reconvencional e do decaimento de ambas as partes na acção, nunca podendo estes, atentos os valores em jogo, exceder os 2/6 para a autora e os 4/6 para a ré;
f) Havendo mesmo contradição, por lapso, entre a motivação, ao referir a condenação nas custas e honorários no que toca à quantia de 13.244,16€ e a decisão, que se refere ao todo;
g) A sentença recorrida violou o disposto nos artigos 662º do Cód. Proc. Civ. e 805 nº 1 e 2-a) do Cód. Civ..
Não houve contra-alegações.
*

São os seguintes os factos que a 1ª instância considerou provados:
1. A autora dedica-se ao ramo da construção civil.
2. No âmbito da sua actividade industrial, em 1 de Março de 2002, a autora celebrou um contrato com a ré para proceder à construção da sua moradia, sita na freguesia de Santa Cruz, concelho de Santa Cruz das Flores.
3. O preço convencionado para a realização da construção referida no ponto 2. foi de 165.422,74€, acrescido de IVA, à taxa de 13% ao ano, no valor de 21.504,96€, num total de 186.927,70€.
4. Ao longo da execução da obra, a ré solicitou à autora, extra contrato, a realização dos seguintes orçamentos: orçamento para os roupeiros, no valor de 2.943,18€; orçamento para a garagem, no valor de 40.582,37€; orçamento para a estrada, no valor de 12.394,29€; orçamento para a piscina, no valor de 11.403,06€; e orçamento para a colocação de persianas em alumínio, no valor de 180,00€, os quais foram aceites pela ré e executados pela autora.
5. Ao longo da execução da obra foi necessária a realização de outros trabalhos, tendo-se tornado desnecessária a realização de outros anteriormente acordados.
6. A relação entre os trabalhos a mais e os trabalhos a menos apresenta um saldo a favor da autora no montante de 9.594,86€, valor aceite pela ré, perfazendo tudo a quantia global de 264.025,46€.
7. A ré pagou à autora a quantia de 250.781,30€.
8. A autora é portadora de três escritos, dos quais consta a expressão "no seu vencimento pagará(ão) V.Exa(s) por esta única via de letra ...", com datas de vencimento em 21/05/2004, em 21/06/2004 e em 21/07/2004, nos montantes de 4.414,72€ cada, subscritas no lugar do sacador por "S, Lda" e constando no lugar do aceite M.

9. A autora é portadora das letras referidas no ponto 8., que lhe foram entregues pelo BCA.
10. A autora forneceu à ré diverso material de alumínio constante da factura n°  de 07/11/2003, no montante total de 2.643,99€ e cujo prazo de pagamento era de 30 dias.
11. Em 13 de Abril de 2004, a ré - apresentando-se como moradora Santa Cruz das Flores -procedeu à notificação judicial avulsa da autora no sentido de "(...) caso não inicie as obras que visem a expurgação dos referidos defeitos no prazo de 30 dias contados da presente notificação, entender-se-á essa omissão por incumprimento culposo e instaurar-se-á, contra a mesma, acção judicial competente para salvaguardar o direito da requerente." (sic).
Com a notificação foi junto anexo constituído pelo relatório elaborado por engenheiro, do qual resultam os defeitos da obra e infra referidos nos pontos 15. a 26..
12. Com data de 10 de Maio de 2004, a autora respondeu à notificação judicial avulsa da ré, através de carta endereçada a Santa Cruz das Flores, no sentido que "nunca nos negámos a corrigir qualquer anomalia que seja da nossa responsabilidade, desde que informados por V.Exa, o que não aconteceu.
É-nos comunicado que os defeitos constantes da relação apresentada pelo Sr. Eng. J não eram conhecidos da requerida e que só se tornaram evidentes após oito meses de utilização da habitação. De facto, em qualquer habitação construída podem verificar-se anomalias, aliás quero lembrar que a nossa empresa já procedeu a algumas reparações que surgiram e que V.Exa nos comunicou em devido tempo, como por exemplo:
- a fuga de gás, que foi logo reparada;
- vários retoques na pintura e betumes;
- substituição de um espelho;
- a lavagem das paredes interiores que apresentavam caruncho.
Depois de analisarmos atentamente o relatório elaborado pelo Sr. Eng. atrás referido, concordamos que após reunião entre a nossa empresa, o Eng. da obra e V.Exa e verificados todos os pontos, procederemos à rectificação do que acordarmos ser da nossa responsabilidade, em virtude de haver algumas situações, que na nossa opinião, não nos dizem respeito.

