Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1982/2006-6
Relator: OLINDO GERALDES
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
SEGURO OBRIGATÓRIO
CULPA
INDEMNIZAÇÃO
JUROS DE MORA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/30/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ALTERADA A DECISÃO
Sumário: I. Os danos sofridos por pai e irmão, decorrentes da morte do condutor do veículo e titular da apólice, estão excluídos da garantia do seguro obrigatório.
II. O dano futuro, resultante de lesão corporal, está incluído na garantia do seguro, porquanto a exclusão, contemplada na alínea e) do n.º 2 do art.º 7.º do DL n.º 522/85, de 31/12, apenas abrange as lesões materiais, isto é, as que incidem sobre as coisas.
III. O sofrimento da vítima pela iminência da sua morte, ainda que breve, constitui um dano não patrimonial ressarcível.
IV. Tendo havido actualização do valor dos danos à data da sentença, os juros de mora contam-se a partir dessa data.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:

I. RELATÓRIO

Joaquim … instauraram, em 2 de Abril de 2003, na 10.ª Vara Cível da Comarca de Lisboa, contra … Companhia de Seguros, S.A., acção declarativa, sob a forma de processo ordinário, pedindo que a R. fosse condenada a pagar-lhes a quantia de € 598 538$00, acrescida dos juros de mora desde a citação.
Para tanto, alegaram, em síntese, que no dia 15 de Abril de 2000, ocorreu um acidente de viação, no Eixo Norte/Sul, em Lisboa, em que intervieram os veículos ligeiros de passageiros da marca Mercedes, matrícula 63-37-GE, e da marca Fiat, matrícula 24-34-GH, por culpa do condutor deste último, que conduzia de forma muito perigosa e com excesso de velocidade, do qual resultou a morte de João …, condutor do primeiro veículo e, respectivamente, filho e irmão dos AA., e de H…, ocupante do mesmo veículo e, respectivamente, mulher e mãe dos AA., assim como a destruição total do veículo, respondendo a R. pelos danos causados por efeito do respectivo contrato de seguro.
Contestou a R., alegando que a culpa do acidente foi exclusivamente do condutor do Mercedes, sendo apenas responsável pelos danos decorrentes da morte da referida Helena, e concluindo pela improcedência parcial da acção.
Realizado o julgamento, com gravação, foi proferida, em 11 de Maio de 2005, sentença, que julgando a acção parcialmente procedente, condenou a R. a pagar aos AA. a indemnização conjunta de € 30 000, pelo dano morte, € 7 500 a cada um deles, por danos morais próprios, acrescida dos juros de mora à taxa legal, desde o trânsito da sentença, e € 2 319,41 ao A. Joaquim, a título de danos patrimoniais, acrescida dos juros de mora à taxa legal a contar da citação.

Inconformados, os Autores apelaram da sentença e, tendo alegado, formularam, no essencial, as seguintes conclusões:

a) Os n.º s 1, 3, 5, 6, 8, 21, 23 e 28 da base instrutória devem ter uma resposta diferente, face à prova produzida.
b) O n.º 20 da base instrutória, sendo uma mera conclusão, deve ser eliminado.
c) Perante a factualidade, teria de se concluir pela culpa exclusiva do condutor do Fiat.
d) Com a imputação dessa culpa, fica afastada qualquer exclusão do dever de indemnizar prevista no art.º 7.º do DL n.º 522/85, de 31 de Dezembro, devendo proceder o pedido na sua globalidade.
e) A vítima Helena teve presciência da sua morte, tratando-se de um dano não patrimonial sofrido pela vítima, autónomo e não confundível com o dano morte, que a sentença olvidou.
f) As exclusões previstas no art.º 7.º do DL n.º 522/85 devem ser vistas em sentido restrito.
g) A perda de ganho futuro da falecida Helena é uma lesão causada ao seu agregado familiar.
h) Essa perda é decorrente não de lesão material, mas da lesão corporal.
i) O referido art.º 7.º não exclui os danos próprios sofridos pelos recorrentes decorrentes da morte do condutor do veículo seguro, considerado culpado.
j) Há manifesta contradição entre a fundamentação e a decisão quanto aos juros sobre a indemnização por danos não patrimoniais.
k) Nenhum fundamento é apresentado que sustente que a indemnização “já está actualizada”.
l) São devidos juros moratórios a partir da citação.
m) Os montantes indemnizatórios fixados a título de danos morais e dano morte estão manifestamente desajustados.
n) A sentença recorrida violou o disposto no art.º s 668.º, n.º 1, alíneas b), c) e d), do CPC, 483.º, 487.º, n.º 2, 496.º, 503.º, 562.º, 563.º, 564.º, 566.º e 805.º do CC, 5.º e 7.º do DL n.º 522/85, de 31 de Dezembro, alterado pelo DL n.º 130/94, de 19 de Maio.

