Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1123/09.6T2AMD-A.L1-6
Relator: GABRIELA DE FÁTIMA MARQUES
Descritores: ALTERAÇÃO DA REGULAÇÃO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS
PRESSUPOSTOS
ALTERAÇÃO SUPERVENIENTE
ARQUIVAMENTO DOS AUTOS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/28/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I. A possibilidade de requerer nova, ou alterada, regulação do exercício das responsabilidades parentais tal como se encontra previsto no n.° 1 do artigo 42.° do RGPTC, depende ou de uma situação de incumprimento ou de circunstâncias supervenientes que tornem necessário alterar o que estiver estabelecido.
II. A alteração do decidido pelo Tribunal superior quanto à regulação do exercício das responsabilidades parentais, apenas pode ter na sua génese circunstâncias supervenientes quanto aos factos concretos que fundamentaram a decisão, e não decisões opostas àquelas que foram acolhidas, quando inclusive o Tribunal já era conhecedor de jurisprudência em sentido oposto àquele que acolheu.
III. O caso julgado forma-se nos processos de jurisdição voluntária nos mesmos termos em que se forma nos demais processos e com a mesma força e eficácia, apenas sucede que as resoluções naqueles tomados podem ser modificadas com fundamento num diferente quadro factual superveniente que justifique a alteração.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:
I. Relatório:
B… intentou a presente acção de alteração da regulação do exercício das responsabilidades parentais da menor J… contra JU…, pedindo que seja fixada uma pensão de alimentos a favor da criança em montante mensal não inferior a € 100,00 e alegando que foi regulado aquele exercício por sentença transitada em julgado, que não foi fixada a pensão de alimentos a prestar pelo requerido por se ignorar o seu paradeiro e as suas condições de vida, que atento o superior interesse da criança e o acórdão do STJ de 29.03.2012 impõe-se a fixação dessa pensão de alimentos, que a menor vive com a requerente, que tem sido o seu único meio de sustento, que a requerente vive exclusivamente do seu salário como empregada de refeitório ao serviço da Bayer, que o seu vencimento mensal ilíquido de € 557,00 é insuficiente para fazer face ao seu sustento e da filha, que a menor carece de alimentação, calçado e vestuário em montante mensal não inferior a € 200,00 e que tem despesas escolares decorrentes da frequência de ensino público que se poderão computar em média em € 150,00 por ano.
O requerido foi citado editalmente, por desconhecimento do seu paradeiro.
Por despacho de 08.10.2018 a requerente foi convidada a alegar factos supervenientes que fundamentem o seu pedido de fixação de uma pensão de alimentos a favor da criança, tendo aquela vindo acrescentar que na escola a criança é apenas beneficiária do escalão A da acção social escolar, que tem problemas de visão, tendo adquirido óculos em 2016 pela quantia de € 69,00, e que para se deslocar diariamente para a escola despende mensalmente a quantia de 27,90 com a utilização de passe.
O Ministério Público promoveu no sentido de entender que não é alegado fundamento enquadrável no disposto no artigo 42º do RGPTC que permita desencadear a requerida alteração.
Por decisão proferida 17/12/2018, entendeu-se que a requerente não alegou quaisquer factos supervenientes que justifiquem a pretendida alteração, apesar do convite ao aperfeiçoamento do requerimento inicial que lhe foi dirigido, pelo que, mostrando-se infundado o seu pedido, pelo que foi determinado o arquivamento dos autos ao abrigo do preceituado no artigo 42º/4 do RGPTC.
Inconformada recorreu a progenitora requerente, nos termos constantes das alegações e conclusões que antecedem: 
«1 – Recorrente e Recorrido são pais da menor J….
2 – Recorrente e Recorrido estão separados.
3 – A menor vive e sempre viveu com a Recorrente.
4 – A Recorrente pediu se fixasse uma pensão alimentar de € 100,00 (cem euros), a prestar, mensalmente, pelo Recorrido.
5 – Ignora-se o paradeiro do Recorrido, bem como a sua situação sócio-económica.
6 – Por isso, o Tribunal a quo não fixou qualquer pensão alimentar à menor por entender, erradamente, que, em tal circunstancialismo, a fixação de pensão alimentar violaria o disposto no artº 2004º, nº 1, do C.C.