Ficamos a aguardar que nos comuniquem o dia e a hora que pretendem para a visita à habitação a fim de cessarmos os problemas" (sic).
13. Em 2O-O9-2OO4, a ré informou a autora que "a moradia construída pela vossa empresa na Av. dos Baleeiros voltou a apresentar problemas, neste momento ao nível de rachaduras bastante grandes.
Conforme sabem, a mesma tem uma garantia de cinco anos, pelo que peço a vossa intervenção o mais breve possível" (sic).
14. A obra foi concluída em 01-08-2003.
15. Os pavimentos exteriores, em betonilha, da obra, encontram-se deslocados em alguns locais.
16. Os acabamentos executados em rebocos, exteriores e interiores, apresentam imperfeições ao nível dos areados e regularidade da superfície.
17. Uma das vigas do tecto da sala de estar apresenta fissuras no reboco.
18. A pedra aplicada na bancada da casa de banho do quarto de casal, encontra-se partida entre a sua periferia e o lavatório embutido.
19. Uma das lâminas da portada exterior, em janelas, do quarto de criança, soltou-se.
20. Os betumes utilizados em madeiras não são da cor da madeira aplicada, notando-se os locais onde foram aplicados.
21. O rodapé em madeira da sala de estar apresenta irregularidades na sua altura, detectando-se desníveis até 1 cm, no encontro das peças aplicadas.
22. A aplicação das faixas decorativas na parede da casa de banho do quarto de casal apresenta uma folga entre a guarnição da porta e a própria faixa.
23. Foram utilizadas madeiras com diferentes tonalidades na guarnição aplicada no roupeiro do quarto de casal.
24. As portas dos roupeiros dos quartos sofreram dilatações, sem que fechem.
25. O remate da tinta em paredes interiores, com as guarnições das portas, encontra-se a descascar e os materiais sofrem transformações de natureza diferente.
26. Existem humidades em paredes e tectos.
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I - Tendo em conta o que dispõe o artigo 710º do Cód. Proc. Civ., começaremos por apreciar o agravo.

No âmbito do procedimento cautelar de arresto que a estes autos está apenso, por requerimento de 10.5.04, veio a ora autora dizer que, notificada do extracto bancário da ora ré (extracto do Banco , que referia que a ré liquidara, em 21.4.04, o valor da letra 253509, juros de mora à taxa de 16%, portes, IVA sobre portes e imposto de selo sobre juros de mora num total de 4.473,11€), confirmava o pagamento da letra, motivo pelo qual o montante do pedido deveria ser reduzido em 4.414,72€.
A propósito de tal requerimento, o Sr. Juiz decidiu que o mesmo seria objecto de apreciação na acção principal.
E, no âmbito desta, sob a epígrafe “Incidente do Valor”, escreveu a Sra. Juiz, na parte que agora nos interessa: “Na sua contestação, a Ré veio requerer que o valor do pedido seja reduzido em € 4.414,72, conforme requerimento apresentado pela A., que a Ré aceita, passando o valor do pedido a € 15.584,14.
(…)
No caso em apreço, uma vez que a quantia de € 4.414,72 foi paga pela Ré à A. em momento anterior à data de propositura da acção, impõe-se ter em consideração o pagamento do referido montante na fixação do valor da acção.
Assim sendo, atento o valor da acção e da reconvenção fixo à causa o valor de € 40.584,14€.
(…)”.
Notificado tal despacho às partes, não foi o mesmo objecto de qualquer tipo de impugnação.
Mais tarde, o autor requereu a ampliação do pedido (por se tratar de clarificação, desenvolvimento e consequência do pedido formulado) no montante de 4.414,72€ - por tal quantia, efectivamente paga pela ré, respeitar à letra vencida em 21.3.04 e não à letra vencida em 21.4.04, como por lapso julgara, lapso que justificara a redução do pedido – e nos montantes de 64,42€, 58,39€ e 64,50€ - respeitantes às despesas debitadas pelo BCA à autora pela devolução das letras não pagas pela ré vencidas em 21.5.04, 21.6.04 e 21.7.04.
A tal ampliação se opôs a ré, considerando que irreleva a letra que foi paga com o montante de 4.414,72€ que a autora recebeu depois da propositura da acção - importando apenas que recebeu tal quantia – e acrescentando que a redução do pedido já foi objecto de decisão pelo tribunal.
Com fundamento na força de caso julgado, o Sr. Juiz indeferiu a pretendida ampliação.

