Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
13665/14.7T8LSB.L1-4
Relator: MARIA JOÃO ROMBA
Descritores: COMPANHIA DE AVIAÇÃO
TRATAMENTO DISCRIMINATÓRIO
CONJUGES
VIDA FAMILIAR
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/14/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A SENTENÇA
Sumário: I-Não constitui tratamento discriminatório a emissão pela empregadora (companhia de aviação) de uma instrução que, por questões operacionais, proíbe a coabitação no cockpit, em funções técnicas, de membros da mesma família (cônjuges, pais, filhos e irmãos), excepto se autorizados pelo “accountable manager”, ainda que à época, tal instrução seja aplicável apenas aos ora AA., por serem actualmente os únicos pilotos na empresa unidos pelo vínculo do casamento ou outro laço de parentesco considerado na instrução.
II-E embora seja de reconhecer que os constrangimentos decorrentes da aludida instrução envolvem necessariamente prejuízo para a vida familiar dos recorrentes, daí não decorre que a mesma deva ser considerada ilícita, sendo aceitável que na procura da compatibilização desse interesse dos trabalhadores com o interesse da comunidade na segurança de voo, se dê prevalência a este último, por superior, tanto mais quanto se verifica que a R. tem procurado cumprir o dever que lhe é imposto pelo art. 127º nº 3 do CT, dando instruções ao Departamento de Escalas para que os AA., sempre que possível, gozem dias de folga e férias coincidentes.
(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Parcial: Acordam os Juízes, do Tribunal da Relação de Lisboa.


I-RELATÓRIO:


AA, contribuinte fiscal nº (…), e BB, contribuinte fiscal nº (…), residentes na Rua (…), intentaram a presente acção emergente de contrato individual de trabalho, sob a forma do Processo Comum, contra CC, S.A., pessoa colectiva nº (…), com sede na Av. (…), pedindo a condenação da Ré:

-A remover do programa informático que elabora as escalas de serviço, a proibição de os Autores realizarem serviços de voo em conjunto;
-A elaborar as escalas de voo de forma equitativa, onde não há selecções ou discriminações;
-A elaborar as escalas de voo dos Autores de forma a fazer corresponder reciprocamente os períodos de trabalho com as folgas semanais;
-Abster-se de realizar todo e qualquer acto de assédio, que consista na prática de actos que afectem a dignidade dos Autores, que os humilhem ou desestabilizem, criando ambientes hostis, degradantes ou intimidativos;
-A indemnizar os Autores, a título de danos não patrimoniais, no montante de 20.000,00 €, acrescido de juros legais desde a citação até integral pagamento.

Alegaram, em síntese, que são trabalhadores da Ré desde, respectivamente, 1 de Maio de 1990 e 1 de Fevereiro de 1999, têm a sua base de operações sediada em Lisboa e actualmente as categorias profissionais de Comandante e Oficial Piloto, respectivamente.

No dia 30 de Maio de 2013, estando ambos escalados, apresentaram-se no Aeroporto de Lisboa para realizar o serviço de voo S4 851 LIS/SSA, com partida de Lisboa e destino a São Salvador, tendo sido impedidos de o realizar conjuntamente pela Ré, através do funcionário do Controlo de Tripulação (um deles teria que ir para casa). Os Autores sentiram-se humilhados perante os funcionários do Controlo de Tripulação, a tripulação e demais presentes. Constataram que nas escalas de serviço dos meses subsequentes, a Ré programou os voos de modo a que os Autores não voassem juntos, constando do sistema informático que elabora as escalas a proibição de voarem juntos. Por ordens da Ré, os Autores, desde 30 de Maio de 2013, não realizaram mais serviços de voo juntos. Desde 30 de Maio de 2013, as escalas são concebidas para que os Autores não beneficiem de tempos de descanso ou lazer em simultâneo. A proibição de voarem juntos, imposta pela Ré, é persecutória e discriminatória. Os Autores sentem-se fortemente intimidados, frustrados, desacreditados e humilhados face ao comportamento da Ré. Sempre foi política da Ré fazer conciliar os serviços de voo com tempos de descanso das tripulações com laços familiares, conjugais e afins, sendo os Autores a única excepção na empresa. Sentem-se ainda prejudicados na sua vida conjugal, familiar e social.

