Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | ANA DE AZEREDO COELHO | ||
Descritores: | REGIME DE COMUNHÃO DE ADQUIRIDOS BENS PRÓPRIOS | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 07/11/2013 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | N | ||
Texto Parcial: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | PROCEDENTE | ||
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Sumário: | I) A exigência para a sub-rogação indirecta da menção da natureza de bens próprios de um dos cônjuges do dinheiro ou valores utilizados na aquisição, constante do artigo 1723.º, do CC, não se verifica no domínio das relações entre os cônjuges, mas apenas no das destes com terceiros. II) A menção é exigida, com a publicidade que lhe dá o título de aquisição, para defesa dos interesses dos terceiros que não têm acesso a informação sobre a proveniência dos valores, não para defesa dos interesses dos cônjuges inteirados de tal proveniência. III) A situação sociológica de aplicação da norma é a de enorme frequência da ruptura da relação matrimonial, de regime de comunhão de bens adquiridos quase geral, em que a compra fundamental para o património comum da generalidade dos casais é a da casa própria e em que a aquisição jurídica antecede a aquisição económica, atenta a contração generalizada de empréstimo. IV) A situação mais frequente, na utilização de bens próprios a que a norma alude, é a de utilização de dinheiros ou valores que vieram ao património por sucessão mortis causa. Normalmente após a aquisição. Necessariamente sem possibilidade de fazer menção da proveniência no título de aquisição. V) A intervenção de ambos os cônjuges a que o artigo 1723.º se refere, reporta-se à declaração de proveniência do dinheiro ou valores e não à aquisição. De outro modo o cônjuge ausente – normalmente o que não é titular dos bens próprios – não ficaria vinculado à exclusão do bem da comunhão e esta é a única finalidade da menção. VI) Porém, para que se verifique a sub-rogação indirecta, é sempre necessária a intervenção do cônjuge titular do dinheiro ou valores utilizados, embora o não seja a do outro cônjuge, quando o mesmo seja convencido quanto à proveniência dos valores ou dinheiro. VII) O cônjuge titular único dos bens ou valores utilizados que não intervém na escritura de compra e venda, apenas pode aceder à titularidade da propriedade mediante a integração do bem no património comum, pois não pode adquirir um bem próprio sem intervir na escritura de aquisição do mesmo. (AAC) | ||
Decisão Texto Parcial: | ACORDAM do Tribunal da Relação de Lisboa:
I) RELATÓRIO TERESA, com os sinais dos autos, instaurou acção declarativa de condenação com processo comum ordinário contra JOÃO, com os sinais dos autos, alegando em síntese, que na pendência do casamento contraído entre as partes, foi adquirido um imóvel que veio a tornar-se a casa de morada de família, cujo preço foi pago com dinheiro proveniente de poupanças da Autora, ainda em solteira, ou com a venda de bens que lhe advieram por sucessão de seus pais, pelo que tal imóvel não integra o acervo de bens comuns do casal, devendo antes ser considerado como bem próprio da Autora, excluído da comunhão, o que pede seja declarado, condenando-se o Réu a reconhecê-lo como tal e determinando-se o registo respectivo. O Réu contestou, por excepção e impugnação, defendendo a impropriedade do meio processual por ser meio próprio o processo de inventário, impugnando a proveniência do dinheiro empregue no pagamento do sinal, preço e empréstimo, e pedindo, na procedência da acção, a condenação da Autora a indemnizar o Réu de todos os gastos por ele suportados com a aquisição do imóvel em causa, no montante de € 205.307,06. Replicou a Autora defendendo a propriedade do meio processual utilizado e impugnando os factos alegados em reconvenção. Foi proferido despacho julgando procedente a excepção de erro na forma de processo e, em consequência, foi o Réu absolvido da instância, decisão de que houve recurso que foi julgado procedente, determinando-se o prosseguimento dos autos. Foi designada audiência preliminar e proferida decisão que julgou inadmissível a reconvenção, absolvendo a Autora da instância reconvencional, e organizou a matéria de facto assente e a base instrutória, sem reclamações. Cumprido o demais legal, foi proferida sentença que julgou a acção procedente. Desta decisão interpôs recurso o Réu e alegando concluiu como segue: «I - Nos presentes Autos, foi proferida Sentença com o seguinte teor: “Declara-se e condena-se o réu a reconhecer, que o prédio urbano sito na Rua (…), inscrito na matriz predial urbana respetiva sob (…), é bem próprio da autora; - Determina-se à 8.