Conforme decorre dos pontos IV e V (Conclusões) das alegações do agravo e do valor que foi atribuído ao recurso, a autora/agravante limita a sua reacção ao despacho recorrido no que toca à ampliação do pedido no montante de 4.414,72€. Só nessa parte nos pronunciaremos, pois (artigo 684º nº 3 do Cód. Proc. Civ.).

Pese embora o facto de não fazer sentido que, num procedimento cautelar de arresto, se peça a redução do pedido num dado montante (pois que não existe qualquer pedido de condenação em quantia determinada), não obstante a circunstância de a redução do pedido, necessariamente posterior à formulação do mesmo, não ter quaisquer implicações no valor da causa, apesar de o pagamento pela ré ao Banco de uma das letras no valor de 4.414,72€ (aquela que motivou a redução do pedido) ter efectivamente tido lugar após a instauração da acção, o que temos como assente é que foi proferido um dado despacho, que transitou em julgado, tendo força obrigatória dentro do processo (artigos 672º e 677º do Cód. Proc. Civ.).
Se é certo que a parte decisória de tal despacho é apenas a fixação de um dado valor à causa, não é possível dissociá-la do respectivo fundamento (artigo 673º do Cód. Proc. Civ.). E este é, sem margem para dúvidas, a admissão da redução do pedido que a autora havia requerido. 
A autora não discute o alcance do despacho que – implicitamente - incidiu sobre a redução do pedido nem o respectivo trânsito em julgado, o que considera é que a ampliação do pedido entretanto formulada é uma nova realidade que deve ser decidida como se o pedido originariamente formulado tivesse sido o “pedido reduzido”. Mas sem razão.
Com efeito:
A figura da redução do pedido vem prevista, a propósito da modificação na ausência de acordo das partes, no nº 2 do artigo 273º do Cód. Proc. Civ., permitindo-se ao autor reduzir o pedido em qualquer altura.
E o autor pode, em qualquer altura, desistir de todo o pedido ou de parte dele, extinguindo-se, na medida da desistência, o direito que se pretendia fazer valer (artigos 293º nº 1 e 295º nº 1 do Cód. Proc. Civ.).
Escreve Alberto dos Reis (Comentário ao Código de Processo Civil, Volume 3º, Coimbra Editora, Coimbra, 1946:96): Somos de parecer que a redução do pedido tem o mesmo efeito que a desistência parcial: extingue o direito que se pretendia fazer valer.
Na verdade, entre a redução do pedido e a desistência parcial a diferença é unicamente de forma; na essência, os dois actos têm o mesmo alcance e o mesmo sentido, pelo que devem produzir o mesmo efeito. Quem desiste de parte do pedido significa, com o seu acto, que não se julga com direito à parte abrangida pela desistência; quem reduz o pedido significa igualmente que considera exorbitante o pedido inicial e só reputa justo o pedido na parte remanescente após a redução.
Uma outra consideração conduz ao mesmo resultado. Como dissemos, a redução é inteiramente livre; o autor pode em qualquer altura reduzir o pedido, sem que precise de obter a aquiescência do réu. Esta circunstância não pode deixar de interpretar-se no sentido de que a redução importa extinção do direito respectivo.
Se a parte do pedido afastada pela redução pudesse renovar-se noutra acção, não se compreenderia que ao autor fosse lícito reduzir o pedido sem o acordo do réu.”.
Ou seja: tratando-se, no caso em apreço, da pretensão de se formular precisamente o mesmo pedido que a autora anteriormente formulara e que viu extinguir-se com a redução que operou, é claro que tal redução – admitida, como se referiu já, implicitamente – produz todos os seus efeitos no processo (e, aliás, fora dele), nomeadamente os que concernem ao caso julgado.
Ao contrário do que a agravante sustenta, o instituto da ampliação do pedido não serve para “repor a verdade e corrigir o erro inadvertidamente cometido” pela autora ao reduzir o pedido. A existência de erro por banda da autora ao emitir a declaração de redução do pedido poderá ter resolução nos termos do nº 2 do artigo 301º do Cód. Proc. Civ., mas não é ultrapassável nesta acção.
Pelas razões invocadas a pretendida ampliação do pedido mostra-se inadmissível, irrelevando que se subsuma ou não nos casos a que alude o artigo 273º nº 2 do Cód. Proc. Civ..