Pretendem, com o provimento do recurso, a substituição da decisão recorrida por outra, que condene a R. na totalidade do pedido formulado.

A R. não apresentou contra-alegações.

Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

Neste recurso, para além da impugnação da decisão sobre a matéria de facto e da nulidade da sentença, está essencialmente em discussão a culpa do acidente de viação, a garantia do seguro obrigatório, o valor da indemnização e o momento da contagem dos juros de mora.

II. FUNDAMENTAÇÃO

2.1. Foram dados como provados os seguintes factos:

1. No dia 15 de Abril de 2000, pelas 18.00 horas, no Eixo Norte/Sul, no viaduto de Sete Rios, sobre a Av. das Forças Armadas, em Lisboa, J… conduzia o veículo ligeiro de passageiros, marca Mercedes, matrícula 63-37-GE, no sentido Sul/Norte, pela faixa da esquerda, seguindo a seu lado no mesmo carro H…, esposa do A. Joaquim e mãe do A. Tiago, enquanto F… conduzia o veículo ligeiro de passageiros, marca Fiat, matrícula 24-34-GH, no mesmo sentido, pela faixa do meio.
2. No local, a faixa de rodagem é composta por três hemi-faixas, com uma largura total de 10,40 metros.
3. Havia tráfego intenso, que fluía normalmente.
4. O tempo estava chuvoso e o piso molhado.
5. O Mercedes, ao descrever uma curva para a esquerda, embateu na lateral esquerda sobre a frente do Fiat.
6. O Mercedes entrou em despiste, para a direita, e fez alguns piões, indo embater, com a lateral direita, sobre o centro, no pilar de betão do viaduto referido, na saída para a Av. das Forças Armadas e Praça de Espanha, onde se imobilizou com a frente voltada para poente.
7. O Mercedes galgou uma ribanceira, de cerca de 2,5 m, até embater no referido pilar (resposta ao quesito 23.º).
8. Após o embate, o Fiat entrou em despiste para a direita, fazendo vários piões, provocados pelo embate.
9. O Fiat circulava a cerca de 60/70 Km/h (resposta ao quesito 21.º).
10. O Mercedes circulava a velocidade superior à do Fiat (resposta ao quesito 28.º)
11. O condutor do Mercedes tinha carta de condução há seis meses.
12. Em consequência directa e necessária do acidente, faleceram os referidos João Carlos e Helena.
13. O acidente desenvolveu-se por longos metros, desde o local do embate até ao referido pilar e, pelo menos neste percurso, aqueles tiveram presciência do seu fim.
14. A Helena tinha 47 anos de idade.
15. Era funcionária pública e auferira a remuneração anual de 2 608 587$00, no ano de 1999.
16. A sua remuneração integrava o rendimento do agregado familiar.
17. Era de condição social média e gozava do respeito, da amizade e da elevada consideração e estima dos colegas, vizinhos, familiares e de todos quantos com ela lidavam.
18. Constituía com os filhos e o marido uma família muito unida por laços de carinho, afecto e amor.
19. Era saudável, trabalhadora, feliz, com grande alegria de viver e dedicada à família.
20. Para o A. Tiago era uma referência importante e insubstituível, necessitando do seu amparo, conselho e dedicação.
21. À data do acidente, o A. Tiago tinha 17 anos de idade.
22. Actualmente, é estudante, frequentando o curso de Engenharia Civil.
23. O João Carlos tinha 18 anos de idade.
24. Frequentava o 11.º ano, com bom aproveitamento, querendo cursar Engenharia Mecânica.
25. Era saudável, alegre, divertido, dedicado, amigo, carinhoso e trabalhador.
26. Os Autores sofreram a dor das suas mortes.
27. Vivem profundamente amargurados e choram insistentemente a sua falta.
28. O Mercedes ficou destruído, indo directamente para a sucata.
29. Era propriedade do João Carlos e encontrava-se em bom estado de conservação.
30. O A. Joaquim despendeu a quantia de 465 000$00, com o funeral da Helena, e igual quantia com o funeral do João Carlos.
31. Não recebeu qualquer comparticipação da Segurança Social, para o pagamento dos funerais.
32. À data do acidente, a Companhia de Seguros Império, S.A., tinha assumido o pagamento dos danos causados pelo veículo Fiat, matrícula 24-34-GH, nos termos da apólice n.º 2 1 43 185154 10.
33. À mesma data, a Companhia de Seguros Bonança, S.A., tinha assumido o pagamento dos danos causados pelo veículo Mercedes, matrícula 63-37-GE, nos termos da apólice n.º AU21367651.
34. A R. resultou da fusão entre a Companhia de Seguros Império, S.A., e a Companhia de Seguros Bonança, S.A.
35. O AA. foram habilitados como herdeiros de Helena das Dores da Silva Beatriz Oliveira.
36. O A. Joaquim foi habilitado como herdeiro de João Carlos Beatriz de Oliveira.


