Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:
I - Relatório.
Na comarca de Lisboa
Massa Falida de Vitamealo Portuguesa – Alimentos Vitaminados para Animais, SA
Intentou execução com processo sumário contra
(A) e mulher (B)
No decurso da execução a exequente veio ampliar o pedido, reclamando juros de mora vencidos que não tinha pedido na petição inicial.
Tal pedido foi indeferido.
É desse douto despacho que vem interposto o presente recurso de agravo.
Nas suas alegações a agravante formula as seguintes conclusões:
I.A ampliação do pedido no âmbito de uma acção executiva é compatível com a sua natureza se, para tal, se fizerem as necessárias adaptações.
II. O pedido executivo pode ser ampliado até á extinção da execução se a ampliação for o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo.
III. O crédito de juros de mora é urna consequência do não cumprimento do crédito principal, a obrigação pecuniária, por parte do devedor.
IV. Os Recorridos foram condenados em sentença no pagamento da obrigação pecuniária acrescido de juros de juros de mora vencidos e vincendos até seu integral pagamento.
V. A sentença condenatória é o título executivo que fundamenta a presente acção executiva.
VI. O artigo 466.° n.° 1 do CPC dispõe que as disposições da acção declarativa são subsidiariamente aplicáveis ao processo executivo desde que se mostrem compatíveis com a a natureza da própria acção executiva.
VII. Nada no artigo 273.° n.° 2 do CPC nos permite concluir pela incompatibilidade da sua aplicação na acção executiva.
VIII. O referido preceito é compatível com a natureza da acção executiva, que se funda num título executivo, no caso concreto uma sentença, para cobrança coerciva ou pagamento de uma quantia certa, a quantia exequenda.
IX. A ampliação do pedido executivo do pedido executivo de forma a abranger o crédito de juros que consta de uma sentença transitada em julgado, título executivo, que condenou os executados no pagamento de uma obrigação pecuniária não contraria a natureza da acção executiva.
X. O artigo 45.° n.° 1 do CPC preceitua que toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da acção executiva.
XI. Na acção executiva, aqui em causa, o fim consiste no pagamento de quantia certa. Os seus limites são os próprios limites estabelecidos no titulo executivo que a funda.
XII. Na presente lide executiva, com a ampliação do pedido executivo de forma a abranger os juros de mora pretende-se a prossecução do mesmo fim, o pagamento de uma quantia certa.
XIII. Com a ampliação do pedido executivo de forma a abranger o crédito de juros não se ultrapassa os limites estabelecidos no título executivo, pelo contrário, a sentença que está na base da acção executiva condena os devedores no pagamento desse crédito.
XIV. A ampliação do pedido executivo é perfeitamente possível nos termos conjugados nos artigos 273.° n.° 2 e 466.° n.° 1 do CPC.
XV. Tal também é o entendimento de vária jurisprudência.
XVI. A quantia objecto da ampliação é certa, exigível e liquida, ou seja, tem todos os requisitos indispensáveis de uma acção executiva.
XVII. É certa e liquida porque corresponde aos juros de mora desde o trânsito em julgado da sentença executada até ao integral pagamento do capital devido, ocorrido em Abril de 2001. São exigíveis na medida que o crédito de juros prescreve no prazo de cinco anos a contar do pagamento do crédito principal, nos termos do artigo 310.° alínea d) do Código Civil.
XVIII. O principio da estabilidade da instância executiva não é posta em causa com a ampliação do pedido executivo.
XIX. O artigo 268.° do CPC dispõe que uma vez citado o Réu, a instância deve manter-se a mesma qluanto às pessoas, ao pedido e à causa de pedir, salvo as possibilidades de modificação consignadas na lei.
XX. A ampliação do pedido é, pois, uma modificação consignada na lei, aplicável ao processo .de execução por força do disposto no artigo 466.° n.° 1 do CPC.
XXI. De recordar ainda que os Executados foram notificados do requerimento de ampliação do pedido executivo para se pronunciarem, conforme está compulsado nos autos da presente acção executiva, ou seja, o principio do contraditório foi cumprido.
