Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
6262/2005-6
Relator: PEREIRA RODRIGUES
Descritores: PENHORA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/23/2005
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: PROVIDO
Sumário: I - Havendo mais que uma penhora sobre os mesmos bens, as penhoras não poderão ser realizadas ao mesmo tempo (no mesmo dia e hora), antes devendo uma ser efectuada em primeiro lugar e as outras em momentos posteriores, a fim de se saber qual a execução que prossegue termos e as que devam ser sustadas.

II – Verificando-se a situação de haver penhoras sobre os mesmos bens, realizadas à mesma hora, do mesmo dia, impõe-se apurar qual a penhora efectuada em primeiro lugar, designadamente através da audição do funcionário que as realizou, a fim de se poder apreciar o requerimento da recorrente no sentido de se saber se deve, ou não, ser declarada sem efeito a venda dos bens, entretanto já efectuada num dos processos.
Decisão Texto Integral: |ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA:

I. OBJECTO DO RECURSO E QUESTÕES A SOLUCIONAR.

No Tribunal Cível da Comarca de Lisboa, nos autos de execução para pagamento de quantia certa que A intentou contra B, requereu C que  fosse dada sem efeito a venda de determinados bens, alegando que os mesmo se encontravam penhorados, por penhora anterior, à ordem de outro processo em que é exequente a ora requerente.

Notificada a exequente, nada disse.

Foi então proferido despacho do seguinte teor:

1. Nos presentes autos, a 26 de Março de 2001, pelas 10H00, foram penhorados os bens identificados a fls. 48-49, concretamente, dois depósitos de plástico com algum combustível, com capacidade para 1 000 l, vários equipamentos para fábrica de rações, como sejam triturador, misturador, balança, equipamento para enchimento de sacos, 4 tremonhos, e sem-fins, dois silos verticais, uma báscula de marca Romão.

 2. A  26 de Março de 2001, pelas 10H00 e nos autos de execução hipotecária n.° 61/99 do 3° Juízo Cível do Tribunal Judicial da Comarca de Santarém, os bens identificados a fls. 184v. a 186, concretamente, dois depósitos de plástico com algum combustível, com capacidade para 1 000 l, vários equipamentos para fábrica de rações, como sejam triturador, misturador, balança, equipamento para enchimento de sacos, 4 tremonhos, e sem-fins, dois silos verticais, uma báscula de marca Romão.

Impõe-se o indeferimento do requerido porquanto, ao contrário do que a requerente alega, não é possível dizer que a penhora realizada nos autos de execução hipotecária n.° 61/99 do 3° Juízo Cível do Tribunal Judicial da Comarca de Santarém tenha prioridade sob a penhora dos presentes autos, já que ambas as penhoras foram realizadas à mesma hora, do mesmo dia, do mesmo mês, do mesmo ano.

Pelo exposto, indefere-se o requerido”.

Inconformada com a decisão, veio a Requerente interpor recurso para este Tribunal da Relação, apresentando doutas alegações, com as seguintes CONCLUSÕES:

a) - Quando foi lavrado o auto de penhora nos presentes autos, os bens dele constantes já se encontravam penhorados no processo n.º 61/99 do 3.º Juízo Cível de Santarém.

b) - Tal facto resulta da confrontação dos dois autos de penhora.

c) - No entanto e caso o Meritíssimo Juiz "a quo" assim não entendesse sempre deveria o mesmo ordenar a produção de prova.

d) - A venda de bens penhorados é ineficaz em relação à ora recorrente.

e) - Mantendo como válida a venda, o despacho recorrido violou o disposto no artigo 819º do Código Civil.

Pelo exposto, deve o douto despacho recorrido ser revogado e substituído por outro que declare sem efeito a venda dos bens penhorados nestes autos, por violação do disposto no artigo 819º do Código Civil.

Assim se fará JUSTIÇA

Não houve contra-alegação.

Admitido o recurso na forma, com o efeito e no regime de subida devidos, subiram os autos a este Tribunal da Relação, onde foram colhidos os legais vistos, pelo que nada obstando ao conhecimento do agravo, cumpre decidir.

A questão a resolver é a de saber se o douto despacho recorrido deve ser revogado e substituído por outro que declare sem efeito a venda dos bens penhorados nestes autos, por violação do disposto no artigo 819º do Código Civil ou, se assim se não entender, substituído por outro a ordenar a produção de prova sobre qual das penhoras foi efectuada em primeiro lugar.

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II.   FUNDAMENTOS DE FACTO.

