Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
10642/06-2
Relator: FARINHA ALVES
Descritores: INTERVENÇÃO DE TERCEIROS
ACÇÃO DE REGRESSO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/08/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário: O incidente de intervenção acessória tem como única finalidade estender ao chamado o efeito de caso julgado a obter com a decisão a proferir na acção, em particular se ela for condenatória. O que se pretende é evitar que na acção de regresso que, eventualmente, venha a ser posteriormente instaurada, a parte demandada possa questionar o resultado da acção anterior, onde foi proferida a condenação que serve de base à acção de regresso.
Tal incidente não interfere com a delimitação do objecto da acção, mantendo-se inalteradas as questões submetidas à apreciação do tribunal, sendo o chamado admitido a discuti-las, na medida em que nisso possa ter interesse, sendo-lhe estendido, a final, o efeito de caso julgado a formar com a decisão que vier a recair sobre o objecto da acção.
Não é impeditivo da intervenção acessória o facto de a eventual acção de regresso ser da competência material dos tribunais administrativos.
O juízo de viabilidade da acção de regresso, e o da sua conexão com a causa principal, previstos no n.º 2 do art.º 331 do CPC, são formulados em abstracto, confrontando os fundamentos da acção com os do invocado direito de regresso.
(FA)
Decisão Texto Integral: 5

Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa

A, S.A. intentou contra B, L.da, ambas com os sinais dos autos, acção declarativa de condenação com processo comum ordinário, pedindo, para além do mais, que esta, fosse condenada a pagar-lhe determinada quantia a título de indemnização do acréscimo de custos que a autora teve de suportar, no âmbito de um contrato de subempreitada celebrado entre as partes, decorrentes da suspensão temporária dos trabalhos que lhe foi imposta.
Citada, a ré apresentou contestação onde, para além do mais, requereu a intervenção acessória do Instituto C, o dono da obra, alegando que foi este quem suspendeu temporária e unilateralmente a empreitada, o que lhe confere direito de regresso contra o chamado se vier a ser condenada no pedido formulado.
Admitido o chamamento, o chamado deduziu contestação, dizendo, para além do mais:
- Para intervir nos autos o chamado tem de suscitar questões que se relacionam directamente com a execução de um contrato de empreitada de obras públicas, de natureza administrativa, da competência material dos tribunais administrativos.
Verifica-se, pois, a incompetência material do tribunal.
- Não existe o invocado direito de regresso, uma vez que o dono da obra pública não responde perante terceiros, no caso o subempreiteiro, pelos danos causados pelo empreiteiro.

A requerente do chamamento respondeu, sustentando a sua admissibilidade.

As excepções assim invocadas foram desatendidas no despacho saneador.
Entendeu-se, por um lado, que o chamamento já havia sido admitido, e que não fora interposto recurso dessa admissão e, por outro, que a intervenção do chamado era limitada à questão de saber se o atraso na execução das obras, que fundamenta parte do pedido, não é da responsabilidade da ré, mas do chamado, questão para a qual o tribunal comum é competente, não sendo questionadas aqui as relações contratuais estabelecidas entre estas duas partes.

Inconformado, o chamado agravou do assim decidido, tendo apresentado alegações onde, em extensas conclusões, suscita as seguintes questões:

- Não cabendo recurso do despacho que ordenou a sua citação, era na contestação que o ora agravante podia suscitar a falta de fundamento do seu chamamento.
- Na sua qualidade de dono de uma obra pública, o chamado não responde perante terceiros, designadamente subempreiteiros, por danos causados pelo empreiteiro.
- Mesmo a questão da suspensão dos trabalhos, e da sua imputação à ré ou ao chamado, envolve a apreciação e decisão de questões emergentes do contrato de empreitada, sendo, pois, o tribunal comum materialmente incompetente.

A agravada contra-alegou, defendendo a confirmação do julgado.

Sendo o objecto dos recursos delimitado pelas conclusões, está em causa no presente agravo apreciar as questões acima enunciadas, para onde agora se remete.

A matéria de facto a ter em conta é a que decorre do relatório que antecede, cuja compreensão não reclama, agora, maiores especificações.