Concluíram que o comportamento da Ré se enquadra num tratamento discriminatório, persecutório e de assédio, constituindo igualmente uma violação do princípio de conciliação trabalho/família, que lhes causa danos que devem ser ressarcidos.

A ré contestou, por impugnação, alegando, em síntese, que no dia 2 de Março de 2013, os Autores, na qualidade de pilotos da Ré, como comandante e oficial piloto, respectivamente, foram intervenientes num acidente com a aeronave (…) aos comandos da qual se encontravam. Após o acidente a Ré iniciou um processo de averiguação interno às causas do mesmo, tendo imediatamente apurado que nos dois anos que antecederam o acidente, os Autores tinham diligenciado, quer junto dos serviços de escalas da Ré, quer junto dos colegas (através de trocas) para voarem em chave (para efectuarem os voos sempre juntos ao comando das aeronaves). É prática comum da indústria que as escalas sejam feitas de forma aleatória, não permitindo que as tripulações sejam compostas sempre pelas mesmas pessoas, a fim de evitar que as rotinas determinem falhas de segurança. A necessária cadeia de comando e de autonomia pode ser posta em causa entre dois familiares muito próximos. No decurso das averiguações ao acidente veio a apurar-se ser desaconselhável os Autores voarem juntos (porquanto os mesmos prejudicaram a investigação efectuada pelo GPIIA e pela Ré, na medida em que culposamente deixaram o gravador de voz do cockpit em funcionamento após a chegada, tendo as gravações do voo sido perdidas). Tal comportamento constituiu uma violação das regras europeias de aviação (Regulamento Europeu EU-OPS nº 859/2008 e nº 996/2010) e impediu a Ré de apurar, com certeza, qual dos dois Autores tripulava a aeronave no momento do acidente.

Na sequência da averiguação e de acordo com a recomendação emitida pelo Safety da CC, a Ré emitiu uma instrução para o serviço de escala sobre política de composição de tripulações técnicas, determinando um princípio geral, de acordo com o qual o departamento de planeamento e gestão de tripulações deve acautelar uma efectiva rotatividade de tripulações e definindo regras particulares relativas ao nível de experiência e relações familiares directas (a coabitação no cockpit de membros da mesma família – cônjuges, pais, filhos e irmãos – em funções técnicas não é permitida salvo autorização expressa do accountable manager).

Não obstante a instrução dada, a Ré tem tido o cuidado de escalar os Autores de forma a que os mesmos possam, sempre que possível, gozar folgas e férias em conjunto.

Concluiu que os dados recolhidos no âmbito da investigação ao acidente ocorrido com os Autores determinou a conclusão que as escalas devem abster-se de escalar ou pelo menos evitar familiares de grau próximo estarem ao comando da mesma aeronave, pelo que foram dadas instruções nesse sentido, que afectam todos os tripulantes e nada tem de persecutório ou ilegal, devendo a acção improceder.

Foi proferido despacho saneador  com dispensa da selecção da matéria de facto assente e controvertida.

Realizou-se a audiência de julgamento e foi proferida sentença que julgou a acção improcedente e absolveu a R. dos pedidos formulados pelos AA.

Não conformados, os AA. recorreram, formulando nas respectivas alegações as seguintes conclusões:
(…)

Nestes termos e nos mais de Direito, sempre com o douto suprimento de V. Exas., deve ser concedido provimento ao presente recurso, sendo revogada a decisão recorrida, e a Recorrida ser condenada:
a)A remover a proibição do programa informático de elaboração de escalas;
b)Elaborar as escalas de voo de forma equitativa, onde não há selecções ou discriminações;
c)Elaborar escalas de serviço de voo dos Recorrentes de forma a fazer corresponder reciprocamente os períodos de trabalho com as folgas semanais;
d)Abster-se de realizar todo e qualquer acto de assédio, que consista na prática de actos que afectem a dignidade dos Recorrentes, que os humilhem ou desestabilizem, criando ambientes hostis, degradantes ou intimidativos;
e)Indemnizar os Recorrentes a título de danos não patrimoniais no montante a fixar por V. Exas.,
com referência ao valor de €20.000,00 (vinte mil euros).