Os factos a tomar em consideração para conhecimento do agravo são os que decorrem do intróito acima inscrito.

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III.  FUNDAMENTOS DE DIREITO.

Estabelece o artigo 849º/1 do CPC, relativamente à formalidade do auto de penhora de bens móveis que “da penhora lavra-se auto, em que se regista a hora da diligência, se relacionam os bens por verbas numeradas e se indica, sempre que possível, o valor aproximado de cada verba”.

Refere o normativo que no auto se regista a hora da diligência. Por que será?

Responde o art. 871º do CPC: “pendendo mais de uma execução sobre os mesmos bens, é sustada quanto a estes, aquela em que a penhora tenha sido posterior, mediante informação do agente da execução, a fornecer ao juiz nos 10 dias imediatos à realização da segunda penhora ou ao conhecimento da penhora anterior, ou, a todo o tempo, a requerimento do exequente, do executado ou do credor citado para reclamar o seu crédito”.

Quer dizer: incidindo várias penhoras sobre os mesmos bens, tais penhoras não podem ser simultâneas, tiradas a papel químico, mas sim sucedidas no tempo, a fim de se saber qual a execução que deve prosseguir seus termos quanto aos bens penhorados e aquelas que devem ser sustadas.

Como ensina Eurico Lopes-Cardoso “a prioridade entre sucessivas penhoras, como a prioridade entre elas e outras garantias reais deve ser graduada em harmonia com a prioridade dos seus registos ou, não estando as penhoras ou as garantias sujeitas a registo, em harmonia com a prioridade da sua data  (…)

Quanto às penhoras não registáveis, decidiu-se no domínio do Código de 1876 que, sendo feitas no mesmo dia, a respectiva preferência devia ser graduada a par. Em face do Código vigente, como já perante o Código de 1939, a prioridade deve graduar-se pela hora em que se efectuar cada uma das penhoras. Só essa razão tem a exigência feita no artigo 849.°, n.° 1, de que, no auto da penhora de móveis, fique consignada a «hora da diligência», o que o dito Código de 1876 não exigia[1].

Deste modo, por imposição do que a lei prescreve, havendo mais que uma penhora sobre os mesmos bens as penhoras não poderão ser realizadas na mesma data e na mesma hora, antes devendo uma ser efectuada em primeiro lugar e as outras em momentos posteriores, a fim de se saber qual a execução que prossegue termos e as que devam ser sustadas.

De resto, devendo a penhora considerar-se efectuada mediante o formalismo exarado em auto, um para cada uma, nem se descortina a possibilidade, física, de se realizar mais que uma penhora na mesma hora, tanto mais se for o mesmo funcionário a encarregar-se da mesma.

No caso vertente estamos em face de uma situação incomum, devida a lapso, incúria ou mera ignorância, em que se fez constar nos respectivos autos, penhoras sobre os mesmos bens, ordenadas por tribunais distintos e ambas realizadas à mesma hora, do mesmo dia. Tanto mais sendo o mesmo funcionário a realizá-las, lavrando autos distintos, devidamente assinados e em que os bens penhorados só em parte são coincidentes.

Daí que, não o devendo ser, nem no caso podiam as penhoras em causa ser formalizadas ao mesmo tempo, ainda que não decorra dos respectivos autos qual a penhora efectuada em primeiro lugar, pois que não parece elemento suficiente o facto de um auto de penhora ser mais abrangente quanto aos bens penhorados do que outro, ainda que possa insinuar essa eventualidade.

Assim, impõem-se no caso em recurso apurar qual a penhora efectuada em primeiro lugar, designadamente através da audição do funcionário que as realizou, a fim de se poder apreciar o requerimento da recorrente no sentido de se saber se deve, ou não, ser declarada sem efeito a venda dos bens.

O indeferimento materializado no despacho recorrido é que não pode ser sustentado numa realidade que a lei não acolhe.

Nesse sentido procedem as conclusões do recurso, sendo de revogar a decisão recorrida.

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IV.  DECISÃO:

Em conformidade com os fundamentos expostos, concede-se provimento ao agravo e revoga-se o despacho recorrido, que deve ser substituído por outro a ordenar as diligências de prova para os fins acima descritos.

Sem Custas.

Lisboa, 23 de Junho de 2005. 

FERNANDO PEREIRA RODRIGUES

FERNANDA ISABEL PEREIRA

MARIA MANUELA GOMES

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[1] Manual da Acção Executiva, 3.ª ed., pg. 442.