ª Conservatória do Registo Predial de Lisboa que altere o registo do referido imóvel, para bem próprio da autora, oficiando-se à conservatória para o efeito após o trânsito em julgado da decisão.” II- Não se conforma o Réu, Ora Recorrente, com o teor daquela, pelo que, da mesma interpõe o presente Recurso de Apelação e recorre, quer da decisão relativa à decisão da matéria de facto, quer da matéria de direito, conforme infra melhor se alegará. (…) IV- Conforme infra melhor se alegará, entende, o Recorrente, que a prova carreada para os Autos impunha decisão diversa quanto a alguns dos factos provados e constantes da fundamentação de facto. V- Recorrente e Recorrida, casaram, entre si, em 24 de Julho de 1982, sob o regime da comunhão de adquiridos, e na constância do matrimónio adquiriram o prédio urbano sito na Rua (…) Lisboa, inscrito na matriz (…). VI- A Recorrida, nos Autos cuja Sentença ora se recorre, vem requerer a condenação do Recorrente, a reconhecer que o supra identificado bem, é bem próprio, porque adquirido com dinheiro proveniente da venda de bens próprios da Recorrida. VII- O Recorrido contestou, pugnando que o bem é bem comum do casal, e juntou documentos que entende fazerem prova de tal facto, além de ter indicado testemunhas que foram ouvidas em sede de Audiência de Discussão e Julgamento. VIII- Entende, o Ora Recorrente, salvo o devido respeito por melhor opinião, que alguns dos documentos juntos aos Autos, não foram valorados devidamente pelo Tribunal a quo, porquanto uma correcta avaliação e valoração dos mesmos impunha decisão distinta de alguns dos factos provados e constantes da fundamentação de facto da Sentença em crise. IX- Conforme consta da Sentença, em 9 de Junho de 1988, a Recorrida celebrou contrato de promessa de compra e venda, que tinha por objeto o prédio subjudice, pelo preço de PTE 50.000.000$00, equivalente a € 249.398,95 (duzentos e quarenta e nove mil, trezentos e noventa e oito euros e noventa e cinco cêntimos) e, nessa mesma data, a titulo de sinal e como principio de pagamento entregou a quantia de PTE 15.000.000$00 equivalente a € 74.819,68 (setenta e quatro mil, oitocentos e dezanove euros e sessenta e oito cêntimos). X- A escritura pública de compra e venda do referido prédio foi outorgada em 07 de Janeiro de 1999, tendo nela outorgado como comprador o Recorrente, casado na comunhão de adquiridos com a Recorrida. XI- Nesse mesmo dia, Recorrente e Recorrida contraíram um empréstimo junto da Caixa Geral de Depósitos para pagamento parcial do preço da aquisição do imóvel, no valor de PTE 42.530.000$00, sendo 35.000.000$00, para pagamento do remanescente do imóvel adquirido e o restante para pagamento de registos, impostos e parte das obras a realizar no imóvel; XII- Deu o Mm.º Juiz a quo por provado que, a maioria das amortizações efectuadas tinham sido feitas com entrega de valores próprios da Recorrida, provenientes de património daquela por via de herança de seus pais, e, salvo o devido respeito, tal conclusão apenas resulta de uma incorrecta valoração, do Tribunal a quo, da prova carreada para os Autos. XIII- Pois que, entende, o Recorrente, que, o Tribunal a quo não valorou prova documental junta aos Autos e deu por provados factos, por mero testemunho, quando tal prova deveria ter sido feita por prova documental, conforme infra melhor se alegará, o que, só por si, impunha, consequentemente, decisão diversa quanto à propriedade do imóvel, especificamente, que aquele é bem comum do casal e não bem próprio da Recorrida. XIV- Para uma melhor sistematização do presente Recurso pronunciar-nos-emos em relação a cada um dos factos que entendemos que impunham decisão diversa. Assim, (…) II - Da aplicação do direito e da errónea interpretação do mesmo: LXVIII- Com vista a fundamentar a decisão ora recorrida, o Tribunal a quo, recorre à al. c) do art. 1723.