2.2. Da matéria de facto especificada, expurgou-se a matéria conclusiva, designadamente a referida na resposta ao quesito 20.º (“o condutor do 24-34-GH efectuava uma condução cautelosa”) e parte da alínea L) dos factos assentes (“o condutor do Mercedes 63-37-GE circulava (…) a velocidade excessiva para o local e em face das condições do tempo”).
Efectivamente, em ambos os casos, trata-se de meros juízos de valor, que, como tais, devem ser considerados como não escritos, por efeito da regra prevista no n.º 4 do art.º 646.º do CPC.

2.3. Os apelantes impugnaram a decisão sobre a matéria de facto relativamente aos quesitos 1.º, 3.º, 5.º, 6.º e 8.º (respostas negativas), 20.º, 21.º, 23.º e 28.º, indicando como meios de prova os depoimentos das testemunhas Maria Hermínia de Jesus Portázio Cadete e João Ramalho Carlos.
Em relação a um desses quesitos (20.º), já se tomou posição, nos termos referidos anteriormente. Por outro lado, quanto ao quesito 1.º (o veículo Fiat circulava a velocidade superior à permitida no local e à que as condições do tempo aconselhavam), que mereceu uma resposta negativa, apresenta-se também como conclusivo, porquanto a resposta a tal questão tem de resultar da velocidade efectiva a que o veículo seguia, da velocidade máxima permitida no local e daquela se adequar às condições meteorológicas, de modo a poder garantir as condições de segurança necessárias.
Assim, a reapreciação da prova, nos termos dos n.º s 1 e 2 do art.º 712.º do CPC, incide apenas sobre os restantes quesitos, aos quais foi dada a seguinte redacção:

- 3.º - O condutor do Fiat mudava sucessivamente de faixa?
- 5.º - E fazia ziguezagues?
- 6.º - A dado momento, o condutor do Fiat tentou entrar inopinadamente na faixa de trânsito em que circulava o Mercedes e à sua frente?
- 8.º - Foi nessa altura que se deu o embate do Mercedes no Fiat?
- 21.º - O condutor do 24-34-GH circulava a velocidade superior a 60 Km/hora?
- 23.º - O Mercedes galgou uma ribanceira com cerca de 2,5 metros de largura?
- 28.º - Antes do embate no 24-34-GH, o 63-37-GE circulava a velocidade superior a 100 Km/hora?

