Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
7414/2007-2
Relator: FARINHA ALVES
Descritores: TÍTULO DE CRÉDITO
POSSE
USUCAPIÃO
HERANÇA
PERSONALIDADE JURÍDICA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/17/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Sumário: I - Os certificados de aforro são títulos representativos de direitos de crédito, não tendo qualquer autonomia em relação aos direitos que incorporam.
II - Os direitos de crédito são insusceptíveis de posse e de aquisição por usucapião.
III - A herança que já foi aceite pelos interessados, e que até já foi parcialmente partilhada, não goza de personalidade judiciária, não podendo ser admitida a intervir como parte em processo judicial.
IV - Tendo sido requerida, e admitida, a intervenção nos autos de herança já aceite e partilhada, não se pode ficcionar, em função do trânsito do despacho de admissão, que a intervenção assim admitida passou a visar os próprios herdeiros, chamados a intervir na qualidade de representantes da herança.
Deste modo, uma vez atingida a fase da decisão final, não podia haver lugar à condenação da herança, destituída, desde o início da sua intervenção, de personalidade judiciária, nem à condenação dos herdeiros, não demandados.
Com o que não se desrespeita qualquer caso julgado anterior, seja do despacho que admitiu a intervenção, seja do despacho saneador que julgou sanada, com a intervenção da herança, a excepção de ilegitimidade. A absolvição da instância proferida na decisão recorrida não foi fundada em ilegitimidade, mas em falta de personalidade judiciária.
(FA)
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa

A. veio propor a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum ordinário, contra B. e C., pedindo que fosse reconhecida a sua qualidade de herdeiro de D. e que os Réus fossem solidariamente condenados a restituir ao Autor, enquanto cabeça-de-casal no processo sucessório, a quantia de € 14.898,86 (catorze mil, oitocentos e noventa e oito euros e oitenta e seis cêntimos), acrescida dos respectivos juros, a determinar pela Direcção Geral da Junta do Crédito Público, desde a data do reembolso indevido dos certificados de aforro até efectivo e integral pagamento, montante esse a ser liquidado em execução de sentença.

Para tanto, o Autor alegou, em síntese:

- É cabeça-de-casal no processo sucessório iniciado por óbito de D., falecida em 08.01.1995;
- À data da sua morte, a D. era titular de dois certificados de aforro e o 1º Réu era beneficiário da cláusula de movimentação;
- Após a morte da titular dos certificados, o 1º Réu, em 20 de Dezembro de 1996, amortizou-os e com o respectivo produto, no valor de Esc. 2.986.954$00, pagou uma dívida que tinha e entregou o remanescente à Ré.
- O Réu tinha perfeito conhecimento da morte da titular, de que não era herdeiro e que esse dinheiro não lhe pertencia.

Citados os Réus contestaram, dizendo em síntese:

- Estão na posse dos certificados de aforro desde a data da sua constituição, por os mesmos lhes terem sido doados pela D., não os tendo levantado antes de 1996 unicamente por deles não terem precisado.
- O A. e os outros herdeiros bem sabiam da existência dos certificados e de que os mesmos pertenciam aos RR.
- Os Réus adquiriram a propriedade de tais certificados por usucapião, uma vez que se mostram largamente excedidos os prazos do artigo 1299º do Código Civil.
E deduziram reconvenção, pedindo que a herança, representada pelo A., ou subsidiariamente através da sua intervenção principal provocada, fosse condenada a pagar-lhes a quantia de € 19.335,34 acrescida de juros até pagamento, montante a que ascendem as despesas da falecida M, sua tia, que pagaram.
Terminaram pedindo, à cautela e subsidiariamente, a intervenção principal da herança aberta por óbito da referida D.

O Autor replicou opondo, no que respeita ao pedido reconvencional:

- O crédito ora reclamado, apenas enquadrável no regime do enriquecimento sem causa, encontra-se prescrito.
- A acção deveria ser intentada contra todos os herdeiros e não contra a herança, destituída de personalidade jurídica.
- Impugnam as despesas alegadas pelos reconvintes, que dispunham de dinheiro da falecida para lhes fazer face.
- A herança em causa já foi aceite pelos herdeiros, e até partilhada, não tendo, por isso, personalidade judiciária, não devendo ser admitida sua intervenção nos autos.

Em resposta, os reconvintes opuseram que a herança ainda não fora objecto de partilha.