º do Código Civil, que tem a seguinte redacção: “Conservam a qualidade de bens próprios: os bens adquiridos ou as benfeitorias feitas com dinheiro ou valores próprios de um dos cônjuges, desde que a proveniência do dinheiro ou valores seja devidamente mencionada no documento de aquisição, ou documento equivalente, com a intervenção de ambos os cônjuges.” LXIX- De facto, nos Autos que ora se Recorre, a questão centra-se naquilo que a lei substantiva denomina de bens sub-rogados no lugar de bens próprios (art. 1723.º do CC). LXX- Como bem refere a Sentença ora recorrida e em especifico a já mencionada alínea c), tal preceito “reporta-se à chamada sub-rogação indirecta, que abrange os bens adquiridos mediante o emprego de bens próprios ou com o produto da alienação de bens próprios.” LXXI- De acordo com o referido preceito, a proveniência do dinheiro deve ser mencionada no documento de aquisição para que, os bens adquiridos, possam manter a qualidade de bens próprios. LXXII- É esta a interpretação que resulta da letra da Lei, que impõe como requisitos para que a sub-rogação opere: a) Que conste do documento de aquisição, ou documento equivalente, que o bem foi adquirido com valores provenientes de bens próprios de um dos cônjuges; b) que ambos os cônjuges intervenham na outorga daquele documento. LXXIII- E é esta a tese que o Recorrente defende e entende que deve ser seguida, atenta a letra da Lei. LXXIV- Tal impunha, só por si, que o Tribunal a quo, tivesse decidido que o bem era comum, pois que, nem consta da escritura de compra e venda que o bem foi adquirido com dinheiro próprio da Recorrida, nem ambos intervieram naquele acto. LXXV- Bem sabe o Recorrente que quanto a esta matéria muito se tem debatido. LXXVI- Nomeadamente, a questão Doutrinária e Jurisprudencial que se tem desenvolvido sobre este tema é quando, como ocorre nos Autos que ora se recorre, o documento de aquisição (ou equivalente, como também refere a Lei), nada diz quanto à proveniência do dinheiro. LXXVII- A corrente perfilhada pela Sentença que ora se recorre é, em suma, a de que a exigência de tal menção quanto à proveniência do dinheiro e demais formalidades da alínea c) do art. 1723.º do CC, só ocorre quando estejam em causa interesses de terceiros. LXXVIII- E que, quando se trate de relações entre cônjuges, que tais formalidades poderão ser olvidadas e que a conexão entre o bem adquirido e os bens próprios seja estabelecida por qualquer meio de prova. LXXIX- Seguindo tal corrente, entendeu, sumariamente, o Tribunal a quo, que tinha sido feita prova nos Autos tendente a concluir que: a) o pagamento do sinal do preço do imóvel havia sido feito com valores provenientes da venda de um bem comum da Recorrida (conforme supra referido, discordamos que de tal tivesse sido feito prova cabal); b) e que parte substancial do empréstimo contraído para pagamento do preço do imóvel foi amortizado com valores provenientes da venda de património próprio da Recorrida (o que também discordamos); c) fazendo uso do disposto no n.º 1 do art. 1726.º do CC, conclui que se na maior parte do valor pago teria provido da venda de bens próprios da Recorrida, sendo esta, assim, a mais valiosa das prestações, o bem teria de ser considerado bem próprio, sem prejuízo do disposto no n.º 2 daquele mesmo preceito legal, a ter em conta em sede de partilha. LXXX- Não se pode o Recorrente conformar com tal decisão, por duas ordens de razões: a) como acima já alegado, nunca tal podia ser extraído da prova produzida, pois que, a correcta interpretação daquela, levaria o Tribunal a quo a dizer que estava perante um bem comum do casal; b) e se o Legislador tivesse querido que entre os cônjuges pudesse ser utilizada prova diversa no sentido de afastar a necessidade de declaração expressa no documento, teria, no citado normativo, explicitado tal situação. LXXXI- Ora, do artigo nada consta quanto a tal especificidade referente as relações entre cônjuges, pelo contrário refere a exigência de declaração expressa de que o bem é adquirido com valor próprio de um cônjuges e que ambos outorguem nesse documento. LXXXII- Reitera-se, o Recorrente defende que, as formalidades exigidas pela al. c) do art. 1723.