Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
4815/2008-4
Relator: SEARA PAIXÃO
Descritores: CEDÊNCIA DE TRABALHADOR
TRABALHO TEMPORÁRIO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/19/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Sumário: I- Tanto o trabalho temporário como a cedência de trabalhadores se caracterizam pela cisão do estatuto do empregador em que direcção e organização do trabalho pertencem ao utilizador, mas as obrigações contratuais (nomeadamente as remuneratórias), os encargos sociais, e, inclusivamente, o exercício do poder disciplinar, pertencem à entidade cedente.
II- A prestação de trabalho nessas circunstâncias atípicas só é lícita verificados que sejam os pressupostos estabelecidos no diploma que as autoriza, que ao tempo dos factos descritos nos autos era o DL 358/89 de 17.11, com as alterações introduzidas pelas leis nºs 39/96, de 31.08 e 146/99 de 1.09 (e actualmente nos art. 322º e seguintes do Código do Trabalho e na Lei nº 19/07 de 22 de Maio).
III- Nos termos dos art. 26 e 27 do DL 358/89, a cedência de trabalhadores, fora das situações de formação e de grupos de empresas e das situações previstas nos instrumentos de regulamentação colectiva, só era lícita se o trabalhador cedido estiver vinculado por contrato de trabalho sem termo, haja acordo escrito do trabalhador e a empresa cedente for uma empresa de trabalho temporário (nº 2 do art. 27º).
IV- O acordo entre a Ré e uma terceira empresa através do qual um trabalhador permanente desta empresa era cedido àquela para prestar trabalho nas suas instalações, podendo a Ré directamente ou através dos seus funcionários dar ordens e instruções quanto à forma de execução da sua actividade, continuando embora a retribuição a ser paga ao trabalhador através da terceira empresa que sobre ele continuava a deter o poder disciplinar, não pode ser caracterizado como sendo um contrato de prestação de serviços pois neste contrato não se verifica a cisão dos poderes patronais, nem se pode considerar uma cedência lícita de trabalhador uma vez que a empresa cedente não era uma empresa de trabalho temporário nem estava licenciada para tal actividade.
V- E não se podendo integrar essa situação nem no trabalho temporário nem na cedência de trabalhadores, tem de se considerar o trabalhador vinculado à Ré, desde o início da sua prestação de trabalho nesta empresa.
(sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Integral: Acordam na secção social do Tribunal da relação de Lisboa:
Relatório:
            A…, identificado nos autos, intentou a presente acção declarativa, emergente de contrato individual de trabalho, com processo comum, contra:
            - B...., com sede na Rua…, em Lisboa; e,
- C..., , e com sede na Praceta….Odivelas, pedindo que seja declarada a ilicitude do seu despedimento promovido pela 1ª R. e que ambas as RR sejam, solidariamente, condenadas a reintegrá-lo, no seu posto de trabalho, com efeitos reportados à data do despedimento, sem prejuízo da antiguidade e categoria, ou, em alternativa, a pagar-lhe a indemnização de € 6.846,00, em razão da sua antiguidade, as retribuições já vencidas e as que se vierem a vencer até à decisão final, deduzidas das importâncias auferidas após o despedimento.
Pede ainda que as RR sejam condenadas, solidariamente, a pagar-lhe:
- € 5.459,14, a título de trabalho prestado, em substituição de descanso compensatório remunerado;
- € 576,46, a título de trabalho suplementar prestado em Outubro e Novembro de 2003;
- € 2356,80, a título de Férias, subsídio de férias e subsídio de Natal de 2003, nos termos supra expostos;
- € 428,25, a título de vencimento, subsídio de refeição e subsídio de horário desfasado, de Novembro de 2003;
- € 1.538,47, referente à retribuição e subsídio de férias correspondentes ao serviço prestado em 2003 (ano da suspensão), nos termos supra expostos;
Juros legais, à taxa legal desde a data da citação das RR até integral pagamento.
Alega para tanto, em resumo, que foi contratado pela C..., , mediante contrato verbal de trabalho, sem termo.
Tal R. funcionava como empresa de trabalho temporário, disponibilizando trabalhadores a clientes utilizadores, que requeriam essa mão-de-obra.
Iniciou a sua prestação de trabalho num dos clientes de tal R., a D..., em 4 de Abril de 1978.
Tal R. não é empresa de trabalho temporário, mas cobrava à D... os fornecimentos de mão-de-obra como se de uma empresa de trabalho temporário se tratasse, pagando, posteriormente, parte desse rendimento aos trabalhadores que tinha por sua conta.
Em 31 de Julho de 1998, passou a prestar os seus serviços de encarregado nas Instalações da B..., em Santa Iria da Azóia, novamente por intermédio da R. C..., , passando a auferir a quantia de 150.000$00 por mês.
Esteve de baixa médica entre 14/11/2003 e 15/11/05, tal como foi informado à B....
No dia 16/11/2005 foi despedido pela R. C...,  verbalmente, sem justa causa, de resto nem invocada, e sem ter sido precedido do necessário procedimento disciplinar.
O contrato de trabalho verbal celebrado entre o A. e a R. C..., , não cumpre as exigências de forma do contrato de trabalho temporário
Eram dadas ordens e descritos procedimentos que o A. tinha que respeitar emanados dos seus superiores hierárquicos da B... .
Recebia ordens directas de J…, o superior hierárquico da B... que, em 16/11/2005, não permitiu que regressasse ao trabalho.