Findos os articulados, foi admitida a intervenção principal da herança aberta por óbito da D., representada pelos seus herdeiros.
Procedendo nessa qualidade, cinco dos citados vieram declarar que faziam seus os articulados do A. No mesmo requerimento, uma sexta citada veio requerer que a sua intervenção fosse dada sem efeito, por não ser herdeira.
Em requerimento autónomo, veio outro citado declarar que fazia seus os articulados dos RR.
No despacho saneador, foi dada sem efeito a intervenção da chamada E. por não ser herdeira, e foi julgada sanada, pela intervenção da herança, representada pelos herdeiros, a excepção de ilegitimidade passiva deduzida na contestação da reconvenção.
Os autos prosseguiram para julgamento, realizado com registo da prova produzida, culminando na decisão de facto que consta de fls. 640 a 647.

Seguiu-se a sentença, onde foi proferida a seguinte decisão:
« Assim, nos termos e pelos fundamentos expostos, decide-se:
3.1. Julgar improcedente a excepção de aquisição por “usucapião” dos certificados de aforro dos autos, invocada pelos Réus.
3.2. Julgar a acção procedente, por provada, e, em consequência, condenar os Réus a pagar aos Autores a quantia de € 14.898,86 (catorze mil, oitocentos e noventa e oito euros e oitenta e seis cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa aplicável aos juros civis, a contar de 20.12.1996 até integral pagamento.
3.3. Absolver a Reconvinda – herança aberta por óbito de D., representada pelos seus herdeiros – da instância reconvencional, atenta a sua falta de personalidade judiciária.»

Inconformada, a R. C. apelou do assim decidido, tendo apresentado alegações onde formula as seguintes conclusões:

1 °- A sentença recorrida julgou improcedente a excepção da aquisição por usucapião dos certificados de aforro dos autos.
2°- Julgou a acção procedente, por provada, e condenou os RR. a pagar aos AA. a quantia de 14.898, 86 E, acrescida de juros de mora até integral pagamento.
3°- Absolveu a reconvinda - herança representada pelos seus herdeiros, da instância reconvencional, atenta a sua falta de personalidade judiciária.
4°- Condenou os RR nas custas da acção e da reconvenção.
5°- Porém, a nosso ver e salvo o devido respeito, decidiu mal o meritíssimo Juiz "a quo ".
6°- Na verdade, resulta da prova gravada que os certificados foram doados pela D. aos RR.
7°- Tal prova resulta do depoimento da testemunha S., depoimento gravado em C-90/1, lado B; C- 90/2, lado A/B.
Vide, também, depoimento da testemunha S. - depoimento gravado em C - 90/2, lado B.
8°- Por seu lado, a testemunha dos RR., R., referiu que os certificados foram dados aos RR. pela D., que sabe de tal doação por ter sido efectuada na sua presença - vide depoimento gravado em C - 90/5, lado A/B.
9°- Pelo que há muito se encontraram ultrapassados os prazos de usucapião, forma de aquisição da propriedade que não está vedada aos certificados de aforro.
10°- Na verdade os RR. foram investidos na propriedade e na posse dos certificados aquando da entrega dos documentos que os titulavam aos RR.
11°- Facto presenciado pessoalmente pela testemunha R. e por ele situado no tempo.
12°- Com a doação os certificados foram integrados no património dos RR. embora só a Ré tenha beneficiado dessa integração – vide resposta negativa ao quesito 3°.
13° Pelo que não poderá o R. ser condenado a restituir o mandante dos certificados por deles não ter beneficiado.
14°- Os RR nada sonegaram à herança.
15°- No que toca ao pedido do A., cumpre referir que este deduziu petição de herança peticionando também o reconhecimento da sua qualidade de herdeiro.
16°- A sentença não se pronunciou expressamente sobre o pedido formulado. Pelo que é nula, nos termos da al. d) do n°. 1 do art. 668° do C. P. C..
17°- Contudo decidiu que o A. tem direito de peticionar a restituição do montante dos certificados ao abrigo do disposto no art. 2078° do C.C..
18°- Foi, na verdade esse o posicionamento do A. enquanto herdeiro e cabeça-de-casal, o que pressupõe a admissão da herança indivisa.
19° Porém, na réplica o A. vem defender que a herança havia já sido partilhada.
20°- Tal questão foi decidida a fls. 245 dos autos, tendo-se decidido pela inexistência de partilha, nos termos do art. 80° do C. de Notariado.
21°- Admitiu-se, ainda, a intervenção da herança na acção do lado activo a título principal, - artigos. 325 n°. 1 do C.P.C. e 2091 do C.C..
22°- O referido despacho transitou em julgado.
23°- Na réplica o A. deduziu a excepção de ilegitimidade passiva relativamente ao pedido reconvencional, defendendo que o mesmo deveria ter sido deduzido contra todos os herdeiros.
24°- Em sede de despacho saneador foi decidido encontrar-se sanada a excepção da ilegitimidade passiva do A., pelo que a mesma foi julgada improcedente.
25°- O despacho saneador transitou em julgado.
26°- Não poderiam ter voltado a ser apreciadas tais questões.
27°-Acresce que o facto de poder ter havido a venda de um imóvel da herança, efectuado por todos os herdeiros, não pressupõe a existência de partilha, uma vez que a escritura de compra e venda não a comprova e não há escritura de partilha.
28°- Em nosso entender, não tendo havido partilha, os bens da herança respondem colectivamente pelos encargos – art. 2097 do C.C..
29° Os RR. deduziram o pedido reconvencional contra o A, enquanto cabeça de casal e herdeiro e atentos os pressupostos das normas legais por ele invocadas na p. i. contra os RR..
30°- Os bens visados foram sempre o património autónomo que compõe a herança indivisa.
Contudo, a reconvenção foi deduzida contra o A. enquanto cabeça de casal e herdeiro.
31°- A herança foi visada apenas com o chamamento à intervenção principal.
32°- O pedido reconvencional foi posteriormente dirigido a todos os herdeiros, conforme decidido em sede de despacho saneador transitado em julgado.