º do CC devem ser cumpridas, independentemente de estar-se perante relações entre terceiros ou entre cônjuges. LXXXIII- Assim, no caso dos Autos, a falta de indicação expressa no documento de aquisição da proveniência dos valores da venda de bens próprios da Recorrida, ou de qualquer outro documento semelhante, impõe a decisão que o bem é comum, atento o regime de bens que vigora entre Recorrente e Recorrida, o da comunhão de bens adquiridos, e o facto do bem ter sido adquirido após a constância do casamento. LXXXIV- Neste sentido, cite-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10/15/1998, proc 98B530, onde no seu sumário se lê: “A alínea c) do artigo 1723 do Código Civil afasta qualquer outra prova para além da nela mencionada” LXXXV- Ou o Acórdão também do Supremo Tribunal de Justiça datado de 25.05.2000, com o n.º de proc. 99B1128, no qual se lê: I - No domínio do CC de 1867 tinha-se em conta a inventariação de bens próprios no regime de comunhão de adquiridos, imposta pelo artigo 1131º, concedia-se certeza à declaração no documento de aquisição de bens sub-rogados no lugar de bens próprios, pelas partes. II - Havia, no entanto, quem admitisse produção de prova por outros meios. III - Essa prova deve ter-se por afastada actualmente, designadamente pelos termos precisos constantes do artigo 1723º do CC actual e pelo facto de já não existir inventariação nos termos previstos no referido artigo 1131º. LXXXVI- Assim, pugna-se pelo reconhecimento que o imóvel subjudice é bem comum do casal, o que se requer! LXXXVII- Não concedendo quanto a todo o supra alegado, ainda que se perfilhasse o entendimento que, estando em causa relações entre cônjuges e não entre terceiros, e fosse possível a prova, por qualquer meio, da proveniência dos valores que foram utilizados para pagar o preço de aquisição do imóvel, estaria em falta o preenchimento de um outro requisito. LXXXVIII- Com efeito, salvo o devido respeito por melhor opinião, ainda que ultrapassada a falta da declaração da proveniência dos valores, por outro meio de prova, a al. c) do art. 1723.º do CC exige um outro requisito: a intervenção dos dois cônjuges. LXXXIX- E in casu, não ocorreu a intervenção de ambos os cônjuges na outorga da escritura de aquisição do imóvel. XC- E tal é possível aferir, quer da certidão da escritura de compra e venda junta aos Autos, quer dos Articulados das Partes. XCI- E é facto dado como provado (D) e consta do ponto 4.º da fundamentação de facto da Sentença em crise, onde se lê: “A escritura pública de compra e venda do prédio referido em B) foi outorgada no dia 7 de Janeiro de 1999, tendo nela outorgado como comprador o Réu, casado na comunhão de adquiridos com a Autora.” XCII- Ora, salvo o devido respeito por melhor opinião, mesmo feita a prova, por outros meios da proveniência dos valores, continua a faltar um requisito: o documento de aquisição, ou outro equivalente, ter sido assinado por ambos os cônjuges. XCIII- O que não sucedeu e, repita-se, foi o Recorrente quem a assinou. XCIV- Faltando um dos requisitos, exigidos pela Lei, forçoso é concluir que o bem é bem comum do casal. XCV- Esta é a posição defendida pelo Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça datado de 13.07.2010, proc. n.º 1047/06-9TVPTR.P1.S1, em cujo sumário podemos ler: I – Quando estão em causa apenas os interesses dos próprios cônjuges, a falta da declaração referida e prevista na alínea c) do art. 1723.º do CC pode ser substituída por qualquer meio de prova que demonstre que o pagamento foi feito, apenas com dinheiro de um deles, ou com bens próprios de um deles. I – O artigo 1723.º, c) do Código Civil, ao determinar que os bens adquiridos com dinheiro ou valores próprios de um dos cônjuges conservam a qualidade de bens próprios desde que a proveniência do dinheiro ou dos valores seja devidamente mencionada no documento da aquisição, ou em documento equivalente exige a intervenção de ambos os cônjuges.” XCVI- Não pretende o Recorrente ser extensivo nas presentes alegações, mas entende pertinente a transcrição de parte do texto do supra mencionado Acórdão, com vista a cabal esclarecimento da posição aqui defendida: (…) XCVII- Face a todo o supra exposto, deve a Sentença ora Recorrida ser substituída por outra Decisão que conclua em sentido diverso e decida que o Bem é Comum ao Recorrente e à Recorrida, como efetivamente é. Termos em que deve, assim, a Sentença proferida em 1.