Recebia, ainda, ordens de outros funcionários da B....
Representava a B..., como seu funcionário, perante terceiros, designadamente perante as autoridades alfandegárias, com conhecimento daquela.
Fazia o controlo de amostras, assinava certificados de constituição de lotes de combustíveis da B...l, assinando como seu operador de movimentação.
Era responsável pela emissão de guias de remessa de saída de combustíveis e pela recepção de combustíveis nas instalações de Santa Iria da Azóia da B..., como seu trabalhador.
Era também sondador da B..., nas instalações de Santa Iria, assinando como tal e responsável pelo preenchimento de boletins de medição de tanques e pela verificação das transferências entre armazéns.
Estava integrado na organização técnico-laboral predisposta e gerida pela B....
Estava vinculado a um horário de trabalho e executava a prestação de trabalho em local definido pela B....
Os seus superiores hierárquicos eram trabalhadores da B..., que controlavam a prestação do seu trabalho.
Estava sujeito ao poder disciplinar da B..., bem como à disciplina e politicas da mesma.
Recebia em função do tempo de trabalho prestado na B....
Os seus instrumentos de trabalho, como computador portátil, farda e outros eram propriedade da B....
Em 16/11/2005, apresentou-se, fardado, às 9.00h da manhã, no Posto de Santa Iria da Azóia da B..., mas foi recusada a sua prestação de trabalho.
João Luís Santos disse-lhe para sair das instalações.
Auferia um salário base de € 748,20 por mês, até Março de 2003, tendo sido aumentado para €785,60, por mês, em Abril de 2003.
Nunca gozou descansos compensatórios remunerados.
Não lhe foram pagas as férias, subsídio de férias e subsídio de Natal do ano de 2003, reportado ao trabalho prestado em 2002.
Não lhe foi pago o vencimento e o subsídio de alimentação relativos a 10 dias do mês de Novembro de 2003, nem o subsídio de horário desfasado.
                                                           *
Regularmente citadas, as RR contestaram.
A B... alegou nomeadamente que nunca pagou qualquer retribuição ao A.
Entre as RR existe um contrato de prestação de serviços com base no qual o ora A. foi prestar as funções de “Operador de Movimentação” de 31/07/98 até 17/11/03, na armazenagem de produtos que eram recebidos e eram expedidos nas Instalações da B..., , sitas em Santa Iria de Azóia.
O A. entrou de baixa no dia em que lhe foi instaurado um processo disciplinar pela R. C...,.
Em 12/11/03 a R. C..., comunicou-lhe que o A. deixaria de fazer parte do seu quadro de pessoal a partir de 17/11/03 por ter cometido abuso de confiança, falsificação de documento e burla.
Nessa mesma data, solicitou à Ré C..., o envio de documento que comprovasse a comunicação da instauração do processo disciplinar ao A., de modo a não permitir a entrada do A. nas suas instalações a partir de 17/11/03.
Em 13/11/03 a R. C..., enviou-lhe cópia da nota de culpa remetida ao A.
O A. foi suspenso e despedido com justa causa pela R. C..., em Novembro de 2003.
            Tendo o A. sido despedido com justa causa pela R. C...,. em 2003, quaisquer créditos que, hipoteticamente, teria a haver já se encontram prescritos há mais de dois anos.
            A Ré, tendo tido conhecimento de que o A. havia sido despedido com justa causa, comunicou internamente que já não iria prestar as suas funções nas instalações B... a partir de 17/11/03.
            Colocou à disposição do A., para exercer as funções de “operador de manutenção” um computador, um telemóvel e um fardamento; daí ter solicitado à R. C..., que entrasse em contacto com o A. para que este procedesse à restituição de tais bens.
            Em 16/11/05, o A. entendeu apresentar-se à B... para prestar serviço nas instalações de Sta. Iria, alegando que, após estar de baixa por 2 anos, pretendia retomar as suas funções, sendo interditada a sua entrada nas suas instalações.
Conclui pela improcedência da acção.
*
A R. C..., alegou designadamente que é uma sociedade comercial por quotas cujo objecto social é a prestação de serviços de construção civil, movimento de cargas, vigilantes estafetas, assistência a escritórios, limpezas e afins, incluindo a cedência temporária de mão-de-obra a terceiros.
O A. foi admitido ao seu serviço em 4 de Abril de 1978 até 12 de Março de 1998 e desde 11 de Abril de 1998 a 26 de Novembro de 2003 para exercer as funções de encarregado, mediante contrato de trabalho por termo indeterminado. 
Por contrato de prestação de serviços celebrado com a D..., foi contratada para assegurar os serviços de movimentação, separação, verificação de fugas, colocação de cápsulas e substituição de válvulas de garrafas de gás nas instalações de Santa Iria de Azóia.  
Foi a única entidade empregadora do A., sempre reconhecida pelo A. como tal, pagou-lhe a remuneração e efectuou os descontos fiscais e para a segurança social.
Em 26 de Dezembro de 2003, o A. foi despedido com justa causa, através de processo disciplinar, não o tendo impugnado.
Jamais se arrogou a qualidade de empresa de trabalho temporário, nem nunca funcionou como tal.
            Antes da celebração do contrato entre as RR., o A. já era seu funcionário, não celebrou com o A qualquer contrato de trabalho temporário e as RR não celebraram entre si qualquer contrato de utilização de trabalho temporário.