A recorrida contra-alegou, pugnando pela confirmação da sentença.

No mesmo sentido se pronunciou o M.P. junto deste tribunal, no respectivo parecer.

O objecto do recurso consiste em averiguar se houve erro na apreciação da prova no que se refere à matéria do ponto 46 da matéria de facto e, em função da decisão quanto a essa questão, se houve ou não erro na aplicação do direito quanto à alegada discriminação; mesmo que improceda a impugnação da matéria de facto, se a instrução em causa é destituída de fundamento técnico e afecta o direito dos AA. à protecção à família.
 
Na 1ª instância foram dados como provados os seguintes factos:

1.Os Autores, AA e BB, e a Ré, CC, S.A., celebraram entre si “contratos de trabalho”, respectivamente, em 01/05/1990 e 01/02/1999.
2.Os Autores têm a sua base de operações sediada em Lisboa, lugar da prestação de trabalho.
3.Ao Autor, AA, foi atribuída a categoria profissional de Piloto-Oficial e à Autora, BB, a categoria profissional de Assistente de Bordo, actualmente com as categorias profissionais de Comandante e Oficial Piloto respectivamente.
4.Os Autores são casados entre si.
5.Em 30/05/2013, os Autores apresentaram-se ao serviço no aeroporto de Lisboa para realizar o serviço de voo S4 851 LIS/SSA, para o qual ambos se encontravam escalados, com partida de Lisboa e destino a São Salvador.
6.Os Autores foram impedidos pela Ré de realizar o voo referido em 5, conjuntamente.
7.Ao Autores foram então informados pelo funcionário do Controlo de Tripulação, CC, de que não podiam voar juntos e que um deles teria que ir para casa.
8.O Autor AA, na ausência de melhor explicação e cumprindo integralmente a indicação que lhe estava a ser transmitida, optou, por sua iniciativa e na qualidade de Comandante, ser ele a não realizar o voo.
9.Em consequência, o aludido voo atrasou 1h40 minutos.
10.A situação referida nos pontos 5, 6 e 7 causou aos Autores incómodo e constrangimento perante os funcionários do Controle de Tripulação.
11.Em 11/07/2013, o Autor AA dirigiu carta ao Conselho de Administração da Ré, através da qual dava a conhecer os factos referidos nos pontos 4 a 6 e solicitava esclarecimentos sobre a situação.
12.Os Autores constataram que nas escalas de serviço dos meses subsequentes, a Ré programou os voos de modo a que estes não voassem juntos.
13.Por informação do Serviço de Planeamento de Escalas, consta do sistema informático que elabora as escalas que, no que tange aos Autores:
“Not same fligts with BB” e “Not same fligts with AA” a que corresponde a tradução literal “Não os mesmos voos com BB” e “Não os mesmos voos com AA”.
14.Por ordem da Ré, desde 30/05/2013 os Autores não realizaram mais serviços de voo em conjunto.
15.As escalas de serviço, desde 30/05/2013 são organizadas para que os voos dos Autores não coincidam.
16.No mês de Julho de 2013 as escalas inicialmente previstas para os Autores eram as constantes da cópia de fls. 27 dos autos, cujo teor se dá por reproduzido.
17.No mês de Agosto de 2013 as escalas inicialmente previstas para os Autores eram as constantes da cópia de fls. 28 dos autos, cujo teor se dá por reproduzido.
18.No mês de Setembro de 2013 as escalas inicialmente previstas para os Autores eram as constantes da cópia de fls. 29 dos autos, cujo teor se dá por reproduzido.
19.No mês de Outubro de 2013 as escalas inicialmente previstas para os Autores eram as constantes da cópia de fls. 30 dos autos, cujo teor se dá por reproduzido.
20.Em 17/08/2013 e 27/08/2013, os AA. solicitaram de forma expressa, junto do Departamento de Escalas, a possibilidade de voarem juntos.
21.Na escala de serviço publicada para o mês de Abril de 2014, os Autores não se mostravam escalados para voos em conjunto.
22.No dia 16 de Agosto de 2014, a Autora BB apresentou-se no aeroporto de Lisboa às 8h10, mas teve de aguardar mais de 6 horas que o Comandante que estava de assistência, comparecesse, tendo o voo partido de Lisboa com 6h50 minutos de atraso.
23.Também no dia 31/05/2014, estando a BB disponível para fazer o voo S4 200 com partida de Boston e destino a Lisboa, no qual o Autor AA era comandante, a CC optou por destacar um Oficial Piloto que estava a cumprir o descanso mínimo obrigatório de 12 horas, o que determinou a transferência do voo para o dia seguinte.
24.A Ré CC é uma sociedade anónima, de capital público.
25.Na presente data, no sistema informático que elabora as escalas, mantém-se a informação de proibição de os Autores voarem juntos.
26.A Ré fretou a outras companhias aéreas os voos:
- 14 Abril 120/121 Lisboa/P. Delgada/Lisboa,
- 14 Abril 125/128 Lisboa/P. Delgada/Lisboa,