O Direito:

Em relação à primeira questão, julga-se que assiste razão ao agravante, nos precisos termos em que a mesma vem equacionada, a saber:
Nos termos do art.º 234. n.º 4 do CPC, o despacho que ordenou a sua citação não admitia recurso, sendo remetida para a sua contestação toda a sua defesa que o mesmo pudesse deduzir, seja em relação à causa propriamente dita, seja em relação ao próprio incidente, designadamente quanto à admissibilidade do mesmo. Não se conceberia, com efeito, que o chamado não pudesse discutir a verificação dos pressupostos do seu chamamento.
Já em relação a esta verificação se nos afigura que não lhe assiste razão, parecendo-nos que deve ser reconhecida a existência de fundamento para o chamamento que foi admitido.
É que, tanto quanto nos é dado avaliar, o incidente de intervenção acessória aqui em discussão tem como única finalidade estender ao chamado o efeito de caso julgado a obter com a decisão a proferir na acção, em particular se ela for condenatória. O que se pretende é evitar que na acção de regresso que, eventualmente, venha a ser posteriormente instaurada, a parte demandada possa questionar o resultado da acção anterior, onde foi proferida a condenação que serve de base à acção de regresso.
Ou seja, o objecto da presente acção não se altera em função do incidente de chamamento e da contestação do chamado. O processo apenas passa a admitir uma nova contestação, contendo a posição do chamado sobre a matéria de facto que fundou o chamamento, mas as questões a discutir continuam a ser apenas aquelas que contendam com a apreciação do pedido formulado na acção. Em especial, o tribunal não vai pronunciar-se sobre a verificação de qualquer dos fundamentos do pretendido direito de regresso, matéria que será apurada, se for caso disso, na acção a intentar com tal fundamento.
Por isso, o chamado é admitido a intervir como mero auxiliar na defesa e, como se referiu, o único efeito útil do chamamento consiste em impedir que na acção de regresso volte a ser discutida a decisão proferida na acção anterior, que lhe serve de base.
Donde se conclui que a intervenção acessória assim provocada não interfere com a delimitação do objecto da acção, mantendo-se inalteradas as questões submetidas à apreciação do tribunal, sendo o chamado admitido a discuti-las, na medida em que nisso possa ter interesse, sendo-lhe estendido, a final, o efeito de caso julgado a formar com a decisão que vier a recair sobre o objecto da acção.
E se o direito de regresso não vai ficar reconhecido na decisão final, ainda menos poderia ficar no despacho que admite tal incidente, ou aprecia a oposição contra ele deduzida. O juízo de viabilidade da acção de regresso, e o da sua conexão com a causa principal, previstos no n.º 2 do art.º 331 do CPC, são formulados em abstracto, confrontando os fundamentos da acção com os do invocado direito de regresso.
Segundo se julga, este juízo mostra-se adequadamente feito na situação dos autos, parecendo seguro que não está em causa uma eventual responsabilidade do chamado por actos da empreiteira, requerente do chamamento, mas por actos próprios.
Como se referiu, na acção vem formulado, para além do mais, um pedido de indemnização por danos decorrentes da suspensão dos trabalhos e a ré pretende que tal suspensão não lhe é imputável, mas antes ao chamado, fazendo assentar aí o seu direito de regresso. E, quanto a nós, isso é o bastante para justificar a admissão do chamamento, possibilitando ao chamado intervir nos autos ao lado da ré, e subordinadamente a esta, designadamente quanto àquela questão da imputação da suspensão dos trabalhos.
O que só muito lateralmente poderá contender com alguma questão cuja resolução pressuponha a directa aplicação do contrato de empreitada, tal como, de resto, é confirmado pelo teor da impugnação do chamado à matéria dos autos, contida nos art.ºs 37 e ss. do seu articulado.

Mas ainda que assim não fosse, julga-se que nem por isso o chamamento deveria deixar de ser admitido.
Sendo inquestionável que a acção foi intentada no tribunal materialmente competente, a seguir-se o entendimento do ora agravante, ficaria inviabilizada a dedução do incidente de chamamento, e a prossecução dos fins pelo mesmo visados, possibilitando-se que a mesma questão fosse sucessivamente discutida, em dois tribunais diferentes, apenas com a alteração de uma das partes e da posição processual de outra, sujeitando-se a ora agravada, e requerente do chamamento, a um risco acrescido, atenta a possibilidade de não conseguir provar na acção de regresso os factos que fundamentaram a sua condenação na acção anterior.
Conclui-se, pois, que não assiste razão ao agravante na oposição que deduziu à sua intervenção como parte acessória nos autos onde a mesma foi admitida, devendo ser mantida a decisão agravada.

Nos termos expostos, nega-se provimento ao agravo, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas pelo chamado.

Lisboa-08-03-2007


(Farinha Alves)

(Tibério Silva)

(Ezagüy Martins)