Nestes termos e nos mais de direito que serão por Vossas Excelências doutamente supridos, deverá:
a) Julgar-se procedentes as nulidades deduzidas, com todas as legais consequências, nomeadamente revogando a sentença recorrida, substituindo-se a mesma por outra a:
b) Julgar procedente a excepção de aquisição por usucapião dos certificados de aforro, por via da doação operada a favor dos RR., e em consequência,
c) Julgar a acção improcedente, absolvendo-se os RR. dos pedidos.
d) Julgar procedente o pedido reconvencional deduzido contra todos os herdeiros e, em conformidade, condenar-se os mesmos a pagar através dos bens da herança indivisa a quantia de 18.525, 41 €, conforme peticionado.

Os apelados contra-alegaram, defendendo a confirmação do julgado.

Sendo o objecto dos recursos delimitado pelas respectivas conclusões, ressalvadas as questões que sejam do conhecimento oficioso do tribunal, está em causa na presente apelação saber:

- Se deve ser julgado provado que os certificados de aforro discutidos nos autos foram doados aos ora apelantes.
- Se os mesmos certificados devem ser considerados adquiridos por usucapião.
- Se a decisão ora recorrida, ao absolver a interveniente – herança aberta por óbito da D., representada pelos seus herdeiros – da instância reconvencional, pelo facto de a sua intervenção ter sido requerida já depois de a referida herança ter sido aceite e até partilhada, desrespeitou o caso julgado formado pela decisão que admitiu a intervenção, onde se considerou que não estava provada a existência de partilha, ou pelo despacho saneador, onde se julgou sanada a excepção de ilegitimidade invocada pelo A/reconvindo.
- Se da decisão que, assim, julgou sanada a excepção de ilegitimidade, fundada na alegação de que a reconvenção deveria ter sido deduzida contra todos os herdeiros, decorre que o pedido reconvencional passou a ser dirigido contra todos os herdeiros.
- E se estes devem ser condenados a pagar, através dos bens da herança, o montante do pedido reconvencional.

Vejamos:

A - Se deve ser julgado provado que os certificados de aforro discutidos nos autos foram doados aos ora apelantes.