7 – É claramente inconstitucional a interpretação que o Tribunal a quo faz desta disposição legal, por violação, entre outros, do disposto no artº 36º, nº 5, da CRP, bem como o princípio dos superiores interesses da criança.
8 – É dever dos pais assegurar a satisfação das necessidades materiais dos filhos menores (artº 36º, nº 5, da CRP e 1874º e 1878, nº 1, do C.C.).
9 – É o interesse e necessidades dos menores, que preside à fixação dos alimentos (artº 1905º, nº 1 e 1912º, nº 1, do C.C.).
10 – A medida dos alimentos depende, por um lado, das necessidades da criança,
11 – e, por outro, das possibilidades do Recorrido (artº 2004º, nº 1, do C.C.).
12 – Embora se ignore o paradeiro e a sua situação sócio-económica, deve presumir-se que a sua capacidade laboral e a possibilidade de auferir, pelo menos, o salário mínimo nacional (artº 12º do RGPTC e artº 349º do C. Civil),
13 – já que o Tribunal não está sujeito a critérios de legalidade estrita (artº 987º. do NCPC).
14 – O Tribunal a quo, ao não fixar a pensão alimentar devida à menor J…, violou por erro de interpretação e aplicação, as disposições combinadas dos artº.s 1874º, nº 2, 1878º, nº 1, 1905º, nº 1, 1912º, nº 1, 2003º, nº 1 e 2, 2004º, nº 1 e 2, todos do C.C.; os artº.s 12º e 40º, nº 1 do RGPTC; o artº 987º do NCPC e o artº 36º, nº 5 da CRP.
15 – A douta Sentença sub judice deve, por isso, ser revogada e substituída por outra que fixe a pensão alimentar da menor, J…, na quantia mensal de € 100,00 (cem euros), a prestar pelo Recorrido, JU…, por qualquer meio.»
O Ministério Público respondeu dizendo, em suma, que nada de novo ocorreu ou foi alegado que determinem a alteração da decisão deste Tribunal da Relação proferida nos autos principais, concluindo, assim, pela improcedência do recurso.
O recurso foi admitido.
Colhidos os vistos cumpre decidir.
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Questão a decidir:
Tendo em conta as conclusões de recurso formuladas que delimitam o respectivo âmbito de cognição, as questões que importa apreciar é a seguinte:
- Saber se se verificam os pressupostos que determinem a alteração da regulação das responsabilidades parentais anteriormente fixadas, nomeadamente quanto à fixação de alimentos devidos à menor pelo progenitor.
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II. Fundamentação:
Os elementos fácticos relevantes para a decisão são os que constam do relatório supra cujo teor se reproduz, bem como os seguintes que foram considerados na decisão:
1. J… nasceu em 20 de Fevereiro de 2005 e é filha de B… e de JU…, ora requerente e requerido.
2. Por sentença de 26.10.2011, transitada em julgado, foi regulado o exercício das responsabilidades parentais a ela respeitante nos seguintes termos e no que diz respeito ao regime de alimentos: “a total ausência de elementos factuais respeitantes à presente situação pessoal e profissional do requerido, cujo exacto paradeiro é, aliás, desconhecido, apenas se sabendo que se encontra em Angola, daí ter sido citado editalmente, impede por ora a fixação de qualquer montante a pagar pelo mesmo a título de pensão alimentícia, sob pena de a mesma poder não ter a mínima correspondência com a realidade, o que poderá e deverá ser feito, em termos de alteração/aditamento ao regime que infra se fixará, logo que se torne minimamente conhecida a residência ou paradeiro e muito especialmente a situação pessoal e profissional do requerido. De facto sufragamos, desde há muito, a corrente jurisprudencial (que não temos por minoritária), que sustenta que em situações de absoluto desconhecimento do paradeiro e nomeadamente da situação social e económica do obrigado ao pagamento da pensão de alimentos, o que se verifica no caso vertente, não é possível proceder à fixação imediata de quantitativo àquele título à menor.”;
3. Em tal sentença ficou provado que a J… vive na companhia da sua progenitora desde que nasceu, sendo o agregado constituído apenas pelas duas; a progenitora trabalha no refeitório da B… em Alfragide auferindo € 497,00 mensais de ordenado e recebe a prestação de abono de família devido à J…; o requerido não desconta para a Segurança Social Portuguesa desde Dezembro de 2007, não recebe subsídio de desemprego, nem de doença nem qualquer prestação social, desconhecendo-se qualquer fonte de rendimentos ou bens próprios pertença do mesmo; o requerido desloca-se com frequência para diversos locais no interior do território angolano, desconhecendo-se o seu paradeiro exacto em Angola; a Joana frequenta assídua e pontualmente a escola.