Na decisão sobre a matéria de facto (fls. 114/116), consignou-se que “a testemunha Maria Hermínia Cadete nada de concreto e preciso soube relatar acerca do acidente, tendo-se limitado a afirmar que foi tudo muito rápido e que não conseguia descrever o que acontecera. Sendo certo que quanto às ultrapassagens que referiu terem sido feitas por um Fiat – único aspecto da dinâmica do acidente que referiu insistentemente – designadamente a ultrapassagem ao Mercedes não é crível, atentas as faixas de rodagem em que circulavam os veículos embatidos, que resultam da participação e se encontram assentes (…). Tal depoimento não conseguiu infirmar o auto de participação (…), acrescendo que o conteúdo do auto foi confirmado pelo agente autuante e os factos nele descritos (…) foram objecto de depoimento claro e circunstanciado por parte das testemunhas da R., Francisco Pinto e Paulo Coelho, as quais depuseram de modo coerente, que se nos afigurou isento e mereceu credibilidade”.
Efectivamente, o depoimento da testemunha Maria Hermínia revela-se muito vago, impreciso e contraditório, perdendo por isso credibilidade. Apesar de ter declarado ter visto o acidente, a testemunha não conseguiu descrevê-lo, nem indicar a sua causa, referindo-se tanto a não ter a certeza, como a supor um susto do condutor do Mercedes ou uma tentativa de ultrapassagem por parte do Fiat.
Por outro lado, os depoimentos das testemunhas Francisco António Nunes Pinto, condutor do Fiat, e de Paulo José Gomes Ferreira Coelho, que seguia no Fiat, mostram-se contrários ao depoimento da testemunha Maria Hermínia, designadamente quanto ao modo como aquele veículo, antes do embate, vinha a ser conduzido, depoimentos que mereceram o crédito do Tribunal e em relação aos quais não foram apresentados quaisquer motivos válidos que justificassem a exclusão da sua credibilidade.
Por sua vez, para a resposta negativa ao quesito 23.º, os apelantes especificaram o depoimento da testemunha João Ramalho Carlos.
O depoimento desta testemunha, que elaborou a participação do acidente, constante de fls. 18 a 21, não é contrário à resposta dada ao quesito 23.º. Embora tivesse feito referência a um declive, a testemunha também esclareceu que se tratava de um espaço que estava num “patamar superior” e que o Mercedes entrou pela terra”, o que poderá significar o mesmo que ribanceira, dependendo da perspectiva da observação. Aliás, a própria participação, referindo-se ao Mercedes, regista a expressão “galgando uma ribanceira com cerca de 2,5 metros” (fls. 19), como também as testemunhas Francisco António Nunes Pinto e Paulo José Gomes Ferreira Coelho, já mencionadas, identificam o local como sendo uma ribanceira.
Nesta conformidade, não há fundamento válido para alterar as respostas dadas aos mencionados quesitos, sendo certo que não se surpreende qualquer erro no processo formativo da convicção do Tribunal, para além de que importa respeitar os princípios da sua livre convicção e da imediação.
Improcede, por isso, a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, mantendo-se esta com conteúdo descrito oportunamente.

2.4. Os apelantes alegaram também que a sentença recorrida violou ainda o disposto no art.º 668.º, n.º 1, alíneas b), c) e d), do CPC, arguindo, desse modo, a sua nulidade.
Esta alegação, se bem se entende, surge relacionada com a actualização da indemnização pelos danos não patrimoniais e a determinação da contagem dos respectivos juros.
Contudo, a sentença recorrida não padece de qualquer vício que implique a sua nulidade.
Na verdade, não há omissão da especificação dos fundamentos de facto e de direito, designadamente quanto à questão da actualização, à data da sentença, da indemnização pelos danos de natureza não patrimonial, esclarecendo a sentença, pelo respectivo contexto, que aquela indemnização, ao ser fixada foi actualizada ao momento, e, por isso, se entendia, expressamente, que não eram devidos juros desde a citação (fls. 136).
Por outro lado, não há contradição entre os fundamentos e a decisão, quanto à contagem dos juros sobre a indemnização pelos danos de natureza não patrimonial. Com efeito, na motivação da sentença, não se especificou se os juros de mora se contavam a partir da data da sua prolação ou da data do seu trânsito, não entrando, desse modo, em contradição, com a decisão que estabeleceu os juros de mora “desde o trânsito da sentença”.
Poderá reconhecer-se alguma ambiguidade na fundamentação, mas isso não torna a sentença nula.
Além disso, no âmbito da mesma questão, não se manifesta na sentença qualquer omissão de pronúncia.
Neste contexto, improcede também a nulidade da sentença.