Apreciada a prova produzida, em particular o depoimento prestado pela testemunha R., julga-se que não pode ser reconhecida razão aos ora apelantes.
Essa prova não foi, seguramente, feita através dos depoimentos prestados pelas testemunhas S. e S., invocados nas alegações e conclusões de recurso, nem, ao que se julga, isso é defendido pela apelante. Em relação a esta questão concreta, a posição da apelante parece ser apenas a de não aceitar que do depoimento destas testemunhas resulte que não houve doação dos certificados de aforro.
Em todo o caso, é seguro que desses depoimentos não resulta qualquer prova no sentido da existência dessa doação, e só isso releva agora, pois que, segundo se julga, essa prova também não foi feita através do depoimento da testemunha R..
A questão começou por lhe ser posta frontalmente, sendo-lhe sucintamente enunciadas as posições das partes em relação aos certificados de aforro – os AA. dizem que os certificados de aforro foram indevidamente levantados e o Dr. B. e a Dr.ª C. dizem que eles lhes foram doados – e a resposta, de alguma extensão, pode ser sintetizada com a expressão com que foi iniciada, a saber: “eu tenho conhecimento da existência de certificados de aforro e de coisas ligadas à parte financeira”, cuja primeira parte foi repetida no final. Ou seja, foi-lhe directamente perguntado se sabia que os certificados de aforro haviam sido doados aos RR. e a resposta não incluiu qualquer pronúncia sobre essa questão.
No seguimento da inquirição, a testemunha declarou estar convencido que os certificados de aforro, embora pertencentes à “tia T”, também estavam em nome do réu B., desconhecendo a cláusula de movimentação. Esta convicção da testemunha, em relação à contitularidade dos certificados de aforro, parece traduzir a convicção da testemunha em relação à destinação dos ditos certificados de aforro, tal como resultou provado em relação a determinados depósitos bancários mas, nem essa contitularidade era real, nem essa convicção se ajusta á parte inicial, já referida, do depoimento, nem à parte subsequente, designadamente quando se referiu à pretensa doação ocorrida num dia de aniversário em que esteve presente.
Tendo-lhe sido perguntado se havia presenciado alguma coisa relacionada com os certificados ou com os depósitos a prazo que o levasse a dizer que os RR. podiam dispor deles, referiu a situação, ocorrida numa festa de aniversário, de “ a tia T ter entregue (ao réu B.) aquilo que me pareceu que eram certificados de aforro”.
Instado a esclarecer o que é que se tinha passado, disse que “a tia T nesse aniversário, que terá sido no ano de 1992, fez questão de, pelo menos, facultar os certificados propriamente ditos ao Dr. B. e à Dr.ª C.”, acrescentando um pouco adiante, e na sequência de mais pedidos de esclarecimento, que “os certificados foram entregues ao Dr. B. e à Dr.ª C. para que, se eles necessitassem desse dinheiro, o poderem utilizar”, concluindo daí que os certificados lhes ficaram destinados, sem prejuízo de a “tia T” os poder utilizar se precisasse.
Por fim, quando confrontado com o pagamento, efectuado pelos RR, das despesas da “tia T”, afirmou, “aquele dinheiro dos certificados de aforro era exactamente para isso”, afirmação que repetiu mais adiante.
Ora, feita a síntese do depoimento assim prestado, julga-se que não carece de maior justificação a afirmação de que não é possível fazer assentar nele a demonstração de que os certificados de aforro foram efectivamente doados aos ora apelantes.
Para além de que, esta pretensa doação também não se ajusta aos termos em que a matéria em causa foi alegada pelos apelantes. Como se referiu, estes alegaram que estão na posse dos certificados de aforro desde a data da sua constituição, estando eles, e a doadora D., convencidos de que eram contitulares dos títulos em causa. Ora, se fosse essa a sua destinação inicial e a convicção das pessoas interessadas, careceria de sentido uma nova doação, agora em finais de 1992, na dita festa de aniversário. E, já agora, também não seria justificada a inclusão desses certificados no resumo da carteira de títulos pertencentes à referida D., apresentada pelos RR aos herdeiros daquela em Agosto de 1993, junta a fls. 165 dos autos.
Como quer que seja, julga-se que não é possível fundar no referido depoimento a convicção de que houve uma efectiva doação dos certificados de aforro.