4. Tendo sido interposto recurso de tal sentença, a mesma foi confirmada por acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 17.05.2012, aí se escrevendo que “Sendo desconhecido o paradeiro do progenitor do menor, ignorando-se, em absoluto, a sua concreta situação socioeconómica, não pode ser fixada prestação de alimentos a seu cargo, no âmbito de acção de regulação do exercício das responsabilidades parentais, sob pena de violação clara do disposto no artigo 2004º nº 1 do Código Civil.”
5. O requerido não tem registo de remunerações, pensões ou subsídios na Segurança Social e na Autoridade Tributária desde Dezembro de 2007.
Importa ainda aditar em termos factuais que:
6. A sentença proferida nos autos principais e de que este processo de alteração  da regulação do exercício das responsabilidades parentais corre por apenso, relativamente à menor J…, consta de fls. 59 a 67 cujo teor se reproduz;
7. O Digno Procurador da República recorreu da sentença proferida, pugnando pela sua substituição por outra decisão que imponha ao progenitor o pagamento de uma pensão alimentícia à menor, não inferior a 100€ - cf. alegações juntas a fls. 71 a 84 dos autos principais, cujo teor se reproduz;
8. Foi com data de 17 de maio de 2012, proferido o Acórdão por esta Relação de Lisboa, que julgou improcedente a apelação e confirmou a sentença recorrida – cfr. Fls. 97 a 111, com voto de vencido nos termos constantes de fls. 112 a 114, invocando nomeadamente o Ac. do STJ de 29/03/2012 e concluindo nesta declaração que, ao contrário da decisão que obteve vencimento no Acórdão, seria fixada a quantia de 100€ mensais a título de pensão de alimentos a pagar pelo requerido, não obstante a ausência deste em parte incerta.
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III. O Direito:
Nos termos do artº 4.º do RGPTC os processos tutelares cíveis regulados no RGPTC regem-se pelos princípios orientadores de intervenção estabelecidos na lei de proteção de crianças e jovens em perigo e ainda pelos seguintes: a) Simplificação instrutória e oralidade - a instrução do processo recorre preferencialmente a formas e a atos processuais simplificados, nomeadamente, no que concerne à audição da criança que deve decorrer de forma compreensível, ao depoimento dos pais, familiares ou outras pessoas de especial referência afetiva para a criança, e às declarações da assessoria técnica, prestados oralmente e documentados em auto; b) Consensualização - os conflitos familiares são preferencialmente dirimidos por via do consenso, com recurso a audição técnica especializada e ou à mediação, e, excecionalmente, relatados por escrito; c) Audição e participação da criança - a criança, com capacidade de compreensão dos assuntos em discussão, tendo em atenção a sua idade e maturidade, é sempre ouvida sobre as decisões que lhe digam respeito, preferencialmente com o apoio da assessoria técnica ao tribunal, sendo garantido, salvo recusa fundamentada do juiz, o acompanhamento por adulto da sua escolha sempre que nisso manifeste interesse.
Determinando o artº 12º do mesmo diploma que tal processo revesta a natureza de jurisdição voluntária, ao qual são aplicáveis as normas gerais previstas nos artº 966º a 988º do CPC.
Tal como se refere no Ac. do Tribunal da Relação de Guimarães, datado de 21/06/2018, na acção de regulação das responsabilidades parentais o Tribunal dispõe dos mais amplos poderes investigatórios, não estando sujeito: «a) à iniciativa das partes; b) não vigora o princípio do ónus da alegação e prova, conhecendo o Tribunal de todos os factos que apure, mesmo dos que não tenham sido alegados pelas Partes; c) o Tribunal não está sujeito a critérios de legalidade estrita, devendo adoptar a solução que julgar mais conveniente e oportuna para cada caso; d) as decisões podem sempre ser revistas se ocorrerem circunstâncias supervenientes que justifiquem a alteração, quer a superveniência seja objectiva, isto é, tenham os factos ocorrido posteriormente à decisão, quer seja subjectiva, ou seja, quando os factos são anteriores à decisão mas não tenham sido alegados por não serem conhecidos por quem tinha interesse na alegação, ou por outro motivo ponderoso» ( in www.dgsi.pt/jrg).