Os serviços prestados e pagos pela R. B... referem-se aos de enchimento, movimentação, separação, verificação de fugas, colocação de cápsulas e substituição de válvulas de garrafas de gás, serviços que se comprometeu a prestar, e não pelo fornecimento de mão de obra.
O A., enquanto ao serviço da R. B..., foi sempre Operador de Movimentação de Combustíveis, e como tal foi sempre remunerado.
Em 3 de Agosto de 1998, continuando em vigor o contrato de prestação de serviços entre as RR., foi ao A. que coube dar execução aos serviços contratados nas instalações da B... em Santa Iria de Azóia, mas sempre em sua representação.
No exercício de uma actividade conexa com a dos funcionários da R. B..., o A. tinha de obedecer a uma série de procedimentos e instruções, que evidentemente não poderiam ser emanados pela 2ª R., como por exemplo, as saídas de material e as requisições, por desconhecer as encomendas recebidas pela 1ª R.
O A. nunca agia como funcionário da R. B..., mas sim como executante de tarefas cometidas à contestante.
O A. que sempre se recusou a usar a farda que lhe foi entregue, com os dizeres “C...,”, exigiu usar a da B....
Não é verdade que o computador portátil fosse um instrumento de trabalho do A.
Logo a seguir à notificação da nota de culpa, em 13.11.2003, o A. deixou de comparecer ao serviço, regressando apenas no dia 29.11.2003, data em que foi impedido de entrar nas instalações da R. B... para trabalhar.
Após o despedimento, o A. não acertou as contas, apesar de instado para o efeito, tendo depositado na conta do A. a importância de € 935,85 em 05.12.2003 e € 883,63 em 12.12.2003.
O A. não lhe solicitou a substituição do descanso compensatório por prestação de trabalho suplementar prestado entre Agosto e Dezembro de 1998, remunerado com um acréscimo de 100%, nem lhe deu o seu acordo.
Por esse descanso compensatório, o A. deveria ser remunerado pela importância global de € 193,32.
O descanso compensatório respeitante ao trabalho suplementar prestado entre Janeiro e Dezembro de 1999 foi pago.
Entre Janeiro e Dezembro de 2000, o A. prestou 576 horas de trabalho suplementar, horas essas que foram pagas, sem que lhe tivessem sido pagos os descansos compensatórios, tendo o A. direito a € 652,50 e não a € 1.224,00.
Pelo descanso compensatório correspondente ao trabalho suplementar prestado entre Janeiro e Dezembro de 2001, o A. tem direito a receber a importância de € 592,92.
Pelo descanso compensatório correspondente ao trabalho suplementar prestado entre Janeiro e Dezembro de 2002, o A. tem direito a receber € 561,60.
Entre Janeiro e Novembro de 2003, o A. tem direito a receber € 490,20, a título de descanso compensatório remunerado.
O A. já recebeu as férias e o subsídio de férias e o subsídio de Natal referentes ao ano de 2002, as férias por depósito em 12.12.2003 e o subsídio de férias pago em Junho de 2003, e o subsídio de natal na 1ª quinzena de Dezembro de 2002.
*
Foi proferido saneador e realizada audiência preliminar, fixando-se a matéria de facto assente e a base instrutória, após reclamações da R. B....
Procedeu-se a julgamento com o devido formalismo, tendo o A. optado pela indemnização em substituição da reintegração.
A matéria de facto foi decidida sem reclamações.
De seguida foi elaborada a sentença e proferida a seguinte DECISÃO:
            “Nestes termos, julgo a acção parcialmente procedente, por provada, e, em consequência, declaro a ilicitude do despedimento do A, condenando a R. B.... a pagar-lhe:
- A indemnização em substituição da reintegração correspondente a 45 dias de retribuição base, por cada ano completo ou fracção, atendendo-se a todo o tempo decorrido desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da decisão judicial, e que nesta data é de € 10.967,19 (dez mil novecentos e sessenta e sete euros e dezanove cêntimos), a liquidar em incidente.
- As retribuições que o A. deixou de auferir desde 18 de Março de 2006 até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal, deduzidas as quantias mencionadas nos nº 2 e 3 do artigo 437º do Código do Trabalho, a liquidar em incidente.
- A quantia de € 5.559,14 (cinco mil quinhentos e cinquenta e nove euros e catorze cêntimos), a título de trabalho prestado em substituição de descanso compensatório.
- A quantia de € 1.436,12 (mil quatrocentos e trinta e seis euros e doze cêntimos), a título de trabalho suplementar, proporcional do subsídio de Natal de 2003, vencimento, subsídio de refeição e subsídio de horário desfasado de Novembro de 2003 e a retribuição de férias e respectivo subsídio vencidos em 1 de Janeiro de 2004.
Absolvo do pedido a R. C...,”.
                                                           *
A Ré, B...., inconformada, interpôs o presente recurso e termina as suas alegações formulando as seguintes conclusões:
(…)

O A./Recorrido contra-alegou pugnando pela improcedência do recurso e confirmação da sentença recorrida.
Admitido o recurso, foram os autos remetidos a esta Relação e, colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
Conforme resulta do disposto nos art. 690º nº 1 e 684º nº 3 do CPC são as conclusões que delimitam o objecto do recurso, quer quanto à impugnação da matéria de facto, quer quanto às questões de direito.