A matéria de facto a considerar é, pois a fixada na decisão recorrida, ali relacionada como segue:
2.1.1. D. faleceu em 08.01.1995, sem deixar descendentes ou ascendentes vivos e sem testamento ou qualquer disposição de última vontade (al. A).
2.1.2. Vindo-lhe a suceder, como únicos herdeiros, os sobrinhos JM, ora Autor, ME, MH, MI, AJ, AJP, conforme certidão de fls. 236 a 240 (al. B).
2.1.3. O Autor é cabeça-de-casal no processo sucessório iniciado por morte de D.(al. C).
2.1.4. A falecida D. subscreveu dois certificados de aforro - série B, nºs 16133951 e 16827783 (al. D).
2.1.5. O Réu B. era beneficiário da cláusula de movimentação de ambos os certificados de aforro (al. E).
2.1.6. Em 20.12.1996, o Réu B. amortizou os certificados de aforro referidos em 2.1.4., ascendendo o seu valor à data em Esc. 2.986.954$00 (al. F).
2.1.7. A falecida D. abriu duas contas de depósito a prazo no Montepio Geral, no montante de Esc. 500.000$00 cada, figurando AJP como segundo titular das contas (al. G).
2.1.8. Em 20.08.1993, AJP, procedeu ao depósito do montante referido em 2.1.7., em numerário, na sua conta corrente (al. H).
2.1.9. Duas das herdeiras da D., segundas titulares, cada uma delas, de uma conta de depósito a prazo da titularidade da D., no montante de Esc. 400.000$00, procederam ao levantamento dos respectivos montantes após o falecimento da D. (al. I).
2.1.10. No dia 17.06.1993, os AA. procederam à inventariação dos bens pertencentes à D., na sua residência em Lisboa, e à descrição de disposições para procedimentos futuros, nos termos do documento de fls. 64 a 79 (al. J).
2.1.11. A relação de bens deixados por óbito de D.a apresentada na repartição de finanças, em 19.06.1995, é a que consta da certidão junta a fls. 211 a 215 (al. L).
2.1.12. Por testamento público outorgado em 09.11.1990, a D., declarou que deixava em “legado a sua sobrinha, ora R., (…) o prédio urbano onde esta se encontra actualmente a residir, naquela citada Rua de Santo Amaro, acrescido de todo o recheio”, conforme certidão de fls. 123 a 125 (al. M).
2.1.13. Por escritura de revogação de testamento outorgada em 28.10.1993, a D. declarou que revogava, para que nenhum efeito produzisse, o testamento que fez no dia 09.11.1990, conforme certidão de fls. 126 a 128 (al. N).
2.1.14. A ora 2ª Ré, intentou contra os ora AA. acção ordinária em que pediu se declarasse anulada aquela escritura de revogação de testamento. (al. O).
2.1.15. Tendo sido proferida decisão, datada de 09.05.1998, a julgar a acção improcedente, conforme certidão de fls. 190 a 193 (al. P).
2.1.16. Por escritura pública outorgada em 23.03.2000, os AA. declararam vender à 2ª Ré, que declarou aceitar a venda, o referido prédio urbano, pelo preço de Esc. 11.000.000$00, conforme certidão de fls. 283 a 290 (al. Q).
2.1.17. Os Réus, quando unidos por laços matrimoniais, viveram ao longo de vários anos na casa da D., em Pinheiro de Loures (resposta ao quesito 1º da base instrutória).
2.1.18. Em consequência das relações de confiança estabelecidas entre os Réus e a D., o 1º Réu era beneficiário da cláusula de movimentação dos certificados de aforro referidos em 2.1.4. (r. quesito 2º).
2.1.19. No momento da amortização dos certificados de aforro, os Réus tinham perfeito conhecimento do falecimento da D. e de que não eram herdeiros da falecida (r. quesito 5º).
2.1.20. a D. passava com os Réus os fins-de-semana e deles recebia apoio e assistência (r. quesito 6º).
2.1.21. Os Réus obviaram a todas as necessidades da D. e providenciaram para que nada lhe faltasse (r. quesito 7º).
2.1.22. A D. era viúva e não tinha filhos (r. quesito 8º).
2.1.23. Ao longo dos anos a D. foi constituindo vários depósitos a prazo e outros, onde figurava como primeira titular e onde como segundos titulares figuravam familiares (r. quesito 9º).
2.1.24. Os segundos titulares dos depósitos sabiam que detinham essa qualidade (r. quesito 10º).
2.1.25. Os Réus pagaram do seu bolso as seguintes despesas referentes à D.:
a) Internamento no lar…………………......Esc. 2.767.941$00;
b) Extras……………………………………..Esc. 362.478$50;
c) À EPAL, referente à casa de Lisboa…..Esc. 10.390$00;
d) À EDP, referente à casa de Lisboa…….Esc. 71.570$00;
e) Renda da casa de Lisboa………………..Esc. 52.084$00;
f) Aos TLP, referente à casa de Lisboa…..Esc. 25.103$00;
g) Seguros……………………………………Esc. 14.645$00;
h) Material eléctrico…………………………Esc. 56.000$00;
i) À acompanhante da D.….Esc. 200.000$00;
j) Funeral ……………………………………Esc. 153.800$00
(r. quesito 20º).
2.1.26. Em Agosto de 1993, os Réus entregaram aos herdeiros da D., o resumo da carteira de títulos a esta pertencente, nele constando os certificados de aforro referidos em 2.1.4., conforme documento de fls. 165, que se dá por reproduzido (r. quesito 21º).
2.1.27. Os Réus geriam o património da D. (r. quesito 22º).
2.1.28. A herança da D. já foi aceite pelos herdeiros e estes já procederam à partilha dos bens (r. quesito 23º).
2.1.29. Todos os bens móveis da herança à excepção dos que constituíam o recheio da casa do Pinheiro de Loures, foram partilhados entre todos os herdeiros por acordo (r. quesito 24º).
2.1.30. Os bens móveis existentes na casa do Pinheiro de Loures, assim como a própria casa, foram vendidos pelos herdeiros à 2ª Ré (r. quesito 25º).
2.1.31. O preço da venda do único imóvel que fazia parte da herança e referido em 2.1.16. e do seu recheio, foi dividido por todos os herdeiros (r. quesito 26º).
2.1.32. Os Réus tiveram conhecimento do facto referido em 2.1.28. (r. quesito 27º).