Donde, a acção de regulação do poder paternal não é um processo de partes que vise solucionar ou compor um conflito de interesses disponíveis (cfr. art.º 1249.º do CC), pelo que o ónus de alegação não predomina neste tipo de acções.
Porém, no caso dos autos a questão prende-se apenas com a verificação ou não dos pressupostos que determinam a alteração da decisão proferida nos autos principais, decisão essa confirmada por este Tribunal da Relação de Lisboa.
Alega a recorrente que o Tribunal a quo, ao não fixar a pensão alimentar devida à menor Joana, violou por erro de interpretação e aplicação, as disposições combinadas dos art°.s 1874°, n° 2, 1878°, n° 1, 1905°, n°1, 1912°, n°1, 2003°, n°1 e 2, todos do C.C.; os art°s 12° e 40°, n° 1 do RGPTC, o art° 987° do NCPC e o art° 36°, n°5 da CRP.
Manifestamente não é de colher tal argumentação, pois a decisão ora posta em causa em sede de recurso e que fundamenta o arquivamento, alicerça-se na falta de alegação de factos supervenientes que justifiquem a pretendida alteração da regulação das responsabilidades parentais.
Com efeito, por sentença de 26/10/2011, foi regulado o exercício das responsabilidades parentais respeitantes a J… nascida em 20/02/2005 e filha de B… e de JU…, decidindo-se não ser possível proceder à fixação imediata de quantitativo a título de prestação de alimentos, face à total ausência de elementos factuais respeitantes à situação pessoal e profissional do progenitor, aí requerido.
Dessa decisão, foi interposto recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, tendo o acórdão proferido em 17/05/2012 confirmado a sentença proferida em primeira instância, aí se escrevendo: "Sendo desconhecido o paradeiro do progenitor do menor, ignorando-se, em absoluto, a sua concreta situação socioeconómica, não pode ser fixada prestação de alimentos a seu cargo, no âmbito de acção de regulação das responsabilidades parentais, sob penal de violação clara do disposto no artigo 2004°, n°1 do Código Civil."
Em 03/04/2017, B… vem então instaurar acção de alteração do exercício das responsabilidades parentais da menor J…, pedindo que fosse fixada uma pensão de alimentos a favor da criança em montante mensal não inferior a € 100 (cem euros), alegando que atento o superior interesse da criança e o acórdão do STJ de 29/03/2012, impunha-se a fixação de uma pensão de alimentos à menor, ainda que seja ignorado o paradeiro do seu progenitor.
A possibilidade de requerer nova, ou alterada, regulação do exercício das responsabilidades parentais tal como se encontra previsto no n.° 1 do artigo 42.° do RGPTC, depende ou de uma situação de incumprimento ou de circunstâncias supervenientes que tornem necessário alterar o que estiver estabelecido.
É manifesto e não tem levantando qualquer divergência jurisprudencial, que a alteração da regulação do exercício das responsabilidades parentais, nomeadamente no que respeita aos alimentos, só pode ter por fundamento a existência de circunstâncias supervenientes (objetivas ou subjetivas) que justifiquem ou tornem necessária a alteração/redução da prestação alimentar fixada - a este respeita veja-se a título de exemplo: Acórdão do TRE de 09/03/2017 no processo n.° 926/10.3TSBRR-B.E1, em que foi Relator TOMÉ RAMIÃO e Acórdão desta Relação e secção, no processo n.° 9217/15.2T8LRS-A.L1.
 Assim, por despacho de 08/10/2018 a requerente foi convidada a alegar factos supervenientes que fundamentassem o seu pedido, tendo a mesma vindo a acrescentar em 15/10/2018, que na escola a criança é apenas beneficiária do escalão A da acção social escolar, que tem problemas de visão, tendo adquirido óculos em 2016 pela quantia de €69, e que para se deslocar diariamente para a escola despende a quantia mensal de € 27,90 com a utilização de passe social.