ª Instância ser revogada, e, substituída por Decisão que conclua que o bem subjudice é comum ao Recorrente e à Recorrida, fazendo-se, assim, Justiça!». A Autora contra-alegou defendendo o bem fundado da sentença e estar indevidamente impugnada decisão de facto por isso que o Recorrente não indicou os meios de prova ou sentido em que haveria de ter sido proferida decisão. O recurso foi recebido como apelação, para subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo. Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir. II) OBJECTO DO RECURSO Defendeu a Recorrida que a impugnação da decisão de facto não corresponde aos requisitos legais uma vez que não indica os meios de prova que impõem decisão diversa nem o sentido desta. Não se vê em que funda a posição expressa. As alegações de recurso e as conclusões (a considerar-se conclusões a extensa referência que quase duplica as alegações e da qual consta até transcrição de arestos[1]) indicam os pontos de facto impugnados, indicam os documentos de que se devia extrair conclusão diversa e indicam o sentido dessa decisão diversa. Assim é que o Recorrente impugna a decisão: - quanto ao valor pago a título de sinal, matéria que consta dos quesitos 5.º, 6.º, 7.º, 12.º e 14.º, entendendo que não está demonstrado que o sinal tenha sido pago com o dinheiro recebido da venda dos prédios rústicos, atenta a prova documental feita quanto à conta de que foi feito o pagamento. - quanto às aplicações financeiras e certificados de aforro, matéria que consta dos quesitos 2.º, 3.º e 4.º, entendendo que não está demonstrado que se tratasse de dinheiro das poupanças de solteira da Autora, por se tratar de prova a fazer por documento e não por testemunhas. - quanto ao produto da venda das fracções D e E e retirado da conta poupança habitação, matéria que consta dos quesitos 8.º, 9.º, 10.º, 11.º e 16.º, entendendo que se trata de bens comuns provindo o dinheiro de conta comum, atenta a prova documental feita quanto às contas de que foi feito o pagamento. - quanto à amortização com valores comuns, atenta a prova documental feita quanto à conta de que foi feito o pagamento. Da própria enunciação resulta estarem verificados os requisitos a que alude o artigo 685.º-B, do CPC, de indicação da matéria de facto impugnada e dos meios de prova em que se funda a impugnação. Tendo em atenção as conclusões da Recorrente e inexistindo questões de conhecimento oficioso - artigo 684.º, n.º 3, 685.º A, nº 1 e 3, com as excepções do artigo 660.º, n.º 2, in fine, ambos do CPC -, são as seguintes as questões a decidir: III) FUNDAMENTAÇÃO (…) 1.2 Dos factos assentes após reapreciação 2.1 Do regime de bens A Autora e o Réu contraíram entre si casamento em 24 de Julho de 1982, sem convenção ante-nupcial (alínea A) supra). Nos termos do artigo 1717.º, do CC, considera-se o casamento celebrado sob o regime de comunhão de adquiridos. Neste regime de bens, são bens próprios, segundo o disposto no artigo 1722.º, n.º 1, do CC, os bens que os cônjuges tiverem ao tempo da celebração do casamento, os que depois dessa data lhes advierem por sucessão ou doação e os que forem adquiridos por direito próprio anterior à celebração do casamento. O n.º 2 da norma não tem interesse na regulação do caso vertente. 2.2 Da amortização do empréstimo com dinheiro proveniente da venda de bens próprios Pela presente acção pretendeu a Autora fosse declarada a natureza de bem própria de imóvel (casa dos Olivais) adquirido na constância do casamento com o Réu. A Autora alegou quanto a tal que pagou o sinal da compra da casa dos Olivais, no montante de PTE 15.000.000$00 com dinheiro proveniente da venda do prédio do Livramento, herdado de seus pais (o que logrou provar conforme alíneas R) a T) dos factos provados); amortizou o empréstimo para compra da casa dos Olivais no montante de PTE 28.500.000$00, dinheiro proveniente da venda da fracção E, que lhe adveio por sucessão de seus pais, que o foi pelo preço de PTE 29.500.000$00 (o que logrou provar conforme alíneas H), I), U) e V)); amortizou o mesmo empréstimo com o montante de PTE 10.500.000, dinheiro proveniente da venda da fracção D, que lhe adveio por sucessão de seus pais, que o foi pelo preço de PTE 21.500.000$00 (o que logrou provar conforme alíneas J), L), W) e X)); amortizou o empréstimo com dinheiro de poupanças de solteira