XXII. Concluímos, pois, que a matéria de facto consignada no douto despacho é insuficiente face à realidade compulsada dos autos do processo de execução.
XXVI. Para reforçar a nossa posição podemos invocar o artigo 54.° n.° 1 do CPC, que dispõe que o exequente pode requerer no mesmo processo, enquanto a execução não for julgada extinta, a execução de outro título desde que as circunstâncias não impeçam essa cumulação (incompetência. absoluta do tribunal; execuções com fins diversos; processo especial diferente para uma das execuções - artigo 53.° n.° 1 do CPC).
XXIV. Questiona-se, consequentemente, porque não dar a possibilidade ao exequente de requerer a execução do mesmo título no âmbito do mesmo processo de execução enquanto este não for julgado extinto, através da aplicação conjugada dos artigos 268.°, 273.° n.° 2 e 466.° n.° 1 do CPC?
XXV. O douto despacho invoca constantemente o artigo 805.° n.° 1 do CPC para sustentar a sua fundamentação e para por um "travão" à pretenção da Recorrente, posição com o qual não concordamos.
XXVI. O artigo 805.° n.° 1 do CPC não pode servir de "mordaça" ao requerimento de ampliação do pedido executivo, nos termos atrás referidos.
XXVII. O dito preceito não proíbe ou impede a plena aplicação dos artigos 273.° n.° 2 e 466.° do CPC.
XXVIII. Não podemos inferir da interpretação do citado artigo, recorrendo à interpretação literal, sistemática, teleológica e histórica, que foi intenção do legislador impedir a ampliação do pedido executivo nos termos propostos, seguindo as regras do artigo 9.° n.°s 1 e 2 do Código Civil.
XXIX. O artigo 9.° n.° 2 do CC dispõe que não pode ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.
XXX. Nada na letra do artigo 805.° n.° 1 do CPC nos permite chegar á conclusão que a ampliação do pedido executivo não tem cabimento legal.
XXXI. Nestes termos e nos demais de direito, deverá o douto despacho recorrido ser revogado, devendo a ampliação do pedido executivo no valor de 48.832,05 Euros ser admitida em sede execução.
Não houve contra-alegação.
O Exmo. Juiz manteve o seu despacho.
Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.
A questão a resolver consiste em apurar se deve ou não ser admitida a ampliação do pedido no presente processo executivo.
II - Fundamentos.
Sobre a matéria aqui em causa discorreu-se muito proficientemente na douta decisão do Tribunal a quo:
Vem o exequente, a fls. 140 requerer a ampliação do pedido executivo, nos termos do nº 2 do artº 273º do Código do Processo Civil.
A Exequente, quer no requerimento executivo inicial de fls. 1 a 5 quer no mesmo requerimento, após aperfeiçoamento, de fls. 25 a 29 dos Autos de Execução Sumária, peticionou apenas o capital em dívida de Esc: 3.195.929$00, não liquidando juros.
Dispõe o artº 802º do Código do Processo Civil que "a execução principia pelas diligências do exequente, destinadas a tornar a obrigação certa, exigível e líquida, se o não for em face do título executivo". No preceito contido no artº 805º nº 1 do mesmo diploma, está disposto que, "se for ilíquida a quantia que o executado é obrigado a pagar, o exequente fixará o quantitativo no requerimento inicial da execução quando a liquidação dependa de simples cálculo aritmético."
"A faculdade de ampliação do pedido consentida pelo nº 2 do artº 273º do Código do Processo Civil só tem assento no processo de declaração e não também em processo executivo, fundamentalmente por neste não terem cabimento duas realidades processuais que, por tal motivo, a excluem - por um lado, a "réplica" e de outro a própria discussão da causa em primeira instância, a terminar o chamado 'encerramento'." (Ac. STJ de 11.06.87, Lima Cluny, www.dgsi.pt).