2.5. Delimitada a matéria de facto provada e afastado qualquer vício formal da sentença recorrida, importa agora conhecer das questões substantivas que emergem das conclusões da apelação.
Na sentença recorrida, foi imputada a responsabilidade civil do acidente de viação dos autos, nos termos previstos no art.º 483.º, n.º 1, do Código Civil, exclusivamente, ao condutor do Mercedes.
Essa subsunção jurídica, perante a manutenção da matéria de facto, não se modificou, nomeadamente no que se refere ao pressuposto da verificação da culpa, apreciada em termos abstractos (art.º 487.º, n.º 2, do Código Civil), que, desde logo na petição inicial, foi reconhecida pelos recorrentes, quando alegaram que o condutor do Mercedes “circulava na fila da esquerda a velocidade excessiva para o local e em face das condições do tempo”.
Ao invés, da mesma matéria de facto, não resulta que o condutor do veículo Fiat tenha violado qualquer norma legal de trânsito ou violado qualquer dever geral de cuidado, não podendo, por isso, ser-lhe atribuída qualquer grau de culpa no evento.
Assim sendo, a responsabilidade civil pelos danos emergentes do acidente de viação cabe ao condutor do Mercedes, matrícula 63-37-GE, que, por efeito da vigência do contrato de seguro, formalizado através da apólice n.º AU21367651, passou a obrigar a apelada.
É nesse âmbito que vem manifestada a discordância dos apelantes quanto à garantia do seguro de certos danos, questionando-se o alcance das exclusões previstas no art.º 7.º do DL n.º 522/85, de 31 de Dezembro, na redacção dada pelo art.º 1.º do DL n.º 130/94, de 19 de Maio.
Desde logo, resulta do disposto nos n.º s 1 e 2, al. a), do referido art.º 7.º, que o seguro obrigatório exclui da sua garantia os danos decorrentes de lesões sofridas pelo condutor do veículo seguro, quer decorram de lesões corporais quer materiais [acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 11 de Março de 1999, Colectânea de Jurisprudência (STJ), Ano VII, t. 1, pág. 135].
Por isso, e ao contrário do que defendem os recorrentes, os danos por si sofridos decorrentes da morte do condutor do veículo seguro estão excluídos da garantia do seguro obrigatório, não lhes sendo devidas as quantias que, a propósito, foram pedidas na acção.
Por outro lado, e em contraste com o entendimento seguido na sentença recorrida, já o dano resultante da perda do ganho futuro da também falecida Helena não está excluído da garantia do seguro, por efeito do disposto na al. e) do n.º 2 do art.º 7.º do DL n.º 522/85.
Com efeito, respeitando a um dano resultante de lesão corporal, está o mesmo incluído na garantia, porquanto a exclusão contemplada apenas abrange as lesões materiais, isto é, aquelas que incidem sobre as coisas. Na verdade, a expressão “lesões materiais” é usada em contraposição à expressão “lesões corporais”, significando aquelas as que atingem as coisas e as últimas as que afectam as pessoas. Como se regista no preâmbulo do DL n.º 130/94, procurou-se dar cumprimento à Directiva n.º 90/232/CEE, na qual se prescrevia que o seguro obrigatório deveria cobrir a responsabilidade dos “danos pessoais” de todos os passageiros resultantes da circulação de um veículo. Tem sido este o sentido seguido pela jurisprudência, designadamente no já citado aresto do Supremo e no acórdão da Relação de Coimbra, de 30 de Outubro de 2001 (Colectânea de Jurisprudência, Ano XXVI, t. 4, pág. 42).
Das lesões corporais tanto podem emergir danos patrimoniais, como danos não patrimoniais, incluindo-se nos primeiros o dano futuro da perda de ganho.
Importando considerar esse dano, a sua quantificação obedece às regras previstas nos art.º s 564.º e 566.º, ambos do Código Civil.
Não sendo possível a sua quantificação exacta, impõe-se o recurso ao princípio da equidade, de modo a proporcionar aos lesados um rendimento equivalente à contribuição que seria dada pela vítima [Sousa Dinis, Dano Corporal em Acidentes de Viação, in Colectânea de Jurisprudência, (STJ), Ano IX, t. 1, pág. 5 e segs., e acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 23 de Outubro de 2003, Colectânea de Jurisprudência, (STJ), Ano XI, t. 3, pág. 111].
Assim, considerando a remuneração anual auferida no ano anterior pela falecida Helena (2 608 587$00), a expectativa geral de vida, sendo certo que, na altura tinha 47 anos de idade, a progressiva melhoria da remuneração, os gastos consigo próprio e a circunstância da indemnização ser paga de uma só vez, arbitra-se a indemnização pela perda de ganho na quantia de € 162 000,00.
Por outro lado, vem questionado também o valor dos danos não patrimoniais sofridos pelos apelantes, o valor do dano morte e a omissão do dano não patrimonial sofrido pela vítima Helena.
Na verdade, ficou provado que aquela teve consciência da iminência da sua morte. Por isso, é de admitir que a mesma tenha tido um intenso e angustiante sofrimento, ainda que porventura breve. Trata-se de um dano não patrimonial sofrido pela vítima, que, pela gravidade que lhe está inerente, é ressarcível, nos termos do n.º 1 do art.º 496.º do Código Civil.
A fixação desse dano, que a sentença recorrida omitiu, obedece também ao princípio da equidade, levando ainda em consideração as circunstâncias referidas no art.º 494.º do Código Civil (496.º, n.º 3, do CC).
Assim, atendendo à gravidade do dano e ao circunstancialismo que o rodeou, considera-se adequado fixar esse dano no valor de € 5 000,00, nada obstando a que se atribua um valor superior ao indicado na petição, desde que não se ultrapasse o pedido global.
Por outro lado, e aplicando a mesma regra, também se considera que a indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos pelos apelantes, na sequência da morte violenta da referida Helena, que a sentença recorrida fixou em € 7 500,00, ficou aquém do valor que se apresenta mais ajustado aos factos, que se entende ser de € 15 000,00.
Com efeito, o sofrimento dos apelantes foi profundo e persistente, os quais, num ápice, viram a família, que era unida por laços de carinho, afecto e amor, destroçada por um evento extremamente violento. Visando tal tipo de indemnização compensar a dor sofrida, seria insuficiente o montante fixado na sentença.
Também o dano morte fixado na sentença é reduzido, atendendo designadamente aos valores que a jurisprudência mais recente tem vindo a estabelecer, considerando-se para o efeito mais ajustado, apesar do melindre inerente da questão, fixá-lo no valor de € 50 000,00.
Sendo a vida o bem mais precioso, a sua privação, pela morte, equivale a um prejuízo supremo, que importa reparar adequadamente, com a ponderação das finalidades que lhe estão atribuídas.
O valor dos danos, nomeadamente dos que vimos tratando especificadamente, encontra-se actualizado, com referência à data da sentença (11 de Maio de 2005).
Por isso, e acompanhando a doutrina fixada no acórdão de uniformização de jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, de 9 de Maio de 2002 (Diário da República, 1.ª Série – A, de 27 de Junho de 2002), os juros de mora são devidos a partir da data da sua actualização e não a partir da citação, como pretendem os apelantes, de forma a evitar, segundo o mesmo acórdão, a duplicação de benefícios resultantes do decurso do tempo.
No caso de não se ter procedido à actualização na sentença, como por vezes sucede, então é que os juros moratórios se contariam a partir da citação (art.º 805.º, n.º 3, do CC).
Assim sendo, no caso presente, os juros moratórios contam-se a partir de 11 de Maio de 2005.