O fundamento para que na sentença que regulou o exercício das responsabilidades parentais não tenha sido fixada pensão de alimentos a cargo do progenitor, resultou da circunstância de não se conseguir apurar o paradeiro do mesmo em Angola, nem as suas condições socioeconómicas. Acresce que no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa que confirmou tal sentença, foi sufragado o mesmo entendimento.
Como bem é referido e fundamentado na sentença ora recorrida, atenta a circunstância que nesta petição inicial a requerente desde logo afirma que o progenitor se encontra em parte incerta em Angola - o que já se verificava no processo principal e mantendo-se assim desconhecido o seu paradeiro, não se sabendo sequer se está vivo e em condições de trabalhar - mantendo-se o total desconhecimento da sua situação económica e pessoal; não se verifica assim, que a recorrida tenha alegado qualquer facto novo que afaste o fundamento para tal decisão, aliás, nem tal foi alegado após o despacho que convidou a requerente a fazê-lo.
Não foi invocado pela requerente uma modificação das possibilidades económicas do progenitor para actualmente poder contribuir com uma pensão de alimentos sendo certo que só a prova de factos novos quanto à capacidade financeira do progenitor é que poderia sustentar a alteração da decisão e ser fixada uma pensão de alimentos.
Outrossim, sobre a alegação da requerente, quer em sede de petição inicial, quer em sede de fundamento de recurso, da invocada jurisprudência, sempre se dirá, que tal questão não é nova, aliás tal corrente jurisprudencial já era conhecida na altura em que foi tomada quer a decisão em primeira instância quer a decisão em sede de recurso. Aliás na declaração vencida junta ao Acórdão proferido nos autos principais, já a 2ª adjunta alude à mesma decisão do tribunal Superior ora indicada em sede de recurso pela apelante.
Como bem se refere na bem fundamentada sentença recorrida: «Na sentença que regulou o exercício das responsabilidades parentais não foi fixada pensão de alimentos a cargo do progenitor por não se conseguir apurar o seu paradeiro, em Angola, nem as suas condições socioeconómicas. No acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa que confirmou tal sentença foi sufragado o mesmo entendimento.
Ora, neste aspecto, não houve qualquer alteração dos fundamentos em que se basearam aquelas duas decisões. Efectivamente logo na petição inicial a requerente informou que o progenitor se encontra actualmente em parte incerta de Angola, o que já se verificava no processo principal. E, feitas diversas diligências no âmbito desta acção de alteração, nunca foi possível apurar a residência do requerido, mantendo-se desconhecido o seu paradeiro, tendo sido citado editalmente, tal como no processo principal, não se sabendo sequer se está vivo e em condições de trabalhar, mantendo-se o total desconhecimento da sua situação económica e pessoal, apenas se tendo comprovado que não aufere qualquer prestação pecuniária desde Dezembro de 2007, isto é, desde data anterior às decisões proferidas no processo principal.
Em suma, quanto ao fundamento expressamente usado para não se fixar uma pensão de alimentos a favor da menor J… não houve qualquer facto novo que afaste aquele fundamento, nem o mesmo foi sequer alegado pela requerente, apesar do despacho que convidou a mesma a fazê-lo.
Nada foi invocado pela requerente quanto a uma modificação das possibilidades económicas do progenitor para, actualmente, poder contribuir com uma pensão de alimentos a favor da filha, como por exemplo passar a auferir rendimentos regulares, sendo certo que só a alegação e prova de factos novos quanto à capacidade financeira do progenitor é que poderia sustentar a fixação de uma pensão de alimentos de acordo com o entendimento exposto na sentença em apreço e no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa.
Quanto à jurisprudência invocada pela requerente, a mesma não é nova, já era conhecida na altura em que foram tomadas aquelas duas decisões, pois já existia uma corrente jurisprudencial que defendia que devia ser estipulada uma pensão de alimentos mesmo quando se desconhecia o paradeiro e situação económica do devedor. Tal jurisprudência foi expressamente citada naquelas duas decisões, foi aí analisada, mas contudo não foi aceite pelo Tribunal de primeira instância nem pelo Tribunal da Relação que tiveram opinião distinta. Hoje é dominante a jurisprudência que considera que deve proceder-se à fixação de uma pensão de alimentos mesmo nos casos em que são desconhecidos o paradeiro e condições socioeconómicas do devedor, mas não se trata de um facto superveniente nos termos já referidos mas apenas de uma evolução jurisprudencial.