Como resulta da lei de processo, mercê da natureza da própria acção executiva, que não se compadece com a incerteza da dívida exequenda, designadamente, quanto ao seu valor, "é antes do requerimento executivo que o exequente requer as diligências destinadas a tornar a obrigação certa e exigível e no requerimento executivo que requer a prova de que o é, quando a verificação destes requisitos não resulta do título executivo, bem como a liquidação da obrigação (...)." (Código do Processo Civil Anotado, Volume 30, José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, Coimbra Editora, pág. 244). Para além do mais, decorre das próprias regras do contraditório, que o executado tem de saber o que lhe está a ser peticionado, para se poder eventualmente defender, como é o caso da possibilidade de dedução da excepção peremptória de prescrição dos juros (cfr. Artº 813º alínea g) do Código do Processo Civil).
Assim, não obstante na sentença os aí Réus terem sido condenados a pagar à Autora a quantia de Esc: 3.195.929$00, acrescida de juros de mora, a exequente, no requerimento executivo peticionou apenas a quantia de Esc: 3.195.929$00, acrescida de juros moratórios à taxa legal, não liquidando os juros.
Em face do requerimento executivo, tal como a exequente o apresentou, o processo correu os seus trâmites tendo sempre como parâmetro, em termos de valor, o que foi indicado, tendo sido considerados, como decorre do arte 805 nO 2 do Código do Processo Civil, os juros que se venceram no decurso da presente acção executiva, contados da data do requerimento inicial.
Conforme já atrás se referiu, a alteração do pedido constante do nº 2 do artº 273º do Código do Processo Civil, está prevista para o processo declarativo (artº 466º nº 1 do Código do Processo Civil), não sendo compatível com a natureza da acção executiva (que não se compadece com modificações objectivas, possíveis no processo declarativo na sua fase de instrução), pois que, "para que possa ter lugar a sua realização coactiva, a prestação constante do título executivo deve mostrar-se certa, exigível e líquida (-) pressupostos específicos da acção executiva (obra citada, pág. 243).
Dispõe o Código Civil:
ARTIGO 273º
(Alteração do pedido e da causa de pedir na falta de acordo)[1]
1. Na falta de acordo, a causa de pedir só pode ser alterada ou ampliada na réplica, se o processo a admitir, a não ser que a alteração ou ampliação seja consequência de confissão feita pelo réu e aceita pelo autor.
2. O pedido pode também ser alterado ou ampliado na réplica; pode, além disso, o autor, em qualquer altura, reduzir o pedido e pode ampliá-lo até ao encerramento da discussão em 1ª instância se a ampliação for o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo.
3. Se a modificação do pedido for feita na audiência de discussão e julgamento, ficará a constar da acta respectiva.
4. O pedido de aplicação de sanção pecuniária compulsória, ao abrigo do disposto no nº 1 do artigo 829º-A do Código Civil, pode ser deduzido nos termos da segunda parte do nº 2.
5. Nas acções de indemnização fundadas em responsabilidade civil, pode o autor requerer, até ao encerramento da audiência de discussão e julgamento em primeira instância, a condenação do réu nos termos previstos no artigo 567º do Código Civil, mesmo que inicialmente tenha pedido a condenação daquele em quantia certa.
6. É permitida a modificação simultânea do pedido e da causa de pedir, desde que tal não implique convolação para relação jurídica diversa da controvertida.
ARTIGO 466º
(Disposições reguladoras)
1. São subsidiariamente aplicáveis ao processo de execução, com as necessárias adaptações, as disposições reguladoras do processo de declaração que se mostrem compatíveis com a natureza da acção executiva.
2. À execução para entrega de coisa certa e para prestação de facto são aplicáveis, na parte em que o puderem ser, as disposições relativas à execução para pagamento de quantia certa.
3. À execução sumária aplicam-se supletivamente as disposições do processo ordinário, com as necessárias adaptações.
4. Às execuções especiais aplicam-se subsidiariamente as disposições do processo ordinário ou sumário, consoante o título em que se fundem, nos termos do artigo 465º.
É sabido que processo declarativo e processo executivo são completamente diferentes: o primeiro visa declarar o direito, fixá-lo com rigor, o segundo visa cobrar a obrigação antes declarada ou apurada em título executivo diverso.