Apesar da Recorrente misturar a impugnação de certos pontos da matéria de facto com a impugnação de questões de direito, apreciaremos, por uma questão de lógica, primeiro a impugnação dos pontos da matéria de facto a que aludem as conclusões e depois as questões de direito nelas suscitadas.
**
            Fundamentação de facto
            Na 1ª Instância foram considerados provados os seguintes factos:
            A) C...,  está matriculada na Conservatória do registo Comercial de Loures sob o nº… tem por objecto a prestação de serviços de construção civil, movimento de cargas, vigilantes, estafetas, assistência a escritórios, limpezas e outros afins, incluindo a cedência temporária de mão de obra a terceiros.
            B) O A. foi contratado pela R. C...,  em 4 de Abril de 1978, mediante contrato de trabalho, sem termo, tendo nessa data iniciado a sua prestação de trabalho na D..., cliente da C...,
            C) Em 31 de Julho de 1998, o A. declarou nada mais ter a receber de C...,  até 11 de Abril de 1998.
            D) A retribuição do A. sempre foi paga pela R. C..., , que efectuou os descontos fiscais e para a segurança social.
            E) C...,  instaurou ao A. o processo disciplinar junto de fls. 443 a 479, cujo teor se tem por reproduzido, tendo sido remetida nota de culpa e apresentada resposta e tendo o A. recebido a comunicação de despedimento com invocação de justa causa em 27 de Novembro de 2003.
            F) O A. esteve de baixa médica entre 14/11/2003 e 15/11/05, o que foi informado à B....
            G) Em 16/11/2005, o A., apresentou-se, fardado, às 9.00h da manhã, no Posto de Santa Iria da Azóia da B..., não lhe tendo sido autorizado o exercício de funções.
H) A B... colocou à disposição do A., para exercer as suas funções um computador, um telemóvel e um fardamento.
            I) O A. exerce funções de guarda-nocturno na Escola Secundária …, desde Janeiro de 2006, tendo auferido em Fevereiro e Março de 2006 as quantias constantes das notas de abonos e descontos juntas a fls. 240 e cujo teor se tem por reproduzido.
J) Em 05.12.2003, C...,  depositou na conta do A. € 935,85.
L) Em 12.12.2003 depositou na mesma conta € 883,63.
2- Em 31 de Julho de 1998, o A. passou a prestar os seus serviços de encarregado nas instalações da B..., em Santa Iria da Azóia, novamente por intermédio da 2ª R., passando a auferir a quantia de 150.000$00 por mês.
            3- O A. e o Sr. M… eram os responsáveis pela recepção, armazenagem e expedição de produtos da B..., assegurando as cargas.
            4- O A. e o Sr. M… eram responsáveis pela emissão de guias de remessa de saídas de material das Instalações da B..., em Santa Iria da Azóia.
            5- Ao A. eram dadas ordens e descritos procedimentos que tinha que respeitar emanados dos seus superiores hierárquicos da B....
            6- O A. recebia ordens directas de J… da B..., seu superior hierárquico.
            7- O A. recebia, ainda, ordens de outros funcionários da B....
            9- O A. fazia o controlo de Amostras na B..., assinando como seu operador de movimentação.
            10- O A. assinava certificados de constituição de lotes de combustíveis da B..., como seu trabalhador.
            11- O A. era responsável pela emissão de guias de remessa de saída de combustíveis da B..., como seu trabalhador.
            12- O A. era responsável pela recepção de combustíveis nas instalações de Santa Iria da Azóia, seu local de trabalho na B..., como seu funcionário.
            13- O A. era sondador nas instalações de Santa Iria da B..., assinando como tal.
            14- O A. era responsável pelo preenchimento de boletins de medição de tanques, função de operador que também desempenhava na B....
            15- O A. era responsável, como funcionário da B..., pela verificação das transferências entre armazéns da B....
            16- No Posto de Santa Iria da Azóia, a B... definiu dois horários de trabalho, um das 6 às 14 horas e outro das 14 às 20 horas, sendo um deles cumprido pelo A.
17- O A. executava a sua prestação de trabalho no local pretendido pela B....
            19- O A. representava a B... perante terceiros como seu funcionário bem como perante as autoridades alfandegárias, com conhecimento e consentimento da B....
            20- O A. estava sujeito à disciplina e políticas da B....
            21- O A. recebia em função do tempo de trabalho prestado na B....
            22- O A. auferia um salário base de € 748,20 por mês até Março de 2003, tendo sido aumentado para € 785,60 por mês em Abril de 2003.
            23- Entre Agosto de 1998 e Dezembro de 1998, o A. prestou 179 horas de trabalho suplementar.
            24- O A. nunca gozou descansos compensatórios remunerados, nem os mesmos lhe foram pagos.
            25- Entre Janeiro de 1999 e Dezembro de 1999, o A. prestou 338 horas de trabalho suplementar.
            26- Entre Janeiro de 2000 e Dezembro de 2000, o A. prestou 576 horas de trabalho suplementar.
            27- Entre Janeiro de 2001 e Dezembro de 2001, o A. prestou 549 horas de trabalho suplementar.
            28- Entre Janeiro de 2002 e Dezembro de 2002, o A. prestou 520 horas de trabalho suplementar.
            29- Entre Janeiro de 2003 e Novembro de 2003, o A. prestou 438 horas de trabalho suplementar.
            30- Das 438 horas de trabalho suplementar prestadas pelo A. até 2003, 325 horas foram posteriores ao aumento do seu salário hora €4,46/hora.