II – Apreciaremos, seguidamente, a apelação, que a autora/apelante expressamente delimita à parte da sentença que absolveu a ré do pagamento de juros sobre a quantia de 13.244,16€ e que condenou a autora em ¾ das custas da acção e dos honorários do advogado da ré.

A) A autora accionou a ré com base num contrato de empreitada entre ambas celebrado e peticionando a parte do preço ainda não paga. A ré invocou que as “três últimas letras”, com as datas de vencimento em 21.5.04, 21.6.04 e 21.7.04, ainda não estavam vencidas, pelo que não existia qualquer situação de incumprimento da sua parte nem a autora podia peticionar o pagamento das quantias em causa senão depois de, por não terem sido pagas pela ré/aceitante, o Banco ter cobrado à autora/sacadora tais montantes.
Porque tal se mostra indispensável à qualificação jurídica da situação de facto e ao abrigo do disposto nos artigos 659º nº 3 e 712º do Cód. Proc. Civ., tomaremos em consideração – pese embora a sua natureza algo conclusiva – que para pagamento do remanescente do preço global da obra em causa, no montante de 53.012,64€, a autora sacou e a ré aceitou doze letras, no valor de 4.414,72€ cada, a vencerem-se nos dias 21 de Agosto de 2003 e meses seguintes e que tais letras foram descontadas pela autora junto do Banco.
Não flui da matéria de facto – nem sequer foi objecto de alegação - que tenha sido manifestada expressamente a vontade de que as obrigações cambiárias assumidas pela ré substituíssem a obrigação de pagamento do preço da empreitada, nem que a autora tenha assentido na desvinculação da ré do cumprimento da sua obrigação de pagamento do preço da empreitada.
Não se verificou, assim, a extinção dessa obrigação por novação ou dação em pagamento (artigos 857º e 837º do Cód. Civ.).
O que resulta da matéria de facto é que a ré assumiu novas obrigações – de natureza cambiária – assim possibilitando à autora a pronta satisfação do seu crédito, através do desconto das letras junto de uma instituição bancária. E, na dação pro solvendo, como é o caso, a obrigação da ré mantém-se enquanto o crédito da autora não for na íntegra satisfeito (artigo 840º do Cód. Civ.).
Mas a manutenção da primitiva obrigação da ré para com a autora não significa que se não tenha/m alterado algum/ns dos seus elementos. Com efeito, se a dação em função do cumprimento satisfizer simultaneamente um interesse do credor e do devedor (como é manifestamente o caso, já que ao mesmo tempo que possibilitou à autora o recebimento imediato da quantia ainda em dívida através do desconto das letras junto do Banco, a emissão e aceite de tais letras traduziu-se para a ré na possibilidade de pagar o montante em falta num prazo mais alargado e faseadamente), o credor não pode exigir o pagamento da obrigação primitiva sem esgotar a via que tem à sua disposição (Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Volume II, Almedina, Coimbra, 1990:166; Ac. RP de 25-1-90, in http://www.dgsi.pt.JTRP00010178; Ac. RL de 16-3-93, in