no montante de PTE 3.530.270$00 (o que não logrou provar como acima se decidiu); alegando ainda que amortizou a totalidade do empréstimo contraído (do que apenas se provou o que consta da alínea BB) dos factos provados, ou seja, que transferiu para amortização o montante de € 5.486,34 da conta poupança habitação aberta em seu nome e no do Réu). Este breve resumo da alegação e da prova quanto à amortização do empréstimo ou ao pagamento do sinal entregue pela casa dos Olivais, destina-se a tornar clara a alegação (que delimita os factos a provar) e a prova feita. O que cremos útil na medida em que a decisão impugnada refere não somente os factos apurados em resultado da decisão de facto sujeita à base instrutória, mas também outros factos que resultaram do depoimento de Francisco, quanto à proveniência e percurso do dinheiro, mas que a Autora não havia alegado enquanto tal. É o caso do provisionamento da conta poupança habitação que a Autora nunca alegou ter sido feito com dinheiro proveniente da venda de bens próprios. Essa matéria não poderá em consequência ser tida em conta. Assim, o que se provou foi que a Autora utilizou no sinal da casa dos Olivais ou na amortização do empréstimo contraído para a aquisição da mesma os seguintes valores provenientes da venda de bens que lhe advieram por sucessão de seus pais: - PTE 15.000.000$00 da venda do prédio sito no Livramento - PTE 28.500.000$00 da venda da fracção D dos Anjos - PTE 10.500.000$00 da venda da fracção E dos Anjos Num total de PTE 54.000.000$00. Os bens em causa eram bens próprios da Autora visto o disposto na alínea b), do n.º 1, do artigo 1722.º citado. O Recorrente invocou no recurso o facto de a fracção E dos Anjos ser em parte sua (metade) por lhe ter sido doada pela Autora (facto que se encontra assente conforme alínea CC) supra). Pretendia assim que não podia considerar-se que o valor da venda dessa fracção era na totalidade bem próprio da Autora. A questão não tem sentido na medida em que a Autora alegou e provou ter empregado na amortização montante ligeiramente inferior a metade do preço recebido, sendo iniludível que mantinha a titularidade de metade da fracção por sucessão de seus pais. Com o que se conclui que na aquisição da fracção foram utilizados dinheiros provenientes da venda de bens próprios da Autora, nos termos acima referidos. 2.1. Da necessidade da menção da proveniência dos valores no título de aquisição A sentença impugnada aprecia a questão sob a perspectiva do artigo 1723.º, do CC, norma que estatui: “Conservam a qualidade de bens próprios: (…) c) Os bens adquiridos ou as benfeitorias feitas com dinheiro ou valores próprios de um dos cônjuges, desde que a proveniência do dinheiro ou valores seja devidamente mencionada no documento de aquisição, ou em documento equivalente, com intervenção de ambos os cônjuges” (sublinhado nosso). Demonstrada a utilização de dinheiro proveniente de bens próprios para aquisição da casa dos Oliviais que está em causa, importa saber se podem considerar-se verificados os requisitos da norma em causa que estabelece a chamada sub-rogação indirecta, como bem refere a decisão recorrida. A norma alude à menção da proveniência do dinheiro ou valores no título de aquisição. Deverá considerar-se tal menção como requisito da sub-rogação indirecta? Continuando a seguir a decisão impugnada, a questão coloca-se como aí descrito: parte da doutrina entende necessária a menção e a jurisprudência surge unânime[2] a considerá-la desnecessária quando nos encontrarmos no domínio das relações entre os cônjuges. Ou seja, no caso dos autos tal menção seria desnecessária para que pudesse considerar-se verificada a sub-rogação. Entendemos desnecessária a menção, assim aderindo à jurisprudência que cremos praticamente unânime. Na verdade, a menção é exigida, com a publicidade que lhe dá o título de aquisição, para defesa dos interesses dos terceiros sem acesso a informação sobre a proveniência dos valores, não para defesa dos interesses dos cônjuges inteirados de tal proveniência. Acresce que a norma tem particular relevo numa situação sociológica em que a ruptura da relação matrimonial é estatiscamente frequente. Mais, tem relevo quanto à enorme maioria dos casamentos, aos quais é aplicável o regime supletivo legal de comunhão de bens