            31- Em Outubro de 2003, o A. prestou 60 horas de trabalho suplementar, das quais 13 primeiras horas e 47 horas seguintes.
            32- Em Novembro de 2003, o A. prestou 17 horas de trabalho suplementar, das quais 9 primeiras horas e 8 horas seguintes.
33- Foram pagas ao A. as férias e subsídio de férias reportados ao trabalho prestado em 2002.
36- Entre B... e C...,  foi celebrado o contrato de prestação de serviços junto de fls. 480 a 482, cujo teor se tem por reproduzido, tendo a última sido contratada para assegurar os serviços de movimentação, separação, verificação de fugas, colocação de cápsulas e substituição de válvulas de garrafas de gás nas instalações de Santa Iria de Azóia, contrato que vigorou entre 21 de Maio de 1993 e data anterior a 2001.
38- Desde 31 de Julho de 1998 até 27 de Novembro de 2003, o A. foi sempre operador de movimentação de combustíveis
40- Em 12 de Novembro de 2003 C...,  informou a B... de que o A. deixou de fazer parte do quadro da firma.
41- O A. foi impedido de entrar nas instalações da B....
44- As folhas de serviço, contendo o número de horas de trabalho prestado pelo A., com a respectiva quilometragem e eventuais despesas eram comunicadas a C...,

            Fundamentação de direito
           
 Quanto à impugnação da matéria de facto
(…)
Por isso, decide-se eliminar a expressão “até data anterior a 2001” da parte final da resposta ao quesito 36, alterando-se a redacção da parte final nos seguintes termos:
“contrato esse que vigorou desde 21 de Maio de 1993”.
(…)
45 – “A C..., Ldª cobrava à B..., mensalmente, uma contrapartida pelos serviços prestados, contra a apresentação de uma factura.
(…)
Assim, decide-se eliminar as expressões “como seu trabalhador” constantes dos nº 10 e 11 da matéria de facto e a expressão “como seu funcionário”, constante dos nº 12, 15 e 19 dos factos provados.
            (…)
Adita-se, pois, à matéria de facto o seguinte facto:
46 - “O contrato de trabalho entre o A. e a Ré C..., Ldª, a que aludem as al. B) e C) da matéria de facto provada, cessou em 11.04.98”.

            Acrescenta-se pois aos factos provados mais o seguinte:
            47 - a Ré B... foi informada da baixa médica do A., pela primeira vez, através de carta registada para ela remetida em 4.05.2004.


            Quanto à matéria de direito
As questões que emergem das conclusões do recurso são, as seguintes:
- caracterização da relação jurídica existente entre o Autor e a Ré B..., SA;
- se a ausência do A. ao serviço durante seis meses vale como denúncia do contrato por abandono;
- Se a Apelante despediu ilicitamente o Apelado e, em caso afirmativo, se é devida a indemnização em substituição da reintegração e as retribuições a que alude o art. 437º do CT;
- se são devidos os restantes créditos laborais pedidos pelo Autor;
- Se os eventuais créditos do Apelado sobre a Apelante prescreveram.

Qualificação da relação jurídica existente entre o Autor e a Ré B....
A Recorrente discorda da decisão recorrida por entender que entre as Rés B... e C... vigorou um contrato de prestação de serviços, pelo qual a 2ª Ré se obrigou a prestar determinados serviços nas instalações da 1ª Ré, através de pessoal pertencente aos seus quadros e a ela subordinados, pelo que não lhe são aplicáveis as normas jurídicas reguladoras das empresas de trabalho temporário.
A decisão recorrida considerou que a Ré C..., , estava a agir como uma Empresa de Trabalho Temporário e, aplicando a regulamentação do trabalho temporário (constante do DL 358/89 de 17.10), considerou que o contrato verbal celebrado entre o A. e a ré C... não cumpre as exigências de forma do art. 11º, pelo que nos termos do nº 4 desse preceito se considera o trabalho prestado à 1ª Ré (B...) com base em contrato sem termo. Considerou, ainda, que já tinham sido ultrapassados todos os prazos constantes do art. 9 e uma vez que o A. continuou a prestar a sua actividade à 1ª Ré, isso tem como consequência considerar-se que o A. estava vinculado à 1ª Ré por contrato sem termo. Considerou, ainda, que o contrato de utilização celebrado entre as Rés, é nulo, uma vez que a 2ª Ré não é empresa de trabalho temporário, o que acarreta a vinculação do A. à 1ª Ré por contrato de trabalho sem termo, nos termos do art. 16º nº 3 do citado diploma.
Cumpre, pois, apreciar.
Em princípio nada obsta a que uma empresa possa enviar os seus trabalhadores para prestarem a sua actividade laboral nas instalações de outra empresa, em execução de um contrato de prestação de serviços, continuando os trabalhadores subordinados juridicamente à empresa que é a sua entidade empregadora.
Trata-se aqui de uma típica prestação de serviços em que o trabalhador em vez de prestar a sua actividade nas instalações da sua entidade patronal vai prestá-la nas instalações de outra entidade, mas permanecendo sempre sujeito ao poder de direcção do seu empregador, que mantém em exclusivo o seu poder de direcção relativamente ao trabalhador.
Situação diferente desta ocorre quando o trabalhador presta a sua actividade nas instalações de outro empregador e, embora continue a ser remunerado pela sua entidade patronal e sujeito ao poder disciplinar desta, fica, na execução da sua prestação, subordinado às ordens e direcção do empregador a quem presta o seu trabalho.