http://www.dgsi.pt.JTRL00002911; Ac. RP de 18-1-94, in http://www.dgsi.pt.JTRP00007862;). O que significa que a primitiva obrigação sofre a/s modificação/ões decorrente/s da dação em função do cumprimento. No caso em análise, com o recebimento das letras em questão, a autora deixou de poder exigir da ré o pagamento imediato do remanescente do seu crédito, sendo essa, aliás, a situação que se verificava em 2.4.04, data da propositura da acção. E a prestação da ré só se tornou exigível no decurso da acção, quando o Banco debitou à autora/sacadora o valor das letras vencidas em 21.5.04, 21.6.04 e 21.7.04 e não pagas pela ré/aceitante, entregando à autora os respectivos títulos.
Considerando – e bem, nesse particular – que, à data da propositura da acção, o crédito da autora sobre a ré não era ainda exigível, o Sr. Juiz condenou-a no pagamento da quantia de 13.244,16€ invocando o disposto no artigo 662º nº 1 e 2-a) do Cód. Proc. Civ.. Mas, considerando que “o prazo para o pagamento das prestações a que se referem os autos não expirara ainda à data da propositura da acção”, entendeu não poder falar-se em mora e, consequentemente, não haver que condenar a ré no pagamento de quaisquer juros, relembrando que a condenação da ré se alicerçou nos referidos preceitos legais.
Ora, no caso de a obrigação se tornar exigível no decurso da acção – por exemplo, por se ter vencido – e de o devedor não ter efectuado, no momento devido, a prestação a que se achava vinculado que razão pode justificar o entendimento de que na alínea a) do nº 2 do artigo 662º do Cód. Proc. Civ. se exclui a responsabilidade do devedor pela mora? Cremos que nenhuma. O alcance do preceito referido visa tão só possibilitar uma condenação - que de contrário não seria processualmente admissível - nos casos em que o crédito objecto da acção não era exigível no momento da instauração da mesma, alcance justificado pelo princípio da economia processual, como explica Alberto dos Reis (Código de Processo Civil anotado, Volume V, Coimbra Editora, Coimbra, 1946:72-80). A existência de mora, o momento em que a mesma se inicia e as respectivas consequências são questões que não são – nem deveriam ser – tratadas no preceito em análise, tendo a sua sede no Código Civil. A “penalização” do credor que instaura acção com base em crédito não exigível é, na sentença, aquela que deriva do nº 3 do artigo 662º do Cód. Proc. Civ., ou seja, é condenado nas custas e a satisfazer os honorários do advogado do réu.
Devendo a ré ter pago a quantia de 4.414,72€ em cada um dos dias 21.5.04, 21.6.04 e 21.7.04 e não o tendo feito, constituiu-se em mora (artigos 804º nº 2 e 805º nº 2-a) do Cód. Civ.) devendo reparar os prejuízos causados à autora no equivalente aos juros – às taxas descritas na sentença recorrida - sobre cada uma das quantias referidas e a contar de cada um dos dias mencionados (artigos 804 nº 1 e 806º nº 1 e 2 do Cód. Civ.).
No mesmo sentido, Ac. STJ de 26.3.98, in http//:www.dgsi.pt.JSTJ00036851.