adquiridos, relevo que se expressa com particular acuidade numa sociedade em que a compra fundamental para o património comum da generalidade dos casais é a da casa própria. Por outro lado, no regime de bens legal supletivo vigente, a aplicação da norma surge como particularmente importante, no que se refere às relações entre os cônjuges, quanto à utilização de dinheiros ou valores que vieram ao património por sucessão mortis causa. Sucessão que ocorre, ainda considerando a normalidade das situações, quando aquela aquisição jurídica já ocorreu – pela celebração da competente escritura – mas a aquisição económica ainda não se verificou. É nesta que serão despendidos os valores adquiridos por sucessão. Normalmente após a aquisição. Necessariamente, em tal caso, sem possibilidade de fazer menção da utilização no título de aquisição. Estas circunstâncias da realidade a que a norma se aplica determinam ainda mais o acerto da interpretação jurisprudencial citada. Em consequência, entendemos que não obsta à verificação do instituto nas relações entre os cônjuges, a inexistência de menção na escritura da proveniência dos valores ou dinheiros. 2.2. Da necessidade de intervenção de ambos os cônjuges na outorga do título de aquisição O Recorrente coloca uma outra questão: a da necessidade da intervenção de ambos os cônjuges no título de aquisição. Na verdade, no caso dos autos apenas o Recorrente teve intervenção na escritura (alínea D) supra) de compra da casa dos Olivais. A norma refere-o, como resulta do texto supra e do sublinhado que dele fizemos. Numa abordagem literal da norma transcrita, importa saber se a menção “com intervenção de ambos os cônjuges” se refere à aquisição ou à declaração de proveniência. Dir-se-á que a questão é irrelevante uma vez que o título de aquisição é também aquele onde consta a declaração. Mas o próprio enunciado faz ressaltar a relevância, face ao que antes expusemos. A questão é irrelevante quando a menção é feita no título de aquisição, mas não o é quando dissociamos a declaração do título. E o caso vertente é um caso de dissociação, como referido. Nesse caso, torna-se de toda a relevância saber se para se operar a sub-rogação é necessária a intervenção de ambos os cônjuges na aquisição. Em termos literais, a norma indica quais os bens que conservam a natureza de bens próprios e estipula uma condição para que tal ocorra: ser feita a declaração de proveniência em título com intervenção de ambos os cônjuges. Daí a necessidade de intervenção de ambos os cônjuges refere-se à declaração e não à aquisição. Entender o contrário levaria a ler a norma (mantemo-nos no elemento literal) como determinando a qualidade de bens próprios dos “bens adquiridos [(…) com dinheiro ou valores próprios de um dos cônjuges (…)] com intervenção de ambos os cônjuges”. Ou seja, a lei exigiria (no artigo 1723.º, do CC) a aquisição por ambos os cônjuges dos bens que conservam a natureza de bens próprios e permitiria (no artigo 1724.º, alínea b), do CC) a aquisição apenas por um deles de bens comuns. O que não faz sentido. Do que concluímos, como adiantámos, que a exigência de intervenção de ambos os cônjuges tem de ler-se em relação com os casos de menção de proveniência: quando haja de ser feita tal menção no título de aquisição, a mesma apenas é válida se ambos os cônjuges intervierem. Naturalmente, porque de outro modo o cônjuge ausente – normalmente o que não é titular dos bens próprios – não ficaria vinculado à exclusão do bem da comunhão e esta é a única finalidade da menção. O acórdão que citámos do Supremo Tribunal de Justiça[3] defende posição contrária ao referir: «O facto de se ter seguido a tese de que neste preceito existe apenas uma presunção juris tantum quanto à propriedade dos bens, que poderá ser ilidida nas relações internas entre os cônjuges após a dissolução do casamento, tal não significa que se tenha de inobservar o que o mesmo preceito estipula, ou seja, é exigida a intervenção de ambos os cônjuges, um a adquirir por reemprego de bens próprios e outro a reconhecer que esses bens adquiridos são próprios do seu consorte que adquire. E como foi sobejamente demonstrado essa situação não se extrai da escritura, atento o modo como o réu nela teve intervenção, já que interveio por si só, sem qualquer menção de representação