Nem tal jurisprudência pode servir para modificar uma sentença transitada em julgado quando não são alegados os necessários factos supervenientes. Este Tribunal não pode alterar o entendimento do Tribunal da Relação quando não surgiram circunstâncias supervenientes quanto aos factos concretos que fundamentaram a posição que aquele Tribunal superior adoptou, apesar de ser conhecedor de jurisprudência em sentido oposto àquele que acolheu. Pelo contrário o presente Tribunal de primeira instância, tal como a requerente, encontram-se obrigados a respeitar a decisão do Tribunal da Relação de Lisboa, especialmente quando nada de novo ocorreu que permita modificá-la (artigo 4º/1 da Lei 62/2013 de 26/08 - LOSJ - que impõe aos juízes o dever de acatar as decisões proferidas em via de recurso por Tribunais superiores, e artigo 205º/2 da Constituição da República Portuguesa que determina que as decisões dos Tribunais são obrigatórias para todas as entidades públicas e privadas).
Relativamente aos restantes factos alegados pela requerente, que dizem respeito à sua situação profissional e às despesas da criança, também não são relevantes para alterar a decisão transitada em julgado porque não foi em função deles que foi negada a fixação da pensão de alimentos, não sendo portanto critério para pôr em causa a decisão já proferida.
Desde logo porque aqueles factos nada têm a ver com as actuais possibilidades económicas do progenitor para poder arcar com o pagamento de uma pensão de alimentos a favor da filha.
Por outro lado, porque não podem ser considerados como factos supervenientes. A requerente afirma que vive com a filha, que é o seu único sustento e que trabalha como empregada de refeitório ao serviço da B…, ganhando o salário mínimo nacional. Nada disto é novo porque essas condições de vida já existiam à data da prolação da sentença e nela foram dadas como assentes.
Refere também a requerente que a criança tem despesas de alimentação, calçado, vestuário, com frequência do ensino público, com óculos e com passe, beneficiando apenas do escalão A da acção social escolar. Mais uma vez, nenhuma destas circunstâncias é superveniente, sendo óbvio que a criança tem, desde que nasceu, despesas de alimentação, calçado, vestuário, com saúde e com deslocações. Até mesmo relativamente à escola, a situação da criança é hoje igual à que se verificava à data em que a sentença do processo principal foi proferida porque já tinha seis anos de idade, estando abrangida pela escolaridade obrigatória, pelo que já existiam despesas escolares e necessidade de deslocação para a escola, sendo certo que actualmente a Joana beneficia de ensino público gratuito, gozando ainda de SASE pelo escalão A (o que significa que não paga as refeições escolares nem os livros nem parte do material escolar).».
Com efeito, embora a jurisprudência tenha evoluído uniformemente no sentido da aplicação da doutrina do acórdão invocado (Acórdão do STJ de 08/05/2013) ainda existe uma corrente jurisprudencial no sentido de que, nestas situações, não deve ser fixada qualquer pensão de alimentos uma vez que o Tribunal não tem meios de estabelecer o critério da proporcionalidade a que alude o art. 2004º.
No entanto, não é esta a questão que está em causa, nem é sobre esta questão em concreto que este Tribunal tem de tomar posição, pois esta já foi assumida pelo Acórdão proferido nos autos principais.
A questão que se coloca verdadeiramente é a circunstância da requerente pretender alterar uma sentença transitada em julgado, quando não são alegados os necessários factos supervenientes. O que a recorrente pretendeu ao lançar mão da possibilidade de alteração da regulação do exercício das responsabilidades parentais, foi a alteração do decidido por este Tribunal da Relação de Lisboa, quando não existem circunstâncias supervenientes quanto aos factos concretos que fundamentaram a decisão primária e quando tal Tribunal de recurso já era conhecedor de jurisprudência em sentido oposto àquele que acolheu.