B) De acordo com o disposto no nº 3 do artigo 662º do Cód. Proc. Civ., se o credor accionar o devedor por crédito ainda não exigível à data da propositura da acção (e ainda que a obrigação se vença no decurso da causa) e não houver litígio relativamente à existência da obrigação, o autor é condenado nas custas do processo e a satisfazer os honorários do advogado do réu.
Na sua contestação, a ré nega: ser devedora da quantia pedida a título de remanescente do preço da empreitada (artigos 9º e 13º da contestação); ser devedora da quantia pedida a título de preço do material de alumínio (artigos 10º e 11º da contestação); ser devedora da quantia pedida a título de despesas com a devolução de uma das letras (artigo 12º da contestação). Na sua contestação, a ré acrescentou que, relativamente aos montantes titulados pelas letras, a autora só teria a possibilidade de a accionar se a ré não as pagasse nas datas de vencimento e se a autora, na qualidade de sacadora, as pagasse ao Banco (artigos 3º a 8º da contestação). Na sua contestação, a ré formula pedido reconvencional (artigos 14º e seguintes).
Mostrando-se que a ré contestou a existência da obrigação e, ainda, a exigibilidade da mesma – para além do mais referido – a aplicabilidade do nº 3 do artigo 662º do Cód. Proc. Civ. resume-se à questão da exigibilidade.
A este propósito, ensina Alberto dos Reis (obra e local citados em último lugar): “As custas têm, necessariamente, de ser repartidas entre o autor e o réu, na proporção do decaimento. Ambas as partes ficaram vencidas; o réu foi vencido na questão principal; o autor foi vencido na questão secundária; têm ambos de suportar, proporcionalmente, o peso das custas (art. 456.º). Como o insucesso do réu é mais grave do que o do autor, parece razoável que aquele haja de suportar maior carga do que este.
Pelo que respeita a honorários, não há razão, a nosso ver, para alterar o regime normal; cada uma das partes deve responder pelos honorários devidos ao seu mandatário. A disposição do § único do art. 662.º só é aplicável aos casos das alíneas a) e b). Na espécie a que nos estamos referindo, desde que o réu constituiu mandatário para contestar a existência da obrigação e a contestação improcede, não deve ser admitido a lançar sobre o autor a responsabilidade pelos honorários do seu mandatário.”.
No caso em análise e em relação ao último aspecto mencionado, acrescentamos, ainda, que a actividade do advogado da ré abrangeu muito mais aspectos que a simples questão da obrigação não exigível. Não há, pois, justificação para fazer recair sobre a autora a responsabilidade pelo pagamento dos honorários do advogado da ré.
Quanto às custas da acção (as da reconvenção ficaram, na totalidade, a cargo da ré), e tendo em conta os diversos pedidos formulados pela autora e o decaimento em relação a cada um, consideramos adequado fazer recair a responsabilidade pelo respectivo pagamento sobre ambas as partes, na proporção de ¼ para a autora e ¾ para a ré.
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Por todo o exposto, acordamos em:
a) Negar provimento ao agravo, confirmando em consequência a decisão que indeferiu o requerimento de ampliação do pedido;  
b) Julgar parcialmente procedente a apelação:
Revogando a sentença recorrida na parte em que absolveu a ré do pedido de pagamento de juros sobre a quantia de 13.244,16€ e, em consequência, condenando-a a pagar à autora juros sobre a quantia de 4.414,72€ desde 21.5.04, sobre a quantia de 4.414,72€ desde 21.6.04 e sobre a quantia de 4.414,72€ desde 21.7.04, em qualquer caso até integral pagamento, às taxas referidas a fls. 11-12 da sentença;
Revogando a sentença recorrida na parte em que condenou a autora a satisfazer ¾ dos honorários do advogado da ré;
Revogando a sentença recorrida na parte em que fixou a proporção de ¾ para a autora e ¼ para a ré no tocante às custas da acção e, em consequência, fixar tal proporção em ¼ para a primeira e ¾ para a segunda.
Custas do agravo pela autora e da apelação por ambas as partes, na proporção de 1/15 para a autora e 14/15 para a ré.

Lisboa, 20 de Setembro de 2007
Maria da Graça Araújo

José Eduardo Sapateiro

Carlos Valverde