Estas situações em que se verifica uma cisão dos poderes do empregador caracterizam quer o trabalho de trabalho temporário quer a cedência de trabalhadores, que são formas atípicas de prestação laboral em relação ao contrato de trabalho em que o trabalhador presta a sua actividade a um só empregador.
Tanto o trabalho temporário como a cedência de trabalhador eram regulados, ao tempo dos factos descritos nos autos, no DL 358/89 de 17.11, com as alterações introduzidas pelas leis nºs 39/96, de 31.08 e 146/99 de 1.09.
O trabalho temporário é uma modalidade atípica da prestação de trabalho que se caracteriza pela cisão operada no estatuto do empregador em que a obrigação de pagar o salário permanece na entidade cedente, cabendo à cessionária a utilização directa dos serviços do trabalhador. A direcção e organização do trabalho pertencem ao utilizador, mas as obrigações contratuais (nomeadamente as remuneratórias), os encargos sociais, e, inclusivamente, o exercício do poder disciplinar, pertencem à entidade cedente ([1]).
A qualidade de empregador não pertence a quem exerce sobre o trabalhador o poder de direcção, mas sim ao fornecedor de mão-de-obra”([2]).
Neste contrato a posição contratual da entidade patronal é desdobrada entre a empresa de trabalho temporário (que contrata, remunera e exerce poder disciplinar) e o utilizador (que recebe nas suas instalações um trabalhador que não integra os seus quadros de pessoal, mas que ocupa sob a sua autoridade e direcção.
Esta particular forma de trabalho caracteriza-se pela cisão ou partilha entre duas entidades distintas - a ETT e o Utilizador - da posição jurídica usualmente na titularidade de um único sujeito.
Nesta figura jurídica existe uma relação triangular, considerando os sujeitos intervenientes, que tem como vértices, por um lado, a Empresa de Trabalho Temporário (ETT), por outro lado, o Trabalhador e, por outro ainda, o Utilizador. Esta relação triangular, assenta, em termos jurídicos, em dois contratos que, embora interligados, são perfeitamente autónomos e distintos um do outro, ou seja, um Contrato de Utilização de Trabalho Temporário (CUTT), celebrado entre a Empresa de Trabalho Temporário e o Utilizador e que, nos termos da lei [art. 2º al. e) do Dec. Lei n.º 358/89] é um contrato de prestação de serviço através do qual aquela se obriga, mediante retribuição, a colocar à disposição deste um ou mais trabalhadores temporários e, por outro lado, assenta na formalização de um Contrato de Trabalho Temporário (CTT) entre a Empresa de Trabalho Temporário e o Trabalhador e que, nos termos da al. d) do mesmo normativo, se consubstancia num contrato de trabalho pelo qual o trabalhador se obriga, a, mediante retribuição, prestar, temporariamente, a sua actividade laboral a utilizadores.
A cedência de trabalhadores não estava definida no Dec-Lei 358/89, mas estava regulamentada nos art. 26º a 30º desse diploma.
No entanto, a doutrina definia a cedência de trabalhadores como sendo a “disponibilização de um trabalhador de uma empresa a outra, a cujo poder de direcção o trabalhador fica sujeito, sem prejuízo do vínculo contratual inicial”, ou por outras palavras, como “o negócio através do qual uma empresa cede, provisoriamente, a uma outra, um ou mais trabalhadores, conservando, no entanto, o vínculo jurídico-laboral que com eles mantém” ([3]).
Nesta situação há uma cisão dos poderes próprios do empregador: o trabalhador presta a sua actividade sob as ordens e direcção do cessionário, mas o titular do poder disciplinar continua a ser o cedente, que mantém a qualidade de empregador.
O vínculo contratual inicial entre o empregador e o trabalhador mantém-se durante o período em que a cedência produz os seus efeitos, embora despojado do poder de direcção da prestação laboral, no que respeita ao modo e condições de trabalho. Terminada a cedência, a posição jurídica do empregador torna a integrar aquele poder, voltando a prestação laboral a ser desenvolvida perante o empregador e em subordinação a ele. 
O Dec-Lei 358/89 ([4]), que regulamenta a cedência de trabalhadores nos art. 26º a 30, não contém uma definição desta figura jurídica, antes começa por afirmar no art. 26º nº 1, o princípio geral de que é proibida a cedência de trabalhadores do quadro de pessoal próprio para utilização de terceiros que sobre esses trabalhadores exerçam os poderes de autoridade e direcção próprios da entidade empregadora, para depois, no nº 2 do mesmo artigo enumerar as situações não abrangidas pela proibição de cedência, a saber:
a) em situação de formação profissional, nos termos da al. a) do referido preceito;
b) em ambiente de grupo, nos termos da al. b);
c) quando a cedência esteja regulamentada em Instrumento de Regulamentação Colectiva  de trabalho, nos termos da 1ª parte da al. c);
d) e nos casos previstos nos art. 27º e seguintes do referido diploma.