Haverá que acentuar que nos termos do artigo 42º/1 do RGPTC, só é possível alterar a regulação do exercício das responsabilidades parentais relativas à menor J… quando circunstâncias supervenientes tornem necessário alterar o que estiver estabelecido. O mesmo decorre do artigo 988º/1 do CPC (aqui aplicável por força do artigo 12º do RGPTC) que preceitua que as resoluções podem ser alteradas, sem prejuízo dos efeitos já produzidos, com fundamento em circunstâncias supervenientes que justifiquem a alteração; dizem-se supervenientes tanto as circunstâncias ocorridas posteriormente à decisão como as anteriores, que não tenham sido alegadas por ignorância ou outro motivo ponderoso.
É certo que atendendo à natureza da acção em causa bem como a não sujeição a critérios de legalidade estrita a decisão poderia ser alterada, mas esta alteração apenas ocorre a existência de circunstâncias supervenientes.
No âmbito dos processos tutelares cíveis, como aludimos, dúvidas não há que revestem a natureza de processos de jurisdição voluntária – cf. artº 12º da Lei nº 141/2015, de 8/9, sendo que aos mesmos lhes são aplicáveis subsidiariamente as regras do processo civil que não contrariem os fins da jurisdição de menores.
Mas relativamente à definição de caso julgado, como se refere no Acórdão do STJ de 13/09/2016, o mesmo forma-se no processo chamado de jurisdição voluntária nos mesmos termos em que se forma nos demais processos e com a mesma força e eficácia. Apenas sucede que as resoluções naqueles tomadas, apesar de cobertas pelo caso julgado, não possuem o dom da “irrevogabilidade”, pois podem ser modificadas com fundamento num diferente quadro factual superveniente que justifique a alteração (como o admite o art. 988.º do CPC). Logo, tal como também se refere no mesmo aresto «as «circunstâncias supervenientes», a que o artº 988º do CPC alude, justificativas da alterabilidade das resoluções tomadas em processos de jurisdição voluntária hão-de reconduzir-se aos factos em si mesmos, a realidades sobrevindas, com reflexo na alteração substancial da «causa de pedir» – no conceito previsto no art. 581.º do CPC –, nada tendo a ver com a eventual posterior invocação de uma diversa qualificação atribuída àqueles factos ou com uma diferente interpretação jurídica sobre situações de facto. Mais conclui o mesmo Acórdão que «para tal efeito, a publicitação dum acórdão uniformizador de jurisprudência não constitui alteração da situação de facto existente no momento da decisão inicial. Por conseguinte, sem a eventual demonstração de «circunstâncias supervenientes» e, por isso, sem a pronúncia sobre esse (eventual) diferente quadro factual superveniente, não deve nem pode o juiz, com fundamento exclusivo na interpretação jurídica entretanto estabelecida através dum AUJ, alterar a anterior decisão transitada em julgado. » ( in www.dgsi.pt/jstj).
Como parece evidente, sob pena de desrespeito do prestígio dos tribunais, da certeza do direito e da prevenção do risco da decisão inútil ( ou seja de que «o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou reproduzir uma decisão anterior» - artº 580º nº 2 do CPC), haverá que considerar a eficácia do caso julgado da decisão anteriormente produzida em processo de jurisdição voluntária. Tal particularismo apenas sujeita o caso julgado a uma espécie de cláusula rebus sic stantibus e, por isso, a uma eventual condição temporal.
Por outro lado, para além de o princípio da alterabilidade das resoluções tomadas em processos de jurisdição voluntária não ter carácter absoluto, devendo, pois, ser aplicado com especial prudência, as «circunstâncias supervenientes», a que o preceito citado alude, justificativas da modificação daquela anterior decisão, hão-de reconduzir-se aos factos em si mesmos, a realidades sobrevindas, com reflexo na alteração substancial da «causa de pedir» – no conceito previsto no art. 581º do CPC –, nada tendo a ver com a eventual posterior invocação de uma diversa qualificação atribuída àqueles factos ou com uma diferente interpretação jurídica sobre situações de facto.
Donde, nenhumas das conclusões do recorrente podem ser tidas em conta, pelo que a decisão é de manter na íntegra, julgando-se o recurso improcedente.
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IV. Decisão:
Desta forma, por todo o exposto, acorda-se em julgar improcedente o recurso, mantendo a decisão recorrida.
Custas a cargo do recorrente.
Lisboa, 28 de Março de 2019

Gabriela de Fátima Marques
Adeodato Brotas
Gilberto Jorge