B - Se os mesmos certificados devem ser considerados adquiridos por usucapião.

Esta é uma questão que, a nosso ver, não faz sentido. Os certificados de aforro são títulos representativos de direitos de crédito, não tendo qualquer autonomia em relação aos direitos que incorporam. Em causa estão, pois, apenas direitos de crédito, insusceptíveis de posse e de prescrição aquisitiva.
Mas ainda que assim não fosse, não se podendo julgar provada a existência da doação em que se funda a pretensão da apelante, a matéria de facto assente não permitiria julgar fundada aquela pretensão.

C - Se a decisão ora recorrida, ao absolver a interveniente – herança aberta por óbito de M, representada pelos seus herdeiros – da instância reconvencional, pelo facto de a sua intervenção ter sido requerida já depois de a referida herança ter sido aceite e até partilhada, desrespeitou o caso julgado formado pela decisão que admitiu a intervenção, onde se considerou que não estava provada a existência de partilha, ou pelo despacho saneador, onde se julgou sanada a excepção de ilegitimidade invocada pelo A/reconvindo.
- Se da decisão que, assim, julgou sanada a excepção de ilegitimidade, fundada na alegação de que a reconvenção deveria ter sido deduzida contra todos os herdeiros, decorre que o pedido reconvencional passou a ser dirigido contra todos os herdeiros.
- E se estes devem ser condenados a pagar, através dos bens da herança, o montante do pedido reconvencional.

Estas três questões estão ligadas entre si, justificando-se, por isso, a sua apreciação conjunta. E, antecipando a conclusão, julga-se que também aqui não assiste razão à apelante, devendo antes ser confirmada a bem fundamentada decisão recorrida.
Com efeito, sendo seguro que, quando foi requerida a intervenção nos autos da herança aberta por óbito da M, já esta herança havia sido aceite pelos interessados, tanto bastava para que a dita herança deixasse de ter personalidade judiciária, como bem se justificou na decisão recorrida. Aliás, mais do que aceite, a herança já então havia sido quase inteiramente partilhada. Mas bastava a aceitação.
Assim sendo, aquela intervenção não deveria ter sido efectivamente admitida, pois que a chamada não tinha personalidade judiciária, nem passou a detê-la por força dessa admissão.
E, com todo o respeito, não se pode ficcionar aqui que onde se requereu e admitiu a intervenção da herança deve entender-se, em função do trânsito do despacho de admissão, que essa intervenção passou a visar os próprios herdeiros. Estes intervieram nos autos na qualidade em que foram chamados a intervir, de simples representantes da herança.
Deste modo, uma vez atingida a fase da decisão final, não podia haver lugar à condenação da herança, destituída, desde o início da sua intervenção, de personalidade judiciária, nem à condenação dos herdeiros, não demandados.
Com o que não se desrespeita qualquer caso julgado anterior, seja do despacho que admitiu a intervenção, seja do despacho saneador que julgou sanada, com a intervenção da herança, a excepção de ilegitimidade. A absolvição da instância proferida na decisão recorrida não foi fundada em ilegitimidade, mas em falta de personalidade judiciária.

Improcedem, pois, todas as conclusões da apelante.

Nos termos expostos, acorda-se em julgar improcedente a presente apelação, confirmando-se a douta decisão recorrida.
Custas pela apelante.

Lisboa, 17-01-2008


(Farinha Alves)
(Tibério Silva)
(Ezagüy Martins)