Assim, fora dos casos previstos nas al. a) e b) do referido art. 26º e da cedência prevista nos instrumentos de regulamentação colectiva, situações que não se verificam nos presentes autos, de acordo com as disposições conjugadas do nº 1 e nº 2 do art. 27º a cedência ocasional de trabalhadores só é lícita se se verificarem cumulativamente as seguintes condições:
a) o trabalhador cedido estiver vinculado por contrato de trabalho sem termo;
b) a cedência se verificar no quadro de colaboração entre empresas jurídica e financeiramente associadas ou economicamente interdependentes;
c) existência de acordo do trabalhador a ceder, exarado nos termos do nº 2 do artigo seguinte (o qual refere que o documento só torna a cedência legítima se contiver a concordância do trabalhador).
Porém, o nº 2 do art. 27 refere que a condição de licitude estabelecida na al. b) do número anterior não é exigida se a empresa cedente for empresa de trabalho temporário.
Deste modo, é inequívoco que a celebração de um contrato de cedência ocasional de trabalhadores (fora do caso referida na al. b) do art. 27) só pode ser celebrada validamente com uma empresa de trabalho temporário, sendo ainda necessário que o trabalhador esteja vinculado a essa empresa por contrato de trabalho sem termo e que haja acordo escrito do trabalhador.
Ora, caso vertente, analisando os factos provados, facilmente se constata que o Autor foi contratado pela empresa C... em 4.04.78 mediante contrato sem termo, tendo desde essa data prestado trabalho nas instalações da D…, cliente da C... e, a partir de 31.07.98, passou a prestar a sua actividade nas instalações da B..., SA, em Santa Maria de Azóia, sendo sempre pago pela empresa C....
Mas também resulta dos factos provados que na execução do seu trabalho nas instalações da Ré B... o A. estava subordinado juridicamente a essa empresa que sobre ele detinha o poder de direcção.
Com efeito, está provado (pontos 5, 6, 7 e 20) que o Autor recebia ordens directas dos superiores hierárquicos, funcionários da Ré B..., sobre a forma de execução do seu trabalho e dos procedimentos a adoptar, que o A. tinha que respeitar. Além disso, verifica-se que o A. estava integrado na estrutura organizativa da B..., no terminal de Santa Maria de Azóia, onde cumpria um turno de trabalho, por determinação da própria B..., em igualdade de circunstâncias com outro trabalhador subordinado da Ré B... que cumpria o outro turno (pontos 9 a 16). Utilizava materiais e tinha à sua disposição utensílios e meios de trabalho fornecidos pela B..., como computador, telemóvel, farda e outros (ponto H). Auferia retribuição, que embora paga pela Ré C... era calculada em função do tempo de trabalho na B... (ponto 219. Por outro lado, não está provado que a Ré C... desse quaisquer ordens, instruções ou determinasse o que quer que fosse relativamente à execução da actividade do Autor na B.... A Ré C... limitava-se a pagar-lhe a retribuição mensal e as horas extras que o A. efectuava nas instalações da B..., a efectuar os descontos para a Segurança Social, sendo a detentora do poder disciplinar, como se verifica pelo facto de lhe ter aplicado o processo disciplinar que levou ao despedimento do Autor em 27.11.2003.
Estamos, assim, perante uma situação que não se pode considerar de prestação de serviços, como alegavam as Rés, pois no âmbito deste contrato o trabalhador nunca fica sujeito ao exercício do poder de direcção pelo credor da prestação de serviço, mantendo o empregador ao longo do período de execução do contrato sempre intacta a sua posição de empregador e, no caso vertente, verifica-se uma efectiva cisão dos poderes do empregador, na medida em que a C... mantinha o poder disciplinar sobre o trabalhador e o estatuto de empregador, pagando-lhe a retribuição e efectuando os descontos para a Segurança Social, ao passo que o poder de direcção no que se refere à execução da prestação da actividade do trabalhador pertencia à B...., sendo esta empresa que directamente ou através dos superiores hierárquicos dava ordens e instruções ao A. que a elas tinha que obedecer.
Acontece que o recurso pela Ré B... SA a esta forma atípica de prestação de trabalho é completamente ilícita, na medida em que não podia ignorar que a Ré C... não era nenhuma empresa de trabalho temporário, e só essa qualidade é que permitiria a recurso lícito a essa forma de prestação de trabalho, quer ele fosse de trabalho temporário quer de cedência ocasional de trabalhador, sendo certo que a Ré B... SA não celebrou os contratos escritos exigidos por essas formas de contratação atípicas de trabalhadores.
Por outro lado, verifica-se que a Ré C..., se dedicava à cedência temporária de mão-de-obra a terceiros, conforme consta no seu pacto social, mas essa actividade só era legalmente permitida a empresas de trabalho temporário, como se acima se disse.
Assim, a contratação do Autor pela Ré B..., configura uma violação grave das regras rígidas e excepcionais que regulamentam o trabalho temporário e a cedência de trabalhadores, porquanto essa empresa não podia ignorar que a empresa C... não era uma empresa de trabalho temporário.
E uma vez que a contratação do Autor pela Ré B... não pode ser enquadrável no âmbito do trabalho temporário nem na cedência ocasional de trabalhadores, quer do ponto de vista substancial, quer formal, só pode concluir-se pela vinculação efectiva do Autor à Ré B..., a quem efectivamente prestava trabalho desde 31.07.98.
Na verdade, o Autor era um trabalhador efectivo da B... para quem trabalhava em exclusivo e permanentemente desde 31.07.98, fora de quaisquer condições que permitissem enquadrar essa situação no contrato de trabalho temporário ou na cedência ocasional de trabalhador.