- 15 Abril 129/128 Lisboa/P. Delgada/Lisboa,
- 06 Maio 129/128 Lisboa/P. Delgada/Lisboa,
- 14 Maio 129/128 Lisboa/P. Delgada/Lisboa,
- 17 Junho 129/128 Lisboa/P. Delgada/Lisboa,
- 18 Junho 129/128 Lisboa/P. Delgada/Lisboa,
- 04 Julho Lisboa/Boston, e
- 18 Julho Lisboa/Boston.
27.Um número não concretamente apurado de voos realizados pelos Autores, com destinos longínquos, determinam estadias da tripulação entre 5 a 7 dias, nomeadamente os de Toronto, Boston e Punta Cana.
28.As escalas inicialmente previstas para os Autores nos períodos de 01/09/2014 a 01/10/2014 e 01/10/2014 a 31/10/2014 eram as constantes de fls. 44, 47,49 e 51 dos autos, cujo teor se dá por reproduzido.
29.Sempre foi procedimento habitual da Ré permitir que as tripulações solicitem alterações de planeamento, o que continua a fazer, e fazer conciliar os serviços de voo com os tempos de descanso das tripulações com laços familiares.
30.Actualmente os Autores são os únicos pilotos com vínculo conjugal a prestar funções para a Ré no mesmo equipamento.
31.A determinação da Ré de não permitir que os Autores realizem voos em conjunto causa aos Autores incómodo e tristeza.
32.No período inicial da implementação pela Ré da proibição dos Autores voarem juntos, a mesma foi objecto de comentários por outros trabalhadores.
33.No dia 2 de Março de 2013, os Autores estavam, na qualidade de Pilotos da Ré, o 1.º Autor como Comandante e a 2ª Autora como Oficial Piloto, aos comandos da aeronave A310, com a matrícula CS-TGU, a efectuar o voo Lisboa - Ponta Delgada, quando, pelas 21:10h, durante a fase de arredondar, a aeronave saltou e foi colocada numa altitude de nariz em cima elevada que, associada a uma compressão do trem principal, causou o contacto da cauda com a superfície da pista.
34.O Relatório do GPIAA elaborado e junto aos autos a fls. 92 e seguintes, considerou que a aeronave em causa sofreu danos estruturais substanciais.
35.A Ré suportou para a respectiva reparação o montante de 617.933,28 Dólares Americanos (Mão de obra 295.503,38€ + Material 22.489,90USD + Airbus Repair Assistance 390.000,00 USD), tendo a aeronave estado imobilizada no âmbito da reparação durante cerca de 3 meses.
36.Logo após o acidente, a Ré iniciou um processo de averiguação interno às causas do mesmo.
37.No ano que antecedeu o acidente os Autores efectuaram um número não concretamente apurado de voos em conjunto, mas que se aproximou dos 85% dos voos por eles realizados, alguns dos quais com recurso ao mecanismo de “trocas entre pilotos”.
38.É prática da indústria que as escalas sejam feitas de forma aleatória para evitar que as tripulações sejam sempre compostas pelas mesmas pessoas e assegurar a rotatividade das mesmas.
39.O procedimento referido em 38 pretende evitar práticas rotinadas que possam interferir com as regras de segurança, nomeadamente a não observância da relação hierárquica vertical e a inexistência de efectiva distribuição de tarefas relativas ao plano de voo.
40.O plano conceptual de voo, no actual modelo de composição de tripulações “two men crew”, assenta numa relação hierárquica vertical.
41.Após o acidente a Ré proibiu os Autores de voarem juntos e “em chave” (expressão utilizada para denominar a tripulação que voa sistematicamente em conjunto), até que se apurassem as causas do mesmo.
42.Após o acidente a Ré suspendeu a actividade de voo aos Autores, como é prática nas companhias aéreas em caso de acidente, tendo estes ficado sem voar até data não concretamente apurada de Abril de 2013.
43.Após o acidente o Gabinete de Prevenção e Investigação de Acidentes com Aeronaves (GPIAA) elaborou o relatório constante de fls. 92 e seguintes dos autos, cujo teor se dá por reproduzido.
44.A aeronave A310, envolvida no acidente referido em 33, estava equipada com três gravadores de voo - gravador de voz do Cokpit (CVR), Gravador de dados de voo (FDR) e Gravador Digital ACMS, que efectua a monotorização das condições da aeronave (DAR).
45.Após o acidente descrito em 33 e a imobilização da aeronave, o gravador de voz do Cokpit (CVR) da aeronave foi deixado em funcionamento, o que determinou que os últimos 30 minutos de gravação das conversações de voo antes da aterragem tenham sido perdidas.
46.Na sequência da averiguação ao acidente, a Ré emitiu uma instrução para o serviço de escala relativa à composição de tripulações no sentido de acautelar uma efectiva rotatividade de tripulações e proibindo a coabitação no cockpit, em funções técnicas, de membros da mesma família (cônjuges, pais, filhos e irmãos), excepto se autorizados pelo “accountable manager” por questões operacionais.