São pois formas processuais com lógicas e fins diferentes.
São também processos cuja tramitação diverge substancialmente.
Dispõe a lei que a ampliação do pedido pode fazer-se em certas condições até à réplica e noutras condições até ao encerramento da discussão em 1ª instância.
Ora no processo executivo não existe réplica nem discussão da causa – a aceitar-se a figura da ampliação no processo executivo, quais os limites temporais, as balizas processuais que limitam a sua formulação ?
Tais balizas e limites têm que existir, sob pena de se cair numa pouco razoável anarquia processual.
Propendemos pois a não aceitar a figura da ampliação do pedido em processo executivo.
Mas admitindo que a ampliação possa ser formulada, terá ao menos que respeitar minimamente a ratio do preceito que a permite, ou seja, deve essa ampliação ser o resultado do desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo, como o decidiu o seguinte acórdão do Supremo Tribunal de Justiça seguinte:
I - Uma das modificações da instância, de carácter objectivo, que a lei permite é a possibilidade de o autor ampliar o pedido até ao encerramento da discussão em 1 instancia, se a ampliação for o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo artigo 273, n. 2 do Codigo de Processo Civil).
II - O disposto no artigo 273, n. 2 do Código de Processo Civil e subsidiariamente aplicável, ao processo de execução, por força do disposto no artigo 801 do mesmo diploma, pois que em relação ao processo executivo não há disposição expressa relativa a ampliação do pedido.
III - E pois possível que, uma acção executiva em que no pedido inicial se peticiona o pagamento de quantia certa (letras aceites pelo executado e não pagas na data do vencimento), se venha posteriormente, alegando o vencimento de juros, pedir o pagamento destes, o que constitui sem duvida desenvolvimento do pedido primitivo.
IV - Essa ampliação do pedido baseia-se na mesma causa de pedir, no mesmo titulo executivo, nisso se distinguindo da acumulação sucessiva de pedidos (artigo 54 do Código de Processo Civil) que pressupõe a existência de mais um titulo.
V...VI...
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7.11.90 (Relator: Leite Marreiros), alcançável na base de dados do Tribunal alojada no endereço www.dgsi.pt/ .
Ora no caso sub judice está apurado que que:
1 - A Massa Falida de Vitamealo Vitaminados para Animais, requereu execução da sentença que condenou os executados, (A) e (B) a pagar à exequente a quantia de Esc: 3.195.929$00 (três mil cento e noventa e cinco mil novecentos e vinte e nove escudos), acrescida de juros de mora à taxa legal.
2 - Fixou o valor à acção em Esc: 3.195.929$00.
3 - Na petição inicial, a exequente não liquidou os juros vencidos.
4 - Por requerimento de fls. 40, a exequente vem requer a ampliação do pedido executivo, nos termos do 273º no 2 do Código do Processo Civil, pedindo então que os executados pagassem também os quantitativos de juros vencidos desde a citação.
Não vemos como o pedido de juros nestas condições pode ser encarado como o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo no sentido em que a lei o consagra.
O que se pretende com a possibilidade da ampliação do pedido é tão só proporcionar às partes uma adequada tutela dos seus direitos já na pendência do processo, por forma a que o desenvolvimento da lide lhes não impeça de alcançar um resultado razoável.
No caso vertente o pedido de juros podia e devia ter sido formulado logo na petição inicial da execução, uma vez que reflecte com clareza o título executivo de que a parte dispunha.
Não o tendo sido, não é agora que ele poderá ser admitido, pois ele não representa o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo – o pedido de juros é (ou devia ter sido) parte do próprio pedido primitivo, e não a sua consequência.
Assim, o agravo não deve obter provimento.
III - Decisão.
De harmonia com o exposto, nos termos das citadas disposições, acordam os Juízes desta Relação em negar provimento ao agravo, mantendo na totalidade a douta decisão do Tribunal a quo.
Custas pela agravante.
Lisboa e Tribunal da Relação, 28/04/2005
Francisco Bruto da Costa
Catarina Arelo Manso
António Valente
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[1] Sublinhados e negritos nossos.