Em conformidade com o exposto, procedendo em parte a apelação, deve a apelada pagar aos apelantes a indemnização de € 217 000,00 e ainda, a cada um deles, a indemnização de € 15 000,00, ambas acrescidas dos juros de mora legais, a partir de 11 de Maio de 2005 até integral pagamento, sem prejuízo do demais fixado ao apelante Joaquim.
Por isso, é de alterar parcialmente a decisão recorrida.

2.6. As partes, ao ficarem vencidas por decaimento, são responsáveis, na respectiva proporção, pelo pagamento das custas em ambas as instâncias, em conformidade com a regra da causalidade consagrada no art.º 446.º, n.º s 1 e 2, do CPC.

III. DECISÃO

Pelo exposto, decide-se:

1) Conceder parcial provimento ao recurso e, em consequência, alterando a decisão recorrida, condenar a Ré a pagar aos Autores a quantia de € 217 000,00 e ainda, a cada um deles, a quantia de € 15 000,00, acrescidas dos juros de mora legais a partir de 11 de Maio de 2005.

2) Condenar as partes no pagamento proporcional das custas, em ambas as instâncias.
Lisboa, 30 de Março de 2006

(Olindo dos Santos Geraldes)
(Ana Luísa de Passos Geraldes)
(Fátima Galante)