47.O Safety da CC que investigou o acidente, elaborou o relatório de fls. 178 a 194 dos autos, datado de Junho de 2013, cujo teor se dá por reproduzido, do qual consta, sobre a epígrafe “Recomendações de Segurança”, nomeadamente que:
“3. Recomenda-se que o Departamento de Planeamento e Escalas considere o seguinte:
É entendimento do Gabinete Segurança de Voo que os laços familiares bem como a familiaridade e proximidade social, são potencialmente inibidoras de uma clara e rigorosa distribuição de tarefas e de uma atitude que se pretende assertiva em ambos os pilotos, numa lógica de Pilot Flying/Pilot Monitoring. (…).
Por essa razão, deverá o Departamento de Planeamento e Escalas, através do Planeamento Mensal e de um atento e criterioso controlo de trocas de escala entre tripulantes, acautelar uma efectiva rotatividade de tripulações, por forma a que todos os Comandantes e Copilotos sejam obrigados a trabalhar e a interagir enquanto tripulação, duma forma equitativa ao longo do tempo, com todos os Copilotos e Comandantes da sua frota.”.

48.A Ré deu ainda instruções ao Departamento de Escalas para que os Autores, sempre que possível, gozem dias de folga e férias coincidentes.
49.Em Julho de 2013 os AA. efectivamente tiveram:
-Folgas em simultâneo nos dias 08 e 09 de Julho, 20, 21 de Julho e 27 de Julho;
-Exames médicos em conjunto a 10 de Julho;
-Folga e stand-by em 19 de Julho;
-Situação de stand-by em simultâneo a 22 de Julho;
-Regressos de rotação em 07 e 26 de Julho; neste mês os AA estiveram um máximo de 7 dias separados.
50.Em Agosto de 2013 os AA. efectivamente tiveram:
-Folgas e dias livres 02 e 03 de Agosto;
-Folga em simultâneo a 25 de Agosto;
-Folgas e SBY a 26 e 28 de Agosto;
-Regressos de rotação em 01, 12, 26, 24 de Agosto; sendo que estiveram um máximo de 8 dias separados.
51.Em Setembro de 2013 os AA. efectivamente tiveram:
-Folgas em simultâneo 09 e 10 de Setembro;
-Folga e SBY 17 de Setembro;
-Regressos de rotação 03, 16, 25 de Setembro; sendo que estiveram separados num máximo de 7 dias.
52.Em Outubro de 2013, os AA. efectivamente tiveram:
-Dias livres e folgas 03/04/05/06 de Outubro, 15 de Outubro, 31 de Outubro;
-SBY e dia livre a 07 de Outubro;
-Folgas em simultâneo 12/13/14 de Outubro, 20/21 de Outubro;
-regressos de rotação 02, 11, 19, 30 de Outubro; estiveram um máximo de 8 dias separados.
53.Os meses indicados nos pontos 49 a 52 correspondem a meses do Verão IATA.
54.O acidente referido em 33, determinou uma auditoria do INAC, tendo o representante deste estado presente na reunião do Conselho de Administração da CC, S.A., de 19 de Setembro de 2013, cuja cópia se encontra a fls. 197 a 205 dos autos, no âmbito da qual foram apreciados os pontos dela constantes e mantida a proibição dos Autores.