do seu cônjuge. Resta-nos referir que na interpretação resultante das várias posições doutrinais e jurisprudenciais citadas ,neste aspecto, a única divergência com a que segue a tese da presunção juris et de jure contida no artº 1723º do CC é a de que para esta tese a declaração de que os bens adquiridos com dinheiro ou valores próprios tem de estar obrigatoriamente feita,a essa proveniência, no documento de aquisição, enquanto que para a tese que seguimos (juris tantum) pode fazer-se ainda a prova dessa proveniência. Porém, quanto à necessidade da intervenção de ambos os cônjuges no documento de aquisição, ambas as teses coincidem na exigibilidade desse pressuposto. Está, pois, correcta a decisão do acórdão, continuando aqui a existir uma situação de um eventual direito de compensação como alguma doutrina acima referida o enquadra (mas que aqui não se discute, por a acção não ter sido configurada nessa perspectiva). Como referimos, não concluímos que a referência amplamente citada do artigo 1723.º exija a intervenção de ambos os cônjuges na aquisição. Mas cremos que também não é essa a razão determinante da decisão do Supremo Tribunal de Justiça. A argumentação expendida no aresto refere-se ao caso em que o cônjuge que não intervém é o proprietário dos dinheiros ou valores, não ao caso de não intervenção do outro cônjuge. Ou seja, a dificuldade que o caso suscita não é a de não terem intervenção ambos os cônjuges no título de aquisição, é a de não ter nele intervenção o cônjuge que será o único adquirente por força da sub-rogação indirecta. Caso o cônjuge “ausente” fosse o cônjuge não titular dos meios da aquisição, nenhuma das dificuldades mencionadas no acórdão como motivo da decisão se verificaria. Em tal caso, portanto, não obstaria à sub-rogação indirecta a ausência desse cônjuge da aquisição, quando o mesmo fosse convencido quanto à proveniência dos valores ou dinheiro. Cremos por isso que o que o aresto acaba por concluir não é a exigência pelo artigo 1723.º da intervenção de ambos os cônjuges na aquisição, mas apenas do titular dos meios utilizados. O que não significa que não possa ser exigida como indispensável a intervenção na aquisição do cônjuge titular dos meios. E concluímos que assim acontece pelas razões que se seguem. No regime de comunhão de bens adquiridos, quanto ao cônjuge que não intervém na aquisição dos bens, estes vêm à sua titularidade na medida em que integram a comunhão (citado artigo 1724.º, alínea b)). Em consequência, em caso como o dos autos, a Autora que não interveio na compra apenas poderia aceder à titularidade da propriedade sobre a casa dos Olivais na medida em que a compra da mesma pelo Réu determina a integração da casa no património comum. Ora, é justamente esta integração no património comum que se pretende ilidir pela demonstração de que a casa foi adquirida com dinheiro proveniente da venda de bens próprios[4]. Admitir-se que tal se pode verificar sem que a Autora intervenha na escritura de aquisição determinaria uma situação absurda, salvo o devido respeito. Em tal caso, admitir-se-ia que a Autora adquirisse inexistindo acto de aquisição do bem para a sua titularidade que permita que a Autora seja dele titular enquanto bem próprio (cf. artigo 1316.º, do CC, quanto aos modos de aquisição da propriedade). Não tendo intervenção em nome próprio na escritura, a Autora apenas pode ser titular do direito de propriedade enquanto o bem tenha natureza comum. Não por causa do artigo 1723.º, mas pelo regime geral de aquisição da propriedade e pelos seus reflexos na aquisição da propriedade em sede de regime matrimonial de comunhão de bens adquiridos. O que implica que, se apenas a Autora fosse interveniente na escritura, poderia ver declarada a natureza de bem próprio, pese embora o Réu não interviesse. Solução que não seria autorizada pela interpretação do artigo 1723.º que afastámos. Mas não pode adquirir um bem próprio sem intervir no acto de aquisição. Com o que se conclui improceder a acção, procedendo o recurso. IV) DECISÃO Pelo exposto, ACORDAM em julgar procedente o recurso, revogando a decisão recorrida. Custas pelo Recorrida. Lisboa, 11 de Julho de 2013 (Ana de Azeredo Coelho) (Tomé Ramião) (Vítor Amaral)
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Decisão Texto Integral: |