Nestas circunstâncias tem de entender-se como irrelevante o facto da retribuição ser paga pela C... o que apenas servia para encobrir a real vinculação do A. à Ré B..., sendo certo que do ponto de vista substancial quem pagava efectivamente a retribuição do Autor era a B... embora através de interposta pessoa (a C...).
Considera-se, pois, o Autor vinculado à Ré B...  por contrato de trabalho efectivo desde 31.07.98, concordando-se nesta parte com a decisão recorrida.
E sendo a Ré B... o verdadeiro empregador do Autor, mostra-se irrelevante o despedimento deste operado pela Ré C... uma vez que esta não era efectivamente a entidade empregadora do Autor, razão pela qual o contrato de trabalho do Autor só veio a cessar em 16 de Novembro de 2005, data em que o A. se apresentou fardado, às 9.00h da manhã, no Posto de Santa Iria da Azóia da B..., não lhe tendo sido autorizado o exercício de funções.

Quanto ao abandono do trabalho
Vejamos agora se a ausência do A. ao serviço durante seis meses vale como denúncia do contrato por abandono, como alega a Recorrente.
Resulta dos factos provados que o Autor entrou de baixa no dia 14.11.2003 e nessa situação permaneceu até que em 16.11.2005 se apresentou nas instalações da B... para trabalhar. Está também provado que o A. apresentou justificações médicas da sua baixa desde 14.11.2003, mas só remeteu para a Ré B... as primeiras justificações no dia 4.05.2004. Alega a Recorrente que esta ausência do trabalho durante cerca de seis meses configura a denúncia do contrato de trabalho por abandono do trabalhador.
Embora seja de presumir o abandono do trabalho quando se verifique a ausência do trabalhador durante, pelo menos dez dias úteis seguidos, sem que o empregador tenha recebido comunicação do motivo da ausência, nos termos do nº 2 do art. 450º do Código do Trabalho, o certo é que, no caso vertente, essa situação não pode configurar a cessação do contrato de trabalho por abandono, porquanto essa cessação do contrato só é invocável pelo empregador após comunicação por carta registada com aviso de recepção para a última morada do Autor (nº 5 do art. 450 do CT). E os autos não evidenciam que a Ré B... tenha comunicado ao A. por carta registada essa cessação do contrato.
Assim, é de concluir que o contrato de trabalho do Autor não cessou por abandono de trabalho.

Quanto ao despedimento
O contrato de trabalho cessou, sim, pela recusa da Ré B... em aceitar a prestação de trabalho do Autor quando este se dirigiu às suas instalações para esse efeito, no dia 16.11.2005.
Este comportamento configura um despedimento ilícito, por não ter sido precedido de processo disciplinar nem invocação de justa causa – art. 429º do CT – com os efeitos previstos no art. 436º nº 1 e 437º do CT, já devidamente assinalados na sentença recorrida, ou seja, o direito à indemnização em substituição da reintegração e às retribuições que o A. deixou de auferir desde 30 dias antes da propositura da acção até ao trânsito em julgado da decisão final.
           
Créditos laborais
Tem o Autor também direito aos restantes créditos laborais que lhe foram reconhecidos pela sentença recorrida para cuja fundamentação se remete por com ela se concordar. Refira-se apenas que não é de aplicar relativamente a estes créditos o Código do Trabalho, conforme alega a apelante, porquanto os factos ou situações que os geraram ocorreram antes da entrada em vigor do Código do Trabalho (art. 8º da lei 992003 de 27.08).

Excepção da Prescrição
Finalmente refira-se que também se não verifica a excepção da prescrição dos referidos créditos relativamente à Ré B...
Com efeito, o contrato de trabalho do Autor com a referida Ré só cessou, como já se disse, em 16 de Novembro de 2005, sendo que a presente acção foi proposta em 18 de Abril de 2006, ou seja, antes do decurso do prazo de um ano estabelecido no art. 38º do Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho, aprovado pelo DL 49408 de 24-11-69, em vigor nas datas em que ocorreram os factos que geraram os referidos créditos.
Improcedem, assim, todas as conclusões do presente recurso, sendo de confirmar a decisão recorrida embora com fundamentação não totalmente coincidente.

Decisão:
Nos termos expostos, acorda-se em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas a cargo da Recorrente.
Lisboa, 19/11/2008

Seara Paixão
Ferreira Marques
Maria João Romba

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[1] António Monteiro Fernandes, Direito do trabalho, 12ª ed. pag. 161 e segintes.
[2] Javillier, Droit du Travail, Paris, (1978) 231, citado por Monteiro Fernandes na orba citada a fls. 165.
[3] Célia Afonso Reis, Cedência de Trabalhadores, Almedina, pag. 15. Regina Redinha, A Relação Laboral Fragmentada, Coimbra Editora, pag. 152 e Catarina Nunes de Carvalho, “Da Mobilidade dos Trabalhadores no Âmbito do Grupo de Empresas Nacionais”).

[4] Actualmente, a cedência ocasional de trabalhadores é regulamentada no art. 322º e seguintes do Código do Trabalho, aliás, em termos substancialmente diferentes dos previstos no DL 358/89. E, mais recentemente foi publicada a Lei nº 19/07 de 22 de Maio que aprovou um novo regime do trabalho temporário, revogando o que restava do DL 358/89 de 17.19 com as respectivas alterações, tendo na secção IV introduzido uma nova modalidade de contrato de cedência, denominado contrato de trabalho por tempo indeterminado para cedência temporária.