55.O voo S4 1123/1122 de 16 de Agosto saiu em escala publicada à Autora BB e não ao Autor AA, que estava de assistência, vindo este a ser accionado pelo Crew Control no dia 15 de Agosto e nesse mesmo dia desnomeado por se terem apercebido de que não poderiam voar juntos.
56.O Sr. Director do GPIAA – Gabinete de Prevenção e Investigação de Acidentes com Aeronaves subscreveu o documento de fls. 213 a 218 dos autos, cujo teor se dá por reproduzido, com o seguinte assunto: “Esclarecimento relativo ao Relatório Final publicado referente ao acidente com a aeronave CS-TGU ocorrido a 02 de Março de 2013”.

Apreciação.

Impugnação da matéria de facto
(…)
Entendemos, em suma, que a impugnação não procede, mantendo-se o teor do ponto 46.

Da questão de direito.

Não tendo sido alterada a matéria de facto no sentido propugnado pelos AA., não pode deixar de improceder igualmente a parte do recurso em que pretendem pôr em causa a apreciação jurídica no que se refere à alegada discriminação de que se dizem vítimas.

Com efeito, como bem se afirma na sentença recorrida, «Decorre (…)  da factualidade provada que apesar de neste momento os Autores serem os únicos abrangidos pela instrução da Ré, por serem actualmente os únicos pilotos unidos pelo vínculo do casamento a operar a mesma frota, a mesma não é apenas dirigida a estes mas sim a todos os que sendo pilotos da mesma frota, estejam ou venham a estar unidos por vínculos familiares: A instrução proíbe a coabitação no cockpit, em funções técnicas, de membros da mesma família (cônjuges, pais, filhos e irmãos), excepto se autorizados pelo “accountable manager” por questões operacionais.

Mostra-se, pois, probatoriamente demonstrado que o tratamento diferenciador relativamente aos demais pilotos ao serviço da Ré, resultante da instrução da Ré, que aplicado aos Autores determina que os mesmos não possam prestar serviço de voo em conjunto, assenta no facto de actualmente estes serem os únicos pilotos unidos pelo vínculo do casamento ou outro grau de parentesco abrangido pela instrução. Não se trata de uma instrução que visa apenas abranger os Autores mas todos os pilotos que se encontrem ou venham a encontrar em igual circunstância.»

Não pode pois considerar-se que estejamos em face de tratamento discriminatório, nada permitindo admitir que a instrução em causa não seja aplicável a outros trabalhadores da R., familiares próximos entre si que porventura se venham a encontrar nas mesmas circunstâncias (operarem com o mesmo equipamento).

Tampouco têm os recorrentes razão quando afirmam que proibição de voarem em conjunto não tem justificação técnica. Também nesta questão, corroboramos inteiramente a sentença quando afirma “Relativamente ao fundamento determinante de tal tratamento diferenciador (que abrange os Autores) provou-se que o mesmo assenta em regras de segurança.

O plano conceptual de voo, no actual modelo de composição de tripulações “two men crew”, assenta numa relação hierárquica vertical, que pode ser posta em causa nas situações em que à relação profissional acresce uma vinculação de natureza pessoal, subjacente à relação de filiação ou matrimonial.

Tal constatação está subjacente à recomendação do gabinete com responsabilidade na segurança de voo da Ré que expressamente admite que os laços familiares bem como a familiaridade e proximidade social são potencialmente inibidoras de uma clara e rigorosa distribuição de tarefas.

Tal constatação mostra-se igualmente evidenciada, ainda que sob outra dimensão, na prática seguida pela indústria e que é justificadora da regra da aleatoriedade/rotatividade (As escalas devem ser feitas de forma aleatória para evitar que as tripulações sejam sempre compostas pelas mesmas pessoas e para assegurar a rotatividade das mesmas; com este procedimento pretende-se evitar práticas rotinadas que possam interferir com as regras de segurança, nomeadamente a não observância da relação hierárquica vertical e a inexistência de efectiva distribuição de tarefas relativas ao plano de voo)”.

Se bem que a recomendação constante do relatório do Safety da CC, mencionado no ponto 47 seja apenas no sentido de que seja garantida a efectiva rotatividade das equipas e que todos os comandantes e co-pilotos sejam obrigados a trabalhar e a interagir enquanto tripulação com todos os co-pilotos e comandantes, as regras da experiência comum permitem reconhecer que o tipo de relacionamento existente entre membros do mesmo agregado familiar, designadamente cônjuges, pode mais facilmente abrir brechas na relação hierárquica vertical  que caracteriza o modelo de composição de tripulações “two men crew” a que obedece o plano conceptual de voo na empresa e que isso, na medida em que envolve aumento do risco quanto à segurança de voo, justifica suficientemente a instrução em causa.

Entendemos, pois, que também nesta questão não assiste razão aos recorrentes.

E, ainda que seja de reconhecer que os constrangimentos decorrentes da aludida instrução envolvem necessariamente prejuízo para a vida familiar dos recorrentes, isso por si só também não basta para que possa ser considerada ilícita. Embora o empregador deva proporcionar ao trabalhador condições de trabalho que possibilitem a conciliação da vida profissional com a vida familiar (art. 127º nº 3 do CT), daí não resulta que esse interesse deva prevalecer sobre o interesse da comunidade na segurança de voo, que subjaz à instrução mencionada no ponto 46. Na compatibilização dos interesses conflituantes (o da comunidade na segurança de voo e o dos AA. na harmonização das respectivas vidas profissional e familiar) não cremos que mereça censura considerar que o primeiro, por ser superior, deva prevalecer, tanto mais que os AA. não ignoravam, seguramente, ao ingressar na carreira que a actividade profissional no sector da aviação comercial, em especial como pessoal de voo, implica, pela própria natureza da actividade, dificuldades acrescidas na compatibilização dessa actividade com a vida familiar. Além do mais verifica-se que a R. tem procurado cumprir o dever que lhe é imposto pelo citado art. 127º nº 3 do CT, dando instruções ao Departamento de Escalas para que os AA., sempre que possível, gozem dias de folga e férias coincidentes. Tanto assim que, mesmo na chamada época da alta (correspondente ao Verão IATA), em que a actividade da R é mais intensa, os AA. lograram gozar simultaneamente  não prestação efectiva de serviço nas datas indicadas nos pontos 49 a 52, o que se nos afigura proporcionado.

Entendemos, em suma, que a R. não incorreu em ilícito seja por discriminação, seja por violação do dever de propiciar a compatibilização da vida profissional e familiar e, consequentemente os AA. não têm direito à indemnização que reclamam, tendo a douta sentença recorrida analisado as questões colocadas com inteiro acerto.

Decisão.

Pelo exposto se acorda em julgar improcedente o recurso e confirmar a sentença recorrida.
Custas pelos recorrentes.



Lisboa, 14 de Setembro de 2016


Maria João Romba
Paula Sá Fernandes
José